o tratamento dos dados de saúde e a sua relação com a história

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O TRATAMENTO DOS DADOS DE SAÚDE E A SUA RELAÇÃO
COM A HISTÓRIA CLÍNICA
(PROJECTO DE DOCUMENTO ELABORADO PELO GRUPO DE TRABALHO REUNIDO EM
SANTA CRUZ DE LA SIERRA – BOLÍVIA – ENTRE OS DIAS 3 E 5 DE MAIO DE 2006)
SUMÁRIO: I. – INTRODUÇÃO. II. – O CONCEITO DE DADO DE SAÚDE. III. – O
TRATAMENTO DOS DADOS DE SAÚDE E A HISTÓRIA CLÍNICA. 1. Conceito de história
clínica. 2. Finalidade da história clínica. 3. Acesso à história clínica. 4.
Utilizações da história clínica. 5. Conservação, segurança e sigilo na história
clínica. IV. – A INTEGRAÇÃO E A COORDENAÇÃO DAS HISTÓRIAS CLÍNICAS. V. – O
CARTÃO INDIVIDUAL DE SAÚDE.
I. INTRODUÇÃO
A Declaração do México, aprovada por ocasião do IV Encontro Ibero-Americano
sobre Protecção de Dados, entre os dias 2 e 4 de Novembro de 2005, introduziu
uma secção especificamente relacionada com o tratamento dos dados de saúde
na qual, sinteticamente, se suscitavam as seguintes questões:
-
A consideração dos dados de saúde como dados especialmente
protegidos que exigem garantias específicas.
-
A necessidade de reflectir sobre a delimitação do conceito de dados de
saúde.
-
Os motivos que legitimam o seu tratamento.
-
A procura de um equilíbrio entre os direitos da pessoa relativamente aos
dados da sua informação clínica e o seu tratamento vinculado a razões
de interesse geral.
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A formulação desta lista de reflexões determinou que a Rede Ibero-Americana de
Protecção de Dados1 deliberasse sobre a constituição de um Grupo de Trabalho
específico sobre o tratamento de dados de saúde relacionados com a história
clínica para a elaboração de um documento que deverá ser apresentado no V
Encontro Ibero-Americano.
Ao abrigo do mandato anterior, o Grupo de Trabalho reuniu-se para elaborar o
presente documento em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia), entre os dias 3 e 5 de
Maio de 2006.
II. O CONCEITO DE DADO DE SAÚDE
A referência à saúde como um direito dos cidadãos é uma menção constante
tanto nos textos constitucionais, que proclamam os direitos fundamentais com ela
relacionados, como nas regulações sectoriais pormenorizadas no âmbito da saúde.
É difícil, contudo, encontrar num leque tão amplo de regulações um conceito que
facilite a delimitação do que são dados de saúde.
Esta delimitação suscita, pelo menos, duas questões relacionadas entre si. Por um
lado, a delimitação de que tipo de informações devem considerar-se vinculadas à
saúde da pessoa – p. ex., informações relativas à boa ou má saúde, a situações de
incapacidade ou de deficiência, à obesidade, ao nanismo, ao consumo de álcool
ou de drogas, à informação genética –, e, por outro lado, se o critério
interpretativo para determinar, em caso de dúvida, se se está ou não em
presença de dados de saúde, terá de ser restritivo ou extensivo.
A resposta a ambas as questões reveste-se de enorme importância prática, na
medida em que, partindo da premissa de que os dados de saúde têm de ser
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A Rede Ibero-Americana de Protecção de Dados, aberta a todos os países da Comunidade
Ibero-Americana, e expressamente reconhecida na XIII Cimeira Ibero-Americana de Chefes de
Estado e de Governo, realizada em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, em Novembro de 2003, foi
criada pela Declaração de Antígua, Guatemala, em Junho de 2003.
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objecto de garantias específicas, as respostas a dar determinarão um regime de
protecção mais amplo ou mais reduzido.
Relativamente à primeira questão, a Constituição da Organização Mundial de
Saúde (1946) (OMS) – Organismo especializado reconhecido pelas Nações Unidas,
em conformidade com o disposto no art.º 57.º da sua Carta – declara como
princípio básico a consideração da saúde como “um estado completo de bemestar físico, mental e social, e não apenas a ausência de afecções ou doenças”.
No âmbito regional, a Organização Pan-Americana da Saúde assinou com a
referida Organização o Acordo (1949), mediante o qual passa a fazer parte
daquela nos termos da referida Constituição.
Por seu lado, a Convenção n.º 108 do Conselho da Europa (1981) para a protecção
das pessoas relativamente ao tratamento automatizado dos dados de carácter
pessoal, na secção 45 da sua Memória Explicativa, delimita o conceito de dados
de saúde, considerando que abarca “as informações concernentes à saúde
passada, presente e futura, física ou mental de um indivíduo, podendo tratar-se
de informações sobre um indivíduo de boa saúde, doente ou falecido” e
acrescenta que abrange também “as informações relativas ao abuso de álcool ou
ao consumo de drogas”. Por sua vez, o Anexo à Recomendação (97) 5 do Comité
de Ministros do Conselho da Europa (1997) assinala que a expressão “dados
médicos” faz referência a todos os dados de carácter pessoal relativos à saúde de
uma pessoa e abrange também os dados que estão manifesta e estritamente
relacionados com a saúde, assim como as informações genéticas.
A Directiva 95/46/CE define os dados pessoais como “toda a informação sobre
uma pessoa identificada ou identificável”, considerando como identificável todo
o indivíduo cuja identidade possa ser determinada, directa ou indirectamente,
em particular mediante um número de identificação ou um ou vários elementos
específicos, característicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica,
económica, cultural ou social e atribui uma protecção especial aos dados de
saúde.
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No que a estes diz respeito, na sentença do Tribunal de Justiça das Comunidades
Europeias, de 6 de Novembro de 2003, Lindqvist, Assunto C –101/01, o Tribunal,
depois de ter considerado a informação relativa à lesão num pé e à situação de
baixa laboral como dados relativos à saúde da pessoa, acrescenta que “é
necessário proceder a uma interpretação extensiva do conceito de «dados de
saúde» constante do art.º 8.º, secção 1 (da Directiva 95/46/CE), de forma a
compreender a informação relativa a todos os aspectos, tanto físicos como
psíquicos, da saúde de uma pessoa”.
Atendendo ao exposto anteriormente, pode constatar-se que o conceito de dados
relacionados com a saúde não se limita a uma situação conjuntural da pessoa,
mas também se reporta a situações anteriores, presentes e futuras e à ausência
permanente de um estado de saúde pleno, pelo que compreende a informação
sobre situações relativas à incapacidade ou deficiência.
Pode concluir-se, consequentemente, que o conceito de dado de saúde apresenta
uma grande amplitude e que a interpretação do mesmo deve ter lugar mediante
um critério extensivo e não restritivo, a fim de atribuir-lhe o maior nível possível
de protecção.
III. O TRATAMENTO DOS DADOS DE SAÚDE E A HISTÓRIA CLÍNICA
Como já antes foi referido, na Declaração do México a Rede Ibero-Americana de
Protecção de Dados reconheceu de forma inequívoca que os dados de saúde
devem ser incluídos na categoria de dados especialmente protegidos, os quais
exigem instrumentos complementares de garantia (a legitimação para o
tratamento pode fundamentar-se unicamente numa habilitação legal ou no
consentimento explícito da pessoa, obtido através de informação prévia e
concreta sobre o tratamento que irá ser realizado e, muito especialmente, sobre
a finalidade ou finalidades determinadas e explícitas a que se destina a utilização
dos dados. O referido tratamento deverá ser levado a cabo mediante a
implementação de medidas de segurança exigidas ao mais alto nível e garantindo-
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se a confidencialidade da informação com base numa obrigação de sigilo
profissional por parte de todos quantos a ela possam aceder.
Estas garantias deverão tornar-se operativas num conjunto amplo de sectores, já
que o tratamento da informação relativa à saúde é produzido nos mais variados
contextos e actividades, tais como, a título exemplificativo, a assistência
sanitária, os seguros, a actividade laboral, o ensino, a investigação, a
biomedicina, os testes clínicos, os cuidados farmacêuticos, os serviços sociais, as
acções judiciais e o tratamento de dados genéticos.
No entanto, as análises específicas relativas a estes temas deverão ser matéria de
outros documentos, pelo que nos cingimos especificamente, no presente, ao
tratamento dos dados de saúde relacionados com a história clínica.
1. Conceito de história clínica.
A história clínica pode ser designada como um conjunto de documentos, qualquer
que seja o seu suporte -- papel, audiovisual, informático ou de outro tipo --, que
contenha dados, avaliações e informações de qualquer índole sobre a situação e a
evolução clínica de um paciente ao longo do processo assistencial, com
identificação dos médicos e demais profissionais de saúde que nele tenham
intervindo.
A obtenção, uso, arquivamento, custódia e transmissão da informação constante
da história clínica deverá corresponder a princípios básicos, tais como o respeito
pela dignidade da pessoa, a autonomia da sua vontade e privacidade e a
protecção dos seus dados pessoais.
Em conformidade com estes princípios, o indivíduo surge como destinatário por
excelência da informação relativa à saúde. Não obstante, este direito da pessoa
deverá ser compatível com outros bens jurídicos, por forma a que o princípio
básico do consentimento possa ver-se limitado, de acordo com os mecanismos
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próprios de uma sociedade democrática, ou seja, quando tal limitação constitua
uma medida necessária por razões de interesse geral reconhecidas numa norma
com força de Lei.
Também poderão existir casos em que o direito do paciente deva compatibilizarse com direitos de terceiros que exijam um nível de protecção equivalente.
2. Finalidade da história clínica.
Um dos princípios essenciais que garantem o direito fundamental à protecção de
dados pessoais é o da finalidade. Este princípio, ao delimitar os fins específicos
para os quais poderão vir a ser tratados os dados pessoais, torna possível
concretizar as utilizações lícitas da informação, analisar os fundamentos que
legitimam o seu tratamento e determinar as possíveis limitações aos direitos dos
afectados.
Por tal motivo, para dar resposta às considerações precedentes, torna-se
necessário analisar quais as finalidades da história clínica.
A este respeito, cabe afirmar que o fim primordial da história clínica deverá ser o
de facilitar a assistência sanitária, de modo a que dela façam parte todos aqueles
dados que, segundo um critério médico, permitam um conhecimento verdadeiro e
actualizado do estado de saúde.
Desta finalidade básica da história clínica resultam já algumas exigências
necessárias para a sua consecução, tais como, por parte do paciente, a obrigação
de facultar dados sobre a sua saúde de forma leal e verdadeira e colaborar na sua
obtenção e, por parte do profissional, o de fazer constar a sua intervenção e
incluir toda a informação obtida nos processos assistenciais e a que se revele
imprescindível para o conhecimento verdadeiro e actualizado do estado de saúde
do paciente.
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Por sua vez, os poderes públicos competentes deverão contribuir para que a
informação da história clínica permita atingir tal finalidade, mediante uma
regulação que estabeleça, pelo menos, o seu conteúdo mínimo.
Por fim, as autoridades competentes em matéria de saúde e os centros de saúde
públicos e privados deverão desempenhar uma função primordial, de modo a que
a história clínica seja utilizada mediante critérios de unidade e de integração em
cada uma das instituições assistenciais, podendo assim facilitar um conhecimento
melhor e mais adequado, por parte dos médicos, dos dados relativos ao paciente
em cada processo assistencial.
3. Acesso à história clínica.
A delimitação da finalidade da história clínica, nos termos expostos, fornece
critérios para delimitar inicialmente o acesso aos dados dela constantes.
Assim, o paciente deverá ter direito de conhecer, em virtude de qualquer
circunstância no âmbito da sua saúde, a informação disponível na sua história
clínica.
Este direito constitui uma manifestação específica do direito à saúde, constante
de instrumentos internacionais e das Constituições dos países democráticos.
Trata-se também de uma manifestação particularmente relevante do direito de
acesso à informação pessoal, que faz parte do conteúdo essencial do direito
fundamental à protecção de dados.
O direito de acesso do paciente deverá incluir o da obtenção da cópia dos dados
que figuram na história clínica, sem que tal pressuponha, necessariamente, um
poder de disposição sobre a documentação original.
Contudo, este direito de acesso não pode ter um carácter absoluto, sendo
necessário ter em conta as condicionantes que poderão limitá-lo, por forma a
garantir outros direitos de terceiros dignos de protecção equivalente.
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Deste modo, é necessário ter em consideração que o direito de acesso do
paciente poderá ser limitado, a fim de se garantir o direito de terceiras pessoas à
confidencialidade dos seus dados, que constam da sua história clínica, no
interesse terapêutico do próprio paciente.
Deve também ser considerada a possibilidade de opor ao direito de acesso,
quando este se encontra legalmente reconhecido, o direito dos profissionais que
participam na elaboração da história clínica quanto à reserva das suas anotações
pessoais e subjectivas. Na medida em que pressupõem a limitação de um direito
fundamental, as normas que reconheçam tal possibilidade de reserva devem ser
objecto de uma interpretação restritiva no sentido de atribuir o seu exercício
exclusivamente aos profissionais que participaram na sua elaboração, sem que
possam ser substituídos no seu exercício pelos centros ou instituições onde
prestam os seus serviços.
A este respeito, deve insistir-se na necessidade de se delimitar normativamente o
conteúdo mínimo da história clínica e na conveniência de desenvolver protocolos
ou padrões de actuação precisos, para evitar que a reserva para aceder às
anotações subjectivas possa limitar ilegitimamente o direito de acesso do
paciente.
4. Utilizações da história clínica.
Uma vez delimitada a finalidade principal da história clínica, as obrigações
inerentes à mesma relativas à informação que deverá conter e assinalados os
direitos básicos de acesso à referida informação, não pode ser esquecida a
necessidade de contemplar usos e acessos adicionais legalmente protegidos,
atendendo às razões e aos bens jurídicos de interesse geral vinculados ou
referidos à tutela da saúde pública.
A identificação destas finalidades corresponde aos Poderes públicos competentes
e, muito em particular, por exigências intrínsecas dos sistemas democráticos, ao
Poder Legislativo.
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Pode considerar-se, no entanto, que as exigências mencionadas poderão vir a ser
coincidentes nos tratamentos de dados relacionados com a epidemiologia, a
inspecção, a avaliação da qualidade e planificação da prestação da assistência de
saúde, a investigação ou o ensino –, apesar de nestas duas últimas hipóteses
terem de ser compatíveis com o direito dos pacientes de consentirem o acesso e
a utilização da informação.
No mesmo sentido, concorrem razões de interesse geral no acesso e utilização da
informação clínica com fins judiciais, embora, nestes casos, o interesse público
possa estar vinculado não apenas à saúde pública, mas também à garantia do
direito fundamental à tutela judicial efectiva ou à da segurança pública.
Atendendo à natureza diversa dos interesses públicos em jogo, o acesso aos dados
da história clínica pode apresentar uma graduação diversa.
Em todos os casos em que o acesso e a utilização da informação clínica permita
satisfazer os interesses gerais que a justificam, independentemente da
necessidade de conhecer os dados identificadores do paciente, a regra geral,
normativamente imposta, terá de prever que o acesso seja concretizado de modo
a que os dados de identificação se mantenham separados dos de carácter clínicoassistencial, por forma a que a separação assegure o anonimato; separação essa
que, sempre que possível, terá de ser irreversível.
No entanto, noutras hipóteses, entre as quais devemos considerar incluídas as
investigações
por
parte
da
autoridade
judicial
ou
outras
que
exijam
necessariamente a identificação dos pacientes, a regra do anonimato poderá ser
uma excepção. Para tal, é necessário que as Autoridades competentes estejam
legalmente autorizadas para poder decidir sobre a necessidade de associar os
dados da história clínica aos pacientes, numa norma com força de Lei e mediante
decisões motivadas.
Em todas as hipóteses descritas, o tratamento dos dados da história clínica,
separados ou não, deverá ser estritamente limitado aos fins específicos que
justificaram o seu acesso e utilização.
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Merece especial menção o acesso e o tratamento da informação clínica por parte
do pessoal responsável pela administração, gestão ou facturação nos centros de
saúde e, por conseguinte, os realizados por aquelas entidades que provêem às
despesas da assistência sanitária, como acontece com as seguradoras e
instituições de previdência, que deverão conhecer a referida informação, para
poderem facturar o custo de tais serviços e/ou determinar o alcance das
coberturas. Nestas hipóteses, o acesso aos dados da história clínica estará
limitado ao estritamente necessário para o exercício das referidas funções. A este
respeito, a necessidade de aceder à história clínica ver-se-á ainda limitada à
hipótese de existirem escalas ou parâmetros que permitam avaliar o custo das
diferentes modalidades de assistência de saúde e das coberturas garantidas com
base em módulos de referência, que possam tornar desnecessário o acesso à
informação específica de cada paciente.
O acesso à história clínica suscita uma última questão que se refere à legitimação
de terceiras pessoas, que não o paciente, que poderão estar capacitadas para
aceder aos dados nela incluídos. Esta possibilidade de acesso poderá ser
formulada quer quando o paciente é objecto de assistência sanitária quer num
momento posterior à sua morte.
De qualquer modo, deve partir-se da premissa de que os acessos à história clínica
deverão estar protegidos por uma disposição legal que possa reconhecer ou, se
for esse o caso, estabelecer limitações ao acesso de terceiros, que não os
profissionais que participam na assistência sanitária ao paciente, ou seja, à sua
história clínica.
Em qualquer dos casos descritos, deverá ter-se em conta, como regra geral, a
vontade previamente manifestada pelo paciente no sentido de legitimar os
acessos. Ou, nos casos em que a lei legitime directamente o acesso de terceiros
aos dados de saúde, mas reconhecendo ao paciente a possibilidade de o impedir,
dever-se-á atender-se à vontade por este manifestada em tal sentido.
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O acesso deverá ser considerado admissível, quando, segundo o critério do
médico assistente, o paciente não tenha capacidade para compreender a
informação, em cujo caso o profissional poderá dar conhecimento às pessoas a
ele vinculadas, por razões familiares ou de facto, da informação relevante acerca
das actividades relacionadas com a adequada assistência sanitária.
Deverão igualmente ser comunicadas a terceiros, ligados ao paciente por razões
familiares ou de facto, as limitações ao direito de informação ao paciente
baseadas na possibilidade de o médico limitar a referida informação por motivos
graves de necessidade terapêutica, entendendo como tais, a possibilidade do
referido profissional agir, quando, por razões objectivas, o conhecimento da sua
situação pelo próprio paciente possa prejudicar a sua saúde de forma grave.
Contudo, o médico deverá mencionar expressamente as motivações de tais
circunstâncias na história clínica. Esta circunstância não poderá constituir uma
limitação ao direito de acesso que o próprio paciente possa exercer
voluntariamente.
No que diz respeito aos pacientes já falecidos, pode admitir-se o direito de
acesso à sua história clínica às pessoas a ele ligadas por razões familiares ou de
facto, sempre que tal esteja previsto na lei, fundada em razões de interesse
geral. Em particular, deverá contemplar-se a possibilidade de acesso, quando
este for motivado por um risco para a saúde de terceiros, sempre que esse acesso
se limite aos dados pertinentes e que não afectem a privacidade da pessoa
falecida, os direitos de outras pessoas ou o direito dos profissionais à reserva das
suas anotações pessoais e subjectivas, nos termos anteriormente referidos.
5.- Conservação, segurança e sigilo na história clínica
Para cumprir as finalidades próprias da história clínica e permitir o exercício de
direitos sobre a mesma, é necessário que os centros de saúde estabeleçam
mecanismos de custódia activa e diligente, que garantam a autenticidade e
integridade do seu conteúdo, a possibilidade da sua reprodução futura e a
protecção contra acessos não autorizados. No que respeita aos acessos
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autorizados,
deverão
ser
avaliadas
estritamente
as
finalidades
que
os
justifiquem.
Como consequência, deverão ser previstos prazos de conservação adequados às
finalidades da história clínica e estabelecerem-se medidas de segurança, tanto de
índole técnica como organizativa, que possibilitem o cumprimento efectivo de
tais exigências.
Estas obrigações de gestão e custódia da história clínica deverão ser
consideradas, igualmente, como uma responsabilidade dos profissionais de saúde
que desenvolvem a sua actividade no sector privado, relativamente à
documentação da assistência prestada.
De qualquer modo, a garantia da confidencialidade da história clínica impõe que
tanto os profissionais de saúde como outras pessoas habilitadas para aceder total
ou parcialmente à história clínica, estejam sujeitos à obrigação de guardar sigilo
profissional, relativamente às informações que conheçam.
Por outro lado, os Poderes Públicos competentes deverão prever medidas que
garantam a conservação, integridade e confidencialidade da história clínica, no
caso de cessação da actividade por parte do profissional ou do centro de saúde.
IV. A INTEGRAÇÃO E A COORDENAÇÃO DAS HISTÓRIAS CLÍNICAS
Em conformidade com o exposto anteriormente, a finalidade básica da história
clínica consiste em facilitar a assistência sanitária aos pacientes.
De tal se infere que a história clínica deverá ser acompanhada de critérios de
unidade e de integração em cada uma das instituições assistenciais, no mínimo,
de forma a poder facilitar-se um conhecimento melhor e mais oportuno por parte
dos médicos aos dados de um determinado paciente em cada processo
assistencial.
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Por outro lado, o acesso aos cuidados de saúde incluídos nos sistemas sanitários
sob a responsabilidade dos Poderes Públicos, deverá prever garantias de
mobilidade,
com
o
objectivo
de
permitir
a
assistência
sanitária,
independentemente do local do território nacional em que se encontre, a todos
aqueles que a ela tenham direito.
As Administrações Públicas deverão também promover a implementação de
sistemas de compatibilidade que, tendo em conta a evolução e a disponibilidade
dos recursos técnicos e económicos, e a diversidade de sistemas e tipos de
histórias clínicas, possibilitem a sua utilização por parte de qualquer um dos
centros de saúde, geograficamente dispersos, que prestem assistência a um
mesmo paciente, no sentido de se evitar que os pacientes possam ser submetidos
a investigações e procedimentos desnecessários e repetitivos, situação que
permitirá, além do mais, uma economia de despesas e se traduzirá em menores
riscos para a privacidade.
A unidade e integração da história clínica, as garantias de mobilidade no acesso à
assistência sanitária e à coordenação das histórias clínicas poderão ser
consideradas finalidades de interesse geral, que justificam o estabelecimento de
sistemas de intercâmbio de informação sobre a saúde entre os diferentes
organismos, centros e serviços do sistema de saúde, para permitir aos cidadãos e
aos profissionais que participam na assistência sanitária o acesso à história
clínica, de um modo que permita garantir a qualidade da referida assistência e a
confidencialidade e integridade da informação.
Esta
conclusão
é
particularmente
relevante
em
Estados
federais
ou
descentralizados, nos quais a assistência sanitária é da responsabilidade de
diferentes Poderes Públicos.
Nos casos em que o acesso aos intercâmbios de informação tenham lugar através
de redes de comunicação electrónicas, será necessário providenciar uma rede
segura que dê adequadas garantias de protecção. Deverão ser tidas em
consideração, entre outras, a exigência de requerimentos de certificação
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electrónica, de assinatura electrónica e de cifrado, de acordo com a normativa
aplicável.
V. O CARTÃO INDIVIDUAL DE SAÚDE
O acesso dos cidadãos aos cuidados sanitários dos sistemas de saúde poderá ser
facilitado pondo à sua disposição um cartão individual de saúde, tal como já
sucede em alguns países.
No caso de se optar pela emissão deste documento, o cartão de saúde terá a
configuração
de
um
documento
administrativo
que
englobe,
de
forma
normalizada, os dados essenciais de identificação do seu titular, os direitos que
lhe assistem relativamente às prestações de cuidados de saúde e ao serviço
emissor do cartão. Pode, igualmente, conter um código de identificação pessoal
único para cada pessoa, quando tal se mostre necessário para facilitar a procura
de informação relativa à saúde de um paciente, que pode estar dispersa por
diferentes organismos, centros ou serviços de saúde.
Assim, o cartão individual de saúde permitirá que a informação clínica possa ser
localizada e consultada pelos profissionais de saúde, nos casos em que seja
estritamente necessário para garantir a assistência, em conformidade com o
descrito nos parágrafos anteriores. A emissão do cartão individual de saúde pode
ser feita mediante a incorporação de um suporte informático.
De qualquer forma, tanto os intercâmbios de informação sanitária, nos termos
referidos, como a emissão, conteúdo e finalidade do cartão individual de saúde –
especialmente se incluir suportes informáticos – deverá contar com uma
autorização legislativa própria. De igual modo, a inclusão no cartão de saúde de
informação diferente da constante dos dados relativos à saúde dos seus titulares
exigirá uma legitimação legal específica que estabeleça a finalidade do
tratamento dos dados, em virtude de razões de interesse geral.
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