Desafios na Gestão de Medicamentos Genéricos no Brasil: da Produção ao Mercado Consumidor Autoria: Marcia Cristina Zago Novaretti, Ligia Maria Quitério, Marcos Roberto Piscopo Resumo Este artigo analisa as razões pelas quais os medicamentos genéricos não lideram o mercado farmacêutico após quinze anos de sua implantação no Brasil. O referencial teórico abordou medicamentos genéricos, o setor e mercado farmacêuticos. Realizou-se um estudo exploratório, de natureza bibliográfica e documental. Os resultados mostraram que, para aumentar as vendas de genéricos, devemos ampliar o acesso e distribuição desses medicamentos, reduzir a desconfiança sobre a eficácia, aumentar a fiscalização de farmácias e promover medidas educativas para a população e profissionais de saúde, gerando benefícios ao possibilitar a transferência de recursos para investimentos em outras áreas da saúde. 1 1 Introdução A saúde é a principal preocupação de 56% dos brasileiros, conforme dados de um levantamento feito em 2013, é de operacionalização complexa (Nielsen, 2013). Dentre os vários fatores que influenciam na qualidade da saúde prestada à população, temos a questão da assistência farmacêutica, que é fundamental para o controle e tratamento de inúmeras doenças. A Organização Mundial da Saúde [WHO] (2004), estimava que aproximadamente um terço da população mundial não tinha acesso regular aos medicamentos essenciais, que são aqueles satisfazem as prioridades em cuidados com a saúde pública de determinada população. O mesmo relatório também enfatizava que, cerca de 10 milhões de vidas poderiam ser salvas, a maioria em países de baixo ou médio índice de desenvolvimento, caso esses medicamentos estivessem disponíveis. O Brasil ocupa atualmente a 6ª posição no mercado farmacêutico mundial, apresentando consumo crescente de medicamentos, com expectativa de que venha a alcançar o 4º lugar no mercado internacional em 2017 (IMS Health, 2013). Esse mercado é caracterizado pela internacionalização, concentração e diversificação (Bernudez, 1994). Nesse contexto, há que se considerar que, durante décadas, o acesso a medicamentos era inaceitavelmente baixo no Brasil. Uma das estratégias para ampliar o uso da terapia medicamentosa a milhões de pessoas, bem como para reduzir o seu custo, tem sido a implementação dos medicamentos genéricos em diversos países. Medicamentos genéricos são cópias de medicamentos inovadores, geralmente produzidos após o término ou renúncia da proteção patentária ou de outro direito de exclusividade. Consequentemente, como não há que se arcar com gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), o custo é menor quando comparado com os medicamentos chamados de referência, também chamados medicamentos “de marca” (Luiza, Castro, & Nunes, 1999). Um medicamento para ser considerado genérico deve comprovar qualidade, segurança e eficácia semelhante aos dos produtos de referência, devendo ser rigorosamente testado antes de obter a licença para sua comercialização pelas autoridades sanitárias do país (Bermudez, 1994). A Lei dos Genéricos (Lei n. 9787, 1999), especifica que medicamentos genéricos devem ser submetidos e aprovados em testes, com o intuito de comprovar que o medicamento a ser disponibilizado, tem as mesmas propriedades físico-químicas e biológicas que aquele de referência. Entre os requisitos para que um medicamentos seja considerado genérico, destacam-se: a) Teste de equivalência farmacêutica: dois produtos são farmaceuticamente equivalentes se têm quantidades iguais da mesma substância ativa, na mesma forma farmacêutica e sejam administrados pela mesma via. b) Teste de equivalência terapêutica: dois produtos farmacêuticos são terapeuticamente equivalentes quando sua administração, em doses iguais, conduz aos mesmos efeitos com respeito à eficácia e à segurança, segundo estudos apropriados; c) Teste de bioequivalência: dois produtos são bioequivalentes se, além de serem farmaceuticamente equivalentes, apresentam biodisponibilidade semelhante, depois da administração da mesma dose, seus efeitos são essencialmente os mesmos; e, d) Teste de biodisponibilidade: diz respeito à velocidade e percentual da absorção do princípio da formulação, ao se verificar sua curva de concentração e tempo na circulação sistêmica e sua excreção (WHO, 2004). Portanto, genéricos são considerados intercambiáveis, isto é, podem substituir os medicamentos de referência indicados em prescrições médicas e designados pela Denominação Comum Brasileira (DCB) ou pela Denominação Comum Internacional (DCI). Entretanto, essa troca quando não especificada pelo médico em prescrição, somente pode ser feita pelo profissional farmacêutico nas farmácias e drogarias, garantindo a segurança desse processo ao consumidor. 2 Um grande atrativo dos medicamentos genéricos é o preço, que pode ser de 35 a 90% menor quando comparado aos medicamentos inovadores, o que vem possibilitando o acesso de milhões de brasileiros a medicamentos, e com isso muitos indivíduos podem realizar seu tratamento completo e com doses adequadas, permanecem economicamente ativos e também com melhor qualidade de vida (Bermudez, 1994). Desde sua chegada ao mercado, o crescimento dos genéricos tem se mostrado acelerado. Em março de 2001, havia 218 genéricos registrados, dos quais 146 eram comercializados, segundo dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária [ANVISA]. Em julho de 2002, o Brasil contava com 35 laboratórios produtores de genéricos, tendo registrado 574 medicamentos. Em fevereiro de 2014, a ANVISA lista 436 princípios ativos de medicamentos genéricos registrados, perfazendo mais de 21.151 apresentações, cerca de 30 classes terapêuticas, produzidos por 102 laboratórios, destinados ao tratamento as doenças mais frequentes na população brasileira (ANVISAa, 2014). Diante do exposto, surge o seguinte problema de pesquisa: quais as razões pelas quais os medicamentos genéricos ainda não lideram o mercado farmacêutico após quinze anos da implantação no Brasil? Nesse sentido, o objetivo principal deste trabalho é o de analisar os fatores que influenciam o mercado dos genéricos desde a sua produção até a tomada de decisão na compra pelo consumidor final, utilizando a metodologia exploratória. A justificativa teórica e prática para a realização deste trabalho é baseada no fato de que o medicamento genérico não é a classe de medicamentos mais vendida no país, apesar de baixo preço em comparação com medicamentos de referência e de sua qualidade ser atestada pela ANVISA. Além do mais, o Brasil está passando por uma transição demográfica acelerada, em que a população de pessoas com idade superior a 65 anos dobrará nos próximos vinte anos. Com isso, haverá no futuro, mais doenças crônicas, porque 79% de pessoas idosas brasileiras relatam ser portadores dessas condições de saúde e consequentemente, haverá maior consumo de medicamentos (Mendes, 2013). A compreensão aprofundada dessa situação pode oferecer informações para a tomada de decisões, auxiliando os gestores de saúde, da indústria farmacêutica e do ramo de farmácias e de drogarias para o avanço na assistência farmacêutica no país, bem como na alocação de recursos e investimentos beneficiando a população brasileira. Para atingir os objetivos propostos, esta pesquisa está dividida em cinco seções além da introdução, na seção dois é abordado o referencial teórico relacionado ao setor e mercado farmacêuticos, o processo da introdução de novo medicamento genérico no mercado e os medicamentos genéricos no Brasil. A seguir, a seção três descreve a metodologia aplicada. Na quarta seção são apresentados e analisados os resultados obtidos e, por fim, discutem-se as considerações finais do trabalho na seção cinco. 2 Metodologia Neste artigo, o método de pesquisa utilizado foi o estudo de teórico-empírico, pois conforme Martins e Theófilo (2009), tal método considera que o fato existe, possui um conteúdo evidente e que por meio de observações e experimentos é possível estabelecer induções. Este é um estudo do tipo exploratório, baseado em levantamento documental e bibliográfico, cuja unidade de análise foram os temas genéricos, medicamentos genéricos, setor e mercado farmacêuticos e indústria farmacêutica. Nesta pesquisa foram utilizadas duas técnicas de coleta de dados: (a) pesquisa documental e (b) pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica consiste em um estudo direcionado pela utilização de livros, artigos científicos publicados em periódicos, revistas, jornais, sítios eletrônicos, anais de congressos, CDs, DVDs e outros para explicar e discutir um assunto. Já, a estratégia de pesquisa documental utiliza como fonte de dados, informações e evidências possibilitando uma melhor compreensão dos achados, além de evidenciar dados coletados por outros instrumentos e 3 fontes, contribuindo para a credibilidade dos achados por meio de triangulações de dados e de resultados. Para tanto, os documentos são dos mais variados tipos, escritos ou não, tais como documentos arquivados em entidades. (Martins & Theófilo, 2009). Foram utilizadas fontes secundárias para obtenção dos dados, como aqueles obtidos nos sites institucionais da ANVISA, da Associação Brasileira de Medicamentos Genéricos (PROGENERICOS), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do ICTQ (Instituto de Ciência Tecnologia e Qualidade). Neste estudo foi empregada a técnica de análise documental para a apreciação dos dados obtidos pelas estratégias acima, buscando inferências confiáveis de dados e informações relacionadas a determinados contextos, a partir de qualquer forma de comunicação como artigos da imprensa, livros, material divulgado em sites institucionais, etc. A pesquisa foi conduzida, de modo a analisar as informações pertinentes ao problema de pesquisa, isto é medicamentos genéricos, número de farmácias e drogarias no Brasil, vendas de medicamentos em especial de genéricos obtidas nos sites institucionais acima mencionados. A análise estatística foi feita pela técnica descritiva (soma, média, percentual), (Martins e Teóphilo, 2009). O estudo de associação entre vendas de genéricos, número de farmácias e densidade de farmácias nas regiões brasileiras em relação à população foi feita pelo método de Coeficiente de Correlação de Postos de Spearman, que é um método nãoparamétrico que estuda as forças de associação entre duas variáveis ranqueadas (McDonald, 2009). 3 Referencial Teórico 3.1 Setor Farmacêutico O setor químico-farmacêutico é um setor industrial, isto é, corresponde a “um grupo de empresas que fabrica produtos que são substitutos próximos” (Hitt, Ireland, & Hoskisson, 2009, p. 47) pertencente ao complexo da química fina/especialidades. Uma característica deste setor é o oligopólio, sendo que dos maiores fabricantes mundiais, seis estão localizados nos Estados Unidos e quatro na Europa. A competição nesse setor é acirrada e pautada pela diferenciação dos produtos, pela pesquisa e desenvolvimento (P&D), produção industrial e comercialização. As atividades de P & D, tradicionalmente, estão concentradas nos países de origem das empresas (EUA e países europeus), porque a capacitação profissional e tecnológica é maior nesses locais. Os investimentos destinados à inovação e desenvolvimento são habitualmente elevados, cerca de 15% do faturamento, entre as líderes do setor. Para atuação em mercados e retorno financeiro, apoiam-se em patentes. Recentemente, a dificuldade no lançamento de medicamentos inovadores de alto impacto no mercado, a competição dos genéricos, os cortes nos preços das drogas, o maior rigor das agências regulatórias para aprovação de novos medicamentos, associados ao tempo para o desenvolvimento de novas drogas (pode chegar a 15 anos) e ao custo decorrente desse processo (pode atingir a um bilhão de dólares), tem aumentado as incertezas quanto ao retorno dos investimentos necessários e ocasionado pressão quanto à renovação do portfólio das empresas. Com a expiração de patentes, progressivamente tem aumentado a fabricação de medicamentos genéricos, incluindo-se aí a produção pelos países emergentes, que buscam nos genéricos uma possibilidade de inserção competitiva nesse setor, ainda que não tenham alcançado a expertise necessária para desenvolver inovações de maior desafio tecnológico (Reis, Landim, & Pieroni, 2011). 3.2 Mercado Farmacêutico A expansão global do mercado farmacêutico é devido principalmente ao aumento do acesso à saúde, às políticas de produção de medicamentos genéricos e à perda de proteção de patentes de várias drogas amplamente utilizadas (Watson, 2013). 4 As grandes empresas farmacêuticas multinacionais, também chamadas de “big pharma” (Johnson & Johnson, Pfizer, Abbot Laboratories, Merck, Bristol-Myers Squibb e Eli Lilly.) concentram a maior parte da produção de medicamentos no mundo, com faturamento estimado em um trilhão de dólares para o ano de 2014, podendo atingir 1,2 trilhões de dólares em 2017 (Berkrot, 2010). Esse gasto varia substancialmente, sendo que nos países desenvolvidos, o maior gasto será dispensado em tratamentos oncológicos e para diabetes. Nos países com renda inferior a US$ 25.000/habitante/ano, denominados farmaemergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e México), medidas governamentais vem sendo desenvolvidas para aumentar o acesso da população à saúde, e com isso, estima-se um aumento dos gastos com medicamentos, em especial para o tratamento da dor e para doenças cardiovasculares (IMS Health, 2013). Os Estados Unidos, são o maior mercado consumidor global de medicamentos com US$ 328,2 bilhões (34%) em 2012, seguido pelos países chamados EU5 (Alemanha, França, Itália, Reino Unido e Espanha) com US$ 148,7 bilhões, Japão (US$111.3 bilhões) e China. Países denominados farmaemergentes tem participação de 29,7% no mercado mundial em 2012, mas espera-se que atinjam 38,8% em 2014, Generic Pharmaceutical Association [GPhA] (2013). Nos últimos cinco anos as empresas chamadas “big pharma” tem enfrentado desafios e com a projeção de que nos próximos 10 anos, dos vinte medicamentos mais vendidos globalmente, 18 perderão a patente, estima-se em perdas de 100 bilhões de dólares. Para lidar com essa situação, os maiores fabricantes estão usando estratégias como: a) aquisições de empresas em países considerados chave. A Sanofi adquiriu a Medley, em Campinas no Brasil, Kendrik no México e a Zentiva, na Eslováquia. Por sua vez, a Pfizer tem participação em empresas indianas e brasileiras (Laboratório Teuto-Brasileiro). A Glaxo Smith Kline comprou a empresa chinesa Nanjing MeiRui Pharma, enquanto que a Abbott Pharmaceuticals expandiu para a Europa ao adquirir a belga Solvay. b) diversificação de produtos com investimento naqueles para a saúde humana e/ou animal, que não necessitam de prescrição médica. Como exemplo, temos a compra da Alcon (produtos oftalmológicos) pela gigante Novartis. c) desenvolvimento de medicamentos para doenças órfãs, que são aquelas para as quais não há tratamento disponível, pois para essas situações as agências regulatórias são menos rigorosas face a inexistência de medicamentos para combatê-las e, para várias dessas doenças, o uso dos medicamentos será crônico, podendo atingir 500.000 dólares/ano (Kessel, 2011). O acesso aos novos medicamentos varia conforme o país e doença, sendo que nos farmaemergentes são tipicamente lançados menor número de medicamentos inovadores. Em 2012, estavam disponíveis para pacientes no Brasil tão somente 31% do total de novos medicamentos recém introduzidos no cenário global (IMS Health, 2013). 3.3 Medicamentos genéricos 3.3.1 Introdução de Novo Medicamento Genérico no Mercado Atualmente, há milhares de medicamentos disponíveis no mercado e para a introdução de um novo medicamento genérico, inicialmente, fatores-chave devem ser considerados (Figura 1). Depois, escolhe-se os ingredientes farmacêuticos ativos que podem ser adquiridos internacionalmente ou produzidos pelo fabricante. As instalações das empresas produtoras dos princípios farmacologicamente ativos são inspecionadas pelas autoridades competentes e devem garantir as boas normas de fabricação e do processo de controle de qualidade. O fabricante deve também garantir a produção do princípio ativo de modo consistente e com regularidade. Cada ingrediente ativo é testado quanto à qualidade antes da etapa de formulação. A seguir, todos os ingredientes ativos e não ativos do medicamento de referência são analisados e os seus dados são coletados e classificados. Desenvolve-se várias formulações (ingredientes ativos e não ativos) que compõem o medicamento. A formulação 5 final é analisada quanto ao grau de complexidade de manufatura e os equipamentos necessários e se algum deve ser especialmente desenvolvido para uma produção dedicada. O medicamento produzido é testado contra a medicação de referência e submetido aos testes de qualidade, equivalência farmacológica e bioequivalência (WHO,2011). Depois, há a testagem completa antes de submissão à ANVISA e a empresa deve garantir que não haverá nenhuma violação patentária relevante no processo de produção do novo medicamento genérico. Uma vez concedido o registro, o genérico fará parte da lista de medicamentos brasileiros (DCB) e poderá ser comercializado em todo Brasil (ANVISA, 2013). Etapas Análise do mercado Desenvolvimento de custos de aprovação Timing Aspectos legais Portfólio Fatores-chave - Tamanho do mercado - Número de fabricantes competidores - Percentual de mercado aderente à droga de referência - Oportunidades de crescimento na categoria do medicamento - Se outras empresas de genéricos vão comercializar a mesma droga Avaliação do custo total associado à introdução de nova droga genérica - Pesquisa e desenvolvimento - Testes - Taxas legais e impostos - Adequação de requisitos para aprovação - Custos x tamanho do mercado x oportunidade de crescimento - Tempo necessário para desenvolver a medicação - Tempo para obtenção da matéria prima - Tempo para aprovação pela ANVISA - Tempo para efetiva comercialização da medicação - Análise de todas as patentes envolvidas no medicamento. Além do princípio ativo principal, por vezes as empresas dos medicamentos referência tem patentes que dificultam/retardam a fabricação do medicamento. - Adequação a todos os requerimentos preconizados pela ANVISA - Análise do portfólio da empresa quanto às medicações genéricas já produzidas pelo fabricante. - Análise das características da empresa quanto às formulações, apresentações (injetáveis, cremes, cápsulas, comprimidos, líquidos) que podem ser identificados e gerar economia em escala para o fabricante. - Fabricante pode desejar ampliar sua cartela de produtos, e assim tornar-se mais atraente aos consumidores, tentando aumentar a fidelização ao fabricante. Figura 1. Fatores chave para decisão de desenvolvimento de novos medicamentos genéricos. Fonte: os autores Figura 2. Etapas para a introdução de novo medicamento genérico Fonte: os autores 3.2.2 Medicamentos Genéricos no Brasil Em 1999, três anos após o Brasil voltar a respeitar o direito de patentes, foi criado o programa de medicamentos genéricos no Brasil. Esse programa foi estabelecido com base nos programas dos Estados Unidos e do Canadá, países em que os genéricos têm a confiança e 6 apoio da classe medica e da população. Em fevereiro de 2000, os primeiros genéricos começaram a ser comercializados no país e várias empresas produtoras de medicamentos aderiram ao programa de genéricos, de tal forma que, cerca de quatro anos após sua introdução, mais de 4 mil apresentações de genéricos estavam disponíveis no Brasil. Atualmente, são mais de 21 mil apresentações de medicamentos genéricos para tratamento de cerca de 80% das doenças mais prevalentes no país (ANVISA,2014a). Porém, a introdução de genéricos no país, foi marcada por conflitos desde o seu início. A sua implantação foi motivada com o intuito de ampliar o acesso da população a medicamentos com preços mais acessíveis. Parte dos farmacêuticos não aceitou de pronto a ideia, visto que, diminuía o poder de decidir /recomendar o uso de determinado medicamento; empresas que comercializam medicamentos de referência temiam perder mercado; grupos de médicos tinham predileção por medicamentos provenientes de alguns fabricantes e dúvidas quanto à segurança e eficácia. Por outro lado, governos, agências reguladoras e empresas produtoras de genéricos garantiam sua qualidade, eficácia segurança e intercambialidade (Ascione, Kirking, Gaither, & Welage, 2001). Intercambialidade consiste na propriedade dos medicamentos genéricos em substituir os de referência/inovadores prescritos (Resolução n.135, 2003). Esse processo deve ser realizado por profissional farmacêutico garantindo a segurança ao consumidor final (Araujo et al., 2010). O fato de o Brasil ter publicado não somente a Lei dos Genéricos, mas desenvolvido um programa de medicamentos genéricos, com critérios de aceite definidos para um fármaco ser considerado genérico e ainda ter possibilitado que milhões de pessoas pudessem ter acesso aos medicamentos com qualidade e segurança, é o que faz deste programa uma situação que mereça estudo. 4 Apresentação e Análise dos resultados 4.1 Apresentação do mercado de genéricos 4.1.1 Mercado Mundial de Medicamentos Genéricos O mercado global de genéricos movimentou em 2012 cerca de US$ 165,4 bilhões, com crescimento estimado de aproximadamente 10,8% para o ano de 2013. Os genéricos contribuíram com mais de 50% do volume de medicamentos vendidos mundialmente e com 18% do valor total de vendas do setor farmacêutico em 2012. Nesse cenário, os Estados Unidos tem papel de destaque, com vendas da ordem de US$ 56 bilhões em 2013. Nos EUA, o custo de medicamentos genéricos é, em média, 30 a 80% menor que aqueles de marca. Segundo a associação Americana de Medicamentos Genéricos, houve uma economia de em torno de 217 bilhões de dólares aos consumidores norte-americanos pelo uso de medicamentos genéricos e de 35 bilhões de euros por ano para os europeus em 2012 (GPhA, 2013). As empresas mundiais líderes no segmento de genéricos incluem: Abbott, Actavis, Aspen, Fresenius Kabi, Hospira, Mylan, Novartis, Pfizer, Sanofi e Teva. Recentemente, a Novartis comprou a Teva e passou à liderança do mercado de genéricos, com vendas de US$9,1 bilhões em 2013 (GPhA, 2013). Diversos países, tanto europeus como norte-americanos, envidaram esforços para que versões de medicamentos genéricos chegassem ao mercado de modo mais rápido com o objetivo de deter uma tendência de elevação de preços de medicamentos. No Japão, segundo estudos do IMS Health (2013), a implementação dos genéricos, conduzida de forma efetiva e organizada como prioridade governamental, vem crescendo como não aconteceu em nenhum outro país até então, esperando-se que o volume de genéricos aumente substancialmente chegando a 60% em 2018. Há diversos países nos quais o uso de genéricos está consolidado. Nos Estados Unidos da América, os medicamentos genéricos começaram a ser usados na década de 60, quando o 7 governo Federal norte-americano coordenou uma iniciativa para expandir o acesso de medicamentos à população e para redução dos custos no tratamento medicamentoso. Porém, apenas em 1984 é que foram estabelecidos critérios que, posteriormente, viriam a ser adotados internacionalmente para o registro dos medicamentos genéricos. Esses critérios foram baseados em um ato legislativo denominado “The Drug Price Competition and Patent Term Restoration Act”, mais conhecido como Hatch-Waxman, que forneceu os requisitos necessários para a produção de genéricos. Esse instrumento normativo disciplinou a definição de bioequivalência, que passou a ser empregada para comprovar a segurança e eficácia dos genéricos. Essa medida contribuiu para um desenvolvimento significativo da indústria farmacêutica aumentando sua competitividade e, ao mesmo tempo, disponibilizando medicamentos seguros para larga parcela da população norte-americana, beneficiando-a (Canongia & Antunes, 2002). Quando expira a patente de um medicamento, são lançados os produtos genéricos com garantia de características terapêuticas iguais às do produto original pelo órgão regulador local, a Food and Drug Administration – FDA (Ascione et al., 2001). Nos Estados Unidos, além do menor preço, há incentivos para os médicos conveniados a planos de saúde que prescrevam genéricos, sendo fornecido a eles listas de produtos onde predominam esses medicamentos (Canongia & Antunes, 2002). Atualmente, a polêmica nos EUA quanto aos genéricos refere-se aos eventos adversos descritos após a perda de patentes de determinado medicamento e que, por isso, nem sempre constam da bula dos genéricos, podendo causar prejuízos à saúde e inclusive morte de pacientes (Kesselheim, Avorn, & Greene, 2012). 4.1.2 Mercado Brasileiro de Medicamentos Genéricos No início do programa dos genéricos, as empresas apenas vendiam os genéricos no país, mas, a seguir passaram para as fases de estudos e de implantação de plantas industriais no mercado local, contribuindo de modo decisivo para a ampliação de oferta de genéricos no Brasil. A introdução de medicamentos genéricos teve como consequência um fortalecimento da indústria brasileira, visto que das dez maiores empresas do setor no país, cinco são brasileiras e catorze são responsáveis por 90% do mercado brasileiro de genéricos, a saber: Biosintética, Brainsfarma, EMS, Eurofarma, Geolab, ICF, Medley, Merck, Multilab, Novquímica, Neoquímica, Sandoz, Torrent e Valeant. Para o ano de 2014, são previstos investimentos da ordem de 1,5 bilhões de dólares (Valim, 2014). Atualmente, é possível tratar mais de 80% das moléstias mais prevalentes com genéricos. Dos medicamentos genéricos mais vendidos no Brasil em 2012, destacam-se os analgésicos, os antihipertensivos, os diuréticos e aqueles contra o diabete melito (Progenericos, 2013). Recentemente, o IMS Health publicou dados que mostram que os genéricos tem participação de 23% nos medicamentos vendidos e de 27,3% das vendas em unidades no mercado farmacêutico nacional, atingindo R$13,6 bilhões em 2013, aumento de 22% em relação ao ano anterior (Scaramuzzo, 2014). Estima-se que desde a sua criação, os medicamentos genéricos já proporcionaram uma economia de mais de 38 bilhões de reais para a população brasileira. Os investimentos feitos de 1999 a 2012, chegaram a R$800 milhões, 63% destinados a testes de bioequivalência e equivalência farmacêutica, 24% adequação de processo de produção, 9% novos genéricos e 4% para aumento da capacidade produtiva (Progenericos, 2013). O laboratório que, em 2013 assumiu a liderança no mercado de genéricos foi o Grupo EMS, com participação de 31,07%, seguido pela Medley, que pertence ao grupo francês Sanofi (19,35%) e pela Hypermarcas (12,61%). Além dos medicamentos de referência e dos genéricos, há uma outra classe de medicamentos, os chamados similares, que dominam o mercado brasileiro com 65% das vendas de medicamentos (Junqueira, 2010). Esses medicamentos são cópias existentes antes 8 da Lei dos Genéricos, mas que não passaram por testes que garantissem sua equivalência com medicamentos referência. Porém, a resolução de RDC 134/2003 (2003) determinou um prazo de 10 anos para a adequação e a apresentação dos testes laboratoriais comprovam que o medicamento similar possui o mesmo comportamento no organismo, e as mesmas características de qualidade do medicamento de referência. Desse modo, até o final de 2014, todos os medicamentos similares de uso oral terão passado por esses testes. 4.2 Influência dos medicamentos genéricos na sociedade e na economia Na última década, a inserção progressiva de parte da sociedade brasileira, especialmente a classe C, no mercado, tem levado a um aquecimento nas vendas como um todo, e em particular do mercado farmacêutico Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (2013). Essa parcela da população brasileira está consumindo medicamentos para situações, que previamente eram tratadas com chás e outras medidas não medicamentosas. Numa época de demandas crescentes por cuidados e atenção à saúde, maior conscientização da população quanto aos direitos individuais e aos deveres do Estado, destaca-se o papel dos genéricos que, ao se reduzir gastos com medicamentos, possibilita que tratamentos sejam feitos pelo tempo e doses adequadas e contribui para que haja possibilidade de redirecionamento dos recursos dos indivíduos para outros setores como para educação, lazer e cuidados pessoais, fortalecendo a indústria de bens e de serviços. 4.3 Oportunidades e Desafios para alavancar o mercado de genéricos no Brasil a) Acesso a medicamentos O acesso a medicamentos permanece como um entrave significante no Brasil porque reflete uma dificuldade maior, que é o acesso ao sistema de saúde. Atualmente, estima-se que 10% da população brasileira esteja excluída do sistema de saúde. Consequentemente, vinte milhões de brasileiros não tem diagnóstico de sua condição de saúde, nem tão pouco são tratados. Esforços como a disponibilização dos genéricos, aumenta a oferta de medicamentos, mas que dependem de assistência e prescrição médicas. Aproximadamente, 75% dos brasileiros dependem exclusivamente do setor público de saúde, e, como afirma Mendes (2013) “O sistema de saúde fragmentado que praticamos não é capaz de responder socialmente, com efetividade, eficiência e qualidade, à situação de saúde vigente”. Com isso, o acesso que ainda não é total, também quando acontece, não possibilita que, em todas as ocasiões, a estrutura de saúde adequada seja usada, isto é, se um paciente grave chega a uma unidade básica de saúde, ele pode até ser atendido, mas se não for disponibilizada vaga em unidade de terapia intensiva, o tratamento não será efetivo e vidas e recursos serão desperdiçados. Embora o fornecimento de medicamentos tenha se aprimorado ao longo da última década, há recorrentes veiculações de falta de medicamentos no Brasil. Não apenas no Brasil, como no mundo todo é a renda que determina o acesso a medicamentos modernos e, portanto, o consumo está ligado em grande parte ao poder aquisitivo da população. Entretanto, para a população de maior poder aquisitivo, não é o preço que define enquanto que a decisão de compra, sendo considerado um bem de demanda inelástica (Ramalho, 2006). A perspectiva de maior acesso à população à rede de atenção à saúde, quer seja pública ou privada acarretará maior busca por medicamentos, e, portanto, de genéricos. c) Distribuição de farmácias e de drogarias no Brasil Um dos maiores desafios para o crescimento das vendas de genéricos no Brasil é a distribuição de farmácias e de drogarias no país. O Brasil tem o maior número de farmácias e drogarias do mundo, com mais de 91.000 estabelecimentos, o que dá uma proporção de 1 farmácia para cada 2.088 habitantes, enquanto que a OMS recomenda 1 farmácia para cada 10.000 habitantes (Datafolha/ Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade, 2013). O elevado 9 número de farmácias dificulta a inspeção pelas autoridades sanitárias, assim como a manutenção de farmacêuticos durante todo o período de funcionamento, como é preconizado por regulamentação federal. Com isso, os consumidores ficam sujeitos a balconistas sem formação/qualificação para realizarem substituições em prescrições podendo ocorrer a substituição por medicamento outro, como os similares, sem que o consumidor se dê conta disso (Bermudez, 1995). Os medicamentos similares são os líderes no mercado brasileiro e os seus distribuidores tem, por vezes, estratégias que envolvem bonificações progressivas aos e ações promocionais nos pontos finais de venda (farmácias), a chamada “empurroterapia”. Na “empurroterapia”, alguns balconistas oferecem medicamentos similares aos consumidores, chegando até mesmo a trocar medicamentos de referência e genéricos por esses. As recompensas financeiras diretas às farmácias e aos balconistas e também indiretas, (ingressos para jogos, shows, cinema, refeições, etc) embora proibidas pelo Código de Ética, ainda ocorrem (Criativa Marketing, 2012). A “empurroterapia” é mais comum em farmácias independentes do que naquelas que fazem parte de redes, isso porque a fiscalização é mais intensa nas redes e também porque nas redes a compra é feita diretamente do fabricante, não havendo intermediários nem ações de vendas nas farmácias. Bermudez (2005) já alertava que o balconista tem forte influência sobre o consumidor que, muitas vezes lhe pede orientações sobre qual medicamento comprar sem ter se consultado com médicos. Miranda et al. (2009), demonstraram que o padrão de distribuição dos fornecedores de genéricos é desigual no Brasil, o que reduziria, a princípio o número de opções genéricas a serem adquiridas. Esses autores mostraram que quanto maior o número de apresentações de determinado medicamento, maior a concorrência e maior a variação de preço entre eles. Como pode ser visto na tabela 1, a região Sudeste concentra a maior parte do mercado de genéricos do país e há uma correlação direta entre o número de farmácias em cada região brasileira e vendas de genéricos. Tabela 1 Participação de genéricos no mercado farmacêutico por região brasileira Estado Percentual de genéricos no Proporção número mercado farmacêutico* farmácias/população** 66,82 0,0537 Sudeste 12,82 0,0502 Sul 12,50 0,0335 Nordeste 4,66 0,0485 Centro-Oeste 3,20 0,0373 Norte 100 TOTAL *(IMS Health, 2012) **(IBGE, 2013) e (Datafolha / ICTQ - Instituto de Ciência, 2014) p=0,01 de Em janeiro de 2014, o Ministério da Saúde definiu que medicamentos similares poderão substituir os de referência, assim como pode substituir os genéricos, com a perspectiva de que, o aumento de oferta haverá queda de preços de medicamentos. Espera-se que até final de 2014, todos os similares passem pelos mesmos testes que os medicamentos genéricos, após o que receberão uma nova embalagem onde constará EQ (equivalente) (ANVISA, 2014b). Esse pode ser um obstáculo novo ao crescimento de genéricos no Brasil, porque a partir de 2015 os similares e genéricos terão igual garantia de qualidade, uma vez que terão passado pelos mesmos testes laboratoriais. d) Comercialização As medidas regulatórias, desde a implementação da Política Nacional de Medicamentos e a Lei dos Genéricos, não foram suficientes para que a aquisição de genéricos 10 viesse a predominar durante o processo de aquisição de medicamentos no setor público, até o momento e teoricamente, a disponibilidade de determinado medicamento genérico em um país poderia reduzir o preço do medicamento referência pelas leis da competividade, produzindo economia ainda maior para os consumidores. Os genéricos também estimulam as empresas farmacêuticas a desenvolver produtos inovadores para se diferenciarem neste concorrido segmento da indústria mundial. Mas, no Brasil, Miranda et al.(2009) demonstraram que somente 25% dos medicamentos disponíveis nos serviços públicos eram genéricos, prevalecendo os medicamentos chamados similares. Esses autores concluíram que os genéricos competem entre si e com os similares, mas não com os medicamentos de referência. Consequentemente, não se espera que o preço de medicamentos referência venha a reduzir no Brasil. Apesar de o baixo preço ser um atrativo para a existência dos genéricos, recente estudo demonstrou que um município de médio porte houve um aumento de custos de compra (87%), desde que se exigiu testes de bioequivalência e biodisponibilidade, tendo sido observado também um número de reprovações igualmente relevante (25 a 56%), permitindo concluir que, além da elaboração cuidadosa, os processos licitatórios devem ter planejados o seu impacto financeiro, de modo a fornecer medicamentos com qualidade, mas garantindo o abastecimento à população (Bevilacqua, Farias, & Blatt, 2011). Há que se considerar também o papel das redes de farmácias e drogarias na disponibilização de medicamentos no país. As redes ao adquirir produtos diretamente da indústria farmacêutica, negociando em larga escala, consegue melhores preços, mas enquanto pode contribuir para a disponibilização de alguns medicamentos, pode deixar de negociar outros, atuando como regulador informal no mercado de medicamentos. Essas redes tem crescido no Brasil, principalmente em cidades de médio e grande porte com expectativa de alcançar 61% do mercado em quatro anos (Souza, 2013). Muito embora a entrada de medicamentos genéricos tenha trazido uma nova perspectiva para o mercado farmacêutico brasileiro, aumentando a concorrência e a competitividade, há que se ponderar como viabilizar sua maior participação no serviço público. Se há busca por alternativas, com o propósito de que maior número e variedade de medicamentos sejam disponibilizados à população, não se deve olvidar os impactos econômicos nos serviços das diversas complexidades de saúde pública (Municipal, Estadual e Federal), ainda mais ao se analisar que 70% dos munícipios tem menos que 10.000 habitantes, e, portanto, com menor condições de gestão, de estrutura e de financiamento (IBGE, 2011). Um estratégia seria o compartilhamento dos resultados de testes de bioequivalência e de biodisponibilidade entre diferentes serviços de saúde, como o sistema Horus. Esse sistema informatizado de gestão da Assistência Farmacêutica para o Sistema Único de Saúde (Sistema Horus) já foi implantado em mais de 1300 municípios, aumenta a organização, a segurança e o acesso a medicamentos (Costa & Nascimento Jr., 2012). e) Utilização O consumo de um produto sofre diversas influências, e com os medicamentos não é diferente. Esse processo envolve uma busca e aquisição por parte do comprador. O consumidor sofre pressão do prescritor (médico), de amigos, familiares, de colegas de trabalho e do farmacêutico na decisão de compra de um medicamento. O médico é quem dá origem à prescrição. Por Lei, todo médico deve prescrever em todos estabelecimentos públicos apenas medicamentos conforme a sua denominação científica. A fidelização do paciente à prescrição médica, quando em ambiente privado depende de inúmeros fatores, dentre os quais destaca-se a relação médico-paciente, o grau de confiança no médico, a disponibilidade de recursos financeiros e de medicamentos genéricos no local de compra. 11 O farmacêutico tem importante papel na comercialização de medicamentos, pois é o único que pode substituir a prescrição de um medicamento referência por um genérico. Esse profissional acaba atuando como um intermediário no processo de aquisição de medicamentos genéricos. Em recente estudo conduzido por Camara, Lara, Veloso e Souza (2013) foi verificado que o auxílio do farmacêutico foi considerado o atributo mais importante no momento da aquisição de um medicamento por 28,3% dos entrevistados. Também demonstraram que, quase 25% dos entrevistados não conseguem diferenciar os genéricos de outros medicamentos. Além do mais, a população de menor nível socioeconômico, que depende exclusivamente do SUS, por dificuldade no acesso ao sistema de saúde fica mais vulnerável às vendas de medicamentos no balcão de farmácias, muitas vezes desnecessários, uma vez que foram recomendados por indivíduos não capacitados para tal, e também acabam priorizando o preço e acabam frequentemente adquirindo medicamentos similares, uma vez que estes medicamentos tem habitualmente menor preço quando comparados aos genéricos. f) Prescrição Esperar-se-ia que, após quinze anos de sua implantação no Brasil, os genéricos tivessem uma maior participação no mercado farmacêutico, entretanto, apesar de avanços crescentes na sua utilização, não é isso o que se observa. Uma das explicações para esse achado é que alguns médicos não tem confiança plena nos genéricos comercializados no país. Muitos prescrevem essa classe de medicamentos para determinadas doenças, mas não para outras como para infecções bacterianas, virais, antineoplásicos, em que pese a existência de genéricos disponíveis, por acreditarem serem os genéricos de baixa qualidade. Outros não prescrevem genéricos de forma alguma, com a justificativa de que, apesar de aparentemente terem bioequivalência, não é isso o que é observado na prática médica. Esta última afirmativa encontra subsídio, em parte por recentes pesquisas científicas publicadas que demonstram que, alguns genéricos podem não apresentar a mesma eficácia “in vivo” que os medicamentos de referência (Kaplan, Ritz, Vitello, & Wirtz, 2012). Considerando que a demanda primária é gerada pelo prescritor, neste caso o profissional médico, se o médico tem dúvidas acerca da qualidade dos genéricos, medidas governamentais para que o controle de preços haja maior venda de genéricos, tem eficácia questionável. Um aspecto também a ser observado é a dúvida quanto à origem da matéria prima e ao controle de qualidade na sua produção no país de origem, acarretando com isso dúvidas quanto à segurança e riscos com sua utilização. A questão da confiança nos medicamentos genéricos tem de ultrapassar a barreira do consumidor que, durante muitos tempo associou baixa qualidade a alguns medicamentos similares. Apesar de, a legislação brasileira ter modificado as exigências para a produção de similares, por vezes não há clara distinção ao consumidor final entre genéricos e similares, uma vez que ambos tem menor preço que os medicamentos de referência que é o que chama mais a atenção de parcela da população. Porém, esse descrédito dos profissionais de saúde, gestores e da população em relação aos similares não é totalmente desprovido de razão. Batistic et al. (1998), ao analisarem um medicamento para tratamento de anemia por deficiência de ferro, notaram que 37% das amostras de similares estavam em desacordo com as especificações em bula ou de qualidade. Recentemente, outra pesquisa realizada na rede pública de um município de Santa Catarina durante o período de um ano, revelou uma preocupante reprovação quanto à qualidade de cinco dos sete lotes de um medicamentos amplamente utilizado para controle de hipertensão (Bianchin, Blatt, Soares, & Külkamp-Guerreiro, 2012). 12 g) Eficácia Embora uma série de requisitos e testes sejam realizados com o intuito de garantir a intercambialidade, tem havido relatos de que os genéricos nem sempre tem a mesma eficácia que os de referência (Gallelli et al., 2013; Kaplan et al., 2012). Claramente, essas pesquisas contribuem para a baixa confiabilidade dos genéricos entre alguns médicos. Ocorre que os testes laboratoriais para mensurar a eficácia de determinados medicamentos podem ser complexa realização, em especial para uma classe de medicamentos de alto custo como os biológicos, mas para superar essa dificuldade foi recentemente foi publicado um modelo computacional que conseguiu analisar um medicamento biológico usado em esclerose múltipla, comparando-o com a versão genérica, tendo sido encontrado uma maior eficácia do medicamento referência (Towfic et al., 2014). 5 Considerações finais O objetivo principal deste trabalho foi realizar um estudo sobre os medicamentos genéricos no Brasil, quinze anos após sua implantação e, especialmente, traçar um diagnóstico dos motivos que não levaram os genéricos à liderança do mercado brasileiro para que os gestores da saúde, de políticas públicas, da indústria farmacêutica, do mercado farmacêutico de genéricos e dos profissionais da saúde possam elaborar estratégias com o intuito de reverter essa situação. Não restam dúvidas de que os genéricos são uma realidade e que é um assunto atual, face a sua representatividade no mercado farmacêutico nacional e, considerando que em outros países, a implementação dos genéricos levou a ganhos substanciais com o aumento de competição e menor preço ao romper com o monopólio das marcas e maior acesso da população aos medicamentos ao propiciar opções de tratamento medicamentoso à população, é necessária uma série de ações para incrementar o mercado de genéricos no Brasil. Primeiramente, há que se aumentar o acesso da população à saúde, ampliando, disponibilizando e apresentando as estruturas de saúde nos mais diversos níveis à população, utilizando-se estratégias diferenciadas, pois a população que não tem acesso é também aquela que, muitas vezes, está à margem das ações socioeducativas rotineiras. Em paralelo, elaborar medidas educativas direcionadas à população em geral, mostrando as classes de medicamentos disponíveis, os diferenciais entre elas e dos riscos da automedicação de forma clara e compreensível, reduzindo a vulnerabilidade da população à automedicação e à troca de medicamentos por outros que não tenham a equivalência/intercambialidade garantidos. Já para os profissionais de saúde (médicos, farmacêuticos, enfermeiros, psicólogos, odontólogos e fisioterapeutas), para os gestores de saúde pública /privada, para os alunos de medicina, o Ministério da Saúde e a ANVISA poderiam desenvolver uma plataforma digital, em tempo real, para consulta detalhada das características de cada genérico, dos resultados obtidos em testes laboratoriais, para sanar dúvidas por meio de um “chat” e para notificação de irregularidades, eventos adversos e ineficácia atribuída aos medicamentos. Sugerimos ainda a implantação de um sistema de qualidade que envolva toda a cadeia de valor, desde a qualificação da matéria-prima, dos fornecedores, do processo transporte, de distribuição, do armazenamento, bem como o monitoramento da qualidade integrado a um ativo sistema de ações da Vigilância Sanitária. A aquisição de genéricos /similares pelos entes públicos deveria seguir os preceitos técnicos que atestassem sua qualidade, retestando-se esses medicamentos periodicamente (por exemplo, a cada ano). As informações observadas poderiam ser inseridas na plataforma previamente mencionada, podendo ser utilizadas por quaisquer instituições e até por pessoas físicas, aumentando a competitividade, possibilitando menor preço de medicamentos e garantindo a qualidade dos produtos adquiridos.Com o tempo, ganhar-se-ia a confiança de todos os atores envolvidos no processo –desde o prescritor até o consumidor. 13 A distribuição desigual de farmácias e de drogarias, obsta a inspeção pelas autoridades sanitárias e limita as opções de compra de genéricos em locais afastados. A disponibilização dos genéricos em locais com baixa densidade de farmácias deve ser estimulada pelo governo, acirrando a concorrência e oferecendo maior número de escolhas ao consumidor (WHO, 2004). É fundamental que a distribuição dos genéricos seja aprimorada e, que a fiscalização das farmácias e drogarias seja intensificada. Sanções efetivas contra a “empurroterapia” devem ser implementadas e divulgados seus resultados. Além do mais, é essencial que o Ministério da Saúde e a ANVISA forneçam o necessário apoio técnico e que avaliem com rigor e presteza as denúncias de irregularidades na prescrição e no uso de genéricos /similares. A implementação efetiva de novas ações referentes aos medicamentos genéricos no Brasil e o crescimento de suas vendas, devem ser encarados como estratégias fundamentais, facilitando não somente o acesso a medicamentos e sua distribuição, mas promovendo o uso de medicamentos pelo tempo e doses recomendados, além de contribuir para a melhoria da saúde pública ao possibilitar a transferência de recursos do Estado para investimentos em outras áreas da saúde e de fortalecimento da economia e desenvolvimento do país ao estimular os setores da indústria e do comércio. Referências Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2013). Recuperado em 13 de março, 2014, de http://www.anvisa.gov.br/hotsite/genericos/profissionais/confiabilidade.htm. 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