O Choro: uma Visão Sobre a Questão dos Limites e

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O Choro: uma Visão Sobre a Questão dos Limites e Possibilidades para a Inserção do Negro na
Sociedade Brasileira através da Música
Leonardo Santana da Silva
Artigos
O Choro:
uma Visão Sobre a Questão dos Limites e
Possibilidades para a Inserção do Negro na Sociedade
Brasileira através da Música
Leonardo Santana da Silva
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da
Univerisdade Severino Sombra, [email protected]
Resumo: Este artigo busca analisar a inserção do negro na sociedade brasileira
através do choro. A pesquisa proposta tem como intenção estudar a relação
entre o “choro” – novo estilo musical construído por músicos negros das
classes médias baixas – e a inserção social, no período que compreende o final
do séc. XIX e início do séc. XX. Este novo gênero musical, portanto, será um
divisor de águas na história cultural de nossa sociedade – do ponto de vista
musical – na medida em que, a partir do período referido o choro pode ser
considerado o embrião para o desenvolvimento de uma música propriamente
popular brasileira. O artigo está estruturado da seguinte forma: a primeira
parte trata-se de uma discussão teórica sobre o termo choro, e no segundo
momento exporemos a trajetória de Anacleto de Medeiros, um chorão negro
que teve uma participação significativa na sociedade através das bandas de
músicas.
Palavras-chave: Inserção social. Gênero musical. Chorões.
Abstract: This article explores the integration of blacks in Brazilian society by
crying. The research proposal is intended to study the relationship between the
“crying” - a new musical style built by black musicians of the lower middle
classes - and social inclusion, in the period comprising the end of the century.
And early nineteenth century. XX. This new genre will therefore be a watershed
in the cultural history of our society - the musical point of view - to the extent
that, from the said period, the cry can be considered an embryo to develop a
proper music Brazilian popular. The paper is structured as follows: The first part
is a theoretical discussion about the term weeping, and the second time expose
the trajectory of Anacleto de Medeiros, a black willow that had a significant
stake in society through the bands music.
Keywords: Social inclusion. Music genre. Willows.
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Choro e chorões – conceitos e historiografia
Em primeiro lugar, é necessário ressaltar que o período no qual surge o choro a sociedade
era escravista (1870), embora o sistema escravista esteja em um processo de esgotamento.
Sabemos que nesta perspectiva muitas medidas foram tomadas para a libertação do negro,
sejam elas através de leis emancipacionistas gradualistas (Lei Eusébio de Queiroz, Lei
do Ventre Livre e Lei dos Sexagenários), alforrias concedidas, pecúlio legal, formas de
resistência de um modo geral, enfim, as várias maneiras de se ver livre deste sistema
opressor, o que deve ser colocado é que só através da abolição da escravidão é que esta
liberdade será legitimada. Então fica claro que se manter como parte integrante desta
sociedade era uma tarefa árdua para estes negros, considerando que para as elites, o negro
era visto de maneira estigmatizada.
Portanto, mesmo após a República instaurada houve uma resistência nas mentalidades
das camadas superiores desta sociedade, no entanto o negro que a partir deste momento
da história passa a ser livres continua a ser mal visto diante daqueles que ainda possuía
aquela visão escravista enraizadas em suas mentes.
Desta forma, buscaremos repensar as novas possibilidades de uma inserção do negro a
partir de um momento que a sua liberdade é recente. Assim, colocar em prática o estudo
deste objeto nos permite cada vez mais compreender um processo histórico que é muito
discutido até os dias de hoje. Neste sentido, o movimento cultural popular pode ser
analisado como fator de inserção de determinados setores sociais a uma sociedade de
classes, que neste caso específico a ser investigado refere-se à questão do negro.
Para esta discussão de fundo teórico-metodológico utilizaremos as categorias e conceitos
dos seguintes pesquisadores e historiadores: André Diniz, José D`Assunção Barros, Ary
Vasconcelos e José Ramos Tinhorão. No livro intitulado de Joaquim Callado o pai do
choro, seu autor o pesquisador André Diniz discorre sobre a trajetória inicial deste novo
estilo musical, passando para origem do seu gênero propriamente dito, o que consolidaria
como uma nova identidade musical.
A obra mostra a miscigenação dos gêneros musicais tanto europeus, quanto o africano,
iniciando então a sua nacionalização. Isso significa a transformação destes estilos para
outro propriamente popular brasileiro.
O autor André Diniz demonstra as diversas gerações destes chorões, além de narrar o cenário
do ambiente social, econômico e político do Rio de Janeiro neste período evidenciando
que os chorões vinham das camadas médias da sociedade, ou seja, trabalhadores dos
correios, telégrafos, bandas militares, pequenos cargos públicos, entre outros.
Em se tratando dos conceitos formulados pelo historiador José D`Assunção, nos
apropriaremos de duas obras de sua autoria cujo o conteúdo se enquadra perfeitamente
ao tema proposto desta pesquisa. O primeiro é o livro denominado de: O Brasil e a sua
Música. Primeira parte: Raízes do Brasil Musical. O autor relata num primeiro momento
a história da chegada dos negros africanos no Brasil em virtude da colonização e as várias
fases da escravidão até a o período Imperial. O que podemos compreender neste momento
inicial da obra é justamente a presença de uma representação e descrição conjuntural da
condição socioeconômica deste período – séc. XVI – XIX.
O historiador José D`Assunção analisa a questão relacionada à construção da identidade
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afro-brasileira devido ao processo de miscigenação das raças, resultando assim, numa
formação de um novo padrão cultural. Esta mistura racial demonstra ser um caráter
positivo principalmente no âmbito cultural. Ainda imerso a esta obra, José D`Assunção
fala claramente da importância deste encontro inter-étnico que possibilitou diferentes
experiências musicais não só no Brasil como nas Américas de um modo geral. Um
exemplo crucial disto é o blues, o jazz, o samba, o chorinho e a bossa-nova.
Outro ponto que merece muita atenção é a contribuição trazida pelas danças e ritmos de
origem africanas e européias, que ao se misturarem, originaria numa nova forma musical
na esfera popular, erudita e folclórica brasileira, como exemplo: o maracatu, a congada, o
jongo, o lundu, a polca, o maxixe, o batuque, o samba, o afoxé, o frevo, o chorinho, etc.
Vejamos agora algumas diretrizes estabelecidas por este mesmo autor em sua segunda
obra denominada de Nacionalismo e Modernismo – A Música Erudita Brasileira nas
seis primeiras décadas do século XX. Embora este seu livro esteja mais especificamente
direcionado para a construção do caráter nacional e moderno dentro da música erudita
brasileira, o autor desenvolve um capítulo interessante, em que relaciona a influência do
“choro” na música erudita brasileira.
O historiador José D`Assunção esclarece ainda a questão do que vem a ser o “choro”.
Assim sendo, ele fala sobre os elementos que constrói este gênero musical evidenciando a
interação dos rudimentos folclóricos rurais e regionais do Brasil com a música estrangeira.
Afirma que a palavra “choro” surgiu para designar um estilo de grupo formado por músicos
populares da época. O autor ainda descreve sobre a primeira formação musical original,
ou seja, a estrutura instrumental inicial (flauta, violão e cavaquinho) e a função de cada
instrumento. Menciona também a inclusão de outros instrumentos na sua composição no
decorrer dos anos.
Outra idéia que nos chama a atenção é quando José D`Assunção especifica a passagem
do termo “choro” (nome atribuído primeiramente por causa da formação musical
instrumental), para a consolidação do termo, passando a converter-se em um novo gênero
musical. Esta passagem ocorre quando estes músicos passam a adotar uma peculiaridade
em sua execução musical, ou seja, uma execução mais ligeira adquirindo assim uma
identidade própria.
A visão que iremos trabalhar agora é de outro autor fundamental nesta discurssão: Ary
Vasconcelos. Dentre algumas obras de referência em relação ao tema a ser investigado
utilizaremos seu livro chamado Carinhoso etc. – História e Inventário do Choro com o
propósito de elucidar um pouco mais a nossa apresentação.
No seu livro o autor aponta em que contexto nasce o “choro”: 1870 – final da Guerra do
Paraguai. Ressalta que o choro não é propriamente um gênero musical no seu início, mas
a designação de um conjunto instrumental que logo se transformou num jeito brasileiro
de se executar a música de gênero dançante vindo da Europa.
O livro segue com a divisão das gerações de chorões e a importância destes chorões em
sua respectiva época ressaltando cada momento das diversas fases do “chorinho”. Uma
observação importante que deve ser destacada é o período da 3ª geração dos chorões
(1919-1930). É neste momento que surge o maior nome do choro de todos os tempos:
Pixinguinha. É neste contexto também que o choro segundo Ary Vasconcelos irá chegar
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ao seu ápice. Aponta que em 1919 será formado os Oito Batutas, o mais importante grupo
de choro existente.
Com a formação deste conjunto temos algumas mudanças significativas na composição
instrumental, como por exemplo, o ingresso da percussão no choro. Outra mudança é
no campo social, pois, na maioria das vezes o choro era executado apenas em festas nos
subúrbios cariocas, passando então a ser executado em festas da alta sociedade para figuras
importantes destas classes elitizadas. Esta mudança configuraria numa convivência mais
direta entre estas classes.
O autor nos dá exemplo da ocasião em que os reis da Bélgica estiveram no Brasil e foram
executados “chorinhos” para essa realeza. Mais um exemplo foi o financiamento de uma
turnê pela Europa para os Oito Batutas. Sendo essa viajem de suma importância devido
à divulgação de nossa cultura fora de nosso território nacional.
Trabalhemos então neste momento os preceitos formados por José Ramos Tinhorão. Em
sua obra História da Música Popular Brasileira, o autor mostra o surgimento da música
popular brasileira através dos barbeiros. Afirma que devido às habilidades múltiplas
dos barbeiros e a sua condição privilegiada por desenvolverem uma atividade liberal
tinham tempo para o desenvolvimento e aprendizagem de outras funções; dentro delas a
mais procurada seria a música. Destaca a presença de uma mistura de músicas, danças,
batuques, percussão e de tambores negros que surgiram na Bahia e no Rio de Janeiro na
metade do séc. XVIII, demonstrando ser o embrião para o nascimento do choro.
O autor relata a condição sociocultural desses instrumentistas negros (barbeiros) destinados
a um novo “serviço urbano”: “a música”. Deste modo, estes músicos passaram a ser as
principais figuras direcionadas a diversão em festas tanto na esfera pública quanto na
esfera privada. É neste contexto que o choro vai surgir, ou seja, através da transformação
da música de barbeiros. Tinhorão ainda indica a condição socioeconômica destes músicos
destacando suas camadas e áreas de trabalho: funcionalismo público, funcionários dos
correios, repartições civis e militares, telégrafos, casa da moeda, estrada e ferro Central
do Brasil e entre outras.
Faremos agora um apanhado sucinto do que é o choro em se tratando do seu conceito,
pois a origem da palavra choro em si possui muitos sentidos, por esta razão, vão existir
diferentes concepções designadas para justificar e legitimar o nome dado a este novo
estilo musical que ao passar do tempo tornou-se um novo gênero na música popular
brasileira.
O choro vai surgir com a evolução da chamada música de barbeiros (estilo de música
vinda das camadas urbanas, onde se misturavam músicas, danças e batuques a base de
instrumentos de percussão negra, com os estilos brancos e mestiços), cedendo o lugar
para a criação de uma nova maneira de se executar a música que aqui havia:
O espírito de confraternização desses músicos se revela através do “choro”,
música que surgiu a partir da fusão do lundu, ritmo de sotaque africano à base
de percussão, com gêneros europeus. Suas interpretações musicais, ao sabor
da cultura afro-carioca, eram o tempero para as audições nos “arranca-rabos”
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e cortiços das chamadas populares, nos bailes da classe média – batizados,
aniversários, casamentos – ou mesmo nos salões da elite da corte de D. Pedro
II.1
Desta forma, temos como elementos básicos para a sua caracterização os seguintes
pontos: em primeiro lugar, é a sua formação instrumental original, que consistia de três
instrumentos básicos; flauta, violão e cavaquinho:
Nos seus primórdios mesmo, particularmente na cidade do Rio de Janeiro que
é o seu berço, a palavra Choro surgiu para designar um tipo de grupo formado
por músicos populares. A formação de raiz era o chamado “terno”, que consistia
de uma flauta, de um violão (ou dois) e um cavaquinho.2
A segunda característica fundamental é a composição dos diversos gêneros estrangeiros,
sobretudo europeus, acoplado a ritmos africanos. A terceira característica, e, por
conseguinte a principal, seria a questão de transformar todos esses elementos em um jeito
brasileiro de se executar a música:
As interpretações diferenciadas dos gêneros estrangeiros da época – como a
polca, valsa, o xótis, a quadrilha – fizeram nascer um jeito “brasileiro” de tocar.
O choro do século XIX surgiu como uma maneira de frasear, ou seja, um estilo
de executar os gêneros europeus. A influência européia, portanto era clara, mas
não foi à única. O lundu era outro rio que iria desembocar no novo ritmo.
Principal ritmo de origem africana a aportar no Brasil, o lundu, música à base
de percussão, palmas e refrões, era cultivado pelos negros desde os tempos de
trabalho escravo nas lavouras de açúcar da Colônia.3 (Diniz, 2003: 17).
O que queremos dizer é que boa parte da produção musical que se tinha no Brasil neste
período era vinda da Europa, porém, não podemos deixar de mencionar a existência de
uma música proveniente das senzalas, assim como nas aldeias indígenas. Então, foi
através deste repertório musical que os músicos brasileiros passam a executar tais obras,
com seus próprios estilos, ou seja, dizendo numa linguagem mais popular, seria um jeito de
tocar mais abrasileirado. Logo com o passar do tempo, essa forma de executar as músicas
estrangeiras, começam a ceder lugar para o repertório criado através das composições
próprias que os chorões haviam realizado. Portanto, iniciaria uma nova etapa da música,
onde neste momento, passaria a existir, não só uma maneira de tocar, e sim um gênero
musical brasileiro.
1
DINIZ, André. Almanaque do choro. A história do chorinho, o que ouvir, o que ler, onde curtir. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003, p. 14.
2
BARROS, José D`Assunção. Nacionalismo e Modernismo – A Música Erudita Brasileira nas seis primeiras
décadas do século XX, vol. II. Rio de Janeiro: CBM – CEU, 2004, p. 257.
3
Idem, Diniz, André. p. 17.
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Em se tratado dos chorões, podemos destacar alguns nomes importantes, que compreende
o período da fase inicial do “choro”. Dentro desse contexto, temos Joaquim Callado
(flautista e compositor) considerado pioneiro e pai dos “chorões”, Virgílio Pinto (flautista e
compositor), Saturnino (flautista), Juca Vale-violão (violonista), Miguel Rangel (flautista),
Luizinho (flautista), Viriato Figueira (flautista e saxofonista) entre outros.
André Diniz, em “almanaque do choro”, assim se refere:
Mestiço simpático, exímio flautista, mulherengo, e muito popular na cidade
do Rio de Janeiro, Joaquim Callado era filho da primeira geração do choro.
Ao seu lado estavam Viriato Figueira, também flautista e saxofonista, Virgílio
Pinto, compositor e instrumentista, e o flautista Saturnino, entre tantos outros
músicos que ajudaram na criação do choro.
Geralmente o único que sabia ler a partitura, o flautista tinha papel
importantíssimo nos grupos de choro, pois incentivava o gosto pelo choro
aguçando as qualidades musicais dos acompanhadores de ouvido.4
Com intuito de corroborar as informações que envolvem relativamente à descrição deste
cenário musical, não poderíamos deixar de fazer alusão à obra antológica de uma pessoa
que acompanhou de perto estas transformações que o choro trouxe para a sociedade carioca.
Nesta perspectiva, Alexandre Gonçalves Pinto descreve que “Os acompanhamentos eram
violão, cavaquinho, oficlide, bombardão, instrumentos estes que naquela época faziam
pulsar os corações dos chorões, quando eram manejados pelos batutas da velha guarda,
como sejam: Silveira, Viriato, Luizinho, etc.”5.
Anacleto de Medeiros: o mestre de bandas
A história de Anacleto de Medeiros é bastante interessante devido à dinamização proposta
por ele para o gênero do choro. Ele busca então, inovar o repertório de choros enfocado
para a formação de bandas que abrigam em sua constituição um maior número de
componentes. É assim que Anacleto de Medeiros construiu uma passagem respeitável na
história do choro.
Além desta sua proposta de inovação do repertório de choros para a incorporação das
grandes bandas (no sentido de numeroso), o que ajudou também Anacleto solidificar a
sua carreira foi resultado do talento que perpassava pela composição, regência, execução
instrumental e por ser responsável pela criação e atuação como regente de inúmeras
bandas civis e militares.
Convidamos ao leitor a conhecer um pouco mais da história de Anacleto de Medeiros,
outro grande nome que teve uma importante participação na construção musical brasileira.
4
Idem, Diniz, André. p. 15.
5
PINTO, Alexandre Gonçalves. O choro: reminiscências dos chorões antigos. Rio de Janeiro: Typ Glória, 1936, p.
12.
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Através da sua trajetória, mais uma vez a figura do negro brasileiro pode ser colocada em
evidência possibilitando uma diminuição na brecha existente entre os dois mundos – os
dos brancos e negros.
Anacleto Augusto de Medeiros era filho de uma escrava liberta e nasceu na ilha de Paquetá
no dia 13 de julho de 18666. A razão que levou a mãe de Anacleto o batizá-lo com este
nome é devido à coincidência de Anacleto de Medeiros “ter nascido no mesmo dia de
santo Anacleto, terceiro papa da história e um dos mártires do cristianismo”7.
O maestro Anacleto de Medeiros deu inicio a sua carreira lá mesmo em Paquetá. Foi
responsável por dinamizar o entretenimento social desta ilha. Em Paquetá, Anacleto de
Medeiros formou algumas bandas em que ele mesmo atuava à frente delas. O papel social
que a música desempenhava concomitante às bandas era de respeitável significância,
pois, além de estar divulgando e elevando o nível cultural dos habitantes Paquetaenses, a
presença das bandas levava a um verdadeiro encontro social.
Visando a busca por maior enriquecimento cultural em sua formação, Anacleto decide
partir para capital do império em 1884 para estudar no Conservatório de Música. O seu
curso duraria até 1886, quando neste ano, Anacleto sairia com sua “carta de professor de
clarineta, apto a projetar-se como hábil executante, regente, compositor e – sem desdouro
para a formação erudita – até chorão”8.
Existe uma problemática em se tratando da veracidade em relação ao ano em que Anacleto
de Medeiros haveria entrado no Conservatório de Música para iniciar seus estudos. Temos
então indicações feitas por pesquisadores de que Anacleto ingressaria no Conservatório
em 1884. É o caso afirmado pelo maestro Baptista Siqueira9 e por Jota Efegê em sua
matéria escrita no periódico O Jornal no ano de 1966.
Apesar disso, o certo é que temos de concreto as informações sobre o ano em que Anacleto
concluiu seu curso. Segundo o próprio Baptista Siqueira, estes dados foram encontrados
por ele no livro de atas do Conservatório de Música referente aos anos de 1881 a 1889,
nas páginas destinadas às juntas de professores: “encontramos à página 29 verso (sic),
a confirmação da notícia da conclusão do curso de Anacleto, em 14 de dezembro de
1886. Foi aluno de clarineta na classe de Antônio Luiz de Moura e colega, portanto, de
Francisco Braga”10.
O caso duvidoso é levantado por André Diniz11, uma vez que, se a habilitação de Anacleto
de Medeiros é concedida em 1886, tudo leva a acreditar que Anacleto entrou na escola em
1883, tendo em vista que era necessário o desempenho de três anos de estudo para concluir
os estudos e se formar. Bom, a hipótese de que Anacleto de Medeiros teria se formado com
6
DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros: a vida, a obra e o tempo de um mestre do choro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007, p. 17.
7
Idem, p. 22.
8
O Jornal, 10/07/1966, 3º caderno.
9
SIQUEIRA, Baptista. Três vultos da música brasileira. Mesquita, Callado e Anacleto. Rio de Janeiro: Sociedade
Cultural e Artística Uirapuru, 1969, p. 158.
10 Idem, p. 161.
11 DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Op. cit., p. 48.
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apenas dois anos de curso é passivo de comprovação, pois não foi encontrado nenhum
registro documental que nos dêem indícios do ano de sua entrada para o Conservatório de
Música, embora se tenha o registro da sua saída.
A única explicação que se teria para comprovar a conclusão dos estudos deste músico
em apenas dois anos, seria o fato do brilhantismo e o talentoso dom musical de Anacleto,
que talvez justificasse o encurtamento de um ano no seu curso de música. Entretanto,
esta seria uma hipótese e não uma afirmação, sendo assim, enquanto não se encontra
algum documento que comprove o ano do seu ingresso ao Conservatório essa incógnita
permanecerá.
É neste momento que Anacleto de Medeiros vai começar a traçar seu caminho artístico
ganhando uma maior projeção de sua carreira. O talento que tinha para realizar composições
foi utilizado até mesmo no contexto social que a cidade do Rio de Janeiro se inseria neste
período.
Com o cenário de profundas transformações sóciopolíticos que a cidade estava atravessando
neste contexto do início do século XX – modernização, urbanização, civilização e limpeza
da cidade – serviu de inspiração para que Anacleto compusesse obras a partir desta
situação efervescente em que conviveu. Sendo assim, Anacleto de Medeiros compôs uma
polca chamada de Cabeça de Porco. O título da música é referente aos inúmeros cortiços
que existiam nesta época na cidade do Rio de Janeiro.
Além de estar explorando a sua veia artística de compositor, Anacleto voltava a sua
percepção para a observação dos acontecimentos políticos. Apesar de não ser um militante,
e tão pouco possuir uma participação mais profunda e ativa na política, ele demonstrou
uma opinião notória em suas músicas.
Fez, como vimos, uma “Fantasia” em homenagem à derrota dos antiflorianistas.
Antes da inauguração da Avenida Central, Anacleto já percebia sua importância
e significado. Resolveu compor o dobrado “Avenida” e, quando a obra ficou
pronta, meses depois, lá estava ele debaixo de chuva, executando, com os
músicos bombeiros, sua homenagem à República.12
Antes de darmos prosseguimento à trajetória musical de Anacleto de Medeiros, queremos
em rápidas palavras esclarecer o sentido do termo “Fantasia” descrita na citação que
acabou de ser feita. Este termo no sentido musical da palavra refere-se à priori, às peças
compostas de melodias conhecidas unidas a trechos de óperas, revelando assim, o
virtuosismo do intérprete e a técnica aplicada pelo compositor. No caso da peça feita por
Anacleto, provavelmente é de caráter exclusiva para instrumento musical, sendo que à
parte executada por um cantor seria substituída por um instrumento solista.
Embora as músicas de Anacleto de Medeiros ganhassem letras, principalmente às do
poeta Catulo da Paixão Cearense, a execução da obra Fantasia foi realizada com a banda
12 DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Op. cit., pp. 32-34.
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do Corpo de Bombeiros, portanto, é uma banda instrumental. Esta banda, diga se de
passagem, foi fundada pelo próprio Maestro Anacleto de Medeiros em 1896, estreando no
dia da comemoração da Proclamação da República daquele mesmo ano.
Com o nome merecidamente projetado como músico de grande mérito, quando
pelo aviso nº 1.225, de 30-10-896 (sic), o Ministro da Justiça atendeu ao pedido
do tenente-coronel Eugênio Rodrigues Jardim, comandante interino do Corpo
de Bombeiros, para criar uma banda de música (“sem ônus”), já Anacleto de
Medeiros estava indicado como organizador e regente.13
Parece que Anacleto de Medeiros acertou em cheio na sua estréia com a Banda do Corpo
de Bombeiros. Os primeiros frutos deste seu trabalho já estavam prontos para serem
colhidos no dia seguinte a sua estréia, demonstrando certa aprovação da sociedade e,
principalmente das camadas superiores da própria instituição dos bombeiros. Assim,
temos a seguinte notícia de um dos periódicos que circulava no Rio de Janeiro: “Ao
Comandante do Corpo de Bombeiros diversas firmas de nossa praça ofereceram a quantia
de 700$ para a compra de instrumental”14.
Esta ajuda financeira retrata a real situação de dificuldade em relação à infra-estrutura
precária que a Banda dos Bombeiros se encontrava. Ao mesmo tempo, não obstante a
esses percalços, os músicos que compunham esta banda receberiam elogios por parte
da imprensa. “A novel Banda de Música do Corpo de Bombeiros, dirigida pelo sargento
Azevedo, executou com precisão algumas peças”15.
Devemos salientar que a manchete citada confere menção honrosa ao sargento Azevedo
por sua participação na direção da banda ao invés de fazê-la a Anacleto de Medeiros. O tal
fato não anula a participação de Anacleto como organizador e responsável por esta banda.
Ao cominar a direção da Banda da Música do Corpo de Bombeiros ao sargento Azevedo,
isso simplesmente significa que ele – sargento Azevedo – atuou como regente naquele
momento de execução musical.
A capacidade que Anacleto de Medeiros tinha para organizar bandas musicais já havia
ficado evidente, até mesmo por conta da vasta experiência adquirida através das diversas
bandas fundada por ele. A estréia da Banda dos Bombeiros sem a presença de Anacleto
com a sua regência não impossibilitou o grande sucesso que foi, entretanto, apesar de
Anacleto de Medeiros não estar presente nesta apresentação, a responsabilidade de
preparo da banda era dele, daí o segredo dos músicos terem executado tão bem o seu
repertório. Ou seja, os componentes da Banda de Música do Corpo de Bombeiros além
de trabalhar com Anacleto nesta instituição, já haviam trabalhado com ele também em
outras bandas. Deste modo, o repertório, o entrosamento dos músicos entre si e com
13 O Jornal, 10/07/1966, 3º caderno.
14 O Paiz, 16/11/1896.
15 Idem, ibidem.
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o próprio maestro Anacleto seria a resposta da precisa execução desta banda sem que
necessariamente Anacleto de Medeiros tivesse a regido.
As bandas musicais exerceram um papel essencial no Brasil. Os relatos que temos sobre
a formação das bandas que conhecemos hoje é fruto da vinda da família real para o
Brasil com a sua corte no ano de 1808. Junto da nobreza estava a Banda da Brigada
Real. No entanto, o momento em que as bandas conseguiram sobressair alcançando uma
posição de destaque na sociedade é a partir da segunda metade do século XIX16. Deste
modo, começaram a participar mais intensamente em diversos setores sociais, como por
exemplo, festas populares, bailes, campanhas políticas, festas cívicas, festas religiosas,
carnaval e solenidades em geral.
Em relação à formação de bandas, Anacleto traz em sua caminhada musical um número
expressivo como precursor nesta área, ou seja, dedicou parte de sua vida para o ensino
e fundação de bandas musicais. Dentre as organizações destas corporações musicais
destaca-se a Sociedade Recreio Musical Paquetaense, Banda de Magé, Banda da
Tipografia Nacional, Banda da Fábrica de Paracambi e a que lhe proporcionou mais fama
fazendo com que seu nome entrasse para história para nunca mais sair, a Banda do Corpo
de Bombeiros.
Não obstante ao caráter com que as bandas de músicas formadas por Anacleto de Medeiros
realizavam o papel de divulgar a cultura de um modo geral e principalmente a nossa
musica popular, elas da mesma forma, foram um poço de possibilidades para a inserção
e ascensão social daqueles que fizeram parte destas bandas, uma vez que, este emprego
oferecia estabilidade profissional.
Esta inserção que poderia condicionar a ascensão social destes músicos beneficiou a
camada mais desfavorecida da sociedade, já que, “Anacleto passou a requisitar para a
banda seus amigos do choro, que tocavam em vários grupos da cidade”17, o que nos deixa
claro a presença de negros nas bandas, pois, estes eram as grandes maiorias no meio do
choro.
A construção que Anacleto de Medeiros realizou entre as bandas musicais e o gênero
do choro foi esplêndido. As bandas de musicas serviram de canal para a divulgação da
linguagem chorística, se tornado herança para as demais gerações que vieram depois de
Anacleto. O grande exemplo disso é a influência que veio surgir “cerca de vinte anos
depois, ao estruturar sua linguagem orquestral, Pixinguinha mostrou forte influência da
música das bandas”18.
O significado do trabalho empenhado por Anacleto de Medeiros na formação das bandas
perpetuou na fusão entre as bandas e os chorões, ou seja, seria dizer que, as bandas de
músicas se tornariam uma verdadeira escola de chorões, uma vez que estes músicos
começariam a sua trajetória tocando nas bandas musicais.
16 DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Op. cit., p. 55.
17 Idem, p. 60.
18 CAZES, Henrique. Choro do quintal ao municipal. São Paulo: Ed. 34, 1998, p. 33.
19 DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Op. cit., p. 62.
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(...) a maioria dos músicos encontrou na Banda do Corpo de Bombeiros seu
primeiro emprego profissional e estável. E como parte significativa deles
levava uma vida notívaga, trabalhando em bailes, teatros e grupos de choro,
dá para imaginar a energia que o maestro precisava ter para organizar ensaios,
ensinar a utilização correta dos instrumentos e explorar melhor o fraseado
dos músicos. Sua forte cobrança estava ligada à questão estética, à busca da
perfeição sonora.19
Ao compor suas melodias, Anacleto de Medeiros utilizou-se da mesma técnica musical,
esteticamente falando, que Joaquim Callado havia usado. Por meio de quase todos os
gêneros musicais urbanos característicos do final do século XIX – xótis, valsas, polcas,
tangos, dobrados e choros – ele (Anacleto de Medeiros) deu um tom abrasileirado a
elas.
Devido à obra de Anacleto ser considerada de coerência perfeita entre as partes,
desenvolvendo os temas de forma inteligente e harmoniosa20, essa pode ser a razão pelo
qual a sua música foi imortalizada através das gravações antológicas feita pela Casa
Edison.
A fase mecânica das gravações, que durou de 1902 (quando surgiram as gravações
fonográficas no Brasil através da Casa Edison) até 1927, foi um período de predominância
das bandas e dos grupos de instrumentais nos registros sonoros21. Com isso, temos mais
de cem gravações de Anacleto de Medeiros, sendo ele, o próprio compositor mais gravado
pela Banda de Música do Corpo de Bombeiros. Estes dados nos confirmam a importância
da produção musical e a ação cultural que era desenvolvida no meio urbano da cidade do
Rio de Janeiro.
Anacleto de Medeiros veio a falecer em 14 de agosto de 1907, aos 41 anos de idade. A
música brasileira mais uma vez se tornaria órfã, porém, o Brasil receberia de herança
toda uma contribuição cultural que Anacleto havia construído enquanto por aqui passou.
Podemos perceber este significante construto cultural deixado por Anacleto de Medeiros a
partir das notícias da imprensa. Os jornais mais contemporâneos é quem pode nos afirmar
com mais precisão esta nossa afirmativa.
Além do periódico O Jornal, que já foi utilizado em alguns parágrafos anteriores como
fonte de informação sobre Anacleto de Medeiros, podemos dispor também, de outros
dois periódicos que nos remetem a uma divulgação midiática sobre a importância de
Anacleto de Medeiros e sua obra. O primeiro deles é o jornal O Globo, que por ocasião
da comemoração da data de aniversário de Anacleto de Medeiros presta uma homenagem
ao músico, trazendo em uma de suas manchetes o seguinte título: “Será Comemorado o
Centenário do Fundador da Banda dos Bombeiros”22.
Nesta reportagem, além da ênfase do mérito dado a Anacleto de Medeiros pela fundação
19 DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros. Op. cit., p. 62.
20 Idem, p. 71.
21 Idem, p. 75.
22 O Globo, 11/07/1966, p. 3.
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da Banda dos Bombeiros, podemos perceber alguns tributos prestados a Anacleto por sua
dedicação ao ambiente musical da sociedade carioca. Desta maneira, encontramos descrito
a respeito de uma parceria musical de Anacleto com Catulo da Paixão Cearense, assim
como, com Heitor Villa-Lôbos (sic). Com Catulo da Paixão, segundo o jornal, Anacleto
foi parceiro em dezenas canções que obtiveram fama, inclusive a música intitulada de
Rasga o coração, que o maestro Villa-Lobos aproveitou para introduzir em seu choro nº
10.
Ainda relativo a esta matéria publicada pelo O Globo, nos é relatado uma apresentação
musical com a própria Banda do Corpo de Bombeiros executando as obras de seu
fundador, além de uma conferência realizada na Escola Nacional de Música pelo escritor
Óton Costa do Grêmio Cultural Catulo da Paixão Cearense e o oferecimento de um busto
de Anacleto de Medeiros abraçado com Catulo da Paixão que será inaugurado na Ilha
de Paquetá. Estes destaques na mídia corroboram, portanto, a respeitável contribuição
cultural de Anacleto de Medeiros.
Como a trajetória deste maestro negro foi dedicada inteiramente à perpetuação da música,
não poderia ser diferente a retribuição por parte de todos aqueles que, de certa forma,
se beneficiaram com os ensinos e com as instituições musicais fundadas por Anacleto.
Estas singelas retribuições são as pequenas homenagens que foram feitas no dia de seu
sepultamento através da presença de bandas musicais formada por Anacleto de Medeiros,
amigos, companheiros de profissão e autoridades.
No sepultamento de Anacleto de Medeiros, em Paquetá, dia 14 de agôsto de
1907, estiveram presentes várias bandas de música, destacando-se, entre elas,
as três que o ilustre desaparecido havia criado com tanto idealismo: “Corpo de
Bombeiros”, “Fábricas de Chitas Bangú” e “Banda de Magé”.
Para as cerimônias do sepultamento (...), a banda de Música do Corpo de
Bombeiros seguiu, do Rio de Janeiro, de lancha Aquarius, segundo informações
da época. Vários oficiais da briosa corporação constituíram a comissão oficial,
que damos, a seguir:
“Cap. Paulo da Costa (representando o comandante); Cap. Vieira (representando
o inspetor); Tenentes: Bueno e Silva. Alferes: Afonso, Leonardo Ferreira,
Tenreiro, Carneiro e Antônio Fernandes.
A Banda de Música da Fábrica de Bangú, se fêz representar pelo Sr. J. Trota
de Aguiar.
O maestro Francisco Braga estêve presente como Professor integrado a
representação do Instituto Nacional de Música.23
As devidas homenagens é algo digno e merecedor para com a pessoa de Anacleto, ao
mesmo tempo, é um tanto insignificante diante da tamanha devoção à música que foi
idealizado por Anacleto em toda sua vida.
23 SIQUEIRA, Baptista. Três vultos históricos da música brasileira. Op. cit., p. 194.
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A divulgação com maior ênfase do nome de Anacleto só veio passar existir após a sua
morte. Daí a explicação da dificuldade em se encontrar fontes que nos trazem informações
sobre a vida do maestro Anacleto de Medeiros.
Mesmo com a falta de fontes mais profundas e, de pesquisas mais específicas que abordem
Anacleto de Medeiros como seu objeto de estudo, o que devemos levar em consideração
é o empenho de Anacleto para que as bandas desenvolvessem este papel fundamental na
propagação de nossa música popular.
A trajetória musical de Anacleto de Medeiros é sem dúvida uma contribuição significativa
para o desenvolvimento da música brasileira que vem buscando cada vez mais construir
uma linguagem expressiva através da maneira peculiar de compor as suas obras. Com
harmonias requintadas e ricas ritmicamente esta expressão artística vem se consolidando
desde as composições de Joaquim Callado, perpassando por Anacleto de Medeiros
chegando até Pixinguinha.
Apesar da importância de Anacleto para música popular brasileira, a sua história é quase
que totalmente esquecida pela nossa sociedade, praticamente se tornado um estranho, até
por muita das vezes, no meio dos próprios profissionais da área musical. Fazendo nossas
as palavras de Iza Calbo, uma jornalista que publicou uma matéria para o Jornal do Brasil
afirmando que “Num país sem memória, o maestro homenageado é praticamente um
estranho no ninho, embora tenha figurado ao lado de Chiquinha Gonzaga”24.
Contudo, ainda assim, podemos contar com uma parceria entre a indústria fonográfica
interessada em resgatar e manter vivo este valor memorial que é um patrimônio histórico
da sociedade brasileira e renomados músicos da contemporaneidade compromissados
com arte. Estamos nos referindo a Gravadora Kuarup Discos, que produziu um trabalho
musical dedicado ao maestro Anacleto de Medeiros, que teve como executantes de suas
obras gravadas neste disco o conjunto musical Art Metal Quinteto.
24 Jornal do Brasil, 20/01/2000. Caderno 2, p. 3.
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