O Rio Musical de AnacleTo de Medeiros André Diniz O Rio Musical de AnacleTo de Medeiros A vida, a obra e o tempo de um mestre do choro Rio de Janeiro Copyright © 2007, André Diniz Copyright desta edição © 2007: Jorge Zahar Editor Ltda. rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tel.: (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800 e-mail: [email protected] site: www.zahar.com.br Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98) Projeto gráfico e composição: Mari Taboada Capa: Miriam Lerner CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. D61r Diniz, André, 1975O rio musical de Anacleto de Medeiros: a vida, a obra e o tempo de um mestre do choro / André Diniz. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007. il.; Apêndices Contém cronologia Inclui bibliografia ISBN 978-85-378-0019-5 1. Medeiros, Anacleto de, 1866-1907. 2. Compositores – Brasil – Biografia. 3. Choros (Música). I. Título. 07-2330 CDD: 927.8042 CDU: 342.7 Sumário Prefácio 9 Apresentação – A Escola e a Rua 1 2 3 4 5 11 O Maestro e sua Ilha 15 O Rio de Anacleto 27 A Formação 41 O Maestro das Bandas do Rio de Janeiro A Obra e seus Intérpretes 71 Epílogo – Lembrando Anacleto Ouvindo Anacleto 101 Letras de música 103 Lendo Anacleto 109 Cronologia 113 Notas 117 Bibliografia 129 Agradecimentos 135 Sobre o autor 137 Créditos das ilustrações 139 Índice onomástico 141 91 53 PreFácio Dentre os principais responsáveis pela fixação do choro como gênero musical, Anacleto de Medeiros era o músico a quem mais se devia um reconhecimento à altura. Nestes cem anos que decorreram de seu falecimento, o genial maestro das bandas reinou como celebridade no ambiente dos músicos, e, particularmente, dos “chorões” – não há uma roda em que não se toque um choro ou um xótis (schottish) de sua autoria. Faltava, porém, um trabalho mais profundo que o tornasse conhecido do grande público, revelando a trajetória desse mestre, contemporâneo de Ernesto Nazareth, Irineu de Almeida e Chiquinha Gonzaga, e que influenciou a obra de Pixinguinha. No livro que você tem nas mãos, o professor e escritor André Diniz, assíduo observador da cena do choro e do samba, resgata essa dívida ao mergulhar no universo não só do refinado compositor, mas também do maestro, do arranjador, do multiinstrumentista e do chorão Anacleto. A este a música brasileira deve, entre outros marcos, o fim da sisuda forma marcial com que as bandas tocavam, conferindo-lhes suavidade e delicadeza na interpretação. Isso pode ser comprovado ouvindo-se as gravações da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro feitas pela Fábrica Odeon em 1904. É ele também o responsável pela “iniciação” da nata dos chorões – em sua grande maioria, músicos amadores – na atividade profissional, incorporando-os à banda na época de sua criação, em 1896, como veremos com detalhes generosos nas páginas seguintes. 9 O maestro sabia bem o que queria. Ao agregar qualidade de execução e criatividade, moldou uma sonoridade que se tornou referência para a época e que, anos mais tarde, se tornaria padrão para os primeiros registros fonográficos no Brasil. Não foi à toa que a Banda da Casa Edison, pioneira das gravações no país, utilizava em sua formação integrantes da Banda do Corpo de Bombeiros. Como diz o ditado, “em time que está ganhando...”. Todos os grandes nomes da música brasileira reconhecem em Anacleto de Medeiros um papel fundamental, seja na composição ou na concepção das orquestrações – quando se tornou um dos precursores, ao lado de Irineu de Almeida, do processo de “abrasileiramento”, a partir de polcas e xótis europeus, da linguagem de contraponto que tanto viria a influenciar o choro. Em 10 de agosto de 1969, três dias antes de falecer, Jacob do Bandolim prestou uma singela homenagem a Anacleto, reconhecidamente um de seus ídolos, no programa “Jacob e seus discos de ouro”, na Rádio Nacional: apresentou a quadrilha “No baile”, de autoria do genial maestro, e detalhou a origem desse gênero musical que, infelizmente, se perdeu no tempo. Anacleto de Medeiros, com seu jeito bonachão e com a competente leveza que imprimia em suas regências, era o maestro que, segundo Alexandre Gonçalves Pinto, no livro O choro – Reminiscências dos chorões antigos (1936), “aproveitava a melodia dos pássaros, o badalar dos sinos e tudo que formasse uma nota boa ou semitonada”. Essa é a imagem que dele ficou. Nos próximos capítulos, André Diniz nos apresenta não só o perfil de um músico que ajudou a criar bases sólidas para a música brasileira, mas também as condições socioeconômicas em que se deram essas transformações, em um período de grande ebulição política e cultural no país. É de se ler em um fôlego só, de preferência ouvindo um xótis de Anacleto ao fundo. Sergio Prata* * Sergio Prata é músico, estudioso do choro e diretor do Instituto Jacob do Bandolim. 10 O Rio Musical de Anacleto de Medeiros 1 O MaesTro e sua Ilha “Paquetá, seu passado é uma história Que os velhos pescadores Guardam em sua memória Contado com recordações e coração A sua tristeza e alegria Que todos tiveram um dia Carlos Gomes, Anacleto, foram algo colossal Destacaram o cenário musical Sobre este céu de anil Paquetá é o orgulho do Brasil”1 Ilha de Paquetá, manhã de domingo, maio de 1907. Dezenas de pessoas caminham pelas ruas arborizadas em direção ao coreto localizado no antigo largo do Medeiros (atual praça Bom Jesus). São homens de bengalas, luvas, pince-nez, monóculos, sobrecasacas, chapéus e gravatas inglesas, lenços portugueses e sapatos italianos. Eles vão acompanhados de senhoras com saias compridas, cabelos longos enrodilhados no alto das cabeças sobre as quais se equilibram chapéus, tendo às mãos infalíveis leques de seda.2 Apesar de o coreto ficar em frente ao belo mar da ilha e receber toda a brisa que vem da Festa das árvores em Paquetá, 1904, em foto de Augusto Malta. Anacleto de Medeiros costumava reger sua banda no coreto à direita. 15 baía de Guanabara, quase todos usam um guarda-sol para se proteger do escaldante verão carioca. Algumas pessoas já aguardavam ansiosamente no coreto pelos músicos do Recreio Musical Paquetaense. Nessa época, as apresentações musicais aos domingos eram o principal entretenimento cultural dos habitantes e visitantes da ilha. Em alguns minutos, estaria à frente da banda seu mentor e fundador, um homem robusto, de poucas palavras, com bigodinho curto, dotado de excelente caráter e, sem dúvida, um grande talento para a música. Já famoso maestro na capital, em muitos fins de semana ia visitar amigos e parentes e, claro, reger os músicos da banda que havia criado. As bandas do Recreio Musical Paquetaense, do Corpo de Bombeiros e da Fábrica Bangu desfilaram com seus músicos, meses mais tarde, na última homenagem ao maestro Anacleto Augusto de Medeiros. Foi em um dia nublado e carregado, uma antítese daquele domingo em que o maestro fez sua última apresentação no coreto. Do céu agora vinham pingos desordenados que escorriam pelas capas e guarda-chuvas dos que acompanhavam o cortejo em direção ao cemitério. Pelas ruas de Paquetá ouviam-se polcas, marchas, valsas, quadrilhas, dobrados e xótis que lembravam a obra do seu filho mais ilustre no reino da música. Alunos e professores do Instituto Nacional de Música estavam presentes no velório. Também havia muitos amigos do choro, companheiros músicos que circulavam pela cidade com suas melodias. Já dentro do cemitério Santo Antônio da Amigos assistem ao Freguesia, após algumas palavras e orações, corneenterro de Anacleto de Medeiros. tas, clarinetas, pratos, tambores, pistões e trombones 16 O Rio Musical de Anacleto de Medeiros Solar D’El-Rei. A casa de Anacleto ficava em frente ao casarão. voltaram a tocar até que a última pá de terra cobrisse o caixão. Em 14 de agosto de 1907, aos 41 anos, morreu de infarto o homem que dedicou praticamente toda a sua vida à formação de bandas e ao ensino musical. O Maestro e sua Ilha 17