INTRODUÇÃO À COGNIÇÃO MUSICAL J. Zula de Oliveira e-mail: [email protected] [email protected] O que é Cognição Musical? A origem do termo cognição é cognoscere, termo latino que significa conhecer (pela origem). Cognição é resultado da percepção de algum fenômeno. Percepção é o processo que permite adquirir, interpretar, selecionar e organizar informações sensoriais. Cognição musical (CM) pode ser entendida como o estudo dos processos mentais subjacentes que ocorrem quando alguém se relaciona com a música, produzindo-a ou apenas ouvindo-a. O campo de estudo da CM envolve várias áreas, como por exemplo, as das ciências cognitivas da teoria musical, da psicologia, da musicologia, da neurociência, da ciência computacional, da filosofia etc. Mas em todos os casos é fundamental o foco sobre os processos mentais envolvidos com as tarefas em questão. Estudos destas e de outras áreas voltados para aspectos puramente técnicos ou sociais ou históricos ou econômicos ou mesmo estéticos, não pertencem à CM propriamente dita. Seu Conteúdo Os estudos dos processos cognitivos são antigos, inclusive sobre os processos cognitivos da música. Têm acompanhado à evolução dos estudos filosóficos, psicológicos, biológicos, fisiológicos etc. Mas somente a partir de 1980 é que a CM estabeleceu-se como uma ciência autônoma, para isto tendo tido, um papel de destaque a Society for Music Perception and Cognition e o periódico Music Perception (visite www.uepress.edu/journal/mp/). A ciência da CM estuda como a mente, através da percepção, confere sentido à música ao ouvi-la ou praticá-la. Esta tarefa está relacionada com os processos cognitivos envolvidos quando os músicos desempenham-se musicalmente, seja compondo, seja interpretando, seja ouvindo. O campo da CM é vasto. Alguns (não todos) tópicos deste campo são: a percepção pelo ouvinte de grupos de estruturas (motivos, frases, secções etc.); a percepção e produção do ritmo e do metro musical; as inferências produzidas pela tonalidade; a atenção, as expectativas e a motivação geradas a partir da audição de eventos musicais, p. ex. de melodias, seqüências de acordes etc. as similaridades musicais e sua relação com outros campos da percepção humana; as respostas emotivas e a performance, p. ex. do intérprete ou do ouvinte: a capacidade de expressão que o desempenho musical acarreta. 1 De modo geral a CM pode ser entendida como o esforço para responder, sob o prisma da ciência, algumas questões sobre a relação entre música e o homem. São muitas as questões, algumas já respondidas, outras respondidas pela metade e ainda outras com possibilidade de resposta bastante remota. Acresce dizer que algumas questões do campo musical, devido a sua má formação se tornam ainda mais difíceis de responder. A rigor quase todos os temas relacionados com a música podem ser estudados sob o ponto de vista da “cognição musical”, para isto bastando serem enfocados segundo os processos mentais que os movem. Segundo esta forma de ver e enfocar os assuntos, algumas questões que têm motivado os pesquisadores são1: 1. Origens musicais e Caráter Musical Por que as pessoas fazem música? Será que o fazer-música contribue de alguma forma para a sobrevivência do gênero humano? Há quanto tempo o homem faz música? Como se originou o fazer-música pelo homem? Por que cada cultura no mundo tem música diferente? Animais são capazes de apreciar ou "entender " a música humana? 2. Habilidade e Inteligência Musicais Por que algumas pessoas são mais musicais do que outros? Quais são os elementos da habilidade musical? Inteligência “musical" independente da inteligência geral? Talento musical pode ser identificado ou medido? Será que podemos predizer quais crianças são musicalmente talentosas? Por que algumas pessoas" mostram-se “surdas" para sons musicais? Algo pode ser feito para ajudar às pessoas que demonstram surdez para a música a se tornarem mais musicais? Por que somente algumas pessoas têm "afinação" perfeita? Será que uma afinação perfeita pode ser aprendida? Será que a habilidade musical é herdada? Como será que algumas pessoas podem “ouvir" o que está escrito em uma partitura sem qualquer som? Como os compositores sabem o que escrever quando compõem? 3. Prazer e a Preferência musicais Como música desperta prazer? Por que o som de unhas sobre o teclado provoca um som tão ruim como as unhas sobre um quadro negro? 1 Segundo o Grupo de Estudos da “Cognição Musical de OSU. 2 O que faz com que sonoridades ou sons de corda soem de forma agradável? Por que nossas preferências musicais mudam às vezes com o passar do tempo? Por que as pessoas discordam gostando ou rejeitando certas músicas? Será que as preferências musicais estão relacionadas com a personalidade? Será que todo mundo "ouve" música do mesmo modo? Por que não gostamos de ouvir mais de um trecho de música ao mesmo tempo? Por que precisamos tanto de música e tanto de variedade musical? por que nos limitamos a ouvir as melhores obras? Por que algumas pessoas gostam mais de música do que outras? Música sempre tem que estar envolvida com sons? Pessoas surdas podem aprender apreciar música apenas lendo uma partitura? Por que a maioria das pessoas prefere música tonal quando comparada com música atonal? 4. Desenvolvimento Musical Será que o nosso ouvir musicalmente muda com o desenvolvimento e com a nossa velhice? Será que as crianças experimentam música da mesma forma que os adultos? Será que a compreensão musical depende do contato com ela desde cedo? Será que tocar música para criança antes do nascimento tem algum valor? Como o desenvolvimento musical se relaciona com o desenvolvimento físico aumentando a coordenação motora? Com treinar para que possamos escutar diferenciadamente? Será que há certas experiências de vida (como êxtase ou pesar) que possam contribuir para o entendimento de música? 5. Organização Musical Será que a organização da música é de alguma forma semelhante á da fala ou do idioma? Por que melodia e ritmo são tão importantes para a música? Por que algumas progressões de acordes soam melhores do que outras? Será que algumas escalas “são melhor" do que outras? O que é tonalidade? Qual será a origem de várias regras usadas na composição, a exemplo das regras de voz principalis ou cantus firmus no contraponto seiscentista? O que torna algum recurso “musical"? 3 6. Música e Memória Por que algumas melodias “se grudam” em sua cabeça? Por que nem todas as melodias “se grudam” em sua cabeça? Como as recordações musicais são armazenadas no cérebro? Por que não podemos recordar tudo o que alguma vez ouvimos? Nossa memória para música pode ser melhorada? Como a repetição do prestar a atenção à mudança de uma obra melhora nossa experiência sobre ela? Quanto a memória é importante para a apreciação de uma obra musical? Como somos capazes de identificar instrumentos diferentes pelos seus sons? 7. Música e Emoção Como a música evoca emoções? Há emoções que não podem ser evocadas através de música, a exemplo de vergonha ou inveja? Por que algumas músicas nos torna nostálgico? Por que as pessoas gostam de escutar a música que lhes causa tristeza? O que nos leva a não gostar de algumas canções? 8. Desempenho de Música e Improvisação Por que existem os rubatos? por que a música não é executada estritamente de acordo com o tempo cronométrico em que está escrita? O que faz com que algumas interpretações de uma determinada música sejam melhores do que outras? Por que os músicos têm que praticar tanto? Existe um modo melhor para praticar? Qual é o melhor modo para ensinar os artistas (dotados?)? Por que alguns dotados padecem em determinadas fases? Há o que se possa fazer para evitar ou pelo menos diminuir desconfortos em determinadas fases do aprendizado? Como grupos de artistas podem coordenar seus desempenhos? O que torna algumas pessoas capazes de improvisar música? Como grupos de músicos são capazes de improvisar em conjunto? 9. As Influências causadas pela Música Música "pode curar" as pessoas? Como a música pode, de alguma maneira, corromper ou modificar o comportamento moral de alguém? Música de fundo é ruim para você? 4 Uma pessoa pode escutar música demais? Será que escutar música torna alguém mais inteligente? Será que a ausência completa de música tem efeito prejudicial para as pessoas? Por que algumas músicas despertam nas pessoas vontade de dançar? Por que a música não provoca nas pessoas a vontade de cozinhar ou trabalhar no jardim? Por que é fácil dirigir um carro e escutar música ao mesmo tempo, enquanto que freqüentemente é difícil ler um livro e escutar a música ao mesmo tempo? Por que algumas músicas são capazes de distrair do que outras? Música é um fenômeno espiritual? 10. Música, Cérebro e Corpo Como música ou aspectos de música (como por exemplo a altura ou o timbre) são representados no cérebro? Será que nossa fisiologia pessoal afeta nossa experiência de música? Como a doença ou anormalidades fisiológicas podem influenciar nossa experiência musical? O que acontece quando você “imagina" música? Pode haver alucinações musicais? Drogas podem aumentar prazer musical? Drogas podem intercepta o prazer musical? Em caso afirmativo, por quê? Música "acontece" em uma parte particular do cérebro? Há estruturas do cérebro especializadas só para música? As mulheres e homens experimentam música diferentemente? 11. Música, Ambiente e Cultura Será que podemos apreciar música de outras culturas da mesma forma que as pessoas daquela cultura? Como as crianças se tornam aculturadas a uma determinada música? Por que culturas ou estilos mudam? Como a história de uma cultura específica influencia o desenvolvimento do futuro músico? Uma música pode nos revelar algo sobre as pessoas que a fazem? Qual o papel da música numa determinada cultura? Uma cultura musical pode ser considerada superior à outra? Como culturas musicais interagem entre si? Há modos diferentes de "escutar"? O treino ou o esforço seria capaz de fazer-nos ouvir música de forma diferente? O que é a relação entre música e as outras artes? Há limites nos quais a música pudesse atingir? 5 12. Modelando Música através da Cognição Como podemos modelar a experiência musical? Como podemos modelar o pensamento musical? O que são as implicações de conexionismos diante da modelagem musical? Será que o conexionismo pode modelar corretamente a seqüência dos processos mentais segundo a dependência temporal? Referências para Leituras Fornecemos a seguir uma lista de leituras (colada do “music-cognition center” de Ohio), que podem ajudar na delimitação do campo de CM. A lista está organizada pelo nível de dificuldade e, lógico, não é completa. 1. Leituras Introdutórias Robert Jourdain. Music, the Brain, and Ecstasy: How Music Captures Our Imagination. New York: William Morrow and Company, 1997; 333 pages of main text. ISBN 0-688-14236-2 (hardback). Trata-se de um livro de fácil leitura escrito por um jornalista da área de ciências. O livro aborda um número de tópicos, incluindo audição, melodia, escalas, harmonia, tonalidade, dissonância, alterações sutis de percepção, ritmo presente psicológico, prodígios musicais, cérebro, memória, especialização hemisférica, performance musical e o surgimento do prazer. Trata-se de um livro muito útil a alunos sob vários pontos de vista, inclusive o livro propõe ainda conceitos importantes relacionadas com a área da CM. 2. Leituras Intermediárias John A. Sloboda. The Musical Mind: The Cognitive Psychology of Music. Oxford: Oxford University Press, 1985; 268 pages of main text. ISBN 0-19-852114-6 (hardback); ISBN 0-19-852128-6 (paperback). Uma introdução geral boa para o campo. O livro de Sloboda contém capítulos em música como uma habilidade cognitiva, música & idioma, desempenho de música, composição & improvisação, escutando música, aprendizagem & desenvolvimento, e cultura & biologia. A desvantagem principal para este livro é que muita pesquisa adicional ao assunto foi concluída desde que o livro foi publicado em 1985 Bob Snyder. Music and Memory: An Introduction. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 2000; 243 pages of main text plus glossary of terms. ISBN 0-262-19441-4 (hardback). ISBN 0-262-69237-6 (paperback). Este é um livro bem escrito por um professor de composição. O livro provê uma revisão excelente de pesquisa sobre memória humana e então espetáculos como a estrutura de memória audível ilumina muitos aspectos de organização musical. A segunda metade do livro é um pouco especulativa, mas a primeira é informativa e atual.. 6 David J. Hargreaves. The Developmental Psychology of Music. Cambridge: Cambridge University Press, 1986; 227 pages of main text. ISBN 0-521-30665-5 (hardback); ISBN 0-521-31415-1 (paperback). Este livro provê um resumo útil de pesquisa de música relacionada à infância até a adolescência. Um aspecto forte deste livro é a discussão sobre a formação de gostos musicais. No entanto, muitas pesquisas foram realizadas desde que Sloboda publicou este livro foi publicado em 1986 W. Jay Dowling and Dane L. Harwood. Music Cognition. San Diego: Academic Press, 1986; 239 pages of main text. ISBN 0-12-221430-7 (hardback only) Este livro é orientado para mais tópicos de percepção do que o livro de Sloboda. Capítulos pertencem à percepção de som, consonância & dissonância, escalas musicais, organização melódica, atenção musical & memória, ritmo, emoção & significando e aspectos culturais de música. Dowling e o livro de Harwood é mais técnico que Sloboda, mas menor Robert Francès. The Perception of Music. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1988; 352 pages of main text. ISBN 0-89859-688-2 (hardback). Francès publicou este livro originalmente em 1958. Foi traduzido em inglês por Jay Dowling. Embora este livro seja antigo, sua leitura é deliciosa, cheia de originalidade e perspicácia. Descreve vários experiências sem igual levadas a cabo por Francès. Há capítulos em sintaxe de música, a sensação de tonalidade, retórica musical & discurso, percepção melódica, percepção harmônica, estéticas, significado de música & simbolismo Enquanto muito de trabalho de Francès' tem sido citado, através das mais recente pesquisa, muitas das experiências dele ainda têm que ser seguidas e reexaminadas por investigadores modernos. 3. Leituras avançadas Diana Deutsch (editor). The Psychology of Music. Second edition. San Diego: Academic Press, 1999; 791 pages of main text. ISBN 0-12-213564-4 (hardback) ISBN 0-12-213565-2 (paperback) Este livro contém 18 artigos de revisão em tópico básico escrito por peritos em cada campo. Os Chapters include: The Nature of Musical Sound (John Pierce), Concert Halls (Manfred Schroeder), Music and the Auditory System (Norman Weinberger), Perception of Musical Tones (Rudolf Rasch & Reinier Plomp), Timbre (Jean-Claude Risset & David Wessel), Perception of Singing (Johan Sundberg), Intervals, Scales, and Tuning (Ed Burns), Absolute Pitch (Dixon Ward), Grouping Mechanisms (Diana Deutsch), Processing of Pitch Combinations (Diana Deutsch), Neural Networks and Tonality (Jamshed Bharucha), Hierarchy, Expectation and Style (Eugene Narmour), Rhythm (Eric Clarke), Music Performance (Alf Gabrielsson), Musical Development (Jay Dowling), Musical Ability (Rosamund Shuter-Dyson), Neurological Aspects of Music (Oscar Marin & David Perry), Cross-cultural Music Perception and Cognition (Edward Carterette & Roger Kendall). Embora esta coleção represente um dos recursos principais no campo, vários artigos não estão atualizados (sobretudo a partir de 1999). além, de não serem cobertos vários tópicos importantes ou serem abordados de maneira superficial, notavelmente os relacionados com expectativa criadas a partir de audição musical, formas variadas de escala e emoção. Carol Krumhansl. Cognitive Foundations of Musical Pitch. Oxford: Oxford University Press, 1990; 288 pages of main text. ISBN 0-19-505475-X (hardback). 7 Este livro apresenta os resultados dos estudos ontológicos de Krumhansl de organização da percepção relacionada com a altura. O livro reporta-se principalmente a perguntas relacionadas com a percepção de tonalidade. Como é percebida e estabelecida a tonalidade? Quando uma modulação acontece, como se tem a sensação da nova tonalidade? A sensação de tonalidade inicial é mantida depois da modulação? Ouvintes podem assistir simultaneamente a duas tonalidades? Há um modo exclusivamente "atonal " de perceber passagens musicais? Tais questões são tratadas por vários experimentos importantes da percepção. Uma revisão de livro está disponível online (book review). Richard Parncutt. Harmony: A Psychoacoustical Approach. Berlin: Springer-Verlag, 1989; 166 pages of main text. ISBN 0-387-51279-9 (hardback only). Este livro é bastante técnico, mas provê uma teoria estimulante de harmonia. A teoria estende essencialmente e embeleza pesquisa pela psicoacústica de Ernst Terhardt. Embora o livro descreva como aspectos fisiológicos de influência sobre a audição, a percepção da altura e harmonia, a teoria trata a altura e harmonia como um phenomena que pode ser aprendido que surge da exposição a sons complexos típicos do ambiente. Uma revisão do livro está disponível em book review. . David Huron. Tone and Voice: A Derivation of the Rules of Voice-leading from Perceptual Principles. Music Perception, Vol. 19, No. 1, pp. 1-64, 2001. Este artigo provê uma explicação técnica detalhada das origens das regras tradicionais do cantus firmus ou voz principalis. O artigo identifica por que muitos compositores organizaram suas partituras de acordo com práticas estabelecidas e também dá conta de muitas das divergências destas práticas. Explicações são oferecidas sobre o porquê deveriam ser evitados uníssonos, ou cruzamento das vozes" Por que isto soa mal?, por que acordes são formados desta e não de outras maneiras, por que quintas paralelas e oitavas podem ser problemáticas e por que os compositores evitam oitavas expostas. O texto completo está disponível online. 8