Princípios da restauração de ambientes aquáticos continentais

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Princípios da restauração de ambientes aquáticos continentais.
Alexandre Leandro Pereira
Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Laboratório de Ecologia, Pesca e Ictiologia (LEPI) – Rua
Pioneiro, 2153. CEP 85950-000. Palotina, PR. E-mail: [email protected]
Resumo
A utilização racional dos recursos hídricos é imprescindível. A ecologia da conservação
e da restauração tem uma função muito importante, visto que pesquisas nessas áreas
podem ajudar o homem a utilizar a água de maneira racional, tornar viável o controle da
qualidade desses ambientes e na recuperação dos ecossistemas aquáticos degradados. A
sociedade tem usado a água doce dos rios, lagos, do lençol freático e áreas alagáveis
principalmente nas atividades urbanas, agricultura e indústria.Os impactos que podem
afetar os ecossistemas aquáticos podem ser classificados em quatro principais grupos:
destruição do ecossistema, alteração física do habitat, alteração química da água e
adição ou remoção de espécies. A restauração de ecossistemas aquáticos tem como
objetivo recriar ou simular um sistema natural e auto-regulado ecologicamente
integrado com a paisagem. Na maioria das vezes, para atingir esse objetivo é preciso um
procedimento formal, começando com a reconstrução das condições físicas; ajuste
químico do solo e da água; e manipulação biológica incluindo a reintrodução de
espécies da flora e fauna nativas. Em alguns casos os projetos de restauração geram
controvérsia, devido sua necessidade de longa duração e natureza experimental, aliado
aos riscos de falha e altos custos. Faltam critérios para a avaliação do sucesso do
projeto, sendo que a aparência e a opinião pública são comumente usadas como medidas
de avaliação do sucesso e mais da metade dos projetos de restauração não apresentam
variáveis mensuráveis como forma de avaliação. O manejo destes ambientes deve ser
feito a longo prazo e com o uso ou combinação de diferentes técnicas de restauração.
Palavras-chave: Destruição de habitat, Eutrofização, Recuperação, Água doce,
Riachos, Lagos.
1
Introdução
A formação de grandes aglomerados urbanos e industriais, com a crescente
necessidade de água para o abastecimento, além de irrigação e lazer, faz com que a
quase totalidade das atividades humanas seja cada vez mais dependente da
disponibilidade das águas continentais. Porém, grande parte dos efluentes domésticos e
industriais é lançada diretamente nos corpos d’água, reduzindo cada vez mais a
disponibilidade dos recursos hídricos (Esteves, 1998).
A utilização de fertilizantes químicos e agrotóxicos na agricultura tem
modificado drasticamente as características dos ecossistemas aquáticos continentais,
esses eventos acabam introduzindo substâncias tóxicas na água, inviabilizando a
utilização desse recurso, ou causando o fenômeno da eutrofização artificial, que além de
reduzir a qualidade da água, produz alterações em todo o ecossistema (Esteves, 1998).
Assim, a utilização racional dos recursos hídricos é imprescindível, levando em
consideração que de toda água da Terra, somente cerca de 3% é água doce (Tabela 1).
Diante disso, a ecologia da conservação e da restauração dos corpos d’água tem uma
função muito importante, visto que pesquisas nessas áreas podem ajudar o homem a
utilizar a água de maneira racional, tornar viável o controle da qualidade desses
ambientes e na recuperação dos ecossistemas aquáticos degradados
Ambientes aquáticos: funções e uso
Ambientes de água doce funcionalmente intactos e biologicamente complexos
podem provem serviços únicos e imprescindíveis para a sociedade, tais como
abastecimento de água potável, produtos ou alimentos; suporte, como suprimento de
água limpa; e serviços culturais, tais como estéticos ou recreacionais (Giller, 2005).
A vida no planeta seria impossível sem a água e a sociedade humana tem usado
a água doce dos rios, lagos, do lençol freático e áreas alagáveis principalmente nas
atividades urbanas, agricultura e indústria, ainda existem outros usos, tais como
recreação, transporte, controle de inundações, geração de energia, purificação dos
dejetos humanos e industriais e como habitat para espécies de plantas e animais (Baron
et al., 2002).
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Tabela 1. Estimativa e distribuição da água na Terra (Gleick, 1996).
Localização
Porcentagem do total
Lagos de água doce, rios, umidade do solo e água subterrânea
0,62
Lagos salinos e mares interiores
0,008
Atmosfera
0,001
Gelo
Oceanos
2,1
97,25
Fatores de degradação dos corpos d’água
Apesar dos inúmeros benefícios que os ecossistemas aquáticos proporcionam ao
homem, também é grande o número de fatores que levam a degradação desses
ambientes, além disso, as ameaças vêm crescendo com a miríade de atividades humanas
que incluem obras de engenharia, poluição, mudanças climáticas e exploração dos
recursos naturais (Malmqvist e Rundle, 2002). Todos os maiores rios e lagos do planeta
possuem inúmeras cidades às suas margens, o que não impede que cerca de 1,8 bilhões
de pessoas vivam sob um alto grau de falta de água (Vörösmarty et al., 2000).
Osimpactos e agentes de estresse que podem afetar os ecossistemas aquáticossão
comumente classificados, em quatro principais grupos: I) destruição do ecossistema,
II)alteração física do habitat, III) alteração química da água e IV) adição ou remoção de
espécies (Figura 1) (Malmqvist e Rundle, 2002).
Grande parte do manejo dos recursos hídricos é baseada na manipulação do ciclo
hidrológico da bacia local, tais como controle de inundação, canalização e irrigação.
Grandes obras de engenharia têm modificado os cursos d’água, tais como canais que
desviam o curso dos rios para uso humano; drenagem de áreas alagáveis para
desenvolvimento urbano e construção de casas; construção de sistemas de canais para
auxiliar a navegação e a construção de represas para abastecimento humano e geração
de energia elétrica, existem cerca de 800.000 barragens ao redor do mundo que
obstruem cerca de 2/3 da água doce de chegar aos oceanos (Rosenberg et al., 2000).
Os ecossistemas aquáticos têm diferentes graus de suscetibilidade, lagos são
suscetíveis a diversos impactos, pois a taxa de troca de água (turnover) é baixa, existe
um potencial maior de acumulação de toxinas no sedimento e há uma dependência da
quantidade e qualidade das entradas de água dos rios e riachos. Por outro lado, a
suscetibilidade dos rios depende da sua natureza linear e unidirecional, qualquer
atividade na bacia tem o potencial de causar alteração ambiental e a entrada de uma
3
fonte de poluição significante provavelmente irá exercer algum efeito a grandes
distâncias a montante (Malmqvist e Rundle, 2002).
Os lagos de todo o mundo são ameaçados pela eutrofização e pelo rebaixamento
do lençol freático, como resultado da retirada da água subterrânea, porém dentre os
principais impactos que ameaçam aos lagos está a eutrofização. Este processo é o
aumento da concentração de nutrientes, especialmente fósforo e nitrogênio, nos
ecossistemas aquáticos, que tem como consequência o aumento de suas produtividades,
esse processo pode ser natural ou artificial.
A destruição do habitat, principalmente em ambientes lóticos, ocorre no mundo
todo, tais como a construção de barragens e represas, para geração de energia,
abastecimento urbano e irrigação, a construção de canais de drenagem e navegação
(Giller, 2005), no Brasil existem cerca de 60.000 pequenos reservatórios só na região
nordeste, os grandes reservatórios brasileiros são estimados em cerca de 300 (Agostinho
et al., 2007), a regulação do rio e a formação de grandes lagos causa a homogeneização
do ecossistema, a perda e fragmentação do habitat, a regulação dos pulsos naturais nos
regimes de seca e cheia de um rio pode causar mudanças fundamentais em toda a biota
(Agostinho et al, 2007; Rosenberg et al., 2000).
A canalização é uma das maiores causas da destruição de habitats em rios,
levando a perda da diversidade estrutural, simplificação dos padrões de fluxo d’água e
baixa capacidade de retenção de matéria orgânica (Allan e Flecker, 1993).Alterações no
uso do solo na bacia hidrográfica, como desmatamento, pastagens e intensificação da
agricultura podem levar a uma poluição difusa, sedimentação e a eutrofização, a perda
da vegetação ripária também leva a uma intensa modificação no funcionamento
ecossistema (Harrison et al., 2004).Até mesmo a poluição atmosférica pode causar
impactos nos ecossistemas aquáticos, esse fato está causando acidificação das águas no
norte da Europa, nordeste dos Estados Unidos e Canadá (Stoddard et al., 1999).
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Figura 1. Interação entre os seis principais serviços dos ecossistemas aquáticos e
as potenciais ameaças e fatores impactantes (Fonte: Giller, 2005).
Diante de várias ameaças ao funcionamento dos ecossistemas aquáticos
podemos perguntar: como podemos amenizar estes problemas? Depende do nível de
tecnologia e infra-estrutura que temos para diminuir esses efeitos deletérios, e em parte
da capacidade natural de resiliência e resistência de um ecossistema diante de um nível
de perturbação. Porém, o que acontece quando essa capacidade do ecossistema de se
auto-recuperar é superada e quando os serviços ecológicos são comprometidos? Isso nos
leva a restauração de ecossistemas aquáticos.
Mas, quais são os objetivos da restauração? Restabelecer um ecossistema a um
estado de pré-distúrbio, ou recuperar suas funções, ou ambos? Recuperar populações de
espécies ou promover o retorno de espécies perdidas durante as mudanças ambientais?
Recuperar as conexões entre o ecossistema a ser restaurado ou outros ecossistemas
como planícies de inundações, zonas ripárias, zonas hiporréicas ou habitat a montante?
O que é a restauração?
De acordo com a National Research Council (1992) restauração de ecossistemas
aquáticos é definida como “o retorno de um ecossistema as condições próximas antes de
um distúrbio”. Outros autores a definem como “O restabelecimento das funções
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aquáticas após um distúrbio e relacionam características físicas, químicas e
biológicas”(Cairns, 1988; Lewis, 1989). Em suma, a restauração ecológica é um
processo holístico não alcançável através da manipulação isolada de elementos
individuais, na prática a restauração raramente significa o retorno do ecossistema a sua
condição original (Clark e Frid, 1999).
A restauração de ecossistemas aquáticos tem como objetivo recriar ou simular
um sistema natural e auto-regulado ecologicamente integrado com a paisagem. Na
maioria das vezes, para atingir esse objetivo é preciso seguir um ou mais passos, tais
como a reconstrução das condições físicas; ajuste químico do solo e da água; e
manipulação biológica, incluindo a reintrodução de espécies da flora e fauna nativas
(Usepa, 2000).
A Sociedade para Restauração Ecológica (Ser, 2000) inclui no conceito de
restauração a sustentabilidade para atividades culturais, como as práticas por povos
indígenas ou caiçaras, definindo a restauração como o processo de auxiliar a
recuperação e o manejo da integridade ecológica, que inclui, além da biodiversidade e
processos ecológicos, as práticas culturais (Ser, 2007).
Palmer et al. (2005) concordam que na restauração de ambientes aquáticos,
como rios, os objetivos devem ser aumentar os bens e serviços e converter ecossistemas
ameaçados em ambientes sustentáveis protegendo assim o rio a montante e ecossistemas
costeiros, para esses autores a restauração ou pode ser passiva quando se permite que as
forças hidráulicas naturais atuem vagarosamente e restaure a heterogeneidade natural,
ou mais específica e ativa quando modificamos a forma e estrutura do leito ou
reintroduza elementos que possibilitem a variações no fluxo da água.
Desta forma, o principal desafio da restauração de ecossistemas aquáticos é
integrar o conhecimento científico na dinâmica do ecossistema atendendo a pressão
econômica e social com seus impactos diretos sobre os sistemas. Por exemplo, a
eutrofização de lagoas sempre acarreta na entrada de nutrientes que geralmente se
origina de longas distancias do ambiente original (como florestas ou de atividades
agrícolas no entorno). Assim, a análise deste problema requer estudos nas práticas
agrícolas e industriais, bem como no uso paraturismo e recreação (Clark e Frid, 1999).
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Como fazer?
Todo ecossistema tem uma habilidade inata de se recuperar, contanto que: os
fatores de distúrbio sejam eliminados; o ambiente físico atenda as necessidades dos
organismos; e haja uma sustentabilidade para os colonizadores (Clark e Frid, 1999).
Entretanto, o processo de recuperação pode levar décadas e se os objetivos do manejo
sejam procurar resultados mais rápidos, então isso é possível através de atividades de
restauração. Em ambientes com dinâmica física reduzida, ex. lagos profundos, os
processos naturais são insuficientes para recriar as características naturais perdidas,
nesses ambientes as práticas de restauração podem ser a única opção (Clark e Frid,
1999).
A restauração biológica é mais complexa que a restauração física, poisé
impossível transplantaro funcionamento completo da comunidade. A re-introdução de
espécies-chave, ou um elemento biológico importante para a estrutura, como a
vegetação ou animais importantes, pode resultar em um sucesso passageiro, se os
indivíduos re-introduzidos que morrem não forem substituídos. Somando-se a isso,
nosso conhecimento incompleto do funcionamento ecológico de muitas comunidades
significa que componentes biológicos importantes podem ser negligenciados (Clark e
Frid, 1999).
Historicamente, a restauração é enormemente dependente do valor do recurso ou
habitat degradado. Entretanto, é importante que um caso de restauração seja baseado em
critérios científicos. Estima-se que os ecossistemas globais gerem em bens e serviços
cerca de US$ 33x1012 para a economiaglobal, do qual cerca de US$21,66x1012 é
atribuído aos ecossistemas aquáticos (Costanza et al., 1997). Apesar dos ecossistemas
aquáticos serem de tal importância, os projetos de restauração geram sempre
controvérsia, dado sua necessidade de longa duração e natureza experimental, aliado aos
riscos de falha e altos custos (Shonman, 1990).
Alguns princípios para a Restauração dos Recursos Aquáticos
A Usepa (2000)departamento Norte-Americano que gerencia as bacias
(Watershed Ecology Team ofthe Office of Wetlands, Oceans and Watersheds) listam
uma série de princípios que são considerados críticos para o sucesso de um projeto de
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restauração de recursos aquáticos. Esses princípios são cientificamente e tecnicamente
embasados, o interesse e apoio do público também são muito importantes, a presença ou
ausência deste apoio pode ser a diferença entre o sucesso e a falha de um projeto, a
coordenação conjunta com a população local e organizações que são afetadas pelo
projeto poderá dar suporte e assegurar que o ambiente seja protegido e restauradopor
um longo período.
Os princípios propostosa serem seguidos são:
a) Preservação e proteção os recursos aquáticos: A existência de ecossistemas
relativamente intactos é a chave para a conservação da biodiversidade, eles ajudam
na recuperação de ecossistemas degradados. Assim, a restauração passa a ser uma
atividade complementar que quando combinada com a proteção e a restauração
poderá ajudar a alcançar resultados mais abrangentes em toda a bacia. Até mesmo
para corpos d’água onde a restauração é implantada, o primeiro objetivo deve ser a
prevenção de futura degradação.
b) Restauração da integridade ecológica: A restauração deve restabelecer a integridade
ecológica dos ecossistemas aquáticos tanto quanto for possível, sendo que a
integridade ecológica refere-se às condições de um ecossistema, particularmente a
estrutura, composição e processos naturais das comunidades bióticas e ambiente
físico. Um ecossistema íntegro é resiliente e auto-sustentável capaz de resistir às
perturbações. Alguns processos a serem restaurados nos ambientes aquáticos são a
ciclagem de nutrientes, sucessão, nível da água, padrões de fluxos, dinâmica da
erosão e deposição.
c) Restauração da estrutura física natural: Muitos ecossistemas que precisam de
restauração têm problemas que se originaram com a alteração do canal ou outras
características físicas, que por sua vez levaram a problemas como degradação do
habitat, alterações nos fluxos e assoreamento. Canalização, drenagem de áreas
alagáveis, desconexão dos ecossistemas adjacentes e modificações de zonas
litorâneas são exemplos de alterações estruturais que precisam ser enfocadas na
restauração. Em muitos casos, restaurar a morfologia do local e atributos físicos é
essencial para o sucesso dos outros aspectos da restauração, como a qualidade da
água e a volta das espécies nativas.
d) Restauração da função: Estrutura e função estão intimamente ligadas em rios, lagos,
áreas alagáveis e outros ambientes aquáticos. Restabelecer a estrutura apropriada
pode trazer novamente as funções do ecossistema. Por exemplo, restaurando a
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elevação do solo em um pântano pode ser fundamental para restabelecer o regime
hidrológico, ciclo dos distúrbios naturais e o fluxo de nutrientes.
e) Trabalhar a restauração no contexto da bacia hidrográfica e da paisagem:Atividades
ao longo da bacia podem ter efeitos adversos sobre os recursos aquáticos que estão
sendo restaurados. Um projeto de restauração localizado pode não ser capaz de
mudar o que está acontecendo na bacia hidrográfica. Um empreendimento
imobiliário, por exemplo, pode aumentar o volume das águas superficiais,
diminuindo a infiltração; aumentar o assoreamento e erosão das margens e entrada
de nutrientes. Assim, restauradores devem planejar e aumentar esforços na
recuperação de florestas ripárias, redução das inundações, visando melhoria na
qualidade da água a montante.
f) Apontar continuamente causas de degradação: Os esforços de restauração
provavelmente irão falhar se as causas de degradação persistirem. Portanto, é
essencial identificar as causas da degradação e eliminá-las ou remediá-las o mais
rápido possível.
g) Uso de um local de referência: Locaisde referência são áreas que são comparáveis
com a estrutura e função com a área a ser restaurada antes de ser degradada.
h) Uso, quando possível, da restauração passiva: “o tempo cura qualquer ferida”
aplica-se a muitos locais a serem restaurados. Antes de modificar o local com a
restauração determine quando é possível uma restauração passiva (ex. reduzindo ou
eliminando as fontes de degradação ou permitindo a regeneração natural).
i) Uso de espécies nativas e cuidado com as exóticas.
j) Uso da bioengenharia quando possível: Bioengenharia é um método de construção
que combina o uso de plantas vivas com mortas e outros materiais, prevenindo a
erosão, controle da sedimentação e poluição, e fornecimento de habitat.
k) Monitoramento e adaptação: Cada combinação das características da bacia, fontes
de degradação e técnicas de restauração é única, portanto, ações de restauração
podem acontecer não exatamente como planejadas. Mudanças no projeto original
devem ser consideradas normais. O monitoramento antes e durante o a implantação
do projeto é crucial para descobrir se os objetivos estão sento atingidos, caso
contrário, alguns ajustes no projeto devem ser feitos. O processo de monitoramento
e ajuste e conhecido como manejo adaptativo.
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Em países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos, projetos de restauração
ecológica em rios têm aumentado a cada ano (Figura 2), isso é uma resposta a um
aumento na consciência do estado de degradação destes ecossistemas e o impacto disso
nas pessoas (Bernhardt et al., 2005).
Figura 2. Número de artigos em revistas, projetos de restauração de rios
nos últimos anos nos Estados Unidos (Fonte: Bernhardt et al., 2005).
Na América do Norte, os dois objetivos mais comuns nos projetos de restauração
de rios e riachos são o manejo das áreas ripárias e melhorias no habitat, para atingir
esses dois objetivos é necessário o desenvolvimento de uma série de atividades, tais
como replantio da vegetação, exclusão do gado das margens e manutenção da mata
ciliar (Figura 3) (Palmer et al., 2007). A restauração de rios está intimamente ligada ao
apelo público e a preocupação econômica, com os bens e serviços que os rios oferecem,
os rios americanos são importantes para os salmões (Kondolf et al., 2007), para a truta
(Follstad-Shah et al., 2007), e principalmente para a navegação e agricultura (O’Donnell
e Galat, 2007). Em rios navegáveis a principal preocupação é com o controle da
sedimentação e assoreamento, já os não-navegáveis a preocupação é com água para
irrigação e qualidade da água para o consumo.
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Erradição de plantas exóticas e invasoras
Diques laterais de madeira
Diques laterais de pedra
Bancos de contenção
Ocorrências
Atividades de manejo da qualidade da água
Atividades de manejo das margens
Criação/manutenção de zonas ripárias
Revegetação – sementes/mudas
Exclusão do gado das margens
Criação/manutenção de zonas ripárias
Revegetação – sementes/mudas
Exclusão do gado das margens
Replantio não específico
Replantio não específico
Replantio com estacas
Isolamento da área (cercas)
Isolamento da área (cercas)
Melhoria das práticas agrícolas
Replantio com estacas
Erradição de plantas exóticas e invasoras
Diques laterais de pedra
Diques laterais de madeira
Diques laterais de madeira
Diques laterais de pedra
Bancos de contenção
Rochas
Ocorrências
Ocorrências
Atividades de manejo da qualidade da água
Figura 3. Principais objetivos nos projetos de restauração de rios nos Estado Unidos e
Criação/manutenção de zonas ripárias
Exclusão do gado das margens
as atividades relacionadas a esses objetivos (Fonte: Palmer et al., 2007).
Revegetação – sementes/mudas
Replantio não específico
Isolamento da área (cercas)
Melhoria das práticas agrícolas
Replantio com estacas
Contudo, Palmer et al. (2007) apontam a falta de critérios para a avaliação do
Diques laterais de pedra
sucesso destes projetos, os autores revelam que a aparência positiva e a opinião pública
Diques laterais de madeira
Rochas
são comumente usados pelos executores dos projetos como medida de avaliação do
Ocorrências
sucesso e mais da metade dos projetos de restauração não apresentam variáveis
mensuráveis como forma de avaliação.
Já a restauração e recuperação de lagos se dão principalmente por problemas
relacionados à eutrofização, tais como aumento da turbidez da água, supercrescimento
de cianobactérias e perda da biodiversidade. Essa preocupação é ainda maior na Europa,
onde a União Européia determinou que todos os lagos europeus tenham boa qualidade
biológica até 2015 (European Union, 2000).
Muitas vezes a tentativa de recuperação desses ecossistemas acaba falhando ou
tendo baixa eficiência, isso dá principalmente porque muitos destes lagos possuem uma
reserva interna de fósforo no sedimento ou apresentam uma grande biomassa de peixes
zooplanctívoros e/ou invertívoros impedindo a possibilidade to controle top-down do
zooplâncton sobre o fitoplâncton (Meijer et al., 1999). Desta forma, a restauração de
lagos em países como Holanda e Dinamarca tem sido feita principalmente aplicando-se
a biomanipulação, essa técnica consiste na remoção dos peixes zooplanctívoros, levando
a um acréscimo na comunidade zooplanctônica e diminuição da biomassa de
fitoplâncton, e a um decréscimo nos níveis de fósforo e nitrogênio total, essa técnica
visa principalmente à melhoria na qualidade da água (Sondergaard et al., 2007).
Outras técnicas na recuperação de lagos também têm sido empregadas na
recuperação e restauração destes ecossistemas, além da remoção de peixes
zooplanctívoros, tem-se empregado ainda a estocagem de piscívoros, a oxigenação do
11
hipolímnio, tratamento do alume (sulfatos metálicos) e dragagem do sedimento (Tabela
2).
Tabela 2. Medidas de restauração e número de lagos (>10ha) que
receberam medidas de combate à eutrofização na Dinamarca e
Holanda (Sondergaard et al., 2007).
Dinamarca
Holanda
Remoção dos peixes (zoo/invert)
42
14
Estocagem de piscívoros
34
4
Oxigenação do hipolímnio
6
3
Tratamento do alume
2
0
Dragagem do sedimento
1
7
85
28
Total
Diferentemente dos projetos de restauração dos rios norte-americanos, onde se
percebe critérios e variáveis pouco mensuráveis (Palmer et al., 2007), os projetos de
restauração de lagos usam variáveis mais fáceis de se avaliar, como o fósforo e
nitrogênio total, clorofila a, profundidade do disco de Secchi e material sólido em
suspensão, sendo que essas variáveis são medidas antes e podem ser comparadas após a
biomanipulação.
Nesses ecossistemas manipulados, as mudanças mais marcantes foram vistas
durante 5 a 6 anos após as ações, onde a profundidade do disco de Secchi foi mais que o
dobro e o fósforo e nitrogênio total reduziram entre 20 e 50%, no lago Vaeng, o período
pós-restauração apresentou substancial mudança na composição dos peixes e macrófitas
submersas, após a remoção dos peixes a clorofila e a turbidez da água diminuíram, após
1990 a biomassa de peixes zooplanctívoros (roach) voltou a crescer e a população de
perca aumentou, mas com indivíduos menores que 10cm. Atualmente, o lago voltou às
condições que prevaleciam quando os peixes foram removidos (Sondergaard et al.,
2007).
Geralmente nesses ecossistemas os resultados indicam que os efeitos vistos logo
após a restauração, incluindo mudanças em variáveis ecológicas fundamentais como a
concentração de clorofila, profundidade do disco de Secchi e concentração de alguns
nutrientes, contudo, apenas por um curto período de tempo. Sondergaard et al.(2007)
apontam que isso acontece devido a redução ineficiente do aporte de nutrientes, ou
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reserva interna de fósforo no sedimento do lago ou até mesmo a falta de macrófitas
aquáticas submersas, fazendo com que os lagos retornem ao processo de eutrofização,
tais autores também sugerem que o manejo destes ambientes seja feito a longo prazo e
com o uso ou combinação de diferentes técnicas de restauração.
Ações locais para rios e riachos
Para riachos existem uma série de medidas locais que podem ser tomadas para
reabilitar a comunidade de peixes, tais alterações podem ser feitas principalmente para
melhorar a estruturação do habitat (Cowx e Welcomme, 1998).Dentre essas melhorias
estão:
a) Melhoria na velocidade da correnteza com a instalação de pequenos tipos de represa:
São rápidas e fáceis de construir e podem ser feitas com diversos tipos de materiais,
como restos de pedras e pedregulhos, madeira ou concreto e dispostas em numerosas
formas e desenhos, como em diferentes ângulos nas margens do rio ou abaixo do canal
do rio, ou até mesmo dispostas em V na direção da correnteza ou contrário a ela. Esse
tipo de construção é usado para criar ou melhorar micro-habitats para peixes e
invertebrados (Figura 4, 5A, 5B, 5C, 6).
Figura 4. Distribuição natural de troncos de madeira no canal do rio (esq.), os troncos
desenvolvem uma importante função na diversidade do habitat (dir.). Fonte: Coux &
Welcomme (1998).
13
A
B
C
Figura 5. Tipos de represas construídas com troncos (A e B) e pedras (C). As represas
melhoram o aspecto estético, criam diversidade de habitat e não impede a migração dos
peixes. Fonte: Coux & Welcomme (1998).
14
Figura 6. Exemplos de inclinações e obstáculos em forma de V no canal do rio,
promovendo alterações no fluxo, heterogeneidade ambiental, local para desova, área de
alimentação de pássaros e retenção de substrato para invertebrados. Fonte: Coux &
Welcomme (1998).
b) Proteção artificial das margens: As margens podem ser protegidas da erosão com
auxílio de estruturas construídas a partir de restos e pedaços de troncas e raízes,
recobrindo
totalmente
ou
parcialmente
o
canal
do
rio.
Posteriormente
o
desenvolvimento completo da vegetação dará proteção permanente aos bancos
marginais. Essa técnica aumenta a quantidade de matéria orgânica autóctone e a
produção de invertebrados (Figura7).
15
Figura7. Proteção dos bancos marginais usando troncos e ramos, diminuindo o aporte
de sedimentos durante as chuvas e proporcionando condições para recuperação natural
da mata ciliar (cima). Planejamento da proteção dos diques marginais em locais onde a
correnteza do rio é mais forte e plantio de vegetação nativa (em baixo). Fonte: Coux &
Welcomme (1998).
c) Instalação de cobertura e estruturas de refúgios artificiais: A instalação de estruturas
de cobertura e refúgios artificiais aumentam as chances dos peixes jovens se
estabelecerem no rio (Figura 8).
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Figura 8. Cobertura artificial de Pinus (esq.) e construída com troncos de árvores
ou redes de arame (dir.), estrutura artificial de concreto e sua instalação (em baixo),
proporcionando desenvolvimento e abrigo para peixes e outros organismos. Fonte:
Coux & Welcomme (1998).
d) Criação de baías artificiais: Baías são abrigos no canal principal do rio, baías rasas
proporcionam aumento na diversidade de habitat. Em rios naturais, as baías surgem
quando o nível da água diminui, nessas baías, o fluxo da água é menor e a vegetação
pode desenvolver-se mais facilmente, além disso, a temperatura da água é mais elevada
nestes locais, proporcionando o crescimento de algas, plâncton e invertebrados,
beneficiando assim os peixes jovens, especialmente em períodos de cheia (Figura 9).
17
Figura 9. Criação artificial de baías rasas, proporcionando crescimento rápido da
vegetação aquática e o desenvolvimento de organismos. Fonte: Coux & Welcomme
(1998).
Considerações finais
Apesar dos impactos evidentes no meio aquático, fica claro que devido ao
caráter recente da ecologia da restauração e seus fundamentos muitos dos assuntos
referentesà restauração destes ecossistemas estão no campo empírico. Nos projetos
18
apresentados, poucos são os que realmente apresentam variáveis e critérios claros sobre
a recuperação. Assim, a publicação de dados sobre o que tem sido feito é necessária
para que a ecologia da restauração se estabeleça definitivamente como ciência. Outro
fator importantíssimo a ser considerado é o papel do cidadão na restauração, em muitos
casos o sucesso de um projeto depende diretamente da opinião pública, sendo
necessário agregar em todos os projetos a educação ambiental como ferramenta da
manutenção e manejo dos ecossistemas restaurados. Finalmente, é evidente que a
restauração de ecossistemas aquáticos só gerará resultados positivos caso haja um
monitoramente e acompanhamento do projeto a longo prazo, fazendo alterações do
mesmo quando necessário.
Agradecimentos
A Professora Vera Lex Engel por me mostrar a importância desse tema; ao
Professor Marco Antonio Bacellar Barreiros pelas sugestões ao manuscrito.
Bibliografia
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