DOENÇA HOLANDESA E INSERÇÃO COMERCIAL INTERNACIONAL DO BRASIL E AUSTRÁLIA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA NO INÍCIO DO SÉCULO XXI. Clésio Lourenço Xavier1 Michael Gonçalves da Silva2 Introdução O conceito de “Doença Holandesa” foi apresentado, inicialmente, por Corden e Neary (1982) no qual atribuía à crise da indústria holandesa as descobertas de novas jazidas de gás natural no norte do país. Em síntese, considerando os preços elevados do gás na década de 70 devido à crescente demanda internacional, a economia holandesa tendeu a se especializar na produção de gás, o que elevou significativamente o fluxo de moeda estrangeira no país. O resultado foi à apreciação da moeda holandesa (Florim) prejudicando a indústria doméstica no que tange à concorrência com os bens industriais importados, implicando na desindustrialização da economia holandesa. Nos anos 2000 tem-se um cenário de preços internacionais elevados das commoditiesagrícola e mineral, o que tem levado países dotados de bens intensivos em recursos naturais a aumentarem suas exportações. Assim, considerando o Brasil e Austrália que são grandes exportadores de bens intensivos em recursos naturais, o objetivo deste trabalho é verificar se nessas economias as anormalidades causadas pela “Doença Holandesa” estão presentes. Assim esta pesquisa é de cunho qualitativo comparativo, no qual será observado o comportamento das variáveis que correspondem à hipótese de “Doença Holandesa”, comparando-as em seguida entre o Brasil e Austrália. Os dados de comércio internacional foram obtidos da base de dados da COMTRADE/ONU desagregados a dois dígitos e, novamente reagregados a partir da proposta setorial de intensidade tecnológica da OCDE. Os demais dados foram obtidos junto aos seguintes órgãos: Fundo Monetário Internacional, 1 Professor Doutor Associado da Universidade Federal de Uberlândia e Pesquisador de Produtividade do CNPq. Email: [email protected]. Fone: 34-9979-1963. 2 Economista da Universidade Federal de Santa Maria. Mestre e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia. Email: [email protected]. 97 Banco Central do Brasil, Instituto Brasileiro de Geografia e Economia e Banco Central da Austrália. Além desta parte introdutória, o texto compreende outras cinco partes: a primeira delas se concentrará na definição de “Doença Holandesa”, em seguida será apresentada a discussão de “Doença Holandesa” no Brasil; a seguir a discussão estende-se à Austrália; a quarta parte corresponde à análise comparativa dos países e; por fim, algumas conclusões e considerações do trabalho. Doença Holandesa: Origem e Definições Na literatura econômica é possível encontrar algumas tentativas de construção de modelos que tentam explicar os efeitos da “Doença Holandesa” - muitos desses modelos relacionam os recursos naturais com a desindustrialização das economias. Para este texto serão apresentadas três definições de “Doença Holandesa” que foram trazidas pelos seguintes autores: Corden e Neary (1982), Bresser-Pereira (2008, 2009) e Oreiro e Feijó (2010). A denominação de “Doença Holandesa” surge com a descoberta, nos anos sessenta, de abundantes reservas de gás natural. A expressão “Doença Holandesa” foi utilizada pela primeira vez pela revista inglesa The Economist no ano de 1977. Na tentativa de explicar esse fenômeno, Corden e Neary (1982) propuseram o primeiro modelo, analisando o fenômeno da “Doença Holandesa” e identificando dois efeitos: o primeiro, o que eles chamaram de efeito movimento dos recursos, no qual ocorre, em virtude da expansão da produção e exportação de um novo recurso natural, uma transferência de fatores produtivos da indústria e dos demais setores de bens não comercializáveis para essa nova atividade. Desta forma, observa-se um declínio do emprego e da produção nesses setores, com o aumento dos preços relativos dos bens não comercializáveis desencadeando na apreciação da taxa de câmbio - neste caso a economia é conduzida por um processo de desindustrialização direta. O segundo efeito foi denominado de efeito gasto, no qual o crescimento da renda, proporcionado pela nova atividade, implica um aumento na demanda por bens não comercializáveis e, por consequência, uma elevação de seus preços – o que, mais uma vez, implica na apreciação da taxa de câmbio. Como a elasticidade-renda da demanda dos serviços é mais alta que a da 98 indústria, a produção desta última cresce menos ou diminui, enquanto a dos outros setores aumenta. É o que os autores chamam de “desindustrialização indireta”. Bresser-Pereira (2008, 2009) desenvolve um modelo de doença holandesa, cuja base é a existência de rendas ricardianas que levam a uma distinção entre a taxa de câmbio de equilíbrio corrente (εc), definida como a taxa que equilibra inter temporalmente a contacorrente de um país (taxa para a qual o mercado tende a convergir), e a taxa de câmbio de equilíbrio industrial (εi), expressa como a taxa que, na média, permite que as empresas, usando tecnologia de ponta, sejam rentáveis ou competitivas. Assim, se um país possui recursos naturais (e humanos) abundantes, a utilização desses recursos baratos permite que os produtos sejam produzidos e exportados a custos menores do que os dos concorrentes internacionais, levando ao surgimento de rendas ricardianas. A valorização cambial favorece a especialização do país em setores intensivos em recursos baratos dotados de vantagens comparativas, ao passo que desestimula a produção de setores que não possuem essas vantagens, como os bens manufaturados intensivos em tecnologia sofisticada. Logo, o autor propõe um modelo ampliado para a análise da doença holandesa, em que esta não estaria associada apenas à abundância de recursos naturais, mas também de mão-de-obra barata. Oreiro e Feijó (2010) fazem uma análise a partir da identificação da perda de dinamismo do setor industrial brasileiro decorrente da combinação existente entre abertura comercial, melhora dos termos de troca e apreciação cambial. Além disso, o último estágio da “Doença Holandesa” seria a desindustrialização prematura da economia, refletida nos saldos comerciais, ou seja, a “Doença Holandesa” se manifestaria através do comércio quando fossem notados saldos comerciais superavitários crescentes nos setores produtores de commodities e déficits comerciais crescentes nos setores industriais. Logo, a partir das contribuições de Corden e Neary (1982), Bresser-Pereira (2008, 2009) e Oreiro e Feijó (2010) é possível inferir que a “Doença Holandesa” ocorre em situações de elevados preços de commodities, nos quais países com dotação de fatores intensivos em recursos naturais tendem a expandir suas ofertas em busca das receitas de exportação (rendas ricardianas), o que resulta no aumento de oferta de moeda estrangeira na economia que, por sua vez, aprecia a taxa de câmbio, o que traz consequências para a indústria doméstica.Com o câmbio real apreciado, os bens de intensidade tecnológica importados ficam mais acessíveis em relação aos bens produzidos na economia, elevando as importações, e tal concorrência resulta no abandono da produção nos setores em que a economia não possui dotação adequada. 99 Inserção Comercial e Doença Holandesa no Brasil A discussão sobre “Doença Holandesa” no Brasil é muito recente e surge na década de 2000, principalmente em meados de 2003, quando se constatou a elevação dos preços internacionais de commodities acompanhadas por um aumento contínuo das exportações brasileiras. Nesses primeiros anos da década de 2000 é possível destacara descoberta de petróleo nas camadas do pré-sal, aumento na demanda por combustíveis renováveis, grãos e minérios nos mercados da Europa e China. Para além do aumento na demanda de bens não industriais, a apreciação da taxa de câmbio real e o baixo desempenho da indústria de transformação nos anos 2000 foram responsáveis por reforçar o argumento daqueles que acreditam que o Brasil está atravessando um cenário de desindustrialização da indústria nacional decorrente da “Doença Holandesa”. Desta forma, os autores que relacionam a inserção comercial e perda da competitividade da indústria brasileira nos últimos anos aos sintomas “Doença Holandesa” sãoBresser Pereira (2009); Bresser Pereira e Marconi (2008), Bruno, Araújo e Pimentel (2009); Oreiro e Feijó (2010); e Sampaio e Pereira (2009); Silva, et al. (2012): Silva e Xavier (2011); Veríssimo e Xavier (2013). Bresser Pereira (2009) afirma que a “Doença Holandesa” se estabelece em determinada economia por estágios: inicialmente, a exploração de recursos naturais traz benefícios econômicos para o país, pois é uma forma de participação no comércio mundial, além de promover a acumulação primitiva de capitais, o que contribui para a formação de uma classe empresarial no país. Assim, esta nova classe empresarial passará a exigir uma taxa de câmbio competitiva para que possa participar do comércio internacional, pois com uma taxa de câmbio apreciada, a competição da indústria de manufaturados torna-se inviável, devido ao encarecimento dos bens, em comparação aos bens do resto do mundo. Os autores Bresser Pereira e Marconi (2008) relatam que a valorização cambial favorece uma especialização do país na produção dos setores intensivos em recursos baratos, que possuem vantagens comparativas em relação aos seus competidores. Ao passo que 100 desestimula a produção de setores que não possuem tais vantagens comparativas, como a produção dos bens manufaturados, intensivos em tecnologia. Em Bruno, Araújo e Pimentel (2009) o câmbio apreciado é o responsável por prejudicar as indústrias de alta intensidade tecnológica, devido ao favorecimento de setores mais tradicionais da economia brasileira, além de contribuir para a intensificação na participação do setor de serviços. Assim, a especialização da indústria brasileira em setores tradicionais está relacionada à abertura comercial e financeira, vivenciada nos anos 90. Oreiro e Feijó (2010) destacam que a manifestação da “Doença Holandesa” pode ocorrer se a desindustrialização causada pela apreciação cambial, oriunda de novas descobertas de recursos naturais, estiver acompanhada de uma reprimarização da pauta de exportação, ou seja, uma reversão na pauta de exportação brasileira em direção à produção e comercialização de commodities. Sampaio e Pereira (2009) afirmam que a taxa de câmbio iniciou um caminho rumo à valorização, em 2002, ao mesmo passo que o desempenho comercial de produtos básicos apresentou uma tendência ao crescimento maior do que os setores de manufaturas e semimanufaturados; mesmo assim o crescimento ficou abaixo das taxas de crescimento mundial. Para os autores, os fatores relacionados aos sintomas da “Doença Holandesa” estão mais precisamente ligados à maior demanda internacional de commodities, e não à mudança na estrutura produtiva da economia. Silvaet al. (2012) analisam a inserção comercial internacional do Brasil no período 2002-2008 e concluem que todos os setores apresentaram crescimento comercial, ou seja, aumento das exportações, sendo que os setores de maior intensidade tecnológica apresentaram déficits comerciais crescentes e os setores intensivos em recursos naturais, superávits comerciais crescentes, o que pode desencadear um processo de desindustrialização da economia brasileira. Outra conclusão é que a indústria nacional perdeu participação efetiva no comércio internacional, o que pode ser um indicativo de um processo inicial de desindustrialização da economia brasileira. Silva e Xavier (2011) analisam a hipótese de “Doença Holandesa” no Brasil no período de 2002-2008 através da utilização da agregação dos saldos comerciais setoriais, reagrupando de acordo com a metodologia proposta por Lall (2000), nos quais encontraram fortes evidências de ocorrência da “Doença Holandesa” devido aos saldos superavitários crescentes dos setores intensivos em recursos naturais e déficits crescentes nos setores industriais. 101 Veríssimo e Xavier (2013) fazem uma investigação da hipótese da“Doença Holandesa” no Brasil pela existência de uma relação negativa entre as exportações de commodities e a taxa de câmbio real, e os efeitos da especialização das exportações de commodities no crescimento da economia brasileira de 1999-2010 com base no modelo VAR. As evidências sugerem uma importância expressiva das exportações de commodities para explicar as reais variações cambiais. Inserção Comercial e “Doença Holandesa” na Austrália A crescente participação na atividade econômica de exploração dos recursos naturais nos últimos anos na Austrália tem estimulado o debate acerca dos resultados econômicos da produção de bens intensivos em recursos naturais no país. Assim, os trabalhos de Battellino (2011), Connolly e Lewis (2010), Van der Ploeg (2011), Sheehan e Gregory (2013) e Corden (2012) tentam retratar os efeitos de boom do setor de minérios, bem como a possível incidência de “Doença Holandesa”. Battellino (2011) afirma que a economia australiana está experimentando atualmente uma intensificação na atividade de mineração e isto tem sido uma força poderosa ao longo da formação da economia australiana. O autor parte de uma perspectiva histórica, mais precisamente dos anos 1930, para argumentar a importância desses fenômenos para a economia da Austrália. ConnollyeLewis (2010) concluem que a estrutura da economia australiana mudou ao longo do tempo e tal mudança estrutural ocorreu em ondas, impulsionada por uma série de fatores, incluindo o aumento da demanda por serviços, a industrialização do leste da Ásia, a reforma econômica e mudanças técnicas. Nos últimos anos, o setor de mineração também tem crescido em importância, o boom da mineração também levou a um aumento da taxa de mudança estrutural, especialmente quando medido em termos de potência nominal e de investimento. Van der Ploeg (2011) faz o seguinte questionamento: os recursos naturais são uma "maldição" ou uma “bênção” na economia australiana?O autor examina uma variedade de hipóteses e provas através das quais alguns países se beneficiam e outros perdem com a presença de recursos naturais. A elevada dotação de recursos naturais induz apreciação da taxa de câmbio real, a desindustrialização e as perspectivas de crescimento negativas, e que 102 estes efeitos adversos são mais graves em países voláteis com instituições frágeis e ausência de Estado. Sheehan e Gregory (2013) discutem o forte impacto econômico sobre a Austrália que a ascensão da Ásia tem provocado através de setor de recursos naturais. O autor afirma que o boomextraordinário da mineração se move através de três etapas: o aumento dos termos de troca, uma resposta aos investimentos em mineração e, finalmente, um aumento significativo das exportações minerais. Corden (2012) chama atenção para as dificuldades criadas às diversas empresas e indústrias pelo efeito da “Doença Holandesa” acerca do boom de recursos naturais. Entretanto, o autor apresenta duas razões favoráveis: o primeiro aspecto é o lado positivo da “Doença Holandesa”, que trata do aumento substancial dos salários reais de consumo devido à queda dos preços de importação. A segunda razão favorável é que algumas empresas e indústrias podem ganhar com o boom gerado pelo aumento da demanda por bens não comercializáveis. Em relação ao governo, Corden (2012) afirma que o mesmo deve programar um pacote de política fiscal superavitária (através da tributação dos setores produtores de commodities) em conjunto com uma política monetária no sentido de conter a apreciação da taxa de câmbio real, e tais medidas servirão como medidas de proteção à indústria doméstica. Enfim, para seguir com a análise comparativa entre Brasil e Austrália é preciso considerar a seguinte hipótese: dados os preços internacionais de commodities agrícolas e minerais, os países que são dotados de recursos naturais tendem a exportar mais, o que resultará no aumento do fluxo de moeda estrangeira na economia e, consequentemente, a taxa de câmbio real será apreciada. Com o câmbio apreciado fica mais barato importar bens intensivos em tecnologia, em detrimento da oferta doméstica, o que pode ocasionar a desindustrialização da economia. Inserção Comercial, Saldos Comerciais e “Doença Holandesa” no Brasil e Austrália A inserção comercial setorial do Brasil e Austrália será descrita a seguir através da utilização de dados de comércio internacional, os quais foram desagregados a dois dígitos para captar de melhor maneira o comportamento dos saldos comerciais setoriais. Em seguida, os dados serão reagregados a partir da metodologia proposta pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que subdivide em cinco os setores da 103 economia, de acordo com a intensidade tecnológica: Setores não industriais, Setor de baixa intensidade tecnológica, baixa-média intensidade tecnológica, média-alta intensidade tecnológica e alta intensidade tecnológica. Os setores não industriais são classificados aqui como aqueles pertencentes aos setores produtores de commodities agrícola e mineral, sendo este setor o principal responsável pelo surgimento da “Doença Holandesa” e que apresentou maiores elevações em seus preços no mercado mundial na primeira década do século XXI. Resumidamente podemos listar os seguintes setores como integrantes deste grupo: grãos, animais vivos, minérios, pescados, frutos do mar, alimentos in natura, etc. Setores de baixa intensidade tecnológica foram classificados como os setores que apresentam pequena inovação, de produto ou processo, e assim fazem parte desta classificação tanto os setores conhecidos como indústrias tradicionais quanto da indústria de base. Exemplo: siderurgia, indústria alimentícia, têxtil, química bruta, entre outras. Aqueles setores de baixa-média intensidade tecnológica são setores que apresentam um valor adicionado maior, bem como alguns setores de bens de capital. Desta forma, fazem parte desses setores: indústria de fertilizantes, matérias químicas, equipamentos metalúrgicos, móveis, aparelhos eletroeletrônicos, etc. A grande maioria dos setores produtores de bens de capital está classificada em média-alta intensidade tecnológica. Neste grupo, ainda, é possível encontrar os setores produtores de veículos, aparelhos eletrônicos, setores produtores de máquinas especializadas, etc. Por fim, os setores de alta intensidade tecnológica são, em particular,setores de química fina, medicamentos, bens aeroespaciais, aeronáutica, dentre outros. A figura 1 ilustra os saldos comerciais setoriais do Brasil para os anos de 20002012 (em US$ bilhões), através da qual fica claro que os dois únicos setores que apresentaram saldos comerciais superavitários foram os setores de não industriais e de baixa intensidade tecnológica. Os demais setores (baixa-média; média-alta e alta intensidade tecnológica), que são setores industriais, apresentaram déficits comerciais crescentes. Ainda em relação à figura 1, o setor de bens não industriais destaca-se, dentre os demais, devido ao seu comportamento exponencial, ou seja, entre os anos 2000-2012 esse setor cresceu mais de sete vezes (7,70 transformado em índice), o que leva a concluir que a inserção comercial setorial externa do Brasil no período em questão foi fortemente caracterizada pela produção de commodities. 104 Figura 1: Saldos Comerciais Setoriais do Brasil entre os anos de 2000-2012 (em US$ bilhões). Fonte: Dados obtidos da Comtrade/ONU e gráfico elaborado pelos autores. De maneira análoga, o gráfico 2 reagrupa os dados do comércio internacional, oriundos da COMTRADE/ONU referente à economia australiana entre os anos de 2000-2012. Assim como no Brasil, na Austrália apenas os setores de não industriais e de baixa intensidade tecnológica apresentaram saldos comerciais positivos. Os demais setores (baixamédia; média-alta e alta intensidade tecnológica) apresentaram saltos comerciais negativos, significando isso que a Austráliaexportou mais matérias-primas e bens de baixa intensidade tecnológica e importou mais bens industriais. Assim, o gráfico 2 ilustra o desempenho excepcional do setor de não industriais da Austrália, que apresentou um crescimento significativo nos últimos anos. Além disso, o setor de média-alta intensidade tecnológica foi o setor que mais apresentou déficits comerciais para o período em questão. Logo, fica evidente que a inserção comercial internacional da 105 Austrália no período recente ocorreu através dos setores intensivos em recursos naturais e trabalho. Figura 2: Saldos Comerciais Setoriais da Austrália entre os anos de 2000-2012 (em bilhões) Fonte: Dados obtidos da Comtrade/ONU e gráfico elaborado pelos autores. A comparação entre Brasil e Austrália no que tange às inserções de comércio internacional resulta numa semelhança entre suas pautas de exportações e importações. Em ambos os países apenas os setores intensivos em recursos naturais e trabalho (setores não industriais e de baixa intensidade tecnológica) apresentaram superávits comerciais entre os anos de 2000-2012. Para os setores de não industriais, nos dois países a trajetória dos saldos comerciais (vide gráficos1 e 2) são muito semelhantes, com um movimento inicial de expansão em 2003, com um pequenodeclínio em 2008, seguido de uma nova expansão em 2009 até 2011, onde tais apresentaram um desempenho significativo. Outro ponto de convergência entre Brasil e Austrália é o desempenho dos saldos comerciais setoriais no setor de média-alta intensidade tecnológica, que se mostrou deficitário 106 e crescente ao longo dos anos, evidenciando a grande presença de bens industriais estrangeiros nas economias. Os resultados referentes ao comportamento do setor intensivo em recursos naturais são decorrentes das altas dos preços internacionais de commodities, conforme pode ser constatado na figura 3 – Índice de Preços de Commodities, queapresentaa trajetória dos preços internacionais de todas as commodities. Figura 3: Índice de Preços de Todas as Commodities (2005=100) de 2000 a 2013. Fonte: Fundo Monetário Internacional, 2014. A análise das variáveis necessárias para “diagnosticar” os efeitos da “Doença Holandesa”, definidas na seção 1, no Brasil e Austrália, conclui que duas variáveis atendem às condições: em primeiro lugar, os preços internacionais de commodities elevados e aumento das exportações de bens intensivos em recursos naturais. Entretanto, mesmo sabendo que ambos os países apresentam superávits comerciais crescentes para os setores intensivos em recursos naturais e déficits comerciais crescentes para os setores intensivos em tecnologia, não é possível afirmar a suposta existência de “Doença Holandesa”antes da avaliação do comportamento da taxa de câmbio real e da indústria desses países. A figura 4 ilustra o comportamento do Produto Interno Bruto de cada país, o que demonstra que a economia brasileira cresceu com mais intensidade, em termos relativos, do 107 que a economia da Austrália. A transformação dos valores da figura 4 em números índices, entre os anos de 2000-2012, permiteconstatar que o PIB brasileiro cresceu mais de 3,73 vezes em comparação com 1,43 da economia australiana. Figura 4: Produto Interno Bruto do Brasil e Austrália (Em Valores Correntes de Milhões de US$) Para os Anos de 2000–2012. Fonte: Fundo Monetário Internacional, 2014. A figura 5 tem por objetivo ilustrar as taxas de poupança e investimento de ambos os países, considerando que estas são variáveis centrais na análise do desempenho industrial.Para o caso brasileiro, tanto os níveis de poupança quanto os níveis de investimentos não conseguiram ultrapassara casa dos vinte por cento, ou seja, o crescimento do PIB apresentado na figura 4 não foi “puxado” pelos investimentos. Para a economia australiana, tanto a taxa de poupança quanto a taxa de investimento apresentaram uma tendência de elevação para o período em questão, sendo que no que tange aos investimentos a taxa subiu de 25% para quase 30% em relação ao PIB. 108 Figura 5: Poupança Interna (Em % PIB) e Investimento (Em % do PIB) no Brasil e Austrália nos Anos de 2000–2012. Fonte: Fundo Monetário Internacional, 2014. Em relaçãoà taxa de câmbio real, no modelo de “Doença Holandesa”, o aumento das exportações dos setores produtores de commodities é responsável por elevar as receitas de exportações na economia e, consequentemente, o volume de moeda estrangeira, o que aprecia a taxa de câmbio real. Com a taxa de câmbio apreciada os setores industriais que não possuemvantagenscomparativas sãoafetados negativamente pela concorrência internacional, ou seja, a apreciação cambial encarece o bem industrial da economia doméstica, o que faz aumentar as importações - o que já foi constatado anteriormente através das figuras 1 e 2, com os saldos comerciais setoriais. Logo, as implicações do aumento das importações de bens industriais são a perda de sua competitividade e, posteriormente, em casos mais extremos, a desindustrialização desta economia. A figura 6 apresenta a taxa de câmbio real dos dois países no período 2000-2012: para o caso brasileiro a taxa de câmbio inicia a partir de 2000 uma tendência de depreciação 109 cambial (quando a moeda doméstica fica mais enfraquecida em relação à moeda estrangeira) até o ano de 2002; a partir daí a taxa de câmbio seguiu um caminho de apreciação cambial (quando a moeda fica mais fortalecida em relação à moeda estrangeira); a partir de 2011 a taxa de câmbio atingiu o patamar semelhante do início dos anos 2000. No caso australiano, a taxa de câmbio não apresentou grandes variações, seguindo uma leve tendência de depreciação. Figura 6: Taxa de Câmbio Real do Brasil e Austrália Entre os anos de 2000-2012. Fonte: Fundo Monetário Internacional, 2014. Portanto, ao analisar a taxa de câmbio real do Brasil e Austrália, e considerando que a apreciação da taxa de câmbio é condição sinequa non para avaliar a existência de “Doença Holandesa”, ainda não é possível afirmar que ambos os países têm vivenciado tal fenômeno.Embora, para o caso brasileiro,tenha ocorrido apreciação cambial principalmente entre os anos de 2002-2008, isso não é o suficiente para afirmar que o país atravessa ou atravessou um quadro sintomático da “Doença Holandesa”, pois a produção da indústria nacional não apresentou uma forte retração, mesmo diante de crescentes volumes de importação. A figura 7 ilustra o índice de produção industrial. 110 Figura 7: Índice de Produção Industrial (Média 2002=100) no Período 2000-2012. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2014. Diante do comportamento empírico de tais variáveis envolvidas na interpretação da“Doença Holandesa” (preços internacionais de commodities, exportações dos setores intensivos em recursos naturais, taxa de câmbio real e comportamento da indústria), é possível fazer algumas considerações. Em primeiro lugar, ressalte-se que os preços internacionais são formados pela demanda mundial de bens não industriais, o que implica que tanto Brasil quanto Austrália estão sujeitos aos efeitos das oscilações dos preços de tais bens, ou seja, nenhum deles tem controle sobre esta variável. Como já ilustrado na figura 3, estes apresentaram uma tendência crescente nos últimos anos. A segunda variável em questão refere-se à inserção comercial internacional, pois no modelo clássico de “Doença Holandesa” considera-se que o setor produtor de recursos naturais aumenta sua exportação devido à elevada de seus preços no mercado internacional. Em ambos os países analisados, a inserção comercial externase intensificou principalmente através da exportação dos setores produtores de commoditiesagrícolas e minerais, os quais 111 apresentaram saldos comerciais crescentes entre os anos 2000-2012, como apresentado nas figuras 1 e 2. Normalmente, um aumento das exportaçõeseleva o fluxo de moeda estrangeira na economia e produz uma apreciaçãoda taxa de câmbio real. Ressalta-se que a análise para o caso australiano não revelou uma apreciação da taxa real de câmbio; ao contrário, no período observado, a taxa de câmbio australianaseguiu uma tendência de depreciação. Diferentemente, a análise do caso brasileiro evidencia que a taxa de câmbio real apresentou uma forte apreciação entre os anos de 2003-2007, mas quando se considera o período completo 20002012, não é possível afirmar que ocorreu uma apreciação de sua moeda. Considerações Finais A “Doença Holandesa”, conforme acima discutido, é uma falha de mercado causada pela abundância de recursos naturais eque atende à demanda do mercado externo. Os elevados preços internacionais de commodities agrícola e mineral são responsáveis pelos aumentos substantivos nas exportações líquidas e, consequentemente, responsáveis pelo surgimento da “Doença Holandesa”. Sendo assim, o aumento das exportações eleva as receitas, aumentando a quantidade de moeda estrangeira na economia. Tal aumento resulta na apreciação da taxa de câmbio real, o que atinge a indústria doméstica. A partir do conceito de “Doença Holandesa” proposto por Oreiro e Feijó (2010), o objetivo deste artigo foi avaliar a inserção comercial internacional do Brasil e Austrália, na tentativa de responder aos questionamentos acerca da possibilidade de ocorrência de tal doença em ambas as economias. Os resultados analisados das variáveis que indicam a possibilidade de “Doença Holandesa” no Brasil e Austrália não ratificam a existência do fenômeno nas economias em questão -mesmo constatando que a inserção comercial de ambos os países no período recente ocorreu através do aumento das exportações de bens intensivos em recursos naturais e a crescente importação de bens industriais. Na Austrália, mesmo o país sendo eminente exportador de bens intensivos em recursos naturais, não é possível afirmar a existência da “Doença Holandesa”, pois a taxa de câmbio não apresentou uma tendência de apreciação, o que é imprescindível na constatação de tal fenômeno. 112 Para o Brasil, as evidências são mais fortes entre os anos de 2003-2007, mas mesmo assim não há concretude na análise, pois embora o país tenha apresentado saldos comerciais crescentes nos setores intensivos em recursos naturais e apreciação cambial entre 2003-2007, não foi possível captar uma redução da produção industrial no período em questão. Vale dizer que, mesmo que algumas das variáveis que explicam a “Doença Holandesa” estejam presentes na inserção comercial do Brasil, ainda não se podeafirmar a desindustrialização da economia brasileira no período em tela. Portanto, dados os altos preços internacionais de commodities agrícolas e minerais no início do século XXI, a inserção comercial de Brasil e Austrália caracteriza-se pela oferta de bens intensivos em recursos naturais e grandes importadores de bens intensivos em tecnologia. Referências BATTELLINO, E. “Mining Booms and the Australian Economy”, Bulletin of the Reserve Bank of Australia, March, pp. 63-69, 2010. BRESSER-PEREIRA, L. C. A Doença Holandesa. In: BRESSER-PEREIRA, L. C. Globalização e Competição: Por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não. Rio de Janeiro: Elsevier, Cap. 5, p. 141-171, 2009. BRESSER-PEREIRA, L. C.; MARCONI, N. Existe Doença Holandesa no Brasil? IV Fórum de Economia da Fundação Getúlio Vargas. Março, 2008. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br>. Acesso em Outubro de 2013. BRUNO, M.; ARAÚJO, E.; PIMENTEL, D. Regime Cambial e Mudança Estrutural na Indústria de Transformação Brasileira: Novas Evidências para o Período (1994-2008). 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