Introduzindo as Novas Idéias que Ligam Espécies, Indivíduos e

Propaganda
Simpósio
Asespécies
Introduzindo as Novas Idéias que Ligam Espécies,
Indivíduos e Comunidades e sua Importância na
Preservação da Biodiversidade e na Dinâmica dos
Ecossistemas Florestais
Sergiu5 Gandolfi
Desde seus primórdios, a Ecologia
se ocupou em definir e entender natureza das comunidades vegetais, e para
tanto buscou descrever a composição,
estrutura, diversidade, variação espacial, e os processos que levam ao surgimento, evolução e permanência desses
sistemas ecológicos (Clements 1905;
Warming 1909; van der MaareI2005).
Por todo o século XX, e ainda hoje,
persiste o debate que procura estabelecer a natureza das comunidades vegetais e das relações entre as espécies
que a compõem, em especial, tentando
entender se as comunidades maduras
apresentavam uma composição estável e característica, e qual seria o grau
efetivo de dependência entre as espécies
que coexistem numa comunidade vegetal (Clements 1916;Gleason 1939;Watt
1947; Connell, & Slatyer 1977; Finegan
1987; Pickett & Cadenasso 2005).
De maneira semelhante grande tem
sido o esforço para se compreender
porque alguns ecossistemas são muito ricos em espécies e qual, ou quais
seriam os mecanismos capazes de
permitir a coexistência de tantas espécies num mesmo local (Palmer 1994).
Nesse contexto, as florestas tropicais
e subtropicais, estando entre os ecossistemas de maior biodiversidade, tem
sido importantes objetos de pesquisa
(Chesson2000;Wright 2002).
os indivíduos
e o dinâmica de
comunidades
florestais
I
Além da clara importância teórica que todo esses debates tem para a
estruturação do conhecimento ecológico, eles apresentam também uma importância prática, pois eles são críticos
para o estabelecimento de alternativas
efetivas de conservação de comunidades e ecossistemas. Assim, importantes
questões práticas dependem das visões que emergem desses debates, por
exemplo, a perda de algumas espécies
pode comprometer a persistência de
uma comunidade vegetal? A invasão
de espécies exóticas pode mudar significativamente comunidades vegetais?
Nas tentativas de reconstrução de comunidades vegetais é preciso introduzir um conjunto definido espécies, ou
ao contrário, a mera combinação aleatória de espécies resulta numa comunidade vegetal persistente?
A contínua expansão da degradação ambiental e as perspectivas
sombrias de uma grande perda de
espécies e destruição de ecossistemas,
decorrentes da perspectiva de mudanças climáticas bruscas, tornaram
a compreensão da dinâmica dos ecossistemas, e do papel da biodiversidade
neles um tema fundamental.
Seria toda a biodiversidade presente nas comunidades ricas em espécies
realmente necessária para manutenção
desses ecossistemas?
I Depanamento
de Ciências Biológicas. Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São PauloCaixa Postal: 9 - CEPo 13418-900, Piracicaba, São Paulo. sgandolf@>esalq.usp.br
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Simpósios
Fatos como a existência de comu-
As espécies,
os indivíduos
e o dinômico
comunidades
florestais
de
nidades permanentes e funcionais que
apresentam naturalmente baixa diversidade, foram apontados como evidências de que talvez a alta diversidade de
espécies não fosse um componente crítico ao funcionamento de ecossistemas
naturais, e, portanto, a perda de parte
dessa diversidade, decorrente da ação
antrópica, devesse ser considerada com
menor rigor (Grime 1997).
Se a compreensão do papel de
cada espécie sempre foi relevante nos
estudos de ecologia de comunidades,
o mesmo não ocorreu em relação à
ecologia de ecossistemas, onde o papel
de agrupamentos de espécies (p.ex.,
herbívoros, consumidores, etc.) na
dinâmica dos fluxos, ciclos, ou na estabilidade do ecossistema sempre teve
preferência em relação à discussão do
papel de cada espécie isoladamente.
Há mais de vinte anos iniciouse um debate tentando relacionar a
biodiversidade à dinâmica dos ecossistemas (p. ex., Baskin 1994) De um
lado alguns autores viam cada espécie
como tendo um papel fundamental no
ecossistema e, portanto a perda de cada
uma, ainda que em pequena proporção, contribuiria para uma eventual
desestruturação do ecossistema (Rivetpooper hypothesis), de outro, autores
consideravam que nem todas as espécies eram efetivamente fundamentais
(Redundancy hypothesis), mas seria
fundamental dar preferência à preservação daquelas que não podiam ser
substituídas em função do papel que
exerciam no funcionamento do ecossistema (Erlich & Erlich 1981; Walker
1992; Erlich & Walker 1998).
Nessa discussão cedo se percebeu
que não necessariamente é o número de espécies em si, mas sim a diversidade de comportamentos
das
espécies presentes, quem pode estar
488
explicando certas relações entre a
biodiversidade e o funcionamento
dos ecossistemas, o que aumentou na
literatura a ênfase na definição e discussão sobre grupos funcionais.
Embora essa discussão a sobre a
perda aleatória de algumas espécies
seja relevante não se pode perder de
perspectiva que a forma mais comum
de perda de biodiversidade, e da funcionalidade de ecossistemas naturais
resulta primeiramente da degradação,
ou desaparecimento integral de habitats e não de espécies isoladas.
Essas questões por suas vez estão
ligadas à discussão sobre o grau de
dependência existente entre as espécies que coexistem numa comunidade
vegetal, que historicamente alternou
entre a idéia de uma grande dependência (Clements 1916), ou de uma
total independência (Gleason 1939).
Todavia, já há muito tempo Watt
(1964) propôs que ambas alternativas
talvez não fossem mutuamente excludentes, e que talvez essa dependência
fosse determinada pela presença, ou
não de espécies dominantes ecológicas na comunidade considerada.
Entre as décadas de 70 e 90 a estruturação das comunidades foi encarada como sendo, basicamente, o
resultado de interações competitivas
e ou tróficas, mas na década de 90 as
idéias propostas por Jones et al.( 1997),
introduziram um importante novo
componente nessa discussão. Esses
autores chamaram a atenção para o
fato, de que os organismos vivos agem
no ambiente como "engenheiros físicos do ecossistema", pois assim como
se observa mais facilmente em espécies como corais e castores, qualquer
espécie pela sua existência, comportamento, ou simples desenvolvimento,
pode manter, alterar ou criar novos
habitats. Mais ainda, e muito impor-
Sim
tante, os efeitos dessa "engenharia"
acabariam favorecendo ou desfavorecendo a existência de outras espécies, contribuindo dessa forma para
a estruturação da comunidade, sem
que essa "engenharia" corresponda a
interações tróficas ou competitivas.
Esse princípio pode ser visto também nas florestas, onde cada árvore
do dossel modifica sob sua copa, o regime de luz (Montgomery & Chazdon
2002), a composição química do solo
(Zinke 1962; Binkely 1995), a composição, estrutura e decomposição da
serapilheira (Denslow 1996; Wardle &
Lavelle 1997), determina a presença
de compostos aleloquímicos (Lodui
1977), controlando ou criando, conseqüentemente, de forma positiva ou
negativa, a chuva de sementes (Parrota, 1995), a predação de sementes no
solo (Cintra 1997), a germinação do
banco local (Metcalfe. &Turner 1998),
a ação de patógenos sobre plântulas
(Augspuerger 1984), etc.
Recentemente Gandolti et aI.
(2007), estenderam as conseqüências
das idéias de Watt (1994) e Jones et aI.
(1997), ao propor que cada espécie do
dossel das florestas tropicais e subtropie ais, devido a sua longa persistência
num determinado local, poderia criar
microsítios específicos sob sua copa,
que funcionariam como filtros para
aquelas espécies que tentam regenerar
sob elas. Assim, cada espécie do dossel
poderia apresentar níveis variados de
permeabilidade ou impermeabilidade
em relação as várias espécies vegetais
da floresta, podendo parcialmente determinar a composição e estrutura da
comunidade de plantas sob a projeção da sua copa. De acordo com essa
proposição a biodiversidade presente
e futura da comunidade de plantas da
floresta poderia estar sendo parcialmente determinada pela estrutura atu-
ai da comunidade de árvores do dossel
(efeito de filtro).
Embora esse modelo dependa
ainda de comprovação, ele reforça a
importância do papel diferencial que
as espécies podem ter numa comunidade e ecossistema florestais, pois esse
modelo não só estabelece uma possível relação entre as espécies do dossel
e a biodiversidade da floresta, como
um provável efeito da composição e
estrutura do dossel, nas carcterísticas
superficiais do solo, na produção e
decomposição de serapilheira, e conseqüentemente em processos como a
ciclagem de nutrientes.
Todos esses aspectos aqui tratados
rapidamente têm relevância para aqueles que estudam as florestas brasileiras
e se preocupam com sua preservação,
manejo e recuperação.
Embora o presente simpósio não
pretenda resolver ou discutir todo esse
amplo leque de questões, ao discutir
dados e estudos realizados nas florestas brasileiras sobre a fenologia, a alelopatia, e a interação entre as espécies
do dossel e do sub-bosque, cria uma
oportunidade importante para que se
possa realçar o papel de cada indivíduo
e espécie na dinâmica das comunidades florestais, contribuindo para uma
melhor compreensão da importância
da biodiversidade que todos gostaríamos de preservar.
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Editoração
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Revisão
Vera Severo
CTP,Impressão e Acabamento
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo
Ficha Catalográfica elaborada pela
Seção de Biblioteca do Instituto de Botânica
Barbosa, L.M.; Santos Junior, N.A. dos, orgs. B238a
A botânica no Brasil: pesquisa, ensino e políticas públicas
ambientais / Luiz Mauro Barbosa; Nelson Augusto dos Santos
Junior -- São Paulo, Sociedade Botânica do Brasil, 2007.
680p.
ISBN978-85-60428-01-4
I. Botânica. 2. Meio Ambiente. I. Título
CDU 58
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