XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro. DIROFILARIOSE CANINA: RELATO DE CASO Juliana de Lima Pimentel1, Marco Antônio Granja Barbosa2, Moisés Tenório Férrer3, Saruanna Millena dos Santos Clemente4, José Wilton Pinheiro Júnior5 Introdução A dirofilariose canina, conhecida como “doença do verme do coração’’ é uma antropozoonose emergente, de caráter crônico causada por um nematódeo do gênero Dirofilaria, espécie D. immitis (Almosny, 2002), sendo este o filarídeo mais importante que parasita animais domésticos na América do Norte (Bowman et al., 2006). A doença possui distribuição cosmopolita e geralmente se limita às áreas de trópicos (Meyer et al., 1994) já que há presença de vetores nestas localidades, devido ao clima temperado (Mupanomunda et al., 1997). No Brasil a dirofilariose é enzoótica, estima-se que a prevalência nacional, para cães microfilarêmicos até o ano de 2005, seja de 10,2% e 9,1% de cães com antígenos circulantes (Barbosa; Alves, 2006). Os hospedeiros naturais e reservatórios principais de D. immitis são os canídeos, tanto domésticos como silvestres, também pode acometer outros mamíferos, como gatos, leões marinhos, furões (Kittleson; Kienle, 1998) e o homem (Silva; Langoni, 2009). Dentre outros hospedeiros que são considerados pouco usuais estão à lontra, tigre, jaguar e leopardo, foca, castor, equino, panda vermelho, macaco rhesus e coelho (Almosny, 2002). A transmissão ocorre quando o mosquito se alimenta do sangue de um cão com D. immitis (Ahid; Oliveira, 1999), as microfilárias seguem para o estômago do mosquito e evoluem nele para o estágio L3, neste momento já podem infectar outros cães e outros mamíferos, quando ocorrer o repasto sanguíneo (Dillon, 2013; Simón et al., 2007; UCD, 2013). Alguns dos vetores transmissores que se destacam são os dos gêneros Aedes, Anopheles, Culex, Coquillettidia, Mansonia, Ochlerotatus e Psorophora (Serrão et al., 2001). Considerando que a dirofilariose canina é a principal cardiopatia parasitária em cães que durante muito tempo permaneceu com baixas prevalências e nos últimos anos tem surgido com muita frequência na rotina clínica, objetivouse com este trabalho descrever um caso clínico de dirofilariose canina, atendido no Hospital Veterinário Harmonia, em Recife, estado de Pernambuco. Material e métodos Um animal, da espécie canina, Chihuahua, macho, 9 anos de idade, com peso de 1,5kg e identificado com o nome de Nicolau, residente de Gaibú, Pernambuco, região litorânea, foi encaminhado para o Hospital Veterinário Harmonia (HVH), Recife – PE, no dia 07 de junho de 2013. O tutor procurou ajuda médica devido a uma ferida que surgiu na região mandibular do animal, segundo o mesmo, esta teria surgido no dia anterior à consulta. O tutor já havia procurado os serviços do HVH em fevereiro de 2013, com a queixa de emagrecimento progressivo. Nesta visita alguns exames foram solicitados: teste sorológico para Leishmaniose, hemograma e teste bioquímico. Foi pedido que o animal retornasse, porém isto não ocorreu, tendo apenas retornado no dia 07 de julho do mesmo ano, com a queixa citada anteriormente. Ao exame físico, do dia 07 de junho de 2013, o animal apresentava-se desidratado, caquético, com mucosas pálidas, tempo de perfusão capilar maior que 2 segundos (TPC), a temperatura ao chegar ao local foi de 38,6°C, frequência cardíaca de 100 batimentos por minutos, frequência respiratória de 60 movimentos por minuto. Não apresentava diarreia nem vômito. O animal se apresentava tranquilo. Neste dia o animal foi internado no hospital, e foram solicitados alguns exames complementares, tais como: hemograma, teste SNAP® 4Dx® Plus (IDEXX Laboratórios) exame bioquímico e a ultrassonografia abdominal quando se teve o resultado do teste SNAP. Resultados e Discussão A queixa principal do tutor em relação ao animal era uma ferida que aparecera na mandíbula do animal, esta teria surgido no dia anterior à consulta. Mas ao exame físico do animal, este se apresentava desidratado, caquético, com mucosas pálidas, tempo de perfusão capilar maior que 2 segundos (TPC), a temperatura ao chegar ao hospital foi de 38,6°C, frequência cardíaca de 100 batimentos por minutos, frequência respiratória de 60 movimentos por minuto. 1 Primeiro Autor é graduando de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Garanhuns (UFRPE/UAG), Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE. CEP 55.296-901. E-mail: [email protected] 2 Segundo autor é Médico Veterinário do Hospital Veterinário Harmonia, Recife-PE. Doutor em Ciência Veterinária pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. 3 Terceiro autor é Médico Veterinário da Prefeitura Municipal de Canapi – A 4 Quarto autor é graduando de Medicina Veterinária da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Garanhuns (UFRPE/UAG), Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE. CEP 55.296-901. 5 Quinto autor é Professor Adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco, Unidade Acadêmica de Garanhuns (UFRPE/UAG), Av. Bom Pastor, s/n, Boa Vista, Garanhuns, PE. CEP 55.296-901 XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro. Devido ao estado de desidratação, foi colocado para receber soro (ringer com lactato). Como observado, o quadro não se mostra característico da doença exceto pela má condição corpórea, mucosa pálida e pelo tempo de perfusão capilar aumentado, que são indicativos, porém inespecíficos. Segundo Atkins (2005), a maioria dos casos é assintomática. A partir do exame físico do animal, ao notar suas mucosas pálidas foi possível avaliar melhor o animal pelos exames laboratoriais, onde se detectou a necessidade de transfusão sanguínea na noite do dia que chegou e suspeitou-se da dirofilariose canina, diagnóstico confirmado pelos demais exames solicitados: teste SNAP® 4Dx® Plus e ecodopplercardiografia. O resultado do exame SNAP® 4Dx® Plus foi positivo para Dirofilaria immitis e Erlichia canis. Na ultrassonografia abdominal, foi identificada hepatomegalia e discreta hiperplasia prostática cística. O animal atendido era da espécie canina, Chihuahua, macho, 9 anos de idade e apresentava dirofilariose canina causada por Dirofilaria immitis. Em estudo relatado por Almeida et al. (2001), os maiores percentuais encontrados de amostras positivas foram em cães com idade de seis a dez anos de idade, similar a idade do paciente estudado que possuía nove anos de idade. Souza et al. (1997), verificaram em investigação, que o parasitismo é maior em machos. Esta variável se relaciona com o acesso às ruas, normalmente cães machos têm mais acesso à rua. Ao analisar o hemograma, do dia 07/06, foi possível verificar anemia macrocítica, anisocitose, intenso rouleaux eritrocitário, hiperproteinemia, trombocitopenia. A amostra foi negativa para hematozoários e havia presença de microfilárias. No hemograma do dia 10 de junho de 2013 observou-se anemia macrocítica normocromica, anisocitose, rouleaux eritrocitário, neutrofilia relativa, linfopenia, aneosinofilia, hiperproteinemia e trombocitopenia. No hemograma do dia 12 de junho de 2013, observou-se anemia normocítica normocrômica, neutrofilia relativa, aneosinofilia e hiperproteineimia. O paciente apresentou, no exame bioquímico do dia 07 de junho de 2013, aumento de creatinina e discreta diminuição da ureia, ao bioquímico do dia 08 de junho de 2013, apresentou fosfatase alcalina (FA) aumentada e transaminase pirúvica (ALT) normal. Analisando o hemograma do paciente foi possível verificar que este possuía uma anemia regenerativa visto que era macrocítica, indicando células jovens na circulação, bem como a anisocitose que é a heterogeneidade do tamanho dos eritrócitos, que demonstra a presença de células imaturas sendo lançadas para o organismo do animal para tentar reverter o quadro de anemia. Segundo Meyer et al. (1995) e Almosny (2002), a anemia como consequência de parasitismo, apresenta-se como uma anemia regenerativa. Da mesma maneira Nelson e Couto (2010), relatam que uma discreta anemia regenerativa pode aparecer como resultado de hemólise. Segundo Menezes (1998), as alterações hematológicas mais observadas são a anemia normocitica normocrômica, leucocitose com neutrofilia, basofilia, eosinofilia e coagulação intravascular disseminada, concordando com alguns dos achados do presente caso. Tal como ocorreu trombocitopenia nos hemogramas dos dias 07 e 10 de junho de 2013, Atkins (2010) trata desta alteração, relatando que pode ocorrer nos casos crônicos da enfermidade. A trombocitopenia aparece como resultado do consumo plaquetário pelo sistema arterial pulmonar (Nelson; Couto, 2010). Esta alteração também pode estar associada à erliquiose, pois o animal também obteve resultado positivo para Erlichia canis, onde uma das alterações que mais ocorre ao hemograma, segundo Almosny (2002), é a trombocitopenia. Quanto à presença das hemácias em rouleaux, ocorre devido ao aumento de concentração de proteínas sanguíneas (Hendrix, 2002), como se sabe que havia hiperproteinemia, tal alteração pode ser explicada por este achado. O paciente apresentou, no exame bioquímico do dia 07 de junho de 2013, discreta diminuição de creatinina e aumento da ureia, ao bioquímico do dia 08 de junho de 2013, apresentou fosfatase alcalina (FA) aumentada e transaminase pirúvica (ALT) normal, concordando com o que Niwetpathomwat et al. (2007) confirmam, que nos cães infectados ocorre aumento do nível de fosfatase alcalina, alanina aminotransferase (ALT) e aspartato transaminase (AST). No caso da alanina aminotransferase (ou transaminase pirúvica) ter sido dentro dos valores normais pode-se atribuir ao fato de que em casos de doenças crônicas esta enzima pode se mostrar sem alteração, segundo Meyer (2003), ou ligeiramente aumentadas. O aumento só ocorre em casos em que exista uma lesão aguda no órgão, fato não observado visto que ao exame de ultrassonografia abdominal o fígado do paciente se mostrou aumentado, porém com ecotextura homogênea, ecogenicidade do parênquima preservada e com o calibre dos vasos normais. No caso da ureia aumentada, pode ter sido devido à desidratação que o animal possuía e também por este possuir doença cardiovascular (Meyer, 1995). No dia seguinte à sua chegada, 08 de junho de 2013, o animal se mostrou um pouco mais ativo após a transfusão, comeu bem e urinou em bom volume. O ferimento que apresentava no queixo drenou secreção piossanguinolenta, sendo já feita a antissepsia e curativo utilizando a pomada contendo alantoína. Neste mesmo dia, o animal foi levado para refazer o exame ecodopplercardiografia que confirmou a presença de grande quantidade de dirofilárias no coração e artéria pulmonar e onde foi possível avaliar a gravidade da doença. Na ecodopplercardiografia alguns parâmetros foram observados, tais como a artéria pulmonar com diâmetro aumentado, presença de imagem linear e ecogênica sugerindo parasitos adultos de Dirofilaria immitis, em tronco pulmonar direito e esquerdo. O tratamento teve início no dia 07 de junho. Foi realizada transfusão sanguínea, fluidoterapia (100ml de ringer com lactato por dia), doxiciclina 10mg/kg, intravenoso (IV), diluído, lento, duas vezes ao dia (BID), cloridrato de ranitidina 2mg/kg, subcutâneo (SC), três vezes ao dia (TID) e prednisolona 1,7mg/kg, via oral (VO), duas vezes ao dia (BID). O animal foi colocado em jejum à tarde para realização de exame bioquímico no dia seguinte. A doxiciclina, cloridrato de ranitidina e prednisolona foram administrados na mesma posologia durante os oito dias de tratamento. A partir do segundo dia foi incluído 0,5ml/kg, via oral, de Nutração®, que foi administrado até o último dia. A fluidoterapia foi mantida até o dia 10 de junho (4 dias), sendo repetida na mesma quantidade no 6º dia após o início do XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO – JEPEX 2013 – UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro. tratamento. Nos dias 13 e 14 de junho (dois últimos dias do tratamento), foi acrescentado Hemolitan® (0,13ml/kg, via oral, duas vezes ao dia). A alta médica ocorreu dia 14 de junho, oito dias após dar entrada no hospital, com melhora clínica do animal e dispondo de novo protocolo de medicação por via oral, o qual o proprietário afirmou seguir. Como medicação oral, para uso em domicílio, foi prescrito doxiciclina10mg/kg, duas vezes ao dia, por 20 dias, cloridrato de ranitidina, 2,5mg/kg, duas vezes ao dia. Prednisolona, 1,7mg/kg, duas vezes ao dia, por 7 dias. Em seguida esta dose a cada 24 horas por mais sete dias logo depois a mesma dose em dias alternados. Nutração®, 0,5ml/kg, duas vezes ao dia. Hemolitan Gold®, 0,13ml/kg, duas vezes ao dia, 30 dias. Além disso, foi solicitado que retornassem com o animal semanalmente para reavaliação hematológica e ecocardiográfica. Os tutores não retornaram com o animal e eles apenas informaram semanas depois que o animal veio a óbito no dia 10/06/2013. Sendo a dirofilariose canina uma doença grave, de ocorrência mundial, que está presente na região onde ocorreu o caso de estudo é necessária uma maior atenção para o controle e profilaxia nos cães da localidade com o objetivo de diminuir a frequência nos cães e consequentemente à ocorrência em humanos. Referências Ahid, S.M.M.; Oliveira, R. L. Mosquitos vetores potenciais de dirofilariose canina na região Nordeste do Brasil. Revista de Saúde Pública, v.33, p.560-565, 1999. Disponível em: <http://www.scielosp.org/ s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d = S 0 0 3 4 - 89101999000600007&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 25 jul. 2013. Almeida, M.AO et al. Parasitismo de cães por microfilárias de Dirofilaria immitis: influência da raça, sexo e idade Revista Brasileira de Saúde e Produção Animal, v.2, n.3, p.59-64, 2001. Almosny, N.R.P. Hemoparasitoses em pequenos animais domésticos e como zoonoses. Rio de Janeiro: L.F. Livros de Veterinária. 2002. p.112-126. 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