DOMINGO - O Estado do Maranhão - São Luís, 11 de abril de 2010 5 CAPA Acupuntura: a cura através das agulhas Técnica chinesa é reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que a classifica como um método complementar de tratamento; procedimento consiste na aplicação de agulhas em pontos definidos do corpo para obter efeito terapêutico Fotos/Paulo Soares Jock Dean Da equipe de O Estado A cupuntura é um termo derivado das palavras latinas acus (agulha) e punctio (punção), criado pelos jesuítas no século XVII. Parte integrante da Medicina Tradicional Chinesa, trata-se de uma modalidade terapêutica com origem nas descobertas empíricas realizadas pelos antigos médicos da China. Além do sentido restrito de “agulhamento”, a acupuntura deve ser entendida como um conjunto de conhecimentos médicos que conduzem a um tratamento clínico, de natureza estimulatória, por meio de procedimentos ativadores de zonas específicas do corpo humano, com a finalidade de obter como resposta a recuperação global da saúde. É praticada na China há mais de 3.000 anos e cada vez mais difundida em diversos países do mundo. Foi introduzida no Ocidente no século XVII e no Brasil há 40 anos. De acordo com a nova terminologia da Organização Mundial de Saúde (OMS), a acupuntura é um método complementar de tratamento que consiste na aplicação de agulhas, em pontos definidos do corpo, chamados de "pontos de acupuntura", para obter efeito terapêutico em diversas condições. “As agulhas estimulam o sistema nervoso periférico, fazendo o sistema nervoso central liberar neurotransmissores que agem nos sistemas neurológico, endócrino e imunológico, promovendo um equilíbrio global da saúde do paciente e, conseqüentemente, amenizando os efeitos da doença em tratamento”, explica a médica-acupunturista Mércia Leite de Sousa. A OMS possui uma extensa lista de patologias que podem ser tratadas com a acupuntura. Além dos casos de dor do sistema esquelético-muscular, diversas doenças funcionais, distúrbios hormonais, menstruais, stress, asma, insônia, paralisia facial, sinusite, incontinência urinária e até problemas psiquiátricos como depressão, síndrome do pânico, ansiedade e fobias em geral podem ser tratados com a técnica. “O campo de atuação da acupuntura é amplo devido a sua própria natureza e mecanismos de ação que harmoniza o funcionamento do organismo como um todo”, comenta a acupunturista. No entanto, a médica ressalta que nem toda doença pode ser tratada com acupuntura, e a recomendação do tratamento só pode ser feita por um especialista. Um exemplo é a apendicite, pois o paciente deve ser submetido a intervenção cirúrgica para a retirada do órgão. Outra questão para a qual os pacientes devem atentar, segundo Mércia Leite, é para o fato de a acupuntura ser muito mais que “inserir agulhas no corpo”, pois esta é apenas um das etapas de uma série de procedimentos encadeados, que obedece à mesma seqüência de uma consulta médica. “O acupunturista deve possuir conhecimentos médicos necessários à realização de prognósticos, diagnósticos, solicitação e interpretação de exames preliminares e complementares. Ele precisa ainda ter um vasto conhecimento da anatomia do corpo humano, afinal, a acupuntura é um procedimento médico invasivo”, frisa a médica em seu consultorio no Jacarati Medical Center. Por ser um procedimento médico invasivo, ou seja, em que há a utilização de instrumentos pérfuro-cortantes, o Colégio Médico de Acupuntura (CMA), órgão que regula a prática no Brasil, afirma que apenas médicos, cirurgiões dentistas e médicos veterinários podem aplicar a terapia, A médica Mércia Leite prepara paciente para sessão de acupuntura PERFIL de Sousa IDADE: 50 anos NOME: Mércia Helena Salgado Leite FORMAÇÃO: Medicina, especializações i Agulhas usadas na terapia devem ser descartadas após seu uso em Pediatria e mestrado em Saúde Ambiente pela UFMA e Acupunturologia pelo Colégio Médico de Acupuntura (Recife-PE) ATUAÇÃO: Professora do curso de Medicina do UniCeuma e médica-acupunturista Saiba mais Divulgfação Acupuntura sem agulha Quem tem medo de agulhas, pode se beneficiar dos efeitos da acupuntura recorrendo a outras técnicas: Auriculoterapia - utiliza pontos no pavilhão de orelha (a parte externa e frontal da orelha) que são ativados com sementes e também agulhas, mas bem pequenas, que podem ser deixadas no local por dias. Moxabustão - é uma espécie de acupuntura térmica que tiliza pequenos bastões de madeira –moxas - com artemísia seca (uma erva), que são aplicados nos mesmos pontos das agulhas. Shiatsu - no lugar de agulhas, os pontos de acupuntura são es- timulados pela massagem feita com os polegares, os dedos e as palmas das mãos. Eletroacupuntura – os pontos de acupuntura são estimulados por corrente elétrica. Pode haver a combinação dos dois procedimentos, mas tudo dependerá do diagnóstico feito pelo acupunturista. Ventosas – em vez de agulhas, aplicam-se ventosas nos pontos de acupuntura que produzem uma pressão negativa dentro de um recipiente que suga a pele sobre os pontos de acupuntura. cada qual em sua área específica de atuação. “Segundo a legislação médica do país, somente estes profissionais estão habilitados a realizar procedimentos invasivos. No entanto, no que diz respeito à acupuntura, o Ministério da Saúde ainda não definiu regras mais rígidas. Por isso alguns leigos ainda atendem”, informa. A prática da acupuntura por profissionais não gabaritados pode trazer inúmeros riscos à população. Os relatos de complicações são muitos e variados: desmaios, lesões em nervos periféricos, perfuração do pulmão, sangramentos, infecções, contaminações, meningite, encefalite e em casos mais graves, o óbito. Mas Mércia Leite garante que o procedimento é totalmente seguro. “Como qualquer procedi- mento médico, a acupuntura está sujeita a reações adversas. No entanto, tanto a nossa prática como os diversos estudos publicados dão conta de que, desde que realizada por médico capacitado, a acupuntura é um procedimento seguro e desprovido de efeitos colaterais”, garante. Dúvidas - Uma dúvida constante dos pacientes é sobre dor e sangramento durante as sessões. Mércia Leite explica que a sensação de dor geralmente está associada à inserção das agulhas, sendo de pequena intensidade, rápida e, na maior parte das vezes, imperceptível. Com relação aos sangramentos, ela diz que eventualmente um pequeno vaso sangüíneo pode ser atingido, ocorrendo discreto sangramen- to, que é fácil e prontamente estancado por simples compressão. “Realizada por médico experiente, a acupuntura é, contudo, isenta de riscos”, afirma. Qualquer pessoa pode ser submetida a terapia, desde que sua patologia possa ser tratada com a acupuntura. No entanto, é fundamental que haja um acompanhamento médico rigoroso. “Em geral, os pacientes que recorrem à acupuntura são pacientes crônicos que já tentaram todos os outros tratamentos disponíveis. Vale ressaltar que a acupuntura é um tratamento complementar. Portanto, ela está sempre associada a outros tratamentos como o medicamentoso ou fisioterápico”, frisa. A acupuntura funciona em cerca de 70% dos pacientes em que é utilizada. Dentre as possíveis causas da estatística não ser maior estão falha profissional, problemas constitucionais como os altos níveis de Colecistocininas – um hormônio intestinal - e deficiência genética de receptores de endorfina nas membranas das células nervosas, além do uso de medicamentos como corticóides e betabloqueadores. Sobre a freqüência do tratamento, a terapeuta explica que usualmente as sessões são realizadas uma vez por semana. Casos agudos podem exigir sessões diárias. “Em geral, a duração e a freqüência do tratamento dependem do diagnóstico e do tempo de evolução da doença”, pontua. Outra dúvida comum é sobre o risco de transmissão de doen- ças e sobre isso Mércia Leite é categórica: “Agulhas, só descartáveis. É inadmissível o reuso delas mesmo pelo próprio paciente”, assevera. Segundo as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a prática da acupuntura deve ocorrer exclusivamente com material descartável. A reutilização das agulhas pode causar a transmissão de hepatites, meningites, mastoidites, encefalites e, possivelmente, até o HIV, entre outras. “As agulhas, ao serem removidas, trazem restos de pele e sangue. Apesar de microscópicos, eles são um meio de cultura para microorganismos. Aliás, nossa pele é rica em fungos e bactérias. Portanto, a assepsia é imprescindível”, comenta. No Brasil, a acupuntura foi reconhecida como especialidade médica em 1995, e começou a ser utilizada na rede pública de saúde desde o ano de 1981, sendo oficialmente integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS) em 2006. Mas ainda são poucos os hospitais públicos que realizam esse tipo de atendimento. Na rede privada, a acupuntura é oferecida de forma inconstante pelos planos de saúde desde a década de 80. Em 1998, foi promulgada a Lei 9656, conhecida como “Lei dos Planos de Saúde”, instrumento que regulamenta os planos de saúde contratados a partir de 01 de janeiro de 1999 ou atualizados após esta data. Esta lei garante ao usuário de plano de saúde com cobertura ambulatorial o acesso aos tratamentos acupunturológicos. História da modalidade no Brasil No Brasil, a acupuntura chegou de maneira parcial e limitada, no início do século XX, por meio de imigrantes orientais, sem nenhuma formação em curso superior nos seus países de origem. No entanto, data da década de 1960 o início do interesse e da prática dos primeiros médicos brasileiros na acupuntura. Na década de 1970, com o crescimento divulgação, por parte da República Popular da China, de sua cultura e, sobretudo, de sua Medicina Tradicional, estudantes de várias Faculdades Medicina passaram a se interessar pelo assunto, organizando uma reunião sobre acupuntura no ENEM (Encontro Nacional de Estudantes de Medicina) em Florianópolis (RS), em 1976. Na década de 1980, médicos brasileiros tiveram a oportunidade de visitar, estudar e estabelecer vínculos com instituições de ensino e pesquisa de Medicina Tradicional Chinesa. Em 1981, houve a implantação oficial do primeiro ambulatório de acupuntura em um serviço público de atenção à saúde, no Hospital Municipal Paulino Werneck, na Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1984 foi criada a Sociedade Médica Brasileira de Acupuntura (SMBA). Em 1996 o Governo Federal publicou a Resolução nº 5/88, que fixou normas e diretrizes para a implantação dos atendimentos em acupuntura nos serviços públicos de assistência. Em 1922 a acupuntura foi reconhecida como ato médico pelo Conselho Federal de Medicina. (CFM) que, em 1995, a reconheceu também como especialidade médica. Em 2006 o Ministério da Saúde publicou a Portaria 971, que cria a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no Sistema Único de Saúde (SUS), autorizando a utilização da acupuntura e outras terapias alternativas nos tratamentos do SUS.