Artigo 07 - Sociedade Brasileira de Cirurgia de Cabeça e Pescoço

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Relato de Caso
Tireiodite de Riedel simulando neoplasia
maligna de tireóide
Riedel thyroiditis simulating malignant neoplasm of thyroid
Resumo
Tireoidite de Riedel é uma entidade fibrosante rara que acomete
a tireóide e deve ser suspeitada em pacientes com uma massa
da tireóide com sinais de restrição local ou sintomas infiltrativos.
Apresentamos um relato de caso de nódulo tireoideano
levando a sintomas compressivos cervicais, características
ultrassonográficas de malignidade e citologia por punção
aspirativa inconclusiva. O reconhecimento dessa enfermidade é
importante para evitar-se cirurgias extensivas e suas possíveis
complicações.
Emidio Oliveira Teixeira 1
Sânzio Tupinambá Valle 2
Danielly Solar Andrade Oliveira 1
Helena Cunha Sarubi 1
Abstract
Riedel’s thyroiditis is a rare fibrosing disease that affects the
thyroid and must be suspected in patients with a thyroid mass with
signs of restriction site or infiltrative symptoms. We present a case
report of thyroid nodule leading to cervical compressive symptoms,
ultrasound characteristics of malignancy and inconclusive cytology
aspiration. The recognition of this disease is important to avoid
extensive surgery and its complications.
Key words: Thyroiditis; Thyroid Neoplasms; Carcinoma.
Descritores: Tireoidite; Neoplasias da Glândula Tireoide;
Carcinoma.
INTRODUÇÃO
Tireoidite de Riedel é uma entidade fibrosante rara
que resulta na destruição da tireóide e infiltração dos
tecidos adjacentes1,2.
Recentemente, foi proposto que essa condição
inflamatória da tireóide seria uma manifestação local de
um processo fibrótico sistêmico1 ou um processo autoimune2.
Apresenta-se um caso de Tireoidite de Riedel
com sintomas compressivos locais e características
infiltrativas simulando neoplasia maligna da tireóide.
REVISÃO DE LITERATURA
A Tireoidite de Riedel causa invasão e substituição
das estruturas pelo processo fibrótico, envolvendo
paratiróides, músculo esquelético, nervos, vasos
sanguíneos e traquéia. O processo inflamatório forma
uma massa palpável dura com aparência semelhante a
uma lesão maligna3, sem planos teciduais macroscópicos
dificultando a ressecção cirúrgica precisa.4
Possui incidência estimada de 1,06 casos por
100.000 habitantes, e é observada em 0,06% dos
resultados documentados de tireoidectomia14, sendo
três vezes mais frequente em mulheres e com pico de
incidência entre 30 e 50 anos4.
Histologicamente, ocorre substituição dos tecidos
normais por uma massa de células inflamatórias,
(linfócitos, células plasmáticas, eosinófilos)5,6, e
pequenas quantidades de colóide7 8 numa matriz densa
de tecido conjuntivo hialino.
Apresenta-se como massa firme na tireóide
comumente associada a sintomas compressivos1,6 como
dispnéia, disfagia, rouquidão e afonia, causado pela
pressão local ou infiltração do processo fibrótico.6,9 Tais
sintomas podem preceder os achados ao exame físico10.
Estudo ultrassonográfico revela imagem hipoecóica
difusa e aparência hipovascular devido à extensa
fibrose5,11. Tomografia computadorizada (TC) do pescoço
Médico. Residente em Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial.
Otorrinolaringologista do Hospital Socor, Belo Horizonte-MG. Preceptor do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital Socor, Belo Horizonte-MG.
Instituição: Hospital SOCOR.
Belo Horizonte/MG – Brasil.
Correspondência: Emidio Oliveira Teixeira - Rua Contorno, 40 – Bairro: Alto dos Poções – Januária/MG – Brasil - CEP: 39480-000 - Telefone: (+55 38) 9126-5463 - Email: [email protected]
Artigo recebido em 02/09/2013; aceito para publicação em 22/12/2014; publicado online em 15/04/2015.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há
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Tireiodite de Riedel simulando neoplasia maligna de tireóide.
revela alargamento da área afetada com tecido hipodenso,
podendo haver invasão extratireóideia5,11 e envolvimento
das artérias carótidas e veias jugulares internas10. A
ressonância magnética (RM) revela imagens hipointensas
em T1 e T211.
Cerca de 74% dos pacientes apresentam
hipotireoidismo ao diagnóstico, sendo que em 90% dos
casos, os auto-anticorpos tornam-se presentes com a
evolução10. Hipertireoidismo ocorre na minoria, sendo
atribuída à doença de Graves1,8. Hipoparatireoidismo
primário ocorre em até 14%2, geralmente após o
hipotireoidismo primário5.
A combinação de hipotireoidismo primário, anticorpos
antitireoidianos positivos e bócio pode ser confundida
com tireoidite de Hashimoto, que é muito mais comum. A
associação com sinais e sintomas de hipoparatireoidismo
ou outras formas de fibrose deve levar a suspeita de
tireoidite de Riedel.5
A PAAF geralmente não é diagnóstica6,10, podendo
apresentar resultados de inflamação10, fragmentos
de tecido fibroso com brandas células fusiformes e
miofibroblastos, ou mesmo citopatologia consistente
com neoplasia folicular5.
Complicações locais da Tireoidite de Riedel incluem
acometimento dos nervos laríngeos recorrentes2,12,
síndrome de Tolosa-Hunt, síndrome de Horner12 e
envolvimento dos vasos sanguíneos cervicais (flebite
oclusiva) que pode também resultar em trombose do
seio venoso cerebral5.
Estima-se que ocorra associação com outros
processos fibróticos em no mínimo 38% dos casos,
estando presentes antes do diagnóstico, no momento
dele, ou surgindo durante o seguimento10.
O diagnóstico definitivo é feito apenas com a
histopatologia, a partir de uma biópsia aberta13, ou após
a cirurgia descompressiva realizada devido aos sintomas
clínicos.
São
necessários
os
seguintes
critérios
histopatológicos para estabelecer o diagnóstico da
tireoidite de Riedel14:
1) Processo inflamatório na tireóide com extensão para
o tecido circundante.
2) Infiltrado inflamatório não deve conter células gigantes,
folículos linfóides, oncócitos, ou granulomas.
3) Deve haver evidências de flebite oclusiva.
4) Não deve haver nenhuma evidência de malignidade
da tireóide14.
O tratamento clínico apresenta graus variados de
sucesso. Reposição de tiroxina deve ser realizada
nos casos de hipotiroidismo primário, além de cálcio
e calcitriol para controle do hipoparatireoidismo. Antiinflamatórios são utilizados visando a diminuição da
massa inflamatória. A terapia medicamentosa não é
completamente validada por ensaios clínicos controlados
devido à raridade da doença, mas incluem uso empírico
de glicocorticóides e tamoxifeno5.
Corticoterapia é geralmente o primeiro passo na
abordagem medicamentosa do paciente, com melhora
Teixeira et al.
dramática dos sintomas, sendo mais eficaz quando
iniciada no início da doença5.
A dosagem é empírica e varia desde doses diárias
equivalentes de 15 a 100 mg de prednisona5,6. A
persistência da resposta é variável, podendo haver
recorrências. Tabagistas ativos podem necessitar de
corticoterapia mais prolongada5,10.
O uso de Tamoxifeno, em doses de 10 a 20 mg,
associado ou não com prednisona, têm sido relatado
na literatura12, com redução significativa do tamanho da
massa e dos sintomas clínicos5,10.
Foi relatada redução significativa do tamanho do
bócio com o uso de micofenolato mofetil associado a
prednisona5, sendo que a utilidade desta combinação
aguarda confirmação.
A mortalidade varia em frequência de 6-10%7,8,
sendo em geral decorrente de insuficiência respiratória
por compressão traqueal e comprometimento das vias
aéreas superiores. Em uma série recente, não houve
óbitos em um seguimento médio de 9,5 anos, havendo
estabilidade ou melhora dos sintomas em 86% dos
indivíduos10.
CASO CLÍNICO
Paciente do sexo masculino, 76 anos, apresentando
hipotireoidismo e reposição de tiroxina, com quadro
de disfagia há 4 meses, com piora progressiva e
perda ponderal de 7 kg nesse período. Imagens
ultrassonográficas mostravam nódulo tireóideo sólido
hipoecóico de contornos irregulares e limites imprecisos,
com microcalcificações de permeio, de grau IV, em lobo
direito da tireóide, com dimensões de 2,2 x 1,7 x 2,3cm,
sem planos de clivagem com o esôfago que se mostrava
espessado. Mostraram ainda linfonodos ovalados nível
VI. Tomografia Computadorizada cervical mostrou
importante espessamento irregular circunferencial do
esôfago proximal, medindo 3,5 x 2,2 cm ao nível da
cartilagem tireóide. A endoscopia digestiva alta revelou
estenose de esôfago cervical secundária a compresso
extrínseca.
A função tiroideana se encontrava alterada, com o
T4 livre no seu limite inferior (0,54 ng/dL) e o TSH ultrasensível elevado (61,11 micro UI/mL). Os anticorpos
anti-tireoideanos estavam aumentados, com o anti-TPO
de 157,00 UI/mL e anti-Tireoglobulina de 239,89 UI/mL.
Foi suspeitada neoplasia maligna da tireóide e, após
PAAF de nódulo tireoideano e linfonodomegalia cervical
inconclusiva, o paciente foi submetido a lobectomia
parcial para alívio dos sintomas e confirmação
diagnóstica. Após análise anatomopatológica e imunohistoquímica, foi diagnosticada Tireoidite de Riedel,
sendo então iniciado tratamento clínico do paciente.
DISCUSSÃO
Embora seja mais frequente no sexo feminino e
possua pico de incidência entre 30 e 50 anos, relata-se
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Tireiodite de Riedel simulando neoplasia maligna de tireóide.
Teixeira et al.
Figura 1. Ultrasom cervical com nódulo tireóideo sólido hipoecóico de
contornos irregulares e limites imprecisos.
Figura 2. Tomografia Computadorizada mostrando espessamento da
parede do esôfago e estreitamento do mesmo.
Figura 3. Endoscopia Digestiva Alta mostrando compressão extrínseca
do esôfago.
Figura 4. Avaliação imunohistoquímica com agressão a paredes de
vasos sanguíneos e sem componente epitelial proliferativo.
um caso diagnosticado fora desses padrões, ocorrendo
em um paciente de 76 anos do sexo masculino.
O hemograma do paciente se encontrava dentro da
normalidade, enquanto VHS apresentava-se elevado,
conforme a maioria dos casos descrito na literatura7,8.
A presença de hipotiroidismo e anticorpos antitireoideanos no paciente em questão está de acordo
com a literatura, já que o hipotireoidismo ocorre em 70%
dos casos no momento do diagnóstico e os anticorpos
se positivam em 90% dos casos acompanhados.
Hipoparatireoidismo primário, que ocorre em até
14% dos casos, não estava presente no caso relatado,
cujos valores de paratormônio, cálcio total e cálcio iônico
se encontravam dentro da normalidade.
Tireoidite de Riedel deve ser diferenciada
clinicamente e histologicamente de tumores malignos,
especialmente câncer de tireóide anaplásico15, linfoma
da tireóide, sarcoma da tireóide, além da variante
fibrosante da tireoidite de Hashimoto, que representa
aproximadamente 10% dos casos e é mais frequente
entre idosos2.
Assim como relatado na literatura6,10, a PAAF
foi inconclusiva. O exame anatomopatológico da
amostra evidenciou intenso infiltrado inflamatório
linfoplasmohistiocitário com acentuada fibrose e
hialinose, acometendo inclusive tecido muscular
esquelético e adiposo. A análise imuno-histoquímica
demostrou agressão a paredes de vasos sanguíneos
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Tireiodite de Riedel simulando neoplasia maligna de tireóide.
e afastou componente epitelial proliferativo, tornando
improvável a possiblidade de carcinoma anaplásico e
reforçando a possibilidade diagnóstica de tireoidite de
Riedel.
Não há um consenso sobre o tratamento padrão na
Tireoidite de Riedel. Indica-se geralmente uma cirurgia
para aliviar os sintomas obstrutivos e estabelecer um
diagnóstico definitivo. O tratamento cirúrgico eficaz
geralmente limita-se a istimectomia para aliviar a
pressão constritiva6, sendo que procedimentos cirúrgicos
extensos são considerados inadequados10,13.
Em uma série recente, apesar da intervenção cirúrgica
limitada (biópsia aberta, istmectomia ou lobectomia),
39% dos pacientes tiveram complicações como paralisia
definitiva de prega vocal ou hipoparatireoidismo
cirúrgico, mesmo quando tratadas por equipes cirúrgicas
experientes10.
CONCLUSÃO
Tireoidite de Riedel deve ser suspeitada em pacientes
com massa da tireóide com sinais de restrição local ou
sintomas infiltrativos, geralmente desproporcionais ao
tamanho ou extensão da lesão, além de alterações
bioquímicas especialmente hipocalcemia.
A intervenção cirúrgica deve ser limitada a exclusão
de malignidade e a confirmação histopatológica da
doença, evitando-se cirurgias extensivas devido ao risco
de complicações. Uma vez estabelecido o diagnóstico,
deve-se pesquisar outras condições fibrosantes e iniciar
o tratamento clinico.
Teixeira et al.
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