Relato de Caso Tireiodite de Riedel simulando neoplasia maligna de tireóide Riedel thyroiditis simulating malignant neoplasm of thyroid Resumo Tireoidite de Riedel é uma entidade fibrosante rara que acomete a tireóide e deve ser suspeitada em pacientes com uma massa da tireóide com sinais de restrição local ou sintomas infiltrativos. Apresentamos um relato de caso de nódulo tireoideano levando a sintomas compressivos cervicais, características ultrassonográficas de malignidade e citologia por punção aspirativa inconclusiva. O reconhecimento dessa enfermidade é importante para evitar-se cirurgias extensivas e suas possíveis complicações. Emidio Oliveira Teixeira 1 Sânzio Tupinambá Valle 2 Danielly Solar Andrade Oliveira 1 Helena Cunha Sarubi 1 Abstract Riedel’s thyroiditis is a rare fibrosing disease that affects the thyroid and must be suspected in patients with a thyroid mass with signs of restriction site or infiltrative symptoms. We present a case report of thyroid nodule leading to cervical compressive symptoms, ultrasound characteristics of malignancy and inconclusive cytology aspiration. The recognition of this disease is important to avoid extensive surgery and its complications. Key words: Thyroiditis; Thyroid Neoplasms; Carcinoma. Descritores: Tireoidite; Neoplasias da Glândula Tireoide; Carcinoma. INTRODUÇÃO Tireoidite de Riedel é uma entidade fibrosante rara que resulta na destruição da tireóide e infiltração dos tecidos adjacentes1,2. Recentemente, foi proposto que essa condição inflamatória da tireóide seria uma manifestação local de um processo fibrótico sistêmico1 ou um processo autoimune2. Apresenta-se um caso de Tireoidite de Riedel com sintomas compressivos locais e características infiltrativas simulando neoplasia maligna da tireóide. REVISÃO DE LITERATURA A Tireoidite de Riedel causa invasão e substituição das estruturas pelo processo fibrótico, envolvendo paratiróides, músculo esquelético, nervos, vasos sanguíneos e traquéia. O processo inflamatório forma uma massa palpável dura com aparência semelhante a uma lesão maligna3, sem planos teciduais macroscópicos dificultando a ressecção cirúrgica precisa.4 Possui incidência estimada de 1,06 casos por 100.000 habitantes, e é observada em 0,06% dos resultados documentados de tireoidectomia14, sendo três vezes mais frequente em mulheres e com pico de incidência entre 30 e 50 anos4. Histologicamente, ocorre substituição dos tecidos normais por uma massa de células inflamatórias, (linfócitos, células plasmáticas, eosinófilos)5,6, e pequenas quantidades de colóide7 8 numa matriz densa de tecido conjuntivo hialino. Apresenta-se como massa firme na tireóide comumente associada a sintomas compressivos1,6 como dispnéia, disfagia, rouquidão e afonia, causado pela pressão local ou infiltração do processo fibrótico.6,9 Tais sintomas podem preceder os achados ao exame físico10. Estudo ultrassonográfico revela imagem hipoecóica difusa e aparência hipovascular devido à extensa fibrose5,11. Tomografia computadorizada (TC) do pescoço Médico. Residente em Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial. Otorrinolaringologista do Hospital Socor, Belo Horizonte-MG. Preceptor do Serviço de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial do Hospital Socor, Belo Horizonte-MG. Instituição: Hospital SOCOR. Belo Horizonte/MG – Brasil. Correspondência: Emidio Oliveira Teixeira - Rua Contorno, 40 – Bairro: Alto dos Poções – Januária/MG – Brasil - CEP: 39480-000 - Telefone: (+55 38) 9126-5463 - Email: [email protected] Artigo recebido em 02/09/2013; aceito para publicação em 22/12/2014; publicado online em 15/04/2015. Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há 184 e��������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 184-186, Outubro / Novembro / Dezembro 2014 Tireiodite de Riedel simulando neoplasia maligna de tireóide. revela alargamento da área afetada com tecido hipodenso, podendo haver invasão extratireóideia5,11 e envolvimento das artérias carótidas e veias jugulares internas10. A ressonância magnética (RM) revela imagens hipointensas em T1 e T211. Cerca de 74% dos pacientes apresentam hipotireoidismo ao diagnóstico, sendo que em 90% dos casos, os auto-anticorpos tornam-se presentes com a evolução10. Hipertireoidismo ocorre na minoria, sendo atribuída à doença de Graves1,8. Hipoparatireoidismo primário ocorre em até 14%2, geralmente após o hipotireoidismo primário5. A combinação de hipotireoidismo primário, anticorpos antitireoidianos positivos e bócio pode ser confundida com tireoidite de Hashimoto, que é muito mais comum. A associação com sinais e sintomas de hipoparatireoidismo ou outras formas de fibrose deve levar a suspeita de tireoidite de Riedel.5 A PAAF geralmente não é diagnóstica6,10, podendo apresentar resultados de inflamação10, fragmentos de tecido fibroso com brandas células fusiformes e miofibroblastos, ou mesmo citopatologia consistente com neoplasia folicular5. Complicações locais da Tireoidite de Riedel incluem acometimento dos nervos laríngeos recorrentes2,12, síndrome de Tolosa-Hunt, síndrome de Horner12 e envolvimento dos vasos sanguíneos cervicais (flebite oclusiva) que pode também resultar em trombose do seio venoso cerebral5. Estima-se que ocorra associação com outros processos fibróticos em no mínimo 38% dos casos, estando presentes antes do diagnóstico, no momento dele, ou surgindo durante o seguimento10. O diagnóstico definitivo é feito apenas com a histopatologia, a partir de uma biópsia aberta13, ou após a cirurgia descompressiva realizada devido aos sintomas clínicos. São necessários os seguintes critérios histopatológicos para estabelecer o diagnóstico da tireoidite de Riedel14: 1) Processo inflamatório na tireóide com extensão para o tecido circundante. 2) Infiltrado inflamatório não deve conter células gigantes, folículos linfóides, oncócitos, ou granulomas. 3) Deve haver evidências de flebite oclusiva. 4) Não deve haver nenhuma evidência de malignidade da tireóide14. O tratamento clínico apresenta graus variados de sucesso. Reposição de tiroxina deve ser realizada nos casos de hipotiroidismo primário, além de cálcio e calcitriol para controle do hipoparatireoidismo. Antiinflamatórios são utilizados visando a diminuição da massa inflamatória. A terapia medicamentosa não é completamente validada por ensaios clínicos controlados devido à raridade da doença, mas incluem uso empírico de glicocorticóides e tamoxifeno5. Corticoterapia é geralmente o primeiro passo na abordagem medicamentosa do paciente, com melhora Teixeira et al. dramática dos sintomas, sendo mais eficaz quando iniciada no início da doença5. A dosagem é empírica e varia desde doses diárias equivalentes de 15 a 100 mg de prednisona5,6. A persistência da resposta é variável, podendo haver recorrências. Tabagistas ativos podem necessitar de corticoterapia mais prolongada5,10. O uso de Tamoxifeno, em doses de 10 a 20 mg, associado ou não com prednisona, têm sido relatado na literatura12, com redução significativa do tamanho da massa e dos sintomas clínicos5,10. Foi relatada redução significativa do tamanho do bócio com o uso de micofenolato mofetil associado a prednisona5, sendo que a utilidade desta combinação aguarda confirmação. A mortalidade varia em frequência de 6-10%7,8, sendo em geral decorrente de insuficiência respiratória por compressão traqueal e comprometimento das vias aéreas superiores. Em uma série recente, não houve óbitos em um seguimento médio de 9,5 anos, havendo estabilidade ou melhora dos sintomas em 86% dos indivíduos10. CASO CLÍNICO Paciente do sexo masculino, 76 anos, apresentando hipotireoidismo e reposição de tiroxina, com quadro de disfagia há 4 meses, com piora progressiva e perda ponderal de 7 kg nesse período. Imagens ultrassonográficas mostravam nódulo tireóideo sólido hipoecóico de contornos irregulares e limites imprecisos, com microcalcificações de permeio, de grau IV, em lobo direito da tireóide, com dimensões de 2,2 x 1,7 x 2,3cm, sem planos de clivagem com o esôfago que se mostrava espessado. Mostraram ainda linfonodos ovalados nível VI. Tomografia Computadorizada cervical mostrou importante espessamento irregular circunferencial do esôfago proximal, medindo 3,5 x 2,2 cm ao nível da cartilagem tireóide. A endoscopia digestiva alta revelou estenose de esôfago cervical secundária a compresso extrínseca. A função tiroideana se encontrava alterada, com o T4 livre no seu limite inferior (0,54 ng/dL) e o TSH ultrasensível elevado (61,11 micro UI/mL). Os anticorpos anti-tireoideanos estavam aumentados, com o anti-TPO de 157,00 UI/mL e anti-Tireoglobulina de 239,89 UI/mL. Foi suspeitada neoplasia maligna da tireóide e, após PAAF de nódulo tireoideano e linfonodomegalia cervical inconclusiva, o paciente foi submetido a lobectomia parcial para alívio dos sintomas e confirmação diagnóstica. Após análise anatomopatológica e imunohistoquímica, foi diagnosticada Tireoidite de Riedel, sendo então iniciado tratamento clínico do paciente. DISCUSSÃO Embora seja mais frequente no sexo feminino e possua pico de incidência entre 30 e 50 anos, relata-se Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 184-186, Outubro / Novembro / Dezembro 2014 –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 185 Tireiodite de Riedel simulando neoplasia maligna de tireóide. Teixeira et al. Figura 1. Ultrasom cervical com nódulo tireóideo sólido hipoecóico de contornos irregulares e limites imprecisos. Figura 2. Tomografia Computadorizada mostrando espessamento da parede do esôfago e estreitamento do mesmo. Figura 3. Endoscopia Digestiva Alta mostrando compressão extrínseca do esôfago. Figura 4. Avaliação imunohistoquímica com agressão a paredes de vasos sanguíneos e sem componente epitelial proliferativo. um caso diagnosticado fora desses padrões, ocorrendo em um paciente de 76 anos do sexo masculino. O hemograma do paciente se encontrava dentro da normalidade, enquanto VHS apresentava-se elevado, conforme a maioria dos casos descrito na literatura7,8. A presença de hipotiroidismo e anticorpos antitireoideanos no paciente em questão está de acordo com a literatura, já que o hipotireoidismo ocorre em 70% dos casos no momento do diagnóstico e os anticorpos se positivam em 90% dos casos acompanhados. Hipoparatireoidismo primário, que ocorre em até 14% dos casos, não estava presente no caso relatado, cujos valores de paratormônio, cálcio total e cálcio iônico se encontravam dentro da normalidade. Tireoidite de Riedel deve ser diferenciada clinicamente e histologicamente de tumores malignos, especialmente câncer de tireóide anaplásico15, linfoma da tireóide, sarcoma da tireóide, além da variante fibrosante da tireoidite de Hashimoto, que representa aproximadamente 10% dos casos e é mais frequente entre idosos2. Assim como relatado na literatura6,10, a PAAF foi inconclusiva. O exame anatomopatológico da amostra evidenciou intenso infiltrado inflamatório linfoplasmohistiocitário com acentuada fibrose e hialinose, acometendo inclusive tecido muscular esquelético e adiposo. A análise imuno-histoquímica demostrou agressão a paredes de vasos sanguíneos 186 e��������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.43, nº 4, p. 184-186, Outubro / Novembro / Dezembro 2014 Tireiodite de Riedel simulando neoplasia maligna de tireóide. e afastou componente epitelial proliferativo, tornando improvável a possiblidade de carcinoma anaplásico e reforçando a possibilidade diagnóstica de tireoidite de Riedel. Não há um consenso sobre o tratamento padrão na Tireoidite de Riedel. Indica-se geralmente uma cirurgia para aliviar os sintomas obstrutivos e estabelecer um diagnóstico definitivo. O tratamento cirúrgico eficaz geralmente limita-se a istimectomia para aliviar a pressão constritiva6, sendo que procedimentos cirúrgicos extensos são considerados inadequados10,13. Em uma série recente, apesar da intervenção cirúrgica limitada (biópsia aberta, istmectomia ou lobectomia), 39% dos pacientes tiveram complicações como paralisia definitiva de prega vocal ou hipoparatireoidismo cirúrgico, mesmo quando tratadas por equipes cirúrgicas experientes10. CONCLUSÃO Tireoidite de Riedel deve ser suspeitada em pacientes com massa da tireóide com sinais de restrição local ou sintomas infiltrativos, geralmente desproporcionais ao tamanho ou extensão da lesão, além de alterações bioquímicas especialmente hipocalcemia. A intervenção cirúrgica deve ser limitada a exclusão de malignidade e a confirmação histopatológica da doença, evitando-se cirurgias extensivas devido ao risco de complicações. Uma vez estabelecido o diagnóstico, deve-se pesquisar outras condições fibrosantes e iniciar o tratamento clinico. Teixeira et al. 2. Sheu SY, Schmid KW 2003 [Inflammatory diseases of the thyroid gland. Epidemiology, symptoms and morphology]. Pathologe 24: 339– 347 3. Balach ZW, LiVolsiVA2005 Pathology. In: Braverman LE, Utiger RE, eds. Werner, Ingbar’s the thyroid; a fundamental and clinical text. 9th ed. Philadelphia: Lippincott Williams, Wilkins; 427 4. Lee SL, Ananthakrishnan S 2011 Infiltartive thyroid disease. In: Rose BD, Mulder JE, eds. 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