16 - CENACON

Propaganda
NÚMERO: 16
TÍTULO: Neurorretinite por bartonella hanselae: relato de caso
AUTORES: Antonio Sergio França Neves, Daniel Madeira, Gabriel Akio Shimoda, Marcelo Abilio Calça,
Marcos Vinicius Aquino, Marcus Cezar Recco Gonsalles
INSTITUIÇÃO: INSTITUTO CEMA
INTRODUÇÃO
A doença da arranhadura do gato é uma infecção subaguda causada por pequenos bacilos gramnegativos, Bartonella henselae, ou, menos comumente, Bartonella quintana, que são transmitidos pela
inoculação direta do bacilo, seja pela arranhadura, lambida ou mordida de uma gato aparentemente
saudável 5. As bartonellas infectam animais, sendo o homem hospedeiro acidental na maioria dos casos
8
.
A doença, em geral, se apresenta como linfadenite crônica benigna, embora o acometimento do
sistema nervoso central, incluindo neurorretinite e neuropatias cranianas têm sido relatadas 6. Sintomas
sistêmicos incluem linfadenopatia regional no sitio da inoculação, febre baixa, hiporexia e prostação
dentre outros 8 .
A manifestação ocular mais comum na doença da arranhadura do gato é a neurorretinite, ocorre
em 6% dos casos, e caracteriza-se por diminuição da acuidade visual, indolor e unilateral que se inicia
gradualmente e se torna mais importante após cerca de 1 semana 5 . As causas mais comuns de
neurorretinite incluem Bartonella henselae, Treponema pallidum, Toxoplasma gondii, Toxocara canis,
Borrelia burgdorferi, leptospira e paramixovirus 6 .
OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de uma paciente atendida no setor de oftalmologia
do Hospital CEMA com neurorretinite associada a doença da arranhadura do gato em olho esquerdo,
sua evolução e tratamento.
RELATO DE CASO
Feminino, branca, 22 anos, natural de São José dos Campos/SP, foi atendida no pronto
atendimento de oftalmologia do Hospital CEMA em fevereiro de 2013 com queixa de cefaléia e baixa
acuidade visual em olho esquerdo (OE) há 09 dias, com piora importante da visão há 03 dias.
Referiu ter permanecido internada em outro serviço com hipótese diagnóstica de neurite óptica,
onde realizou exames de imagem, laboratoriais e pulsoterapia com corticoide sem melhora do quadro.
Estava em uso de 40 mg/dia de prednisona, prescrito após alta hospitalar. Trouxe exames de Tomografia
Computadorizada de Crânio e ressonância magnética de encéfalo dentro dos parâmetros de
normalidade. De antecedentes pessoais relatava diabetes mellitus diagnosticada a 02 anos. Nega
antecedentes oftalmológicos
Ao exame oftalmológico, acuidade visual (AV) com a melhor correção era de 20/20 em olho
direito (OD) e 20/60 em OE. Biomicroscopia com córnea integra, cristalino tópico e transparente,
reflexos pupilares direto e indireto preservados em ambos os olhos. Pressão intraocular por tonometria
de aplanação de Goldman era de 16 mmHg em ambos os olhos. À fundoscopia encontrava-se borda de
papila borrada com hiperemia em OE associado à estrela macular.
Após avaliação do setor de retina do nosso serviço foram solicitados exames de campimetria
computadorizado, angiofluoresceinografia, e tomografia por coerência óptica (OCT), além de exames
laboratoriais incluindo a pesquisa para bartonella henselae.
Após duas (02) semanas, a paciente retorna com resultados de exames laboratoriais
apresentando sorologia positiva para B. Hanselae.
O exame de OCT evidenciou inicialmente pontos de hiporefletividade na retina neurosenssorial
macular e complexo EPR-coriocapilar irregular em olho esquerdo. Campimetria computadorizada com
aumento da mancha cega e pontos de sensibilidade reduzida esparsos no campo de olho esquerdo.
Olho direito dentro da normalidade. Angiofluoresceinografia observou hiperfluorescência precoce em
nervo óptico que aumenta de intensidade com o decorrer do angiograma, bem como edema macular na
fase tardia do exame em olho esquerdo. Em olhos direito, tempos circulatórios normais e ausência de
alteração de fluorescência no decorrer do exame.
A partir dos resultados dos exames, foi iniciado tratamento com antibióticoterapia sendo
prescrito de doxiciclina 100 mg de 12/12 horas por 15 dias e retorno com acompanhamento
oftalmológico semanal.
Após uma semana de tratamento ainda apresentava à fundoscopia imagem de papilite e estrela
macular, porém com discreta melhora. Com o seguimento observou-se regressão da papilite em duas
semanas de tratamento e melhora importante da estrela macular e da papilite. Após a terceira semana,
quando paciente referiu melhora da acuidade visual.
Novos exames oftalmológicos foram solocitados para acompanhamento após dois (02) meses de
segmento. Foi verificada uma espessura de camada de fibras nervosas normal em olho direito e
reduzida em olho esquerdo na OCT; discreta hiperfluorescência em nervo óptico com impregnação do
contraste na fase tardia do exame em olho esquerdo na angiofluoresceinografia, e campimetria
computadorizada dentro da normalidade em ambos os olhos.
Após 3 meses de tratamento, a paciente retorna sem queixas para avaliação de rotina, acuidade
visual com correção de 20/20 em ambos os olhos, J1 para perto. À fundoscopia, retina aplicada,
ausência de estrela macular e ausência de edema de papila. Paciente permanece em acompanhamento
no serviço de retina do Hospital CEMA.
DISCUSSÃO
Neurorretinite é uma forma de neuropatia óptica caracterizada por edema de disco óptico na
presença de exsudatos peripapilares e maculares frequentemente formando uma estrela macular
completa e parcial. A maioria dos casos é unilateral e há defeito pupilar aferente relativo. As
recorrências são incomuns 5.
Os sinais e sintomas incluem baixa de acuidade visual em graus variáveis, papilite associada
edema peripapilar e macular, engurgitamento venoso e hemorragias filamentares. A formação da
estrela macular se desenvolve somente após 1 a 2 semanas após a apersentação inicial, composta por
exsudatos duros 5 . Os exsudatos maculares levam meses para resolverem, e mesmo após resolução,
pacientes podem apresentar visão de cores e potenciais evocados anormais, defeitos pupilares
aferentes, sensibilidade ao contraste alterada, alterações pigmentares da retina, além de baixa de
acuidade visual 1 .
Há casos reportados de edema de papila e achados retinianos sem a clássica estrela macular
exsudativa. Outras apresentações do segmento posterior incluem panuveite, oclusão de artéria e veia
central da retina, glaucoma neovascular, buraco macular, coroidite, microgranuloma retiniana,
alterações vasoproliferativas na papila e descolamento seroso macular 1.
No caso descrito, como a paciente chegou em nosso serviço após mais de uma semana do inicio
dos sintomas já apresentava os achados característicos de neurorretinite como papilite associada à
estrela macular, sem sintomas sistêmicos.
A doença da arranhadura do gato representa cerca de 60% dos casos de neurorretinite. Dentre
os diagnósticos diferenciais incluem a neuroretinite estrelada idiopática de Leber (25%), sífilis, doença
de Lyme, caxumba e leptospirose 5 .O diagnostico da infecção por B. hanselae é clinico, com avaliação
laboratorial para confirmar a suspeita inicial 1.
Não há consenso terapêutico da necessidade do uso de antibioticoterapia, drogas de primeira
escolha e duração de tratamento. Bartonella sp são sensíveis a betalactamicos, rifampicina,
eritromicinas e tetraciclinas; o tratamento de escolha são os macrolideos como azitromicina e
eritromicina, podendo ainda ser utilizado doxiciclina, rifampicina, sulfametoxazol – trimepim e
quinolonas 2.
Solley et al. avaliaram achados do segmento posterior em 24 pacientes (35 olhos), a maioria
com historia de exposição a gatos. 66% dos pacientes queixavam-se de baixa de visão e outros sintomas
incluíam flash de luzes, bolas flutuantes, fotofobia e obscurecimento visual. Acuidade visual media era
de 20/40 inicial e após tratamento 20/20. Edema de disco foi achado em 46% e estrela macular em 43%,
edema seroso foi visto em 20% dos olhos, vitreite em 20%, obstrução da artéria central da retina em
11%, obstrução de ramo venoso em 3%. 6.
Estudos na literatura descrevem casos semelhantes ao descrito com resultados clínicos
semelhantes. Gann e colaboradores, 2011, relatam dois casos de pacientes jovens somente com
acometimento ocular, sem manifestação sistêmica. Em ambos os casos ocorreu redução dos achados de
segmento posterior e melhora significativa da acuidade visual após tratamento com doxicilcina
associado à rifampicina 4.
CONCLUSÃO
O acometimento ocular na doença da arranhadura de gata não é incomum, porém usualmente
negligenciado. Apesar de auto limitada a doença pode deixar sequelas importantes que comprometam a
qualidade de visão do paciente. Deste modo, o diagnostico deve ser considerado em casos de
neurorretinite mesmo que o paciente não apresente manifestações sistêmicas da doença.
BIBLIOGRAFIA
1. Aragão REM, Ramos RMG, Bezerra AFR, Cavalcanti Junior RB, Albuquerque TL. Optic neuropathy
secondary to cat scratch disease:case-report. Arq Bras Oftalmol. 2010;73(6):537-8.
2. Bass JW, Freitas BC, Freitas AD, Sisler CL, Chan DS, Vicent JM et al. Prospective randomized
double blind placebo-controlled evaluation of azithromycin for treatment of cat-scratch disease.
Pediatr Infect Dis J. 1998 June; 17(6):447-52.
3. Bhatti MT, Asif R, Bhatti BL. Macular star in neuriretinitis. Arch Neurol 2001;58(6):1008-1009.
4. Gan JJ, Mandell AM, Otis JÁ, Holmuhamedova M, Perloff MD. Suspecting optic neuritis,
diagnosing bartonella cat scratch disease. Arch Neurol 2011;68(1):122126.
5. Kanski JJ. Oftalmologia Clínica. Uma abordagem sistemática, 6ª edição, 2008.
6. Lana-Peixoto MA. Neuro-oftalmologia. Sistema sensorial – parte II. Revisão 1997-1999. Arq Bras
Oftalmol 2002;65:265-84.
7. Schmalfuss IM, Dean CW, Sistrom C, Bhatti MT. Optic Neuropathy to cat scratch disease:
distinguishing MR imaging features from types of optic neuropathies. AJNR AM J Neuroradiol
26:1310-1316, june/july 2005.
8. Souza FG. Doença da arranhadura do gato: relato de caso. Ver Med Minas Gerais 2011; 21(1):7578.
9. Pinto Jr VL, Curi AL, Pinto AS, Nunes EP, Teixeira MLB, Rozental T, Favacho AR, Lemos ERS, Boia
MN. Cat scratch disease complicated with aseptic meningitis and neuroretinitis. BJID
2008;12(april)158-160.
Download