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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE
LINGUAGEM
MIRIÃ DE OLIVEIRA FERREIRA
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
OBJETO DE CONHECIMENTO E ENSINO
CUIABÁ-MT
2012
MIRIÃ DE OLIVEIRA FERREIRA
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
OBJETO DE CONHECIMENTO E ENSINO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Estudos de Linguagem do
Instituto de Linguagens – Mestrado da
Universidade Federal de Mato Grosso, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Estudos de Linguagem, sob a
orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Inês Pagliarini
Cox.
CUIABÁ-MT
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte
F383c
Ferreira, Miriã de Oliveira.
A concordância verbal no Português: objeto de conhecimento e ensino / Miriã
de Oliveira Ferreira. -- 2012.
viii, 136 f. ; 30 cm (inclui tabelas)
Orientador: Profª. Drª Maria Inês Pagliarini.
Dissertação (mestrado) -- Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de
Linguagens. Programa de Pós-Graduação em Linguagens, 2012.
Bibliografia: f. 133-136
1.Ensino médio privado. 2. Língua portuguesa - apostilas. 3. Concepção de
línguas. 4. Concordância verbal. I. Título.
CDU 811.134.3
Catalogação na fonte: Maurício S.de Oliveira CRB/1-1860.
iii
iv
Para Wander,
Daltro e Rosa.
v
AGRADECIMENTOS
A DEUS.
À professora Maria Inês pelo trabalho a quatro mãos nesta dissertação.
Ao MEEL (professores, colegas, funcionários) por sempre encontrar ajuda
quando precisei.
À agência CAPES pelo auxílio financeiro.
Aos meus pais por verem em mim além do que eu posso ver.
Ao meu esposo pela admiração, paciência, compreensão e ânimo em tempo
integral.
A todos que me ajudaram de alguma forma na concepção deste trabalho.
vi
- Mostrengo ou monstrengo, vovó? – quis saber Pedrinho.
Vejo esta palavra escrita de dois jeitos.
- Os gramáticos querem que seja mostrengo – coisa de
mostrar: mas o povo acha melhor monstrengo – coisa
monstruosa, e vai mudando. Por mais que os gramáticos
insistam na forma “mostrengo”, o povo diz “monstrengo”
- E quem vai ganhar esta corrida, vovó?
- Está claro que o povo, meu filho. Os gramáticos
acabarão se cansando de insistir no “mostrengo” e se
resignarão ao “monstrengo”.
(Monteiro Lobato, Fábulas)
vii
A
CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA: OBJETO DE
CONHECIMENTO E ENSINO.
RESUMO: No presente estudo, investiga-se a relação do material didático, ou seja, das
apostilas utilizadas no terceiro ano de uma grande escola privada de ensino médio na
cidade de Cuiabá-MT, com as políticas linguísticas favoráveis à concepção do
português como uma língua plural. A fim de operacionalizar o estudo, será focalizada a
abordagem da concordância verbal (CV). A escolha da concordância verbal deve-se ao
fato de ela ser um terreno de constante fricção entre a norma culta e a norma popular e,
portanto, um campo propício à aplicação dos conhecimentos sociolinguísticos,
nucleares ao novo paradigma de ensino. O estudo revisita a tradição gramatical,
responsável pela produção e reprodução do discurso purista acerca das normas de CV.
Revisita também os estudos sociolinguísticos, responsáveis pelo discurso variacionista
acerca das normas de CV. Faz um levantamento dos usos da CV por alunos do terceiro
ano a partir de produções escritas por eles. E finalmente realiza uma análise do
tratamento dispensado à CV pelas apostilas usadas pelos alunos que escreveram as
redações analisadas. Metodologicamente, o projeto envolve três tipos de pesquisa:
pesquisa bibliográfica no campo da tradição gramatical e da sociolinguística para
cartografar os estudos sobre o tema, com a finalidade de realizar um contraponto entre
as normas “ideais” e “reais” de CV no português e caracterizar o fenômeno como
variável e não categórico; pesquisa sociolinguística de produções escritas de alunos do
ensino médio para apreensão das normas de CV habitualmente usadas por eles, norma
no sentido daquilo que é ‘normal’ e não no sentido ‘normativo’; e pesquisa de arquivo
das seções e questões das apostilas que tratam da CV, para avaliar o posicionamento
ideológico-discursivo que as atravessam. Pretende-se que o estudo contribua para a
promoção de uma educação linguística que forme cidadãos livres de quaisquer
preconceitos linguísticos e competentes para usar a língua em quaisquer circunstâncias.
PALAVRAS-CHAVE: ensino médio privado; apostilas de língua portuguesa;
concepção de língua; concordância verbal
viii
THE VERB AGREEMENT IN THE
KNOWLEDGE AND TEACHING.
PORTUGUESE
LANGUAGE: OBJECT OF
ABSTRACT: In this study, it is investigated the relation of the teaching material, that
is, the study guides used in the 12th grade of a big private high school in Cuiabá-MT,
with the linguistic policies favorable to the conception of Portuguese as a plural
language. In order to make this study possible, the verb agreement (VA) approach will
be focused on. The choice of the verb agreement is due to the fact that it is an area of
constant friction between the standard norm and non-standard norm and, therefore an
appropriate field to the application of sociolinguistic knowledge, nuclear to the new
teaching paradigm. The study revisits the grammatical tradition, responsible for the
production and reproduction of the purist discourse about the VA norms. It also revisits
the sociolinguistic studies, responsible for the variationist discourse about the VA
norms. A survey of the use of VA by twelfth grade students from their written
production is done. And finally, an analysis of the treatment given to VA by the study
guides used by the students who wrote the compositions that were analyzed is carried
out. Methodologically, the project involves three types of research: bibliographic
research in the field of grammatical tradition and sociolinguistics to map the studies on
the theme, aiming at making a counterpoint between the “ideal” and “real” norms of de
VA in Portuguese and characterizing the phenomenon as variable and non categorical;
sociolinguistic research of the written production of the high school students to
apprehend the VA norm commonly used by them, a norm in the sense of what is
‘normal’ and not in the ‘normative’ sense; and archival research of the sections and
issues of the portuguese language study guides that address the VA, in order to evaluate
their ideological-discursive positioning. The aim of this study is to contribute to a
linguistic education that will prepare citizens free from any linguistic prejudice and
competent to use the language in any circumstances.
KEYWORDS: private high school; portuguese language study guide; conception of
language; verb agreement
ix
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
P. 20
ESTUDOS GRAMATICAIS DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XIX
1.1. Fernão de Oliveira e João de Barros
1.2. Antoine Arnault e Claude Lancelot
1.3. Jeronymo Soares Barboza
1.4. Júlio Ribeiro
1.5. João Ribeiro
CAPÍTULO 2
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
ESTUDOS GRAMATICAIS DO SÉCULO XX
2.1. Eduardo Carlos Pereira
2.2. Said Ali
CAPÍTULO 3
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
P. 20
P. 23
P. 26
P. 29
P. 32
P. 38
P. 38
P.46
P. 54
ESTUDOS GRAMATICAIS CONTEMPORÂNEOS
3.1. Carlos Henrique da Rocha Lima
3.2. Evanildo Bechara
3.3. Celso Cunha e Lindley Cintra
3.4. Paralelo entre Evanildo Bechara, Rocha Lima e Celso Cunha e Lindley
Cintra
CAPÍTULO 4
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
P. 54
P. 57
P. 60
P. 62
P. 77
ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS
4.1. A virada sociolinguística
4.2. Estudos sociolinguísticos e dialetológicos acerca da concordância verbal
4.2.1. Concordância verbal variável – um traço do português europeu
4.2.2. Concordância verbal variável – o caso brasileiro.
CAPÍTULO 5
A CONCORDÂNCIA VERBAL EM PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO 3º
ANO DO ENSINO MÉDIO DE UMA ESCOLA PRIVADA EM CUIABÁ
5.1. Sujeito anteposto e contíguo ao verbo
5.2. Sujeito anteposto, mas não contíguo ao verbo
5.3. Sujeito anteposto – pronome relativo
5.4. Sujeito posposto, simples ou composto
5.5. Sujeito simples de estrutura complexa
5.6 Paralelismo formal oracional
5.7 Saliência gráfica
5.8 Concordância ideológica
CAPÍTULO 6
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA EM APOSTILAS DO
TERCEIRO ANO DO COLÉGIO X
P. 77
P. 81
P. 82
P. 86
P. 103
P. 104
P. 106
P. 108
P. 111
P. 112
P. 114
P. 116
P. 117
P. 120
x
6.1 A concepção de língua subjacente ao tratamento da concordância verbal
6.2 A posição sociolinguística como eufemismo
6.3 A posição gramatical sem disfarce
6.4 Contraponto entre o presente estudo e estudos sobre CV no livro didático
P. 121
P. 125
P. 129
P. 132
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
P. 135
P. 142
11
INTRODUÇÃO
Após quase meio século da introdução da sociolinguística nos currículos dos
programas de pós-graduação stricto sensu em Linguística no Brasil, nota-se uma efetiva
expansão da concepção de que toda língua viva varia e muda. Essa concepção atingiu,
inclusive, a esfera dos documentos oficiais que norteiam o ensino de língua portuguesa
na escola básica. Diante dos conhecimentos produzidos pela sociolinguística, a milenar
ideologia purista que significa a língua como absolutamente una, homogênea, invariável
e imutável teve de se haver com uma ideologia relativista que significa a língua como
plural, heterogênea, variável e mutável. Embora essa última perturbe a ordem purista,
está longe de desbancá-la. Contemporaneamente, assiste-se, na cena pública, a um
verdadeiro duelo entre os que falam interpelados pelo purismo gramatical e os que
falam interpelados pelo relativismo sociolinguístico.
Recentemente, esse embate de posições ideológicas acerca do português foi
tema da mídia brasileira por mais de um mês. Refere-se aqui ao recente episódio do
livro didático de língua portuguesa, da coleção Por uma vida melhor (distribuído
gratuitamente pelo MEC aos estudantes da Educação de Jovens e Adultos - EJA),
esconjurado pela opinião pública leiga, incluindo jornalistas, colunistas, artistas e
políticos, por supostamente encorajar o uso de formas erradas, mais precisamente, o uso
de frases sem concordância verbal e nominal. A polêmica começou em meados de maio,
quando, no programa matinal Bom Dia Brasil da rede Globo, o jornalista Alexandre
Garcia, em tom bombástico, informou que o MEC estava financiando livros didáticos
que fomentavam o uso do português errado. O jornalista aproveitou a ocasião para dizer
que o ensino de língua portuguesa de antigamente “preparava para vencer na vida”, pois
“era rígido e não aceitava o erro” como se faz agora. Argumentou que “quem for
nivelado por baixo terá a vida nivelada por baixo”. Disse, ainda, que, no Brasil, trata-se
com leniência os erros por medo de constranger o outro e faz-se o mesmo com a língua,
“aprova-se a palavra errada para não constranger os falantes”. Arrematando a fala do
jornalista, o professor Sérgio Nogueira afirmou que, ao se abolir o certo e o errado e ao
se considerar as variantes linguísticas como corretas, ‘a língua está sendo ameaçada”.
Os mais diversos setores da elite brasileira (e a elite se imagina falante da
norma padrão), escandalizados com fato de o MEC financiar, com dinheiro público,
obras com “erros de português”, começaram a se pronunciar sobre o episódio, sem ao
menos se dar ao trabalho de ir ao famigerado livro didático e ver o que realmente seus
12
autores afirmavam no trecho recortado que gerou a polêmica. Uma verdadeira legião de
pessoas públicas, frequentadoras da mídia, começou a criticar o livro e o MEC, com
base apenas no que ouvia/via, a falar de “orelhada”, por assim dizer. Então, os linguistas
e sociolinguistas saíram em cena para dar a sua versão dos fatos. A primeira providência
foi ir ao livro mesmo e recuperar o co-texto extirpado pelos críticos mal intencionados.
Veja-se o que se pode ler na seção destinada à concordância entre as palavras:
A concordância entre as palavras é uma importante característica da linguagem
escrita e oral. Ela é um dos princípios que ajudam na elaboração de orações
com significado, porque mostra a relação existente entre as palavras. Verifique
como isso funciona:
Alguns insetos provocam doenças, às vezes, fatais à população ribeirinha.
doenças (feminino, plural) <= fatais (feminino, plural)
população (feminino, singular) <= ribeirinha (feminino, singular)
As palavras centrais (insetos, doenças, população) são acompanhadas por outras
que esclarecem algo sobre elas. As palavras acompanhantes são escritas no
mesmo gênero (masculino/feminino) e no mesmo número (singular/plural) que
as palavras centrais. Essa relação ocorre na norma culta. Muitas vezes, na
norma popular, a concordância acontece de maneira diferente. Veja:
Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.
livro (masculino, singular) => os (masculino, plural)
ilustrado (masculino, singular)
interessante (masculino, singular)
emprestado (masculino, singular)
Você acha que o autor dessa frase se refere a um livro ou a mais de um livro?
Vejamos: O fato de haver a palavra os (plural) indica que se trata de mais de um
livro. Na variedade popular, basta que esse primeiro termo esteja no plural para
indicar mais de um referente. Reescrevendo a frase no padrão da norma culta,
teremos:
Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados.
Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar ‘os livro?’.” Claro que
pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de
ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que
não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta
como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto,
tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.
(AGUIAR, C. A. et alii. Por uma vida melhor. Coleção “Viver, Aprender”. São Paulo:
Editora Global, 2011, p. 14-16)
Trata-se, portanto, de um livro que segue os princípios da sociolinguística e
que busca ensinar a norma padrão do português como uma de suas muitas normas e não
13
como a única. Por essa razão, estabelece um contraste entre o funcionamento da
concordância na norma culta e na norma popular, provavelmente a que os alunos da
EJA dominam. Com essa comparação, equipara-se o status linguístico de uma e outra
norma, não se tratando, pois, de comparar o ‘certo’ com o ‘errado’, mas sim diferentes
normas.
O pivô da polêmica foi o trecho em que os enunciadores-autores simulam um
diálogo em que um suposto enunciador-aluno perguntaria: “Mas eu posso falar ‘os
livro?’”, obtendo como resposta dos primeiros: “Claro que pode”. Segundo os críticos
de ‘orelhada’, essa resposta representa um encorajamento ao uso da ‘forma errada’, pois
é assim que eles interpretam a norma popular. Porém, não leram o período seguinte
“MAS fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de
preconceito linguístico”, que começa com a conjunção ‘mas’, um conector que sinaliza
que o que segue é uma ideia adversa à que veio antes. Com esse período, os
enunciadores-autores iniciam uma discussão sobre o valor social das normas
linguísticas e sobre o preconceito linguístico. Embora do ponto de vista linguístico não
haja normas melhores e piores, certas ou erradas, do ponto de vista social elas são
avaliadas e algumas delas subavaliadas e estigmatizadas, gerando preconceito e, até
mesmo, exclusão social.
Dependendo da norma que alguém fale/escreva, ele terá maior ou menor
oportunidade de ingressar numa universidade pública, maior ou menor oportunidade de
pleitear uma profissão respeitada e bem remunerada, maior ou menor oportunidade de
disputar uma boa vaga no mercado de trabalho, maior ou menor oportunidade de ser
bem sucedido em concursos públicos para cargos nobres. Todos os sociolinguistas são
bem conscientes do estrago que a reclusão na norma popular pode fazer na vida de uma
pessoa, por isso jamais a encorajaram ou encorajariam. O que fazem é insistir que a
norma culta deve ser ensinada como mais uma norma e não como a norma que veio
para se impor em meio a uma desordem linguística. A palavra-chave é competência
comunicativa. O que a escola deve fazer com os alunos é desenvolver-lhes a
competência comunicativa, ou seja, torná-los capazes de usar a língua adequada às
circunstâncias em que são instados a falar/escrever, torná-los capazes de usar ‘os livro’
nas situações informais e de usar ‘os livros’ quando a situação exigir.
Esse episódio só serviu para confirmar a tese de que a mídia é impermeável ao
discurso da linguística, já discutida em outras ocasiões em que a publicação de fatos
semelhantes a esse gerou discussões tão calorosas quanto a anteriormente narrada.
14
Contudo, se na mídia a ideologia linguística relativista é rechaçada, na esfera
governamental, mais precisamente na esfera do Ministério de Educação - MEC, é
assumida e transformada em política linguística, ecoando em todos os documentos
oficiais publicados nas décadas de 1990 e 2000, inclusive nos livros didáticos adotados
pelo Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. Em relação ao ensino médio,
foram lançados os seguintes documentos: Parâmetros Curriculares do Ensino MédioPCNEM (2000), Parâmetros Curriculares do Ensino Médio + - PCNEM+ (2002),
Orientações Curriculares para o Ensino Médio-OCEM (2006) e Programa Nacional do
Livro para o Ensino Médio-PNLEM (2008), todos eles alinhados com a concepção
sociolinguística de língua como uma pluralidade de normas, como se pode observar nos
excertos seguintes:
PCNEM
O respeito à diversidade é o principal eixo da proposta e, para a área, não
poderia ser diferente: as indicações deste documento procurarão ser coerentes
com os princípios legais (PCNEM, 2000, p. 4).
PCNEM+
A norma culta, considerada como uma das variedades de maior prestígio
quando se trata de avaliar a competência interativa dos usuários de uma língua,
deve ter lugar garantido na escola, mas não pode ser a única privilegiada no
processo de conhecimento linguístico proporcionado ao aluno (PCNEM+,
2002, p. 76).
OCEM
Trata-se, especificamente, de promover o debate sobre o fato de que, se as
línguas variam no espaço e mudam ao longo do tempo, então o processo de
ensino e de aprendizagem de uma língua – nos diferentes estágios da
escolarização – não pode furtar-se a considerar tal fenômeno (OCEM, 2006, p.
19-20).
Essa concepção passou a pautar a análise dos livros didáticos inscritos no
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Entre os Princípios Gerais postos para o
ensino básico, o PNLD/2008 estabelece que o livro didático deve propiciar “o
desenvolvimento de atitudes, competências e habilidades envolvidas na compreensão da
variação linguística e no convívio com a diversidade dialetal, de forma a evitar o
preconceito e a valorizar as diferentes possibilidades de expressão linguística”. Além
disso, nos Preceitos Éticos postula que, para o desenvolvimento da ética necessária ao
convívio social e à construção da cidadania, o livro didático de português deve: “a) Não
veicular, nos textos e nas ilustrações, preconceitos que levem a discriminações de
15
qualquer tipo, especialmente no que diz respeito aos diferentes falares regionais e
sociais; b) Estimular o convívio social e a tolerância, abordando a diversidade da
experiência humana com respeito e interesse, inclusive no que se refere à diversidade
linguística; c) Colaborar para a construção da ética democrática e plural (formação de
atitudes e valores), sempre que questões éticas estiverem envolvidas nos textos e
ilustrações”. Já o item Reflexão sobre a língua e a linguagem e construção de
conhecimentos linguísticos, um dos Critérios Classificatórios, prevê que os conteúdos e
atividades propostos pelos livros didáticos devem: “a) Considerar e respeitar a
diversidade linguística, situando as variedades urbanas de prestígio nesse contexto”. E,
finalmente, o item referente ao Trabalho com a linguagem oral enfatiza que os livros
didáticos devem: “a) Valorizar e efetivamente trabalhar a variação e a heterogeneidade
linguísticas, introduzindo as normas associadas ao uso público formal da linguagem oral
sem, no entanto, menosprezar a diversidade dialetal e estilística; b) Explorar as
diferenças e semelhanças que se estabelecem entre as diversas formas da linguagem oral
e da escrita”. Considerados esses princípios e critérios, os autores de livros didáticos
que almejam a inclusão de suas coleções no PNLD não podem mais assumir a ideologia
purista e praticar um normativismo cego que age sob o imperativo categórico do certo e
do errado, renegando toda sorte de alteridade linguística.
Coroando a instituição em nível nacional dessa política linguística que deseja dar
direito de cidadania às diferentes vozes do português, o Exame Nacional do Ensino
Médio - ENEM também passa a levá-la em conta na elaboração das questões de língua
materna que constam do exame, como se pode observar na Questão 129 do ENEM2011, que contrapõe à hegemonia da norma única a pluralidade de normas:
QUESTÃO 129
Há certos usos consagrados na fala, e até mesmo na escrita, que, a depender do
estrato social e do nível de escolaridade do falante, são, sem dúvida, previsíveis.
Ocorrem até mesmo em falantes que dominam a variedade padrão, pois, na
verdade, revelam tendências existentes na língua em seu processo de mudança
que não podem ser bloqueadas em nome de um “ideal linguístico” que estaria
representado pelas regras da gramática normativa. Usos como ter por haver em
construções existenciais (tem muitos livros na estante), o do pronome objeto na
posição de sujeito (para mim fazer o trabalho), a não-concordância das passivas
com se (aluga-se casas) são indícios da existência, não de uma norma única,
mas de uma pluralidade de normas, entendida, mais uma vez, norma como
conjunto de hábitos linguísticos, sem implicar juízo de valor.(CALLOU, D.
Gramática, variação e normas. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. (orgs).Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007 (fragmento)).
16
Considerando a reflexão trazida no texto a respeito da multiplicidade do
discurso, verifica-se que
a) estudantes que não conhecem as diferenças entre língua escrita e língua
falada empregam, indistintamente, usos aceitos na conversa com amigos
quando vão elaborar um texto escrito.
b) falantes que dominam a variedade padrão do português do Brasil
demonstram usos que confirmam a diferença entre a norma idealizada e a
efetivamente praticada, mesmo por falantes mais escolarizados.
c) moradores de diversas regiões do país que enfrentam dificuldades ao se
expressar na escrita revelam a constante modificação das regras de empregos de
pronomes e os casos especiais de concordância.
d) pessoas que se julgam no direito de contrariar a gramática ensinada na escola
gostam de apresentar usos não aceitos socialmente para esconderem seu
desconhecimento da norma padrão.
e) usuários que desvendam os mistérios e sutilezas da língua portuguesa
empregam formas do verbo ter quando, na verdade, deveriam usar formas do
verbo haver, contrariando as regras gramaticais. (ENEM, 2011, Caderno
Amarelo, p.17)
Se as obras que integram o Catálogo do Programa Nacional do Livro Didático de
Língua Portuguesa para o Ensino Médio não podem mais ignorar os objetivos gerais
dessa etapa de escolaridade e as orientações curriculares em vigor, sob pena de não se
verem incluídas no lote das aquisições feitas anualmente pelo FNDE para distribuição
gratuita na rede pública de ensino, a mesma preocupação parece não ocorrer com as
apostilas. Circulando principalmente na rede privada de escolas de ensino médio, as
apostilas não passam por qualquer avaliação dos órgãos governamentais encarregados
da educação básica no país. Um primeiro contato com apostilas usadas atualmente em
escolas de ensino médio de Cuiabá-MT parece revelar que elas constituem um território
não alcançado pelo novo paradigma de ensino de língua portuguesa, um território onde
ainda circula o discurso do “certo” e do “errado” sem qualquer prurido, um discurso que
desconsidera e avalia negativamente as variedades linguísticas faladas pelos alunos. As
escolas privadas de ensino médio parecem constituir um mundo à parte daquele
vislumbrado pelas políticas linguísticas que ecoam como uma opção indigna àqueles
que cuidam da educação dos filhos das classes abastadas que se imaginam usuárias da
norma padrão.
Tendo esse cenário como pano de fundo, o presente estudo propõe-se a
investigar a relação do material didático, ou seja, das apostilas utilizadas por uma turma
de terceiro ano de uma grande escola privada de ensino médio na cidade de Cuiabá-MT,
com as políticas linguísticas governamentais postas em circulação pelos PCNEM,
PCNEM +, OCEM e PNLEM. A fim de operacionalizar o estudo, será focalizada a
17
abordagem da concordância verbal (CV) em apostilas do terceiro ano. A escolha da
concordância verbal deve-se ao fato de ela ser um terreno de constante fricção entre a
norma culta e a norma popular e, portanto, um campo propício à aplicação dos
conhecimentos sociolinguísticos. O estudo revisita a tradição gramatical, responsável
pela produção e reprodução do discurso purista acerca das normas de CV. Revisita
também os estudos sociolinguísticos, responsáveis pelo discurso variacionista acerca
das normas de CV. Faz um levantamento dos usos da CV por alunos do terceiro ano a
partir de produções escritas por eles. E finalmente realiza uma análise do tratamento
dispensado à CV pelas apostilas usadas pelos alunos que escreveram as redações
analisadas.
O estudo objetiva: 1) resenhar estudos sobre a CV realizados pela tradição
gramatical; 2) resenhar estudos sociolinguísticos sobre o tema “concordância verbal”; 3)
descrever e analisar, de acordo com os postulados da sociolinguística, os usos da
concordância verbal por alunos de ensino médio em sua produção escrita; 4) investigar
se, ao abordar as regras de concordância verbal conforme a norma padrão, as apostilas
postulam que o português é um conjunto de variedades linguísticas e que as variedades
faladas pelos alunos podem ser diferentes (nem piores e nem melhores) da ensinada na
escola; 5) investigar se os enunciadores que falam de concordância nas apostilas
dialogam com os enunciadores da sociolinguística e se há um embate entre eles; 6)
contribuir para o aprofundamento do debate entre aqueles que dizem a língua e aqueles
que ensinam a língua, de modo a ultrapassar a crítica rasa (de ambos os lados) que em
nada ajuda na solução da crise do ensino de português; 7) contribuir para a promoção de
uma educação linguística que forme cidadãos livres de quaisquer preconceitos
linguísticos e competentes para usar a língua em quaisquer circunstâncias.
Metodologicamente, o projeto envolve três tipos de pesquisa: pesquisa
bibliográfica no campo da tradição gramatical e da sociolinguística para cartografar os
estudos sobre o tema, com a finalidade de realizar um contraponto entre as normas
“ideais” e “reais” de CV no português e caracterizar o fenômeno como variável e não
categórico; pesquisa sociolinguística de produções escritas de alunos do ensino médio,
visando a apreensão das normas de CV habitualmente usadas por eles, norma no sentido
daquilo que é ‘normal’ e não no sentido ‘normativo’; e pesquisa de arquivo das seções e
questões das apostilas que tratam da CV para avaliar o posicionamento ideológicodiscursivo que as atravessam. Os resultados dessas pesquisas serão relatados em seis
capítulos.
18
No capítulo 1, pretende-se expor a posição da chamada gramática tradicional em
relação ao fenômeno da concordância verbal no português. Para tanto, retomar-se-ão
alguns gramáticos destacados na constituição da história das ideias linguísticas sobre o
português, no período compreendido entre os séculos XVI e XIX. Será dedicada uma
seção especial à Gramática Geral de Port-Royal, publicada em 1660, uma vez que ela, a
partir de sua existência, passa a balizar o tratamento da concordância em diversas
línguas, incluindo o português. Dos gramáticos da língua portuguesa desse longo
período, são aqui estudados Fernão de Oliveira (1536), João de Barros (1540),
Jeronymo Soares Barboza (1830), Julio Ribeiro (1881) e João Ribeiro (1887).
No Capítulo 2, serão resenhados estudos acerca da concordância verbal
realizados por gramáticos da língua portuguesa situados na primeira metade do século
XX, mais precisamente, Eduardo Carlos Pereira (1907) e Said Ali (1923). Certamente,
há outros gramáticos nesse período, porém, a escolha desses dois deve-se ao fato de eles
serem as grandes referências para Rocha Lima (1957), Evanildo Bechara (1961) e Celso
Cunha e Lindley Cintra (1970), matéria do terceiro capítulo.
No Capítulo 3, serão resenhados estudos acerca da concordância verbal
constantes de três gramáticas que circulam copiosamente na contemporaneidade:
Gramática Normativa da Língua Portuguesa de Rocha Lima (1957), Moderna
Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara (1961) e A Nova Gramática do Português
Contemporâneo de Celso Cunha e Lindley Cintra (1970). Foram escolhidas por serem
as gramáticas mais conhecidas e frequentadas tanto no escopo das Letras quanto do
ensino de língua portuguesa nos níveis fundamental e médio. Ensaiar-se-á uma análise,
ainda que mínima, do discurso gramatical no que tange à concordância verbal.
No capítulo 4, envereda-se pela sociolinguística e pela dialetologia, na medida
em que esta é solicitada pela primeira para fornecer argumentos à tese da arcaicidade
sobre a formação do português brasileiro. Apresentada ligeiramente a visada
sociolinguística da língua, focalizam-se, então, os estudos variacionistas sobre a
concordância verbal, com destaque para os trabalhos de Anthony Julius Naro e Maria
Marta Pereira Scherre, precursores da pesquisa orientada para essa temática e autores de
boa parte da bibliografia aqui resenhada. Além da bibliografia assinada por eles, foram
consultadas dissertações e teses que os tem como referência.
No capítulo 5, serão analisados os casos de variação na concordância verbal
que constam do corpus de enunciados reunidos para o presente estudo. Tais casos foram
extraídos de um conjunto de textos produzidos por alunos do terceiro ano do ensino
19
médio de uma escola da rede privada de ensino em Cuiabá. A opção por essa escola,
doravante Colégio X1, teve por base o desempenho de seus alunos no ENEM/2009, um
dos melhores no estado de Mato Grosso. O Colégio X localiza-se na região central de
Cuiabá e é frequentado principalmente por alunos oriundos de famílias com bom poder
aquisitivo e alto nível de escolaridade.
No capítulo 6, serão analisadas as apostilas utilizadas pelos alunos do terceiro
ano do Colégio X, uma do Sistema Positivo de Ensino e outra do Sistema COC de
Ensino. Será enfocada a abordagem da concordância verbal, como ela é tratada na
exposição do tema e nos exercícios formulados por elas ou selecionados de vestibulares
de outras IES do país, buscando-se apreender os discursos sobre a variação que tais
apostilas põem em circulação. Em um segundo momento, será feita uma comparação
entre as descobertas feitas por este estudo e aquelas de Rodrigues (2010) que pesquisou
temática semelhante em duas coleções de livros didáticos do ensino médio.
Na conclusão, faz-se uma síntese reflexiva, procurando-se articular todos os
momentos do estudo.
1
Usa-se a designação Colégio X para manter a instituição no anonimato.
20
CAPÍTULO 1
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA: ESTUDOS
GRAMATICAIS DO SÉCULO XVI AO SÉCULO XIX
Neste capítulo, pretende-se expor a posição da chamada gramática tradicional
em relação ao fenômeno da concordância verbal no português. Para tanto, retomar-se-ão
alguns gramáticos destacados na constituição da história das ideias linguísticas sobre o
português, no período compreendido entre os séculos XVI e XIX. Será dedicada uma
seção especial à Gramática Geral de Port-Royal, publicada em 1660, uma vez que ela, a
partir de sua existência, passa a balizar o tratamento da concordância em diversas
línguas, incluindo o português. Dos gramáticos da língua portuguesa desse longo
período, são aqui estudados Fernão de Oliveira (1536), João de Barros (1540),
Jeronymo Soares Barboza (1830), Julio Ribeiro (1881) e João Ribeiro (1887).
1.1. FERNÃO DE OLIVEIRA E JOÃO DE BARROS
A história das gramáticas de língua portuguesa começa a contar a partir do
século XVI. Em 1536, foi publicada a primeira edição da Grammatica da Lingoagem
Portuguesa, de Fernão de Oliveira, e, em 1540, a Grammatica da Lingua Portuguesa,
de João de Barros.
Tais gramáticas foram publicadas num tempo em que Portugal buscava se
afirmar como uma nação entre as demais da Europa. A maestria na arte da navegação
que encorajava o povo português a lançar-se em aventuras marítimas que tinham por
finalidade a expansão territorial e, por consequência, a expansão do domínio imperial e
comercial, tornava necessária a transformação da língua portuguesa em uma língua
letrada, a exemplo do que vinha ocorrendo com outras línguas vernáculas originárias do
latim. Vale lembrar que a primeira gramática do espanhol, escrita por Elio Antonio de
Nebrija, data de1492.
Além da arte da navegação, no início do século XVI, os portugueses também se
destacavam na arte da impressão (ou ‘imprimissão’, como diziam) que favorecia a
publicação de instrumentos linguísticos destinados ao ensino da língua a ‘muitas
gentes’, em Portugal e nas colônias. Corroborando esse propósito, Fernão de Oliveira
21
(1933, p. 22) afirma que a “grammatica e a arte q ensina a bem ler e falar” 2. Assim,
segundo Mariguela (2008, p. 16), é “no âmago dos achamentos e das imprimissões” que
as primeiras gramáticas do português surgem. Lembra a autora: “A Grammatica da
Lingoagem Portuguesa saiu do prelo no momento em que o projeto político de
expansão territorial, comercial e de construção da nacionalidade estava em plena
efervescência” (MARIGUELA, 2008, p. 14). Dessa forma, a gramática, como um
instrumento indispensável no ensino da língua, integra o projeto lusitano de sujeição
não apenas do corpo, mas também do pensamento e da alma do colonizado.
Desde muito cedo, a língua portuguesa avulta como um dispositivo eficaz na
empresa colonizadora, à semelhança do que ocorrera com a Grécia e Roma. Oliveira
assinala que é por terem imposto suas línguas que a glória de tais povos ainda vive:
“porq quãdo senhoreauão o mundo mandarão a todas as gentes a elles sogeytas aprender
suas linguas” (p. 21). Contudo, reagindo contra a tradição clássica que impunha o
estudo do latim como língua de cultura, o gramático exorta o povo português a estudar,
aperfeiçoar e ensinar a sua própria língua, impondo-a aos povos colonizados. Ele
acredita que, assim como o grego e o latim se transformaram em línguas perfeitas pela
ação dos homens que as apuraram, o mesmo pode se dar com o português:
E desta feyção nos obrigarão a que ainda agora trabalhemos em aprender e
apurar o seu esqueçendo nos do nosso não façamos assy mas tornemos nos
agora que he tempo e somos senhores porque milhor he ensinemos a Guine ca
que sejamos ensinados de Roma: ainda que ella agora teuera toda sua valia e
preço. E não desconfiemos da nossa lingua porque os homes fazem a lingua e
não a lingoa os homes. E e manifesto que as linguas Grega e Latina primeiro
forão grosseiras: e os homes as poserão na perfeição q agora tem
(OLIVEIRA, [1536]1933, p. 22).
O português vinha sendo escrito desde o século XIII, mas em estreita
dependência da oralidade. Tratava-se, na verdade, de um registro da fala, feito sem
qualquer normalização. Conforme Mattos e Silva (2002, p 35), “até o final do século
XV, não existiam ou não sobreviveram produções metalinguísticas” acerca do
português. Destarte, a Grammatica da Lingoagem Portuguesa inaugura a reflexão
2
Ao longo desta dissertação, manter-se-á a grafia original das obras consultadas. Isso pode significar uma
gama enorme de variação gráfica de autor para autor, num mesmo autor, e de época para época, já que as
convenções ortográficas só passaram a existir no século XX. Mesmo nas primeiras décadas do século XX,
a variação gráfica era normal.
22
metalinguística sobre o português, levando o processo de gramatização3 da língua,
iniciado com a escrita, a um novo patamar.
A gramática de Fernão de Oliveira é constituída por 50 capítulos que se aplicam
principalmente ao estudo das letras, sílabas e palavras (dições), em comparação com as
gramáticas latina e grega. Nela, não há propriamente um trabalho voltado para a sintaxe.
Num único capítulo, o capítulo 49, o gramático tematiza a composição (cõposição),
concerto (conçerto), construção (cõstruição) das partes ou ‘dições’, advertindo, contudo,
que o assunto será tratado em outra obra: “nesta derradeira parte q e da cõstruiçã ou
cõposição da língua não dizemos mais por q temos começada hua obra em q
particularmete e co mais comprimento falamos della” (OLIVEIRA, 1933, p. 107).
A Grammatica da Lingua Portuguesa, de João de Barros, diferencia-se de seu
antecessor, por mencionar o estudo da “construiçam”, ou seja, da sintaxe, embora não
dedique muito espaço a ela. O autor alude à concordância verbal e a descreve como a
conveniência entre o nominativo e o verbo. Almeida (2010), citando João de Barros,
afirma:
Em suas observações, [João de Barros] descreve a concordância verbal como
a conveniência entre o nominativo e o verbo, afirmando: “Tem máis o nome u
concordançia, quando está em cáso nominativo, que [h]á-de convir com o
vérbo em número e pessoa, como quando digo: eu amo.” (ALMEIDA, 2010.
p. 19, 20)
Tais gramáticas foram elaboradas em estreita sintonia com os modelos grecolatinos e constituem as primeiras manifestações em língua portuguesa de uma longeva
tradição descritivo-prescritiva ainda imperante no século XX. Conforme Kristeva (1974,
p. 203), o Renascimento reorientou os estudos linguísticos para as línguas modernas. E
embora o latim continuasse a ser a lente para perscrutar as outras línguas, o molde
gramatical sofreu drásticas modificações para se adequar às singularidades das línguas
vulgares cujas gramáticas ainda não haviam sido descritas e eram, portanto,
desconhecidas.
3
“Por gramatização deve-se entender o processo que conduz a descrever e instrumentar uma língua na
base de duas tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o
dicionário.” (AUROUX, 1992, p. 65). No século XVI, a Europa viveu intensamente o processo de
gramatização de seus vernáculos (espanhol, francês, português etc).
23
Antes de se proceder à resenha da gramática de Jeronymo Soares Barboza,
retomar-se-á o tratamento dispensado à concordância verbal por Arnault e Lancelot, na
chamada Gramática Geral e Razoada ou Gramática de Port Royal, nome que se refere
ao monastério jansenista de Port-Royal-des-Champs onde os seus autores trabalhavam.
1.2. ANTOINE ARNAULT E CLAUDE LANCELOT
A Gramática Geral e Razoada, publicada em 1660, foi de suma importância
para o estudo de línguas vernaculares, como o italiano, o francês, o português. Ela
rompeu com o modelo gramatical renascentista que primava pelos registros tidos como
de “bom uso” da língua, cujas normas eram originárias da escrita de pessoas
“qualificadas” e de “linhagem”. De caráter filosófico cartesiano, a Gramática Geral
procurava um fundamento racional para explicar os fenômenos linguísticos, definindo a
língua como expressão do pensamento4. A conduta esperada do usuário da língua não
era o estilo rebuscado, a beleza da expressão, mas sim a clareza, a lógica, o bom senso,
a concisão. Assim, a língua deveria subordinar-se à lógica para não trair o pensamento.
Como a lógica era tida como universal, os gramáticos de Port-Royal defendiam a tese
de que haveria leis comuns a todas as línguas, daí o nome de Gramática Geral. A
diferenciação entre as línguas seria fruto das paixões e não da razão, tida como única
para toda a espécie humana.
O empenho de Arnauld e Lancelot ([1660]1992, p. 27-29) era mostrar que o
francês era uma língua sistemática e regular apta a expressar com precisão o
pensamento. Para tanto, a sintaxe linguística era vista como subordinada à sintaxe
lógica, cuja unidade é a proposição, entendida como “o julgamento que fazemos das
coisas”. A proposição é constituída por dois termos: o sujeito (termo de que se afirma
algo) e o atributo (o que se afirma de algo). Por exemplo, numa frase como ‘A terra é
redonda’, ‘terra’ é o sujeito e ‘redonda’ o atributo, unidos pelo verbo de ligação ‘é’. A
partir desse axioma, os gramáticos afirmam que
4
A Gramática Geral e a filosofia racionalista de René Descartes que a embasam constituem uma das matrizes da
chamada “linguística cartesiana”, cujo representante maior na atualidade é o norte-americano Noam Chomsky,
considerado fundador da gramática gerativo-transformacional. Dentre as suposições dessa teoria linguística, está a de
que “as características gerais da estrutura gramatical são comuns a todas as línguas e refletem determinadas
propriedades da mente” (CHOMSKY, 2002, p. 94). Assim, a análise da estrutura gramatical profunda das línguas
poderia evidenciar a “forma da linguagem”, em geral, contendo estruturas universais e invariáveis subjacentes à
multiplicidade das línguas particulares observadas no tempo e no espaço.
24
[...] tendo os homens necessidade de signos para exteriorizar tudo o que se
passa em seu espírito, é indispensável que a distinção mais geral seja que uns
signifiquem os objetos do pensamento e outros a forma e o modo de nossos
pensamentos [...]. As palavras do primeiro tipo são as que foram
denominadas nomes, artigos, pronomes, particípios, preposições e advérbios;
as da segunda são os verbos, as conjunções e as interjeições; todas foram
inferidas como uma consequência necessária, da maneira natural pela qual
expressamos nossos pensamentos. (ARNAULD e LANCELOT, [1660]1992,
p. 29)
A gramática tradicional incorporou muitos princípios da Gramática Geral de
Arnauld e Lancelot, tanto na forma de agrupar quanto de classificar os fenômenos
linguísticos. Dela vêm a classificação e a descrição dos sons, o embrião do método
fônico de alfabetização em contraposição à soletração, descrições das partes da
gramática e as divisões das orações e toda a sintaxe (regência e concordância verbal e
nominal).
No Capítulo XXIV, intitulado “Da sintaxe ou da construção das palavras em
conjunto”, Arnauld e Lancelot ([1660]1992, p. 137) elencam dois tipos de relação entre
as palavras: conveniência e regime. Na relação de conveniência, “as palavras devem
convir entre si e na de regime, um dos dois causa variação no outro”. De acordo com os
autores, a relação de conveniência ocorre em todas as línguas, pois se trata de uma
sequência natural.
Na segunda parte do livro, as observações de Duclos sobre a Gramática Geral,
relativas ao Capítulo XXIV, acrescentam que as palavras, como signos que representam
ideias, não são empregadas de modo isolado, mas em relação umas com as outras de
modo a formar raciocínios. Ao tratar da sintaxe e das regras de construção, o autor
enumera dois tipos de relação: relação de identidade e relação de determinação, assim
definidas:
Todas as palavras de uma língua são outros tantos sinais de ideias e compõem
o vocabulário ou o dicionário; mas como não é suficiente que as ideias
tenham seus signos, uma vez que não se consideram palavras isoladas e cada
uma em particular é que é indispensável relacioná-las umas com as outras
para formar com isso raciocínios, imaginaram-se meios de assinalar-lhes as
diferentes relações; é isso que fazem a sintaxe e as regras de construção
mútua das palavras. Todas as leis da sintaxe, todas as relações das palavras
podem se reduzir a duas: a relação de identidade e a relação de determinação.
[...]
A relação de identidade é o fundamento da concordância de gênero e número
etc. A relação de determinação é o fundamento do regime, ou seja, ela exige
25
esta ou aquela terminação, segundo a finalidade dos casos nas línguas que os
têm, ou fixa o lugar da palavra nas que não dispõem de casos, como o francês
(DUCLOS, in ARNAULD e LANCELOT, [1660]1992, p. 229 e 230).
Há, pois, uma correspondência entre as relações de identidade e determinação
(Duclos) e as relações de conveniência e regime (Arnauld e Lancelot). Por exemplo,
ocorre a identificação ou a conveniência das palavras entre si no caso da concordância
nominal em que ao núcleo da locução nominal singular/plural convêm determinantes
singular/plural; em que ao núcleo da locução nominal feminino/masculino convêm
determinantes feminino/masculino. Por exemplo, ocorre a determinação ou o regime no
caso da regência verbal que determina se o complemento será um objeto direto
(acusativo) ou indireto (ablativo) ou ambos; no caso das línguas com casos e
declinações, a regência determina o caso e esse determina a flexão da palavra.
Ao tratarem da concordância verbal, Arnauld e Lancelot apontam que os
verbos devem concordar com os nomes e os pronomes em número e em pessoa. É
interessante notar que os autores sinalizam a variação na concordância verbal, mas a
tratam como fuga às regras gramaticais, ou melhor, como figuras de linguagem,
decorrentes do fato de os homens prestarem mais atenção ao sentido de seus
pensamentos do que às palavras que usam para expressá-los, como ocorre na silepse,
quando se diz “a multidão prorrompem” (turba ruunt) e não “a multidão prorrompe”.
Dizem os autores:
Também os verbos devem ter a concordância dos números e das pessoas com
os nomes e os pronomes.
Se for encontrado algo contrário às regras citadas, isso se faz por figura, isto é,
subentendendo-se alguma palavra ou levando-se em conta antes os
pensamentos que as próprias palavras. (ARNAULD e LANCELOT,
[1660]1992, p. 137 e 138)
Duclos reafirma que o verbo deve concordar com o substantivo em número e
pessoa. Ele observa que a concordância faz o verbo, por mais afastado que esteja do
substantivo (sujeito), concordar com o sujeito porque a relação estabelecida entre eles é
de identidade. A identidade faz com que, mesmo distantes, nomes e determinantes e
verbo e sujeito se identifiquem e assim não comprometam a coerência entre o
pensamento e a palavra. Destarte, as considerações de Duclos sobre o fenômeno da
concordância verbal e nominal são gerais e articuladas à relação de identidade:
26
O adjetivo deve concordar com seu substantivo em gênero, número e caso (nas
línguas que o tem), e o verbo deve concordar com ele em número e pessoa, já
que o verbo e o adjetivo não passam de modificações desse substantivo.
Exemplo: Une belle maison (“Uma bela casa”), de beaux jardins (“belos
jardins”); diz-se bela, porque casa é um substantivo feminino singular; e diz-se
belos porque jardins é um masculino plural.
Um bom rei ama seu povo. Um, bom, rei, ama representam apenas um objeto;
entre essas quatro palavras há relação de identidade.
Assim, por mais separado que um adjetivo esteja de seu substantivo, por mais
afastado que o verbo esteja, enfim qualquer inversão que uma língua, como a
grega ou a latina, permita no torneio da frase, o espírito logo reúne, para o
sentido, todas as palavras que têm uma relação de identidade.
Na frase citada, povo não tem relação de identidade com um bom rei ama, mas
apresenta relação de determinação com rei e não a de identidade. (DUCLOS, in
ARNAULD e LANCELOT, [1660]1992, p. 229 e 230)
Arnauld e Lancelot e Duclos vão além dos gramáticos renascentistas ao
considerarem, na abordagem da sintaxe, os usos da língua. Mesmo reconhecendo as
variações na concordância verbal, os autores, de certo modo, desaprovam-nas por
afastarem a língua, não do “bom uso”, mas da razão e da lógica. A desatenção à relação
de identidade, que subjaz à concordância verbal e nominal, pode comprometer a clara
expressão do pensamento. Assim, ao falarem das qualidades do francês, dizem que se
trata de uma língua que aprecia a ‘clareza’ e a ‘ordem mais natural e mais
desembaraçada’ para expressar o pensamento, razão pela qual usa poucas figuras
(ARNAULD e LANCELOT, [1660]1992, p. 141). A ordem sintática natural, segundo
os autores, era sujeito + predicado, uma vez que todo atributo é atributo de um sujeito
que precisa ser conhecido antes de ser predicado. Esses princípios são também adotados
por Jeronymo Soares Barboza.
1.3 JERONYMO SOARES BARBOZA
Com ampla divulgação para a época (sete edições), a Grammatica
Philosophica da Língua Portugueza de Jeronymo Soares Barboza segue as ideias
introduzidas pela gramática de Port-Royal. Concebendo a gramática como a “arte que
ensina a pronunciar, escrever e falar correctamente qualquer língua” (BARBOZA, 1830,
p. VIII), o autor se inscreve na tradição normativa inaugurada pelos seus antecessores.
Sobre o estudo da gramática da língua nacional, diz ele: “he o primeiro estudo
indispensavel a todo homem bem criado; o qual não aspire a outra Litteratura, deve ter
27
ao menos a de falar e escrever correctamente sua Língua: o que não poderá conseguir
sem todas as partes daquella arte (BARBOZA, 1830, p. XII).
Para ele, a gramática é um sistema metódico de regras que resultam de
observações feitas sobre usos e fatos da língua. Classifica as gramáticas em dois tipos:
particular ou prática (estudo dos usos e fatos de uma língua a partir apenas da
observação e da memória) e geral ou filosófica (estudo dos usos e fatos de uma língua a
partir dos princípios gerais de toda linguagem no exercício da faculdade da razão).
Como Arnault e Lancelot, também ele subordina o estudo da gramática ao estudo da
lógica, decalcando os princípios da sintaxe naqueles da proposição. Assim, a proposição
é a unidade a partir da qual a concordância nominal e verbal é pensada, tendo como
vetor o sujeito. O sujeito é o termo principal da proposição, sem ele não há atributo. A
exemplo dos gramáticos gerais, o autor vê a concordância como uma manifestação da
relação de identidade. No capítulo intitulado Syntaxe da Concordância, o autor
evidencia sua filiação aos princípios filosóficos urdidos pelos pensadores e educadores
do monastério jansenista de Port-Royal, como se pode atestar no seguinte excerto:
Concordancia he a conformidade dos signaes, que o uso instituio para
indicar as correlações das ideas, com estas mesmas correlações. Para haver
conformidade he preciso que haja humas partes que se conformem, e outras a
que as mesmas se conformão. As partes a que as mesmas se conformem, são
sempre as principais, e as que figurão no discurso em primeiro lugar. Tal he em
qualquer proposição o seu sujeito [...].
O fundamento de todas estas concordancias he a identidade. A
identidade, digo, da idea do attributo com a do sujeito, e das ideas adjectivas e
accessorias com as de hum e outro; a identidade das proposições que fazem
parte de hum todo com o todo mesmo [...].
O fundamento desta identidade consiste em humas ideas se incluirem
nas outras. A idea accessoria do attributo da proposição inclue-se na do sujeito
da mesma; alias não se poderia affirmar delle [...]. (BARBOZA, 1830, p. 370)
Barboza nomeia e discorre sobre dois tipos de concordância, a concordância
regular e a irregular. A regular seria “aquella em que as partes concordantes
correspondem exactamente áquellas, com quem concordão, sem ser necessario fazer
supplemento algum” (BARBOZA, 1830, p. 372). É chamada de regular porque os
termos da oração que se relacionam se harmonizam. As terminações de uma palavra
concordam com as de outras palavras sem haver conflito de flexão entre elas. Ele trata
conjuntamente a concordância verbal e nominal, elencando uma série de regras
28
regulares. Entre as regras regulares de concordância verbal, a regra II afirma que “Todo
o verbo da proposição concorda em numero e em pessoa com o sujeito da mesma, claro,
ou occulto; ou seja hum nome próprio, Deos he justo” (BARBOZA, 1830, p. 373).
Além dessa regra geral, ele trata da concordância quando o sujeito é um pronome
relativo e quando o verbo é uma forma do infinitivo.
Sobre a concordância irregular, diz o autor:
Ha discordancias apparentes, em que por huma parte o adjectivo parece
discordar do seu substantivo, ou em genero, ou em numero, ou em tudo isto; e
por outra o verbo parece discordar do seu sujeito ou em numero, ou em pessoa.
Procede isto de que a concordancia não se faz então de palavra com palavra,
mas da palavra com huma idea. O entendimento obrigado da necessidade, e
auctorizado pelo uso, sem se ligar á terminação da palavra; liga-lhe outra idea
de differente genero, com a qual concorda; vindo assim a fazer huma
discordancia material e apparente para fazer huma concordancia real, porêm so
mental. A isto deram os grammaticos o nome de Syllepse ou Synthese, que
querem dizer Concebimento ou Combinação. (BARBOZA, 1830, p. 378)
Os casos de concordância irregular são tratados como silepse de número e de
pessoa. Porém, a aparente irregularidade é ‘transformada’ em regularidade, à medida
que a relação é concebida como um processo em que a concordância se faz de ideia para
palavra e não de palavra para palavra. Observa-se uma discordância formal, caso se leve
em conta apenas a palavra com a palavra a que se refere, mas, se for considerada a
palavra com o ‘querer dizer’, há uma concordância real. Entre os casos irregulares, o
autor inclui o caso dos sujeitos coletivos partitivos e gerais (multidão de artifícios,
muita sorte de gente etc.) que podem ter o verbo no plural ou no singular; sujeitos
compostos resumidos por tudo ou nada que têm o verbo no singular; o caso do verbo
haver no sentido de existir que deixa o verbo no singular; o caso de um e outro e
nenhum um nem outro que admite singular ou plural; o caso de eu e tu, eu e ele, ele e tu,
vós e nós que leva o verbo para o plural e para a pessoa do mais nobre (eu sobre tu e ele,
tu sobre ele e nós sobre vós).
Reencontra-se na abordagem da concordância verbal por Jeronymo Soares
Barboza muitas das regras hoje vigentes, como, por exemplo, aquela que diz que se o
sujeito composto incluir o pronome “eu”, o verbo deverá ir para a primeira pessoa do
plural e aquela que diz que sujeitos compostos sintetizados por “tudo” ou “nada”
demandam verbo no singular. É perceptível, pois, a semelhança entre o tratamento que
29
os gramáticos contemporâneos dispensam à concordância e o sistema metódico de
regras proposto por Barboza, no que diz respeito ao ideal da correção linguística e à
postura normativa ante à fala e à escrita.
Até a metade do século XIX, o que se encontrava no Brasil eram modelos de
gramáticas portuguesas e nenhum trabalho específico voltado para a língua portuguesa
falada no Brasil. Porém, a partir do final do XIX, os estudos linguísticos, em solo
brasileiro, começam a desejar uma autonomia em relação à gramática do português de
Portugal e ao modelo filosófico inspirado pela gramática de Port-Royal.
Já na década de 1880, Fausto Barreto organizou guias para o “Programa de
Português para Exames Preparatórios”, que rompia com a gramática filosófica
portuguesa. Deste manual, surgiram as duas gramáticas brasileiras mais importantes da
época: a gramática de Júlio Ribeiro e a de João Ribeiro.
1.4 JÚLIO RIBEIRO
Júlio Ribeiro é um dos principais nomes da gramática portuguesa no Brasil do
século XIX. Por mais que defendesse que sua gramática era descritiva e não normativa,
quando ele coloca que “Ouvindo bons oradores, conversando com pessôas instruidas,
lendo artigos e livros bem escriptos, muita gente consegue fallar e escrever
correctamente” (RIBEIRO, [1881] 1911, p. 7), ele evidencia sua postura normativa,
conquanto não acredite que a gramática seja o instrumento de aprendizagem da
linguagem correta, mas sim a exposição a bons exemplos. Nisso, ele parece adiantar em
mais de um século as ideias de linguistas acerca do ensino-aprendizagem de línguas,
privilegiando os usos e não a reflexão metalinguística.
A grammatica não faz leis e regras para a linguagem; expõe os factos della,
ordenados de modo que possam ser aprendidos com facilidade. O estudo da
grammatica não tem por principal objecto a correcção da linguagem. Ouvindo
bons oradores, conversando com pessôas instruidas, lendo artigos e livros bem
escriptos, muita gente consegue fallar e escrever correctamente, sem ter feito
estudo especial de um curso de grammatica (RIBEIRO, [1881] 1911, p. 7).
O autor divide sua Grammatica Portugueza em duas partes: Lexeologia (estudo
das palavras) e Syntaxe (estudo das relações entre as palavras), esta última subdividida
30
em Lexica e Logica. Por mais que a proposta tenha sido separar o estudo da palavra
daquele das relações entre as palavras, a Syntaxe acaba sendo uma extensão da
Lexeologia). É na parte dedicada à Syntaxe, mais precisamente no parágrafo 12, que o
autor trata da concordância do verbo com o sujeito, apresentando a regra geral (539) e
alguns casos especiais (540-556), conforme quadro de síntese a seguir;5
RCV segundo Julio Ribeiro (1881)
Exemplos
539. O verbo concorda com o sujeito em Eu sou estimado; Nós temos dinheiro; Elle é
numero e pessoa.
pobre; Ellas são ricas (p. 301).
Com verbos que significam “sufficiencia,
abastança, carencia, falta” viola-se ás vezes
esta regra.
540. O verbo na voz passiva também
concorda em genero com o sujeito.
541. Uma sentença, um membro ou uma
clausula de sentença, uma phrase qualquer
que sirva de sujeito, exige o verbo no singular.
542. Quando uma sentença tiver dous sujeitos,
um da primeira pessôa e outro da segunda ou
da terceira, irá o verbo para a primeira do
plural.
543. Quando uma sentença tiver dous sujeitos,
um da segunda pessôa do singular e outro da
terceira, irá o verbo para a segunda do plural.
544. Quando numa sentença concorrerem
dous ou mais sujeitos, todos de terceira pessoa
do singular, irá o verbo, ou para a terceira
pessôa do plural a concordar com todos, ou
para a terceira do singular a concordar com
cada um de per si.
545. Se o sujeito for collectivo geral + de +
substantivo no plural, o verbo fica no singular
concordando com o coletivo.
546. Quando o sujeito é um collectivo geral
só, ou seguido da preposição ‘de’ e de um
substantivo singular, o adjectivo e o verbo
ficarão no singular, concordando com o
colecttivo, ou irão para o plural concordando
com um substantivo que represente todos
indivíduos comprehendidos na colleção.
547. Quando o sujeito é um collectivo
partitivo seguido da preposição ‘de’ e de um
substantivo no plural claro ou occulto, o
adjectivo e o verbo devem empregar-se no
plural.
5
RCV=Regras de Concordância Verbal
Falta muitos dias para os exames (p. 302).
Não apresenta exemplos (p. 302).
É verdade que somos ricos (p. 302).
Eu e tu ficaremos (p. 302).
Tu e ella passais bem (p. 302)
A justiça e a providencia de Deus onde estão?
Onde está justiça e a providência de Deus? (p.
302).
O exercito dos aliados ficou inteiramente
derrotado (p. 302).
Ditosa gente que não é maltratada ou que não
são maltratadas de ciumes (p. 303)
A maior parte dos homees são analphabetos.
31
Mais de um (verbo no singular ou no plural)
Mais de + numeral no plural (verbo no plural)
Mais de um é rico.
Mais de um são ricos.
Mais de dous são ricos.
Mais de mil estão em armas. (p. 303).
Nem a caça nem a pesca o diverte ou
divertem.
Ou a caça ou a pesca o diverte ou divertem.
(p. 303)
Ou o pae ou o filho sera eleito presidente. (p.
303).
Desta vez ou eu ou tu seremos presidente da
camara. (p. 303).
548. Quando dois ou mais sujeitos estão
separados por e, nem, ou, póde-se empregar o
verbo no singular, concordando com cada um,
ou no plural concordando com todos.
549. Se ou indicar alternativa excludente, o
verbo fica no singular.
550.
Se ou ligar pronomes pessoais
diferentes, o verbo vai para o plural,
concordando com a pessoa que tiver
prioridade.
551. Quando um sujeito se liga a outros pela O general com seus soldados padecia ou
preposição com, póde-se empregar o verbo no padeciam grande fome.
singular ou no plural.
Mas se o verbo precede o primeiro sujeito,
usa-se singular.
552. Quando o sujeito é um e outro ou nem
um e nem outro, póde-se empregar o verbo no
singular ou no plural.
553. Tudo e nada depois de muitos sujeitos
continuados levam o verbo para o singular
554. Isso e tudo, tendo depois de si, como
predicados, substantivos no plural, levam o
verbo para o plural.
555. Quando o pronome conjuntivo que é
antecedido de um pronome pessoal, o verbo é
sempre da mesma pessoa.
Padecia o general com os seus soldados
grande fome (p. 304).
Um e outro é meu irmão.
Um e outro são meus irmãos. (p. 304).
Se em vez de que for quem, o verbo vai para a
terceira pessoa do singular.
556. Quando o predicado do verbo ser é um
substantivo acompanhado de que, o verbo
seguinte pode concordar em pessoa com o
sujeito desse verbo ser ou com o predicado,
devendo-se com tudo preferir a concordância
com o sujeito.
Sou eu quem tem.
Somos nós quem têm. (p. 304).
Eu sou um homem que ainda não vendi a
consciencia.
Eu sou um homem que ainda não vendeu a
consciencia.
(p. 305).
Jogos, espetaculos, nada o tirava de seu retiro
(p. 304).
Isso são boatos sem fundamentos (p. 304).
Sou eu que tenho.
Somos nós que temos.
Observando a abordagem de Ribeiro à concordância verbal, nota-se a postura
categórica que desconsidera as variações gramaticais inerentes à língua, visando
somente a um ideal linguístico, o uso dito correto. A postulação de normas invariáveis
marca-se linguisticamente pelo uso de verbos como ‘exigir’ e ‘dever’ e pelo modo
indicativo, sobremaneira, o presente. Reencontra-se em Júlio Ribeiro alguns dos casos
de concordância apresentados por Jeronymo Soares Barboza, como é o caso da
dominância da primeira pessoa sobre a segunda e a terceira e da segunda pessoa sobre a
terceira para efeito de concordância e flexão do verbo, instaurando já a tradição
32
intertextual que acabaria por timbrar a história das gramáticas da língua portuguesa. O
ciclo da repetição não cessa mais de se fazer – reencontra-se o conjunto de regras
proposto por Ribeiro em muitos gramáticos brasileiros que o sucederam, inclusive em
alguns contemporâneos.
1.5 JOÃO RIBEIRO
João Ribeiro, em Grammatica Portugueza, afirma que “a grammatica é a
coordenação de fórmulas, leis ou regras segundo as quaes uma lingua é falada ou
escripta” (RIBEIRO, [1887] 1889, p. 1). Sua gramática inscreve-se na tradição aberta
por Jeronymo Soares Barboza no tocante à filiação aos princípios das gramáticas gerais,
tanto é que a unidade nuclear da sintaxe é referida por ele como proposição e não como
oração ou período. Para ele, a proposição, a exemplo dos lógicos, é “um agrupamento
de palavras formando um juízo” e compõe-se de “dous elementos capitaes e
indispensaveis: sujeito e predicado”, sendo o sujeito “o ser de que se affirma alguma
coisa” e o predicado “aquillo que se afirma do sujeito” (p. 213). De acordo com o autor,
as relações de concordância entre os termos capitais são de duas espécies: “relação do
sujeito com o verbo” e “relações do completivo ou attributo com o sujeito” (p. 225 a
227). Como o foco deste estudo é a concordância verbal, apenas as relações do sujeito
com o verbo serão aqui examinadas e sintetizadas no quadro a seguir, uma vez que as
relações do atributo com o sujeito pertencem à concordância nominal.
RCV segundo João Ribeiro (1887)
Exemplos
(p. 225-227)
Regra geral: o verbo concorda em numero e As casas são altas
pessoa com o sujeito.
Os espartanos respeitavam a velhice.
Eu amo a virtude. (p.225)
Sujeito collectivo: o verbo fica no singular se O exercito dos Persas invadiu a Grecia.
o collectivo é geral e póde ir para o plural se o A maioria dos gregos pediam a paz. (p.225 e
collectivo é partitivo.
226).
Ha casos especiaes em que esta regra soffre a Um trôço de soldados enchia o primeiro
violação do uso. Quando a acção do verbo só pavimento do edificio. (p. 226).
pode ser attribuida á collecção e não
separadamente aos indivíduos, o verbo
concorda com o collectivo:
Sujeitos unidos por e presente ou não: o A lua e o sol são astros.
verbo vai para o plural
Marte, Venus, a Terra são planetas (p.226)
Quando
os
sujeitos
são
de
pessoas Eu e meu pai estamos doentes.
33
differentes, o verbo no plural concorda com a Tu e Tullia estaes bons.(p.226)
pessoa que tiver prioridade. A segunda pessoa
tem prioridade sobre a terceira; e a primeira
sobre todas as outras.
Estas
regras
soffrem
as
seguintes
modificações, quando:
a) Quando os sujeitos representam a
mesma cousa ou pessoa, o verbo fica
no singular:
b) Quando os sujeitos representam
gradação de uma idéa, o verbo fica no
singular:
c) Quando a enumeração fica reduzida
por outra palavra:
A dôr, o pezar envelheceu-o.
Seu filho e successor subiu ao throno um anno
depois. (p.226)
Uma palavra, um olhar, um gesto basta para
denuncial-o. (p.226)
As flôres, as arvores, os rios, tudo se illuminou
com os raios do sol. (p.227)
Sujeitos unidos por nem: quando o verbo só Nem você, nem elle sera nomeado.
se refere a um com exclusão de outro, o verbo
fica no singular:
Quando o verbo se refere á totalidade dos Nem Ulysses, nem Achilles estiveram em Lisboa.
sujeitos, o verbo vai para o plural:
(p.227)
Sujeitos unidos por com: o verbo em geral Napoleão com os francezes venceu a Europa.
fica no singular:
Não obstante, quando os sujeitos cooperam O velho com o moço iam de mãos dadas.
todos no mesmo gráo para o fim da acção, o O tigre com o leão ganhavam dinheiro nas
verbo póde ir para o plural:
praças. (p.227)
Em outro momento de sua Grammatica Portugueza, João Ribeiro trata das
dificuldades de concordância. Principia a seção relembrando as três regras gerais, ou
seja, “os princípios lógicos” que norteiam a concordância e, depois, lista as exceções a
eles:
As grandes difficuldades que realmente existem na syntaxe de concordancia
resultam de que nem sempre os factos observados se acham de acordo com os
principios geraes da logica comum.
Os principios logicos que se referem á concordância do verbo com o sujeito, e
do adjectivo com o substantivo, são os tres seguintes:
1º Dous ou mais sujeitos equivalem a um sujeito do plural. Pedro e Antonio
estão doentes.
2º Dous ou mais substantivos de diferentes generos equivalem a um substantivo
masculino do plural. A gloria e o saber são cobiçados.
3º Em concurrencia de varias pessoas, a segunda é preferido a terceira e a
primeira a todas as outras. Tu e Pedro não dormistes. Pedro e eu dormimos.
(RIBEIRO, 1889, p.262)
34
As quatorze exceções a essas três regras elencadas por João Ribeiro mesclam
casos de concordância verbal e nominal. Aqui apenas as exceções às RCV serão
consideradas.
Excepções às RCV segundo João Ribeiro
(1887) (p. 262-265)
Fórmas neutras como sujeito, é admissível o
verbo no singular:
Os infintivos, substantivadamente como
sujeitos, representam fórmas neutras, por isso
seguem a regra antecedente:
Exemplos
Usando do artigo, é preferivel a concordancia
logica:
Qualquer numero de proposições subordinadas pelo annunciativo que, concordam em
singular:
O comer, o andar, e o dormir são proveitosos
á saude. (p. 262)
Não é admissivel que o crime seja
commettido e que o criminoso viva impune.
(p. 262)
Isto e o que veio depois trouxe a esperança
aos naufragos. (p. 262)
Comer, andar, e dormir é proveitoso á saude.
(p. 262)
As excepções ou regras anteriores são Dormir e aprender são cousas incompativeis.
violadas quando o attributo da proposição (p.262)
exprime reciprocidade:
O verbo quando precede a varios sujeitos do Veio a chuva, o trovão e a tempestade.
singular, póde pôr-se no singular:
Exceto, quando os sujeitos são pessoas:
Vieram Julio e Antonio e não Veio Julio e
Antonio. (p.263)
Quando o verbo está collocado entre varios A causa da religião nos leva, e a do nosso rei,
sujeitos, o que é raro, a concordancia se faz a conquistar regiões desconhecidas. (p.263)
com o sujeito com o qual se expressa o verbo.
Quando occorre um collectivo do singular Nasceram-lhe pelo corpo uma especie de
modificado por um complemento regido de ulceras.
de, o verbo vae para o plural :
Parte dos prisoneiros foram massacrados.
Um numero consideravel de indios
pereceram. (p. 263)
Ha um caso notavel de syllepse em que se Não compres livro sómente pelo titulo, ainda
reproduz no plural uma idéa que foi exposta que pareçam bons, são muitas vezes
no singular.
péssimos. (p. 263 e 264)
O verbo ser só constitue predicado quando Tudo eram flôres.
vem com o attributo : é bom, é principe, etc. O que elle tinha eram febres. (p. 264)
Por isso, muitas vezes o verbo concorda com
o predicado:
Ha certos casos em que uma phrase póde ter Deve-se promulgar as leis ou devem-se
dous sujeitos de diversos numeros, e então a promulgar as leis.—No primeiro caso, o
concordancia é arbitraria.
sujeito é promulgar, no segundo, as leis.
Quando porém o sentido determinar Quer-se inverter as leis, e nunca querem-se
exctamente o sujeito verdadeiro, a inverter as leis. Neste caso, é evidente que o
concordancia não póde ser arbitraria.
unico sujeito possivel é inverter.
(p. 264)
Os nomes geographicos do plural, quando
Campos é proximo do Rio.
significam uma unidade, rio, cabo, monte ou
Buenos-Aires está na embocadura do Prata.
35
povoação, figuram como singular:
Ha excepção quando os nomes exprimem
collectividade de montanhas, paizes etc.
Os Estados-Unidos de novo fizeram a paz.
Os Andes de sul a norte marginam o littoral
do Oceano Pacifico.
Os Alpes nevam. (p. 264)
João Ribeiro dedica uma lição especial (XXXVIII) à concordância de haver no
sentido de existir. Se uma frase como ‘Há homens’ (com haver no singular – impessoal)
equivale a ‘Existem homens’, com homens funcionando como sujeito de existem,
forçoso é considerar que também em ‘Há homens’, homens é o sujeito de há e que a
falta de concordância entre sujeito e predicado nesse caso constitui um idiotismo
sintático do português. Contudo, o gramático defenderá a tese de que ‘Há homens’
equivale a ‘Tem homens’ (e não a ‘Existem homens’), com homens exercendo a função
de complemento direto do verbo haver no sentido de ter, e estando o sujeito elíptico (O
mundo tem homens). Ribeiro apoia-se no étimo latino habere e no francês avoir, ambos
também significando ter (Il y a des hommes). Restitui-se, dessa forma, a regra geral de
concordância verbal, segundo a qual o verbo concorda com o sujeito em número e
pessoa.
A syntaxe do verbo haver constitue o que se poderia chamar idiotismo
da lingua, como já tem sido denominado. Mas a syntaxe daquelle verbo por
mais anomala que pareça acha-se sufficientemente explicada. Nas phrases: Ha
homens.; Houve occasiões.; Haverá votos ?.
Para os que sustentam a opinião de que o verbo haver significa existir,
aquellas sentenças interpretam-se do seguinte modo: Existem homens.;
Existiram occasiões.; Existirão votos ?.
Neste caso é forçoso admittir que homens, occasiões, votos, são
verdadeiros sujeitos, que escapam á concordancia grammatical, constituindo
desta arte um idiotismo syntactico.
——
A etymologia do verbo haver, porém, indica que a fórma primitiva no
latim era habere e significava ter.
Ora, o verbo avoir é derivado de habere, como devoir, de debere.
D’ahi se conclue que se deve interpretar o verbo haver com a significação de
ter: Ha homens = tem homens.; Houve dias = teve dias.; Haverá votos = terá
votos.
Assim interpretada desapparece a discordancia e os termos homens,
dias, votos serão considerados complementos directos do verbo haver = ter,
cujo sujeito é elliptico:; O mundo tem homens.; O tempo teve dias.; A
sociedade haverá votos (RIBEIRO, 1889, p.265 e 266).
Além do verbo haver, também o pronome ‘se’ apassivador é comentado em
seção exclusiva. Já naquela época a concordância verbal na passiva sintética era um
36
problema. Nesse caso, Ribeiro defende a doutrina de que o se é realmente um pronome
apassivador e não o sujeito, como afirmam alguns gramáticos. A interpretação do se
como sujeito seria um galicismo sintático (o se seria equivalente ao on existente no
francês) e, como tal, constitui um vício de linguagem. Para o autor, “esta explicação
violenta contraria a historia da língua em todos os seus periodos e até ao latim onde o
se, caso obliquo, não poderia ser sujeito do verbo finito”. Assim, na condição de
pronome apassivador, leva o verbo para o plural quando o objeto plural da voz ativa
passa a funcionar como sujeito na voz passiva. Diz o autor:
A lingua portugueza construe uma voz média passiva com o reflexivo
se: Fizeram-se casas.; Preparou-se a terra.; Escreviam-se cartas. Esse systema
representa uma voz passiva, que seguiu a tradição do processo latino: amor =
amo-se. Ainda na lingua antiga nota-se a syntaxe pura da passiva com o se e o
complemento causal: As cartas escreveram-se por elle (Foram escriptas por
elle.).
Por influencia da lingua franceza, pela analogia ideologica que existe
entre on dit e diz-se, a syntaxe franceza introduziu-se na lingua e houve
escriptores que empregaram a syntaxe: Diz-se cousas (Dizem-se cousas). Os
defensores desse gallicismo syntactico procuram explicar a dificuldade
considerando como sujeito o pronome se.
Esta explicação violenta cantraría a historia da língua em todos os
seus periodos e até ao latim onde o se, caso obliquo, não poderia ser sujeito do
verbo finito.
No francez: on dit, o vocabulo on (homo) é um nominativo e póde ser,
como é effectivamente, o sujeito. Semelhante doutrina, porém, não póde ser
applicada á lingua portugueza. (RIBEIRO, 1889, p.267- 268)
Como Júlio Ribeiro, João Ribeiro elenca normas categóricas de concordância
verbal. As variações gramaticalmente admitidas são aquelas correlacionáveis a sujeitos
semanticamente plural, mas formalmente singular. Contudo, diferentemente de Júlio
Ribeiro, João Ribeiro pauta seu tratado da concordância pelos “princípios gerais da
lógica comum” e apresenta explicações históricas pertinentes sobre alguns casos
aparentemente dificultosos, como o do verbo haver e o da passiva sintética. O uso do
presente do indicativo, da forma auxiliar pode/não-pode e de termos lexicais como
‘sofrer modificações’ e ‘violar regras’ (com sentidos negativos) indicia a postura
normativa do gramático em detrimento da postura descritiva.
Nos tratados sobre concordância verbal de Júlio Ribeiro e João Ribeiro,
reencontram-se muitas das regras familiares àqueles que manuseiam e seguem as
gramáticas em circulação ao longo do século XX, dentre elas as de Eduardo Carlos
37
Pereira e Said Ali, na primeira metade do século, e as de Rocha Lima, Evanildo Bechara
e Celso Cunha, na segunda metade.
38
CAPÍTULO 2
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
ESTUDOS GRAMATICAIS DO SÉCULO XX
No Capítulo 2, serão resenhados estudos acerca da concordância verbal
realizados por gramáticos da língua portuguesa situados na primeira metade do século
XX, mais precisamente, Eduardo Carlos Pereira (1907) e Said Ali (1923). Certamente,
há outros gramáticos nesse período, porém, a escolha desses dois deve-se ao fato de eles
serem as grandes referências para Rocha Lima (1957), Evanildo Bechara (1961) e Celso
Cunha e Lindley Cintra (1970), matéria do terceiro capítulo.
2.1 EDUARDO CARLOS PEREIRA
Na sua “Grammatica Expositiva”, Eduardo Carlos Pereira afirma que “A
concordancia é o processo syntatico pelo qual umas palavras mudam de flexão para se
pôrem de accordo com o genero, numero e pessoa de outras a que se referem”
(PEREIRA, 1907, p. 208). Ele identifica quatro tipos de concordância: do verbo com o
sujeito, do predicado nominal e pronominal com o sujeito, do adjetivo com o
substantivo e do pronome com o nome a que se refere. Diferentemente de Júlio Ribeiro
e João Ribeiro, que criam a maioria dos exemplos com que ilustram as regras de
concordância, Eduardo Carlos Pereira busca aboná-las com exemplos de escritores
abalizados pelo classicismo, principalmente pelos “mestres do moderno classicismo” (p.
II), como Alexandre Herculano e Antonio Feliciano de Castilho. Além deles, o
gramático recorre, para abonar sua doutrina, a escritores como Luiz de Camões, Pe.
Antonio Vieira, Camillo Castelo Branco, Frei Luiz de Souza, Gonçalves Dias etc., num
gesto de quem assume que é a escrita clássica, não qualquer escrita, que deve pautar o
uso da língua.
Apesar de o gramático identificar quatro tipos de concordância, apenas a verbal
– concordância do verbo com o sujeito – será aqui abordada. A regra geral é assim
explicitada e exemplificada por ele em fac-símile:
39
(PEREIRA, 1907, p. 208)
Entre as regras especiais, Pereira (1907, p. 208-215) enumera as seguintes:
p. 209
(p. 209)
(p. 209)
(p. 210)
40
(p. 210)
(p. 210 e 211)
(p. 211)
(p. 211)
41
(p. 211)
(p. 212)
(p. 212)
42
(p. 212)
(p.213)
(p. 213)
43
(p. 213)
(p. 214)
(p. 214)
44
(p. 214 e 215)
(p. 215)
(p. 215)
45
Carlos Eduardo Pereira assinala, na Grammatica Histórica, que a concordância,
no português e línguas irmãs, é uma herança latina, passando, contudo, por
transformações que a complicaram: “No portuguez archaico a concordancia gramatical
era, como no latim, simples; não tinha as subtis exigencias da lingua actual, o mecanismo
complicado da grammatica hodierna” (PEREIRA, 1935, p. 336). Por vezes, o autor
combina a história da língua com a lógica, conforme a Gramática de Port Royal, para
explicar a suposta ‘simplicidade’ da concordância no português arcaico e sua
‘complexidade’ no português moderno. Diz ele: “O latim e o portuguez archaico eram
mais sensiveis á acção logica do sujeito collectivo, do que o é a lingua actualmente
(PEREIRA, 1935, p. 337). O autor se refere aos desvios de concordância como
‘anomalias’. Uma delas seria a Sillepse – a concordância se dá com o sentido (que é
plural) e não com o vocábulo (que é singular), como se pode ler no excerto abaixo e no
exemplo “Compadecei-vos de toda esta gente que morrem de fome” (PEREIRA, 1907, p.
210):
(PEREIRA, 1907, p. 210)
Para ele, o uso facultativo do singular ou do plural, na verdade, não tem nada de
facultativo e sim de desatenção aos critérios lógicos ditados pelos sentidos. Por isso,
afirma Pereira (1907, p. 214), ao tratar da concordância do verbo com o sujeito formado
com ‘um de que’, ‘uma de que’, ‘um dos que’ e ‘uma das que’: “O singular ou o plural
do verbo podem ser de rigor conforme o sentido. Infelizmente nem sempre se cingem a
este criterio os bons escriptores”. Por exemplo, a frase “Eu sou um dos que pensam
desta maneira” tem como sentido: “Eu sou uma pessoa dentre as pessoas que pensam
desta maneira”. Já a frase “Eu sou um dos que pensa desta maneira” tem como sentido:
“Eu sou dentre as pessoas presentes uma pessoa que pensa differentemente”. Dessa
forma, de acordo com a lógica, não haveria uso facultativo do singular ou do plural,
pois é o compromisso com a exatidão na expressão do sentido almejado que vai
determinar o uso de um ou de outro.
46
Predomina, assim, no tratamento que o autor dá à concordância, a postura
prescritiva, vis-à-vis o uso de termos e expressões que denotam a opção pelo ‘um’ e não
pelo ‘múltiplo’ como em: “registram casos auctorizados de descordancias”, “não é
digna de imitação a seguinte concordância de Fr. L. de Souza”, “melhor se fará a
concordancia no plural” e “esta concordancia no plural é de rigor”.
2.2 SAID ALI
Entre os gramáticos modernos, destaca-se Said Ali. Apesar de não ser
professor de língua portuguesa e sim de alemão, suas obras tornaram-se referência para
os estudos gramaticais de língua portuguesa, principalmente no domínio da sintaxe.
Said Ali tinha um vasto conhecimento gramatical das línguas europeias, principalmente
do latim. Conforme Mattoso Câmara, citado por Vieira (2011), “[...]Said Ali era avesso
ao purismo, pois empobrecia a expressão espontânea, além de ser opor à ideia de
obediência aos modelos de escrita dos clássicos dos séculos XVI e XVII, sob pena de
nos tornarmos contrários ao nosso tempo e aos costumes linguísticos da época”
No prólogo de sua Gramática Histórica, Said Ali assim descreve as diferenças
entre a língua falada e a língua escrita: “[...] nunca será a linguagem escripta, dada a sua
tendência conservadora, espelho fiel do que se passa na linguagem falada (ALI, 1921, p.
IV). Contudo, a chamada língua vulgar, falada pelo povo e repelida pelos que dizem
usar a norma culta, é, com o tempo, assimilada pelos usuários que, a princípio, a
rechaçam. A incorporação ocorre, primeiro, na fala espontânea, tornando legal o que até
então era segregado. Segundo o autor, a literatura é a última instância a ser afetada pela
norma vulgar, mas a primeira a validar, na escrita, a língua usada pelo povo. Na visão
de Ali, esse seria o processo que resultou no português moderno.
Surge a inovação, formulada acaso por um ou poucos indivíduos. A gente culta
e de fina casta repele-a, a princípio, mas com o tempo sucumbe ao contagio.
Imita o vulgo, se não escrevendo com meditação, em todo o caso no trato
familiar e falando espontaneamente. Decorrem muitos anos, até que por fim a
linguagem literária, não vendo razão para enjeitar o que todo mundo diz, se
decide também a aceitar a mudança. Tal é, a meu ver, a explicação não somente
de factos isolados, mas ainda do aparecimento de todo o portuguez moderno
(SAID ALI, 1921, p. IV).
O autor vê a concordância como um fenômeno de redundância na língua
portuguesa. Explica que, em algumas línguas, a exemplo do inglês, não há
47
concordância, flexões entre palavras sintaticamente correlacionadas, diferentemente do
que ocorre com o português. Na Gramática secundária da Língua Portuguesa (1923),
Said Ali aborda a concordância sem distinguir a nominal da verbal. Assim, na longa
seção dedicada ao assunto, vai entremeando casos de concordância verbal e nominal.
Por exemplo, ao tratar da concordância verbal com sujeito composto (que ele designa
como múltiplo), trata também da concordância nominal entre o qualificativo adjunto a
vários substantivos. O exemplário usado pelo gramático mistura frases extraídas de
nomes consagrados da literatura portuguesa, como Camões, Herculano, Pe. Vieira, Frei
Luís de Sousa, Manoel Bernardes com frases extraídas da linguagem cotidiana.
A seguir, serão elencadas as RCV, conforme Ali (1923, p. 205-219)
RCV segundo Said Ali (1923)
Exemplos
Ao sujeito múltiplo (...) segue o verbo no A mãi e a filha entraram no carro.
plural
Noto, Austro, Boreas, Aquilo queriam
arruinar a machina do mundo (Camões). (p.
205)
Sendo o sujeito constituído por duas Triste ventura e negro fado os chama neste
expressões no singular ligadas pela partícula terreno meu (Camões). (p. 205)
e, e servindo a segunda para completar,
esclarecer ou reforçar o sentido da primeira,
irá o verbo para o singular
Se as duas expressões ligadas por e designar O ladrão e assassino foi condemnado á morte.
um ser único, o verbo se conservará (p. 205)
evidentemente no singular.
Enunciando-se primeiro o verbo e depois os Sahiram (sahiu) Pedro e Paulo.
diversos sujeitos do mesmo número singular, Ouviu-o o Douro e a Terra trastagana
o verbo pode empregar-se tanto no plural (Camões).
como no singular, concordando neste caso Cobrem ouro e aljofar ao velludo (Camões).
com o mais próximo.
(p. 205 e 206)
Concorrendo como substantivos de números O dinheiro e as jóias ficaram na gaveta.
differentes, o verbo que se lhes segue toma a Desappareceu o explorador e todos os seus
forma do plural; enunciando-se porém o verbo companheiros. (p. 206)
antes dos sujeitos, poderá elle ficar no
singular, comtanto que também esteja no
singular o sujeito mais próximo.
Sujeitos pronominais: eu/tu, nós/vós, elle
Achando-se entre os sujeitos ligados pela Eu e elle assim pensamos.
conjunção e o pronome eu ou nós, o verbo se Tu e elles sabeis a historia.
usa na 1ª. pessoa do plural. Ocorrendo entre
os ditos sujeitos tu ou vós, e não havendo
nenhum de 1ª. pessoa, o verbo irá, por via de
regra, para a segunda pessoa do plural.
Algumas vezes, porém, desrespeitam os Desejo que tu e quantos me ouvem se tornem
escriptores esta regra, fazendo a concordância taes qual eu sou (Arrais).
com o sujeito mais próximo por ser a idéa
principal.
Tu e outros velhacos da tua laia lhe
48
estorroaram na cara lixo e terra (Herculano).
OBSERVAÇÃO: na linguagem corrente de (p. 207)
hoje, sendo desusado o tratamento vós, e
desusada portanto a forma verbal respectiva,
fala-se segundo os exemplos de Arrais e
Herculano que acabamos de citar.
Sujeitos unidos por com
Ligando-se a um sujeito no singular outro no ElRei com a rainha Dona Isabel sua mulher
singular ou no plural, e empregando-se para entraram. (D. de Goes). p.207
este effeito a palavra com em substituição da
partícula e, o verbo desde que venha depois,
usa-se no plural.
Sujeitos unidos por ou
Servindo de sujeito multiplo differentes Deus ou o demônio torceu-te os desígnios
substantivos no singular, entre os quaes venha (Herculano). p. 208
a partícula ou com valor de alternativa, e não
devendo o predicado referir-se senão a um dos
sujeitos, com exclusão dos restantes, a
concordancia faz-se no singular:
Se, empregada a alternativa ‘ou’, o verbo As penas que S. Pedro ou seus sucessores
tanto pode referir-se a um dos sujeitos com a fulminam contra os homens (Vieira). p. 208
todos elles, a concordância faz-se no plural:
Se o segundo termo, precedido de ‘ou’ se Um cardeal, ou um papa, emquanto homem,
enuncia como que estendendo parentheti- não é mais do que uma pessoa (Bernardes). p.
camente o caso a outro indivíduo, a 208.
concordancia faz-se com um sujeito só:
Repetindo-se depois de ‘ou’ a palavra
precedente, porem no plural, para denotar que
se admitte retificação de número, o verbo
concordará com o termo mais próximo, isto é,
no singular se vier antes dos dous sujeitos e
no plural se vier depois:
Concordância com verbo ser
O poder ou os poderes eram sobre todos os
peixes (Vieira), p. 208
Nenhum vestígio de sua presença deixou o
autor ou os autores do crime. p. 208
Nas definições e frases denotadoras de O geral vestido de todos são pannos de
equivalência, em que se emprega o verbo ‘ser’ algodão. p. 209
entre dous substantivos de números
differentes, o verbo concorda geralmente com
o termo que estiver no plural:
Em clássicos portuguezes encontram-se não As insígnias de seu estado real é uma enxada.
raro exemplos de concordancia com o p. 209
substantivo no singular. É linguagem menos
usada hoje, como neste exemplo:
Nas orações constituídas por um dos Tudo eram armas de fogo.
pronomes tudo, isso, isto, aquillo, verbo ‘ser’ Aquillo não são vozes, são ecos do coração. p.
e substantivo no plural, o verbo toma a forma 209
plural:
49
Nas frases de identificação em que um dos As victimas fomos nós.
termos é substantivo, e o outro um pronome, o O director sou eu.
verbo ‘ser’ concorda em número e pessoa com Nas minhas terras, o rei sou eu. p. 210
o pronome:
Usam-se com verbo no singular as locuções é Trinta mil réis é mais do que eu posso pagar.
muito, é pouco, é mais de, é menos de, junto a Cinco kilometros é pouco. p. 210
especificação de preço, peso, medida,
quantidade etc.
São três horas em ponto.
Na determinação de horas, datas, distâncias o É uma hora.
verbo ser concorda com a expressão Hoje são dez do mez. (p. 215)
numérica:
Sujeitos ligados por nem
Com o sujeito múltiplo formado de Nem Abrahão, nem Jacob os conheceram.
substantivos precedidos da conjunção ‘nem’ (p. 210)
emprega-se o verbo geralmente no plural:
Querendo-se todavia por em relevo que a
mesma ação se repete para cada um dos Até ahi nem o nome, nem a imagem de
sujeitos successivamente ou em épocas Leonor me tinha passado pelo espirito
differentes, dá-se ao verbo a forma singular, (Herculano). (p. 210)
desde que no singular estejam os diversos
sujeitos:
[...] a presença de eu ou nós exigirá o verbo na
1ª. do plural, a de tu ou vós (faltando o Nem meu primo nem eu frequentamos a
pronome de 1ª. pessoa) pedirá o verbo na 2ª. sociedade.
do plural:
Nem vós nem elle perdereis em tal negocio.
(p. 211)
Estando porém o verbo negativo antes dos
sujeitos de pessoas, faz-se a concordância Não seriam nem elles nem eu quem puzesse
com o mais próximo:
esse remate (Herculano). (p. 211)
Terminando a série negativa por um dos
pronomes indefinidos alguém, outrem, Nem eu nem ninguém tem annos nem dias (H.
ninguém, algum, outro, nenhum, referidos a Pinto). (p. 211)
substantivo homem, segue-se-lhe o verbo na
3ª. pessoa do singular, embora na série se ache
algum sujeito da 1ª. ou da 2ª. pessoa:
O termo final da série negativa pode ser um
nome cuja significação abranja todos ou
algum dos sujeitos anteriores, vindo este Nem cão, nem gato, nem adibe, nem outro
nome combinado com um dos indefinidos bicho do mato chegou a pôr-lhe boca. (F. L.
algum, outro, nenhum. Ainda neste caso de Sousa). (p. 211)
costuma-se pôr o verbo seguinte no singular:
Quando o último termo da série negativa é
substantivo no plural precedido de algum
de..., nenhum dos..., algum dos outros...,
nenhum dos outros..., o verbo seguinte usa-se
no plural ou no singular:
[...] nem mesmo Adão, nem algum de seus
descendentes chamou tal nome a Eva (Vieira).
(p. 211 e 212.)
Nem Lucas, nem algum dos outros
evangelistas dizem expressamente... (Vieira).
(p. 212)
50
Sujeito com a locução um e outro
Quando a locução um e outro com substantivo
no singular, claro ou subentendido, seve de
sujeito, o respectivo verbo, enunciado em
seguida, usa-se ora no singular, ora no plural.
É preferível o plural quando os seres a que se
refere um e outro se nos representam no
espírito como indivíduos ou entidades bem
distintas:
Um e outro fizeram seus protestos e
requerimentos (D. do Couto). (p. 212)
Uma e outra coisa lhe desagrada (Bernardes).
(p. 212)
Sendo enunciado o sujeito pela negativa nem Nem um nem outro falou a verdade (F. L. de
um, nem outro, usa-se o verbo no singular:
Sousa). (p. 212)
Sujeitos resumidos por tudo, nada, ninguém
Sujeito múltiplo deixa de influir sobre a forma
do verbo desde que, depois de enumerados os O falso e o verdadeiro, a verdade e a mentira,
vários nomes ou pronomes, se emprega tudo passa (Vieira). (p. 213)
recapitulativamente tudo, nada, ninguém. O
verbo concorda somente com o termo
recapitulativo:
Desta ultima regra se exceptuam aquellas Pontos, coros e os mesmos comparsas, tudo
construções em que, fazendo uso do verbo eram parentes ou amigos íntimos (Garret).
ser, o predicado é expresso por um (p. 213)
substantivo no plural:
Sujeito gente
A palavra ‘gente’ pede verbo no singular:
Esperam que a guerreira gente saia. (p. 213)
Nos Lusíadas e outras obras quinhentistas Vendo os nossos como a gente destas torradas
ocorrem,
entretanto,
exemplos
de andavam nadando por se acolher á terra
concordancia no plural, quando pela (Barros). (p. 213)
interposição de outros dizeres, o verbo vem
afastado do vocábulo ‘gente’:
Sujeitos com as expressões grande número
de..., grande multidão de..., grande
quantidade de...
[...] o verbo vai para o plural, concordando Um grande numero de velas branquejavam
com a noção de pluralidade que temos em sobre aguas do Estreito (Herculano). (p. 213)
mente:
Sujeitos com a expressão parte
[...] com a expressão parte, grande parte, a
maior parte, com um complemento formado
pela preposição de e um nome ou pronome
no plural (claro ou subentendido), o verbo se
emprega tanto no singular como no plural:
A maior parte dos nossos usam de pão
amassado (Barros). (p. 214)
A maior parte de suas fazendas estava em
navegação (Barros). (p. 214)
Se os dizeres grande número, grande parte, Parte do exercito conseguiu atravessar o rio.
parte, a maior parte, grande multidão, grande (p. 214)
quantidade, se referirem a nome collectivo no
singular, o verbo só se emprega na forma
singular:
51
Sujeitos com expressões cerca de, obra de,
perto de, passante de, mais de, menos de
Tais expressões antepostas a numero plural
para denotar quantidade aproximativa não Morreram cerca de quinhentos homens.
influem na concordancia do verbo que será no Restaram menos de quinze exemplares. (p.
plural:
214)
Em certos casos, a synese (isto é, a
concordancia com a idéa que temos em Já lhe ficava atraz mais de cincoenta leguas
mente) permitte o emprego do verbo no (Vieira). (p. 214)
singular, como no seguinte exemplo, em que o
verbo concorda com a distancia, e não com as
unidades de léguas:
Sujeito com mais de um
O verbo geralmente diz-se no singular:
Nas frases exceptivas expressas pela forma
negativa, em que se interpõe o verbo entre
não e senão, ou entre não e mais que, vindo
em seguida um nome que sirva de sujeito, o
verbo vai para o singular ou para o plural de
accordo com este termo:
Quando é sujeito de uma oração exclamativa
que de (equivalente de ‘multidão’) seguido de
substantivo, o verbo concorda com este
substantivo:
Empregando-se é necessário, é preciso, é
bom, com sentido de é necessário ter, é bom
ter, é preciso ter, é bom usar, etc. ficam
invariáveis estas expressões, sendo o
substantivo que lhes juntar considerado
objecto directo de verbo ter, usar, etc. que
temos em mente:
O verbo dar referindo-se ás horas que batem,
usa-se no singular quando vem claro o sujeito
‘relógio’; em caso contrário concorda com a
expressão numérica:
Com pronome de tratamento emprega-se o
verbo na terceira pessoa:
O verbo haver, tomado na accepção de
‘existir’, diz-se no singular, embora venha
junto a um nome no plural:
Mais de um anno se passou. (p. 214)
Não escapou senão uma criança.
Não escaparam senão tres meninas. (p. 215)
Que de famílias não vivem sem amparo! Que
de casas não ruíram! (p. 215)
É necessário muita paciência com os meninos.
É bom toda cautela (Castilho). (p. 215)
[...] o relógio deu dez pancadas (Herculano).
(p. 216)
Deram as oito horas (Herculano). (p. 216)
Vossa Excellencia anda muito occupado.
(p. 216)
Havia no recinto quatrocentas pessoas.
(p. 217)
OBSERVAÇÃO: O sentimento da linguagem
leva o povo e raros escriptores a empregar,
uma vez por outra, houveram pessoas,
haviam cores, por houve pessoas, havia
cores. Nunca, porém, se troca a forma
monosyllabica há por hão.
Sujeito pronome relativo que
[...] o verbo concorda com o termo Nós, que éramos ricos, empobrecemos...
antecedente, sujeito ou objecto de outra As mercadorais que não prestavam foram
52
ouração:
destruídas. (p. 218)
Sendo o dito antecedente de que um pronome Aquelle que não quizer ficar pode retirar-se.
demonstrativo, o verbo da oração adjectiva Os que mais falam são os que menos
usa-se geralmente na 3ª. pessoa:
trabalham. (p. 218)
Se o antecedente do pronome que funcionar Eu fui também o primeiro que mostrei o
como predicado do verbo ser, pode-se fazer a engano (Castanheda). (p. 218)
concordancia com o sujeito deste verbo:
Sujeito pronome relativo quem
[...] é costume hoje, entre as pessoas cultas, Fui eu quem escreveu a carta. (p. 219)
pôr o verbo na 3ª. pessoa:
Logicamente, desde que se trata de Não fui eu quem o privei della (F. Elysio).
substituição, dever-se-ia continuar a por a (p. 219)
forma verbal em harmonia com o sujeito do
verbo ser. Desta prática que persiste na fala
do povo, ocorrem exemplos em Manuel
Bernardes, Filinto Elysio e Gonçalves Dias.
Sujeito com um dos que...
[...] via de regra vem com verbo no plural:
Paulo é um dos que mais estudam. (p.219)
Há comtudo exemplos de attração em que se Uma das cousas que sempre agradou a Deus
usa o verbo no singular concordando com um: (Vieira). (p. 219)
O tratamento que Said Ali dispensa à concordância verbal, como se pode
observar no quadro anterior, é bastante minucioso. Ele retoma praticamente os mesmos
casos apresentados por gramáticos que o precederam, mas os esmiúça em uma série de
subcasos. Como seus predecessores, fala interpelado pelo discurso normativo,
determinando o que é a regra geral em cada caso, mas não deixa de apresentar as
particularidades do caso em questão, essas sempre motivadas por razões semânticas. Por
exemplo, ao tratar da concordância do verbo com sujeitos contendo expressões como
cerca de, obra de, perto de, passante de, mais de, menos de, usadas para indicar
quantidade aproximada, o gramático afirma que elas não influenciam na “concordancia
do verbo que será no plural”, ilustrando com frases anônimas (Morreram cerca de
quinhentos homens. Restaram menos de quinze exemplares.). Porém, a apresentação
desse caso não cessa aí, ele apresenta um caso particular em que a concordância se faz
não com a quantidade explícita no sujeito, mas sim com alguma ideia subentendida
(argumento semântico). Diz Said Ali (1923, p. 214): “Em certos casos, a synese (isto é,
a concordancia com a idéa que temos em mente) permitte o emprego do verbo no
singular, como no seguinte exemplo, em que o verbo concorda com a ‘distancia’, e não
53
com as unidades de leguas: Já lhe ficava atraz mais de cincoenta leguas (Vieira)”.
Quando apresenta as particularidades de um caso, via de regra, o gramático recorre a
uma frase saída da pena de algum escritor consagrado, como Vieira, no exemplo acima
mencionado. Trata-se, pois, de validar a aparente discrepância com um argumento de
autoridade; nessas ocasiões as frases anônimas são deixadas de lado. Atitude semelhante
pode ser observada no tratamento do sujeito com ‘um dos que’ que, “via de regra vem
com verbo no plural”, exemplificado com a frase anônima “Paulo é um dos que mais
estudam”. A essa regra, Said Ali apresenta a seguinte discrepância: “Há comtudo
exemplos de attração em que se usa o verbo no singular concordando com um: ‘Uma
das cousas que sempre agradou a Deus’” (Vieira) (p.219). Novamente, a discrepância
vem assinada por nada menos que Vieira, como se fosse uma espécie de licença
literária. Aos falantes sem nome, caberia seguir a norma geral.
54
CAPÍTULO 3
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
ESTUDOS GRAMATICAIS CONTEMPORÂNEOS
No Capítulo 3, serão resenhados estudos acerca da concordância verbal
constantes de três gramáticas que circulam copiosamente na contemporaneidade:
Gramática Normativa da Língua Portuguesa, de Rocha Lima (1957), Moderna
Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara (1961) e A Nova Gramática do Português
Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra (1970). Foram escolhidas por serem
as gramáticas mais conhecidas e frequentadas tanto no escopo das Letras quanto do
ensino de língua portuguesa nos níveis fundamental e médio. Ensaiar-se-á uma análise,
ainda que mínima, do discurso gramatical no que tange à concordância verbal.
3.1 CARLOS HENRIQUE DA ROCHA LIMA
Entre os gramáticos mais citados contemporaneamente, figura certamente Carlos
Henrique da Rocha Lima, popularmente conhecido como Rocha Lima. Em 1957,
publicou a Gramática Normativa da Língua Portuguesa, hoje na 49ª. edição. Embora se
tratasse de uma gramática normativa, como o próprio nome indica, Rocha Lima, ao
menos quando conceitua língua, revela que não estava completamente alheio ao que se
passava no campo da chamada linguística moderna. Em vários momentos da
Introdução, observa-se o diálogo com as ideias de Saussure, apesar de não citar o
linguista explicitamente, como se pode atestar no excerto a seguir:
A LÍNGUA é um sistema: um conjunto organizado e opositivo de
relações, adotado por determinada sociedade para permitir o exercício da
linguagem entre os homens.
Fato social por excelência, é aquele acervo de sons, estruturas
vocabulares e processos sintáticos que a sociedade põe à disposição dos
membros de uma comunidade linguística (ROCHA LIMA, 2011, p. 36).
A concepção de língua como sistema, que inicia a corrente estruturalista da
linguística, é atribuída a Saussure. Foi ele quem, opondo-se ao pensamento
evolucionista, que pinçava fatos isolados da língua como alvo de estudos diacrônicos e
55
subsumia a tese de que as mudanças corrompiam as línguas até a morte, insistiu que,
tomadas sincronicamente, as línguas são sempre sistemáticas, sempre perfeitas para a
comunicação numa dada comunidade linguística. As mudanças, quando atingem o
sistema, são absorvidas por ele, produzindo uma ressistematização. Segundo Saussure,
um sistema se organiza mediante relações paradigmáticas e sintagmáticas.
No interior dos paradigmas, as unidades linguísticas se relacionam entre si por
oposição, por exemplo, no paradigma das consoantes do português, /b/ se opõe a /p/
pela presença do traço sonoridade, sendo a primeira <+ sonora> e a segunda <- sonora>.
Duas unidades ou traços de um mesmo paradigma não podem ocorrer num mesmo
espaço-tempo, pois são mutuamente exclusivos, ou seja, uma consoante do português
não pode ser <+ sonora / - sonora> ao mesmo tempo. Num sistema, as unidades não têm
existência própria, elas se definem uma em relação às outras por oposição. É, pois, essa
noção de oposição que parece ecoar na afirmação de Rocha Lima de que a língua é “um
conjunto organizado e opositivo de relações”.
Já as relações sintagmáticas, decorrentes da linearidade da linguagem verbal, são
responsáveis pela sucessão e combinação das unidades mínimas em unidades de níveis
cada vez mais elevados: combinação de fonemas para formar sílabas, de sílabas para
formar palavras, de palavras para formar locuções, de locuções para formar orações etc.
Por exemplo, todo falante de português, automática e inconscientemente, combina /p/
com /r/ e /a/ para formar a sílaba /pra/, mas não combina /p/ com /v/ e /a/ para formar a
sílaba */pva/, inexistente no repertório de sílabas de nossa língua. Certamente, Rocha
Lima pensava nas relações sintagmáticas ao se referir à língua como “acervo de sons,
estruturas vocabulares e processos sintáticos”, indo das unidades elementares – os sons
– para as combinações morfológicas – os vocábulos – e desses para os processos
sintáticos – as locuções, orações e períodos.
Assim, os falantes de uma língua selecionam unidades dos paradigmas e as
combinam sintagmaticamente segundo regras coletivizadas pela comunidade linguística,
daí o conceito de “fato social”, que Rocha Lima também busca em Saussure. No escopo
da linguística estruturalista, falar em regra é falar naquilo que é efetivamente seguido
pelos falantes e não naquilo que deve ser seguido. É-se levado a pensar que ao definir a
língua-comum, ou coiné, como “instrumento de comunicação geral, aceito por todos os
membros de uma coletividade para assegurar a compreensão da fala” (p. 37), Rocha
Lima estivesse aderindo ao sentido saussureano de ‘fato social’. Porém, nesse particular,
56
o gramático aparta-se diametralmente do pensamento estruturalista, reafirmando sua
posição normativa. Diz ele da gramática normativa:
É uma disciplina, didática por excelência, que tem por finalidade
codificar o “uso idiomático”, dele induzindo, por classificação e sistematização,
as normas que, em determinada época, representam o ideal da expressão
correta.
[...]
Fundamentam-se as regras da gramática normativa nas obras dos
grandes escritores, em cuja linguagem as classes ilustradas põem o seu ideal de
perfeição, porque nela é que se espelha o que o uso idiomático estabilizou e
consagrou.
Refiro-me, decerto, àqueles escritores de linguagem corrente, estilizada
dentro dos padrões da norma culta. Excetuam-se, pois, os regionalistas
acentuadamente típicos, assim como os experimentalistas de todos os matizes -,
por admiráveis que possam ser uns e outros. Esses últimos apreciam-se no
âmbito da estética literária, mas não se prestam a abonar fatos da línguacomum. (ROCHA LIMA, 2011, p. 38 e 39)
Rocha Lima reassume a concepção de língua inerente ao discurso gramatical
normativo, reduzindo a língua à boa língua, aludida no excerto anterior por expressões
como: “o ideal da expressão correta”, “o ideal de perfeição”, “o uso idiomático”
estabilizado e consagrado, “os padrões da norma culta”. É bastante enfático ao nomear o
caráter disciplinador e didático da gramática normativa e sua função de transformar o
uso idiomático consagrado pelos grandes escritores, subtraídos regionalistas e
experimentalistas extremos que “não se prestam a abonar fatos da língua-comum”, em
um códice de normas a serem seguidas por todos. Ao falar dos exemplos abonadores
dos fatos linguísticos tratados em sua gramática, Rocha Lima enumera uma lista
considerável de escritores, coroando o enunciado com a seguinte afirmação: “[...]. todos
(escritores citados) a estilizar numa só e excelente língua portuguesa” (p. 30). Quer
dizer, numa tal concepção de língua e de gramática não resta mais nada da perspectiva
estruturalista; ela estampa, com todas as letras, o viés purista, reafirmando que a
“excelente língua portuguesa” é “uma só” e não várias, como enfatizam os linguistas.
É essa posição alinhada com o discurso normativista que preside o tratamento
da concordância verbal. Num tópico designado como Irregularidades de Concordância,
Rocha Lima fala dos conflitos entre “a lógica gramatical” e “os direitos superiores da
imaginação e da sensibilidade” que, não raro, “acutilam”, ou seja, ‘ferem’, ‘golpeiam’,
‘machucam’, ‘esfaqueiam” as normas gramaticais estabelecidas como “boas e
invioláveis”. Citando Said Ali e Lima Barreto, o gramático aborda o caso da
57
concordância ideológica em que a concordância se faz com o sentido ou ideia e não
com a forma da palavra (em função de sujeito) com a qual o verbo concorda:
A concordância é campo vastíssimo, em que constantemente entram em
conflito a rigidez da lógica gramatical e os direitos superiores da imaginação e
da sensibilidade. Razões de ordem psicológica, ou estética, acutilam fundo, por
vezes, as normas que a disciplina gramatical estabeleceu por boas e invioláveis.
‘De ordinário, quando se diz que certo termo deve concordar com outro,
tem-se em vista a forma gramatical deste termo de referência. Dúzia, povo,
embora exprimam pluralidade e multidão de seres, consideram-se, por causa da
forma, como nomes no singular.
Há, contudo, condições em que se despreza o critério da forma
atendendo apenas à ideia representada pela palavra, se faz concordar com
aquilo que se tem em mente. À frase assim constituída e que, analisada segundo
os meios de expressão, parece incongruente, os gramáticos dão os nomes de
constructio ad sensum ou, helenizando parte explicativa, constructio kata
synesin, ou, abreviando, simplesmente synesis (em português sínese).
Consiste, portanto, a sínese em fazer a concordância de uma palavra não
diretamente com outra palavra, mas com a ideia que esta gere” (SAID ALI,
1923, p. 280), “... não com a letra, mas com o espírito.” (BARRETO, 1927, p.
192)’.
São desvios, quase sempre inconscientes, que correspondem a matizes
do sentimento e da ideia. O estudo que dá explicação dessas irregularidades faz
parte de uma ciência especial chamada Estilística (ROCHA LIMA, 2011, p.
496-497).
Acompanhando seu antecessor Said Ali, Rocha Lima nomeia a concordância
ideológia como sínese. Porém, o estudo deste fenômeno, segundo o gramático, não seria
competência da Sintaxe e sim da Estilística. A propósito da concordância ideológica, diz
ainda que a gramática portuguesa tende a “[...] restringir cada vez mais os fenômenos
ideológicos e afetivos em seu sistema, por força da autocrítica coercitiva que a
gramática impõe aos que escrevem” (p. 498). Ao vincular a variação da forma à
variação do sentido, Rocha Lima neutraliza o princípio nuclear à variação que é o da
mudança formal sem mudança de sentido.
3.2 EVANILDO BECHARA
Entre os gramáticos mais frequentados contemporaneamente está Evanildo
Bechara. É autor de inúmeros livros, dentre eles a Moderna Gramática Portuguesa, que
está na 37ª. edição. Aos quinze anos, Bechara teve contato com o ícone da gramática
portuguesa, Said Ali. Ao tomar contato com a obra Lexeologia do Portuguez Histórico,
58
pressentiu que estava diante de uma obra inovadora, sob a influência, reconheceria mais
tarde, do Cours de Linguistique Générale de Ferdinand de Saussure.
Conheci o Professor Said Ali quando tinha 15 para 16 anos de idade. Ao ler os
livros dele, verifiquei que ele era um autor diferente dos demais que eu
compulsava como estudante de Língua Portuguesa no meu curso ginasial.
Estava no final do ginásio, quando entrei em contato com a Lexeologia do
Portuguez Histórico. Comecei a ler o livro pelo prólogo. Nesse prólogo, Said
Ali faz referências ao falante. Até então, estudávamos a língua divorciada do
falante. A língua parecia ter existência própria: nascia, crescia, vivia e morria
independente do falante. A Lexeologia é a primeira obra em língua portuguesa
escrita sob a influência do Cours de Linguistique Générale de Ferdinand de
Saussure, publicado postumamente em 1916 (BECHARA, 2008).
O impacto da obra fora tal que Bechara, por iniciativa própria, buscou o
número de telefone de Said Ali em um catálogo e ligou para a sua casa, sendo atendido
por uma voz feminina que foi consultar o “titio” sobre a possibilidade de receber um
“discípulo” interessado em “tirar algumas dúvidas”. Desligara o telefone com uma visita
agendada e, assim, sob a orientação de Said Ali, começava sua iniciação nos estudos
linguísticos.
Assim, desde muito cedo, em sua formação, a linguística moderna se faz
presente, contrapondo a norma como aquilo que “dever ser” à norma como aquilo que
“é”; o ideal ao real da língua; o um ao múltiplo. No excerto abaixo, extraído de seu
discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, transpiram vários princípios
basilares da linguística, como o vínculo da língua como a sua comunidade de falantes; a
concepção de que uma língua é um conjunto de várias línguas; a heterogeneidade de
normas:
Uma das mais frutíferas lições que trouxe a linguística moderna foi a
consciência, viva até para o falante ingênuo, que distingue o seu modo de falar
e o modo dos outros, de que uma língua histórica (português, francês, inglês,
espanhol, etc.) é o conjunto de línguas que funcionam a serviço de cada
comunidade integrante de uma comunidade maior, nacional. Se por norma se
entende a conformidade de usos fixados por uma tradição dentro da
comunidade de falantes, conclui-se que não se pode falar de uma só norma para
toda a língua portuguesa, como para as demais línguas históricas.
Esta concepção veio patentear o quanto andava mal a hierarquização ingênua
das línguas e a normatividade dogmática do que se deve dizer e do que se não
59
deve dizer, por acreditar que na língua só haveria uma e única norma - a da
língua padrão -, de modo que as construções que dela divergissem ou a ela
trouxessem novidade deveriam ser banidas por errôneas (BECHARA, 2001)
Porém, nesse mesmo discurso, Bechara afirma que o compromisso da
Academia é com a língua padrão e com a gramática normativa, atribuindo a organismos
especializados a tarefa de realizar descrições científicas da língua falada e falares
regionais, produção de atlas linguísticos, investigações no domínio da etimologia, entre
outras. Para abonar seu posicionamento prescritivo, lança mão de uma declaração do
linguista Joaquim Mattoso Câmara Jr.
É justo que a gramática normativa dê grande atenção à língua escrita. É ela que
a escola tem de ensinar em primeira mão. Acresce o primado da língua escrita
nas sociedades do tipo da nossa, dita “civilizada”. Aí, do ponto de vista
sociológico, a língua escrita se sobrepõe inelutavelmente à língua oral, pois
rege toda a vida geral e superior do país [...] Dá-se assim uma inversão em
termos sociais, da verdade puramente linguística, de que a escrita decorre da
fala e é secundária em referência a esta (MATTOSO CÂMARA Jr, p. 10, apud
BECHARA, 2001)
Contudo, mesmo se declarando um prescritivista, suas incursões no campo da
línguística deixam marcas no tratamento dispensado a várias matérias constantes de sua
Moderna Gramática Portuguesa, como se observa no estudo do fenômeno da
concordância. Por exemplo, ao definir o que é a concordância na língua portuguesa, diz:
“[...] a concordância consiste em se adaptar a palavra determinante ao gênero, número e
pessoa da palavra determinada” (BECHARA, 2006, p. 543). Nenhum outro gramático
aqui estudado havia empregado os termos determinante e determinado, amplamente
usados pela linguística estruturalista, para tratar da concordância.
Ao abordar a concordância verbal, distingue aquela que se faz de palavra para
palavra daquela que se faz de palavra para sentido. No primeiro caso, a concordância
pode ser total, se levar em conta a totalidade dos sujeitos gramaticais, ou parcial
(conhecida como atrativa), caso se faça apenas com a palavra determinada mais
próxima. Como os gramáticos anteriores, nomeia a concordância de palavra para
sentido como silepse, ou concordância ad sensum. Sua postura em relação à
concordância atrativa e à silepse evidencia a tensão entre a linguística e a gramática,
como se pode ler no trecho a seguir:
60
É preciso estar atento a que a liberdade de concordância que a língua
portuguesa muitas vezes oferece deve ser cuidadosamente aproveitada para não
prejudicar a clareza da mensagem e a harmonia do estilo.
Na língua oral, em que o fluxo do pensamento corre mais rápido que a
formulação e estruturação da oração, é muito comum enunciar primeiro o verbo
– elemento fulcral da atividade comunicativa – para depois se seguirem os
outros termos oracionais. Nestas circunstâncias, o falante costuma enunciar o
verbo no singular, porque ainda não pensou no sujeito a quem atribuirá função
predicativa contida no verbo; se o sujeito, neste momento, for pensado como
pluralidade, os casos de discordância serão aí frequentes. O mesmo ocorre com
a concordância nominal, do particípio.
A língua escrita, formalmente mais elaborada, tem meios de evitar estas
discordâncias. (BECHARA, 2006, p. 544)
Embora mencione, entre os casos de concordância verbal, a silepse e a atração
pelo mais próximo, Bechara parece tolerá-las apenas na língua falada, já que a
instantaneidade da linguagem e do pensamento não propicia o monitoramento e a
correção de construções gramaticais de acordo com as normas sintáticas da língua
padrão. Refere-se a esses casos, como “liberdade de concordância” e “discordâncias”,
ressaltando que a língua escrita pode evitá-las, por ser “formalmente mais elaborada”. A
liberdade de concordância, normal na modalidade oral de linguagem, não pode
comprometer “a clareza da mensagem e harmonia do estilo”. Sobressai-se, portanto, a
postura normativa.
3.3 CELSO CUNHA E LINDLEY CINTRA
Em parceria com Lindley Cintra, Celso Cunha é autor de A Nova Gramática do
Português Contemporâneo. Embora definam a gramática em questão como uma
“descrição do português atual em sua forma culta, ou seja, da língua como a têm
utilizado os escritores brasileiros, portugueses e africanos do Romantismo para cá”, os
autores se mostram sensíveis às variantes populares, introduzindo observações como:
“É esta a construção preferida da linguagem popular” (CUNHA e CINTRA, 2007, p.
503).
De acordo com Cunha e Cintra, a concordância verbal é uma relação de
solidariedade entre o verbo e o sujeito, com o verbo se flexionando para conformar-se
ao número e à pessoa do sujeito. Há, sem dúvida, nessa conceituação, uma retomada do
princípio de identidade e conveniência, tal como postulado por Arnauld e Lancelot
(1660), na Gramática Geral. É impossível não perceber a relação interdiscursiva entre
61
solidariedade e conformação e identidade e conveniência, mesmo que ela não seja
explicitada, ou seja, mesmo que ela se faça na forma da heterogeneidade não mostrada.
Além disso, a concordância é um sistema que torna possível a ocultação do sujeito, já
que ele se presentifica no verbo por meio das desinências número-pessoais. Dessa
forma, a concordância verbal é apresentada como um virtuoso princípio de coesão, já
que ela permite as retomadas que garantem a textura, sem que haja repetição, vista
como indesejável quando muito recorrente no enunciado escrito.
1. A solidariedade entre o verbo e o sujeito, que ele faz viver no tempo,
exterioriza-se na CONCORDÂNCIA, isto é, na variabilidade do verbo para
conformar-se ao número e à pessoa do sujeito.
2. A CONCORDÂNCIA evita a repetição do sujeito, que pode ser indicada pela
flexão verbal a ele ajustada. (CUNHA e CINTRA, 2007, p. 496)
Na seção em que abordam as regras de concordância do verbo com o sujeito
composto com um ou vários pronomes pessoais, Cunha e Cintra acentuam a tendência
do português brasileiro de não usar a 2.ª pessoa do singular (tu) ou do plural (vós),
sendo preteridos pelos pronomes de tratamento você e vocês:
Na linguagem corrente do Brasil, evitam-se as formas do sujeito
composto que levam o verbo à 2.ª pessoa do plural, em virtude do desuso do
tratamento vós e, também, da substituição do tratamento tu por você, na maior
parte do país.
Em lugar da 2.ª pessoa do plural, encontramos, vez por outra, tanto em
Portugal como no Brasil, o verbo na 3.ª pessoa do plural, quando um dos
sujeitos é da 2.ª pessoa do singular (tu) e os demais da 3.ª pessoa. (CUNHA e
CINTRA, 2007, p. 498)
Embora o uso da segunda pessoa do singular ou do plural não seja da índole do
português brasileiro6, a norma que regula a primazia da segunda pessoa sobre a terceira
não deixa de figurar entre as demais, sendo abonada por exemplos extraídos de obras
literárias, o que, aliás, é coerente com a vocação dA Nova Gramática do Português
Contemporâneo, mencionada no primeiro parágrafo desta seção. A preocupação dos
gramáticos era codificar a norma culta do português contemporâneo, a despeito de suas
6
No Brasil, o uso de “tu” ainda é ouvido em alguns falares regionais, a exemplo do gaúcho. Vale
ressaltar, contudo, que comumente o “tu” se faz acompanhar de um verbo na terceira pessoa e na
segunda. Já a segunda pessoa do plural “vós” é uma forma em franco declínio, persistindo apenas em
alguns discursos arcaicos, como o religioso (no folheto da missa, o uso de “vós” é abundante), por
exemplo.
62
variações diatópicas e diastráticas, para “mostrar a superior unidade da língua em sua
natural diversidade”.
3.4 PARALELO ENTRE EVANILDO BECHARA, ROCHA LIMA
LINDLEY CINTRA
E
CELSO CUNHA
E
No quadro a seguir estabelece-se uma comparação entre as abordagens da
concordância verbal por Bechara, Rocha Lima e Cunha e Cintra, a partir das regras
gerais. Nem todos eles tratam dos mesmos casos, por isso, o quadro comparativo pode
exibir vazios.
REGRA GERAL DE CONCORDÂNCIA VERBAL – um só núcleo:
Bechara (1961, p. 554)
Rocha Lima (1957, p. 472)
Cunha e Cintra (1970, p. 497)
a) Se o sujeito for simples e Havendo um só núcleo (sujeito O verbo concorda em número e
singular, o verbo irá para o simples), com ele concorda o pessoa com o seu sujeito, venha
singular, ainda que seja coletivo: verbo em pessoa e número:
ele claro ou subentendido:
“A vida tem uma só entrada: a “Eu ouço o canto do Brasil.”
“A paisagem ficou espiritualisaída é por cem portas.”
“Naquela grande rua sossegada zada.
b) Se o sujeito for simples e nós fizemos, um dia, o nosso Tinha adquirido uma alma. E
plural, o verbo irá para o plural:
ninho:”
uma nova poesia
“Os bons conselhos desprezaDesceu do céu, subiu do mar,
dos são com dor comemoracantou na estrada...”
dos.”
REGRA GERAL DE CONCORDÂNCIA VERBAL – com mais de um núcleo:
Bechara (p. 554)
Rocha Lima (p. 473)
Cunha e Cintra (p. 497)
Se o sujeito for composto, o ver- Havendo mais de um núcleo (su- O verbo que tem mais de um
bo irá, normalmente, para o plu- jeito composto), o verbo vai para sujeito (sujeito composto) vai
ral, qualquer que seja a sua posi- o plural e para a pessoa que tiver para o plural e, quanto à pessoa,
ção em relação ao verbo:
primazia, na seguinte escala:
irá:
“[...] os ódios civis, as ambições, a) A 1.ª pessoa prefere todas as a) para a 1.ª pessoa do plural, se
a ousadia dos bandos e a cor- outras.
entre os sujeitos figurar um da
rupção dos costumes haviam fei- b) Não figurando a 1.ª pessoa, a 1.ª pessoa:
to incríveis progressos.”
preferência cabe à 2ª.
“Só eu e Florêncio ficamos calac) Na ausência de uma e outra, o dos, à margem.”
verbo assume a forma da 3ª b) para a 2.ª pessoa do plural, se,
pessoa.
não existindo sujeito da 1.ª pesExemplos:
soa, houver um da 2.ª:
a) “Eu e o papai queremos “Nuvem sólida, rosa virginal,
aproveitá-lo, para conversar.”
água branca,
b) Neste caso tu e mais eles E tu, antiga sinfonia aérea,
todos sereis salvos.”
Pertenceis ao anjo, não a mim.”
c) “Roberto e o milagreiro che- c) para a 3.ª pessoa do plural, se
garam logo.”
os sujeitos forem da 3.ª pessoa:
“Quando o Loas e a filha chegaram às proximidades da courela, logo se anunciaram.”
Bechara (p. 555)
Quando o sujeito simples é
constituído de nome ou pronome
que se aplica a uma coleção ou
CONORDÂNCIA IDEOLÓGICA
Rocha Lima (p. 496 e 497)
Cunha e Cintra
Consiste, portanto, a sínese em
fazer a concordância de uma
palavra não diretamente com
63
grupo, pode o verbo ir ao plural.
A língua moderna impõe apenas
a condição estética, uma vez que
soa geralmente desagradável ao
ouvido construção do tipo: O
povo trabalhavam ou A gente
vamos.
Se houver, entretanto, distância
suficiente entre sujeito e o verbo
e se quiser acentuar a ideia de
plural do coletivo, não repugnam
à sensibilidade do escritor exemplos como os seguintes:
“Começou então o povo a
alborotar-se, e pegando do
desgraçado cético o arrastaram
até o meio do rossio e ali o
assassinaram, e queimaram,
com incrível presteza."
outra palavra, mas com a ideia
que sugere não com a letra, mas
com o espírito.
São desvios, quase sempre
inconscientes, que correspondem
a matizes do sentimento e da
ideia. O estudo e explicação
dessas irregularidades faz parte
de uma ciência especial chamada
Estilística.
O SUJEITO É UMA EXPRESSÃO PARTITIVA
Bechara (p. 557)
Rocha Lima (p. 479)
Cunha e Cintra (p. 499)
Se o sujeito é representado por Se a um nome ou pronome no Quando o sujeito é constituído
expressões do tipo de a maioria plural antepomos uma expressão por expressão partitiva (como:
de, a maior parte de, grande quantitativa
como
grande parte de, uma porção de, o
parte de e um nome no plural, o número de, grande quantidade grosso de, o resto de, metade de
verbo irá para singular ou plural: de, parte de, grande parte de, a e equivalentes) e um substantivo
maior parte de, e equivalentes, o ou pronome plural, o verbo pode
“a maior parte deles recusou verbo fica no singular ou no ir para o singular ou para o
segui-lo com temor do poder da plural.
plural:
regente” [AH]
a) Singular:
“A maior parte deles já não vai à
“A maioria dos condenados aca- fábrica!”
“e a maior parte dos esquadrões bou nas plagas africanas.”
“Uma porção de moleques me
seguiram-nos” [AH]
b) Plural:
olhavam admirados.”
“A maior parte das suas
companheiras eram felizes.”
O SUJEITO É O PRONOME RELATIVO que
Bechara (p. 561)
Rocha Lima (p. 491)
Cunha e Cintra (p. 500)
a) Se o sujeito da oração é o São por igual excelentes as 1. O verbo que tem como sujeito
pronome relativo que, o verbo construções dos tipos seguintes:
o pronome relativo que concorda
concorda com o antecedente, a) Fui eu que resolvi a questão.
em número e pessoa com o
desde que este não funcione b) Fui eu o que resolvi a antecedente deste pronome:
como predicativo de outra questão.
“Fui eu que lhe pedi que não
oração:
Exemplos:
viesse.”
“Não gastava ele as horas que a) “Não fui eu que assassinei.”
2. Se o antecedente do relativo
lhe sobejavam do exercício do “És tu que ris, louca?”
que é um demonstrativo, que
seu laborioso ministério numa b) “Não és tu o que atribulaste e serve de predicativo ou aposto
obra do senhor?”
afligiste os inocentes, tiranizaste de um pronome pessoal sujeito,
b) Se o antecedente do sujeito os que te tinham ofendido, e o verbo do relativo pode:
que for um pronome demonstra- sobretudo o que disseste injúrias, a) concordar com o pronome
tivo, o verbo da oração adjetiva afrontas e blasfêmias contra o pessoal sujeito, principalmente
vai para a 3.ª pessoa:
Altíssimo?”
quando o antecedente é o
“Aquele que trabalhava acredita
demonstrativo o (a, os, as):
num futuro melhor.”
“Não somos nós os que vamos
c) Se o antecedente do pronome
chamar esses leais companheiros
relativo funciona como predicade além-mundo.”
tivo, o verbo da oração adjetiva
b) ir para a 3.ª pessoa, em
pode concordar com o sujeito de
concordância com o demonssua principal ou ir para a 3.ª
trativo, se não há interesse em
64
pessoa (se não se quer insistir na
íntima
relação
entre
o
predicativo e o sujeito):
“Sou eu o primeiro que não sei
classificar este livro.”
d) É de rigor a concordância do
verbo com o sujeito de ser nas
expressões de tipo sou eu que, és
tu que, foste tu que, etc.
“Não fui eu que o assassinei.”
acentuar a íntima relação entre o
predicativo e o sujeito:
“Fui essa que nas ruas esmolou
E fui a que habitou Paços Reais...”
3. Quando o relativo que vem
antecedido das expressões um
dos, uma das (+ substantivo), o
verbo de que ele é sujeito vai
para a 3.ª pessoa do plural ou,
mais raramente, para a 3.ª pessoa
do singular:
“És um dos raros homens que
têm o mundo nas mãos.”
4. Depois de (um) dos que (=um
daqueles que) o verbo vai
normalmente para a 3.ª pessoa
do plural:
“Ela passou-se para outro mais
decidido, um dos que moravam
no quartinho dos grandes.”
Por vezes omite-se o um:
“Não sou dos que acreditam no
direito divino da velhice.”
O SUJEITO É O PRONOME RELATIVO quem
Bechara (p. 562)
Rocha Lima (p. 491)
Cunha e Cintra (p. 503)
e) Se ocorrer o pronome quem, o São por igual excelentes as 1. O pronome relativo quem
verbo da oração subordinada vai construções dos tipos:
constrói-se, de regra, com o
para a 3.ª pessoa do singular, c) “Fui eu quem resolveu a verbo na 3.ª pessoa do singular:
qualquer que seja o antecedente questão.”
“És tu quem murmura nas águas,
do relativo, ou concorda com b) “Fui eu quem resolvi a Tu és quem respira por mim.”
este antecedente:
questão.”
2. Não faltam, porém, exemplos
“Eram as paixões, os vícios, os Exemplos:
de bons autores em que o verbo
afetos personalizados quem fazia c) “Fui eu quem a matou.”
concorda com o pronome
o serviço dos seus poemas.”
d) “E tu és quem tens a culpa de pessoal, sujeito da oração
“És tu quem me dás rumor à eu viver sempre à sombra.”
anterior. Neste caso, põe-se em
quieta noite, És tu quem me dás
relevo, sem rodeios mentais, o
frescor à mansa brisa, Quem dás
sujeito efetivo da ação expressa
fulgor ao raio, asas ao vento,
pelo verbo:
Quem na voz do trovão longe
“Não sou eu quem escrevo. Eu
rouquejas.”
sou a tela e oculta mão colora
alguém em mim.”
É esta a construção preferida da
linguagem popular.
O SUJEITO É UM PRONOME INTERROGATIVO, DEMONSTRATIVO OU INDEFINIDO
PLURAL, SEGUIDO DE de (OU dentre) nós (OU vós)
Bechara (p. 560)
Rocha Lima (p. 480-481)
Cunha e Cintra (p. 503)
Se o sujeito for constituído de Quais, quantos, alguns, muitos, Se o sujeito é formado por
um pronome plural de sentido poucos, vários + de nós, de vós, algum dos pronomes interrogapartitivo (quais, quantos, alguns, dentre nós, dentre vós – com tivos (quais? Quantos?), dos
nenhuns, muito, poucos, etc.), o sujeitos deste tipo, o verbo fica demonstrativos (estes, esses,
verbo concorda com a expressão na 3.ª pessoa do plural, ou aqueles) ou dos indefinidos no
partitiva introduzida por de ou concorda com o pronome nós ou plural (alguns, muitos, poucos,
dentre:
vós.
quaisquer, vários), seguido de
“Quais dentre vós... sois neste “(...) quantos dentre vós estudam uma das expressões de nós, de
mundo sós e não tendes quem na conscientemente o passado?”
vós, dentre nós ou dentre vós, o
morte regue com lágrima a terra
verbo pode ficar na 3.ª pessoa do
que vos cobrir? Quais de vós Qual de nós ou de vós, dentre plural ou concordar com o
65
sois, como eu, desterrados no
meio do gênero humano?”
Pode ainda ocorrer o verbo na 3.ª
pessoa de plural:
“Quantos dentre vós estudam
conscientemente o passado?”
nós ou dentre vós – Se o
interrogativo está no singular,
torna-se impossível a concordância com o pronome que figura no
complemento. Neste caso, fica o
verbo somente na 3.ª pessoa do
singular.
Exemplos:
“Qual de vós arguirá de pecado?”
“Qual de vós outros, cavaleiros –
dizia Pelágio aos que o rodeavam – duvidará um momento...?”
pronome pessoal que designa o
todo:
“Mas, quantos, dentre vós, ainda
estão vivos, devotam à vida a
mesma paixão de outrora?”
“Muitos de nós andam por aí,
querendo puxar conversa com
vocês.”
Se o interrogativo ou o indefinido estiver no singular, também
no singular deverá ficar o verbo:
“Quando as nuvens começaram a
existir, qual de nós estava presente?”
O SUJEITO É UM PLURAL APARENTE
Bechara (p. 564)
Rocha Lima
Cunha e Cintra (p. 504)
Geralmente se usa o verbo no
Os nomes de lugar, e também os
plural:
títulos de obras, que têm forma
“Por isso, as Cartas Persas
de plural são tratados como
anunciam o Espírito das Leis.”
singular,
se
não
vierem
Com o verbo ser e predicativo
acompanhados de artigo:
no singular pode ocorrer o sin“Mas Vassouras é que não o
gular:
esquecerá tão cedo.”
“as Cartas Persas é um livro
Quando esses nomes são precegenial...”
didos de artigo, o verbo assume
normalmente a forma plural:
“Os Estados Unidos, então, por
sua vez, tentam uma demonstração espetacular.”
CONCORDÂNCIA DO VERBO SER
Bechara (p. 558)
Rocha Lima (p. 492)
Cunha e Cintra (p. 505)
Como se dá com a relação 1º CASO: Tendo por sujeito o 1. Em alguns casos o verbo ser
sintática de qualquer verbo e o pronome interrogativo quem, o concorda com o predicativo.
sujeito da oração, o normal é que indefinido tudo, ou um dos Assim:
sujeito e verbo ser concordem demonstrativos neutros isto, isso, 1.ª) Nas orações começadas
em número:
aquilo e o (que), e por pelos pronomes interrogativos
“José era um aluno aplicado.”
predicativo um substantivo no substantivos que? E quem?:
Todavia, em alguns casos, o plural -, é costume pôr-se neste “- Que são seis meses?”
verbo ser se acomoda à flexão número o verbo ser, mas não “Quem teriam sido os primeiros
do predicativo, especialmente escasseiam exemplos em que ele deuses?”
quando se acha no plural. São os aparece no singular:
2.ª) Quando o sujeito do verbo
seguintes os casos em que se dá Plural: “Eram tudo travessuras ser é um dos pronomes isto, isso,
esta concordância:
de criança.”
aquilo, tudo ou o (=aquilo) e o
a) quando um dos pronomes isto, Singular: “Tudo é flores no predicativo vem expresso por um
isso, aquilo, tudo ninguém, presente.”
substantivo no plural:
nenhum ou expressão de valor 2º CASO: Se o sujeito for “Tudo isto eram sintomas
coletivo do tipo de o resto, o pessoa, com ele há de concordar graves.”
mais é sujeito do verbo ser:
o verbo, qualquer que seja o 3.º) Quando o sujeito é uma
“Tudo
eram
alegrias
e número do predicativo.
expressão de sentido coletivo,
cânticos.”
Exemplo:
como o resto, o mais:
b) quando o sujeito é constituído “Ovídio é muitos poetas ao “O resto são atributos sem
pelos pronomes interrogativos mesmo tempo.”
importância.”
quem, que, o que:
3.º CASO: Quando um dos dois “O mais são casas esparsas.”
“O que são comédias?”
termos da frase – sujeito ou 4.º) Nas orações impessoais:
“Quem eram os convidados?”
predicativo – for pronome “São duas horas da noite.”
“Não sei quem são os pessoal, faz-se a concordância
vencedores.”
com este pronome.
Observação:
c) quando o verbo ser está Exemplo:
Empregados com referência às
66
empregado na acepção de “ser
constituído por”:
“A provisão eram alguns quilos
de arroz.”
d) quando o verbo ser é
empregado impessoalmente, isto
é, sem sujeito, nas designações
de horas, datas, distâncias:
“São dez horas? Ainda não o
são.”
e) quando o verbo ser aparece
nas expressões é muito, é pouco,
é mais de, é tanto e o sujeito é
representado por termo no plural
que denota preço, medida ou
quantidade:
“Sessenta mil homens muita
gente é para casa tão pequena.”
Nas orações ditas equitativas em
que com ser se exprime a
definição ou a identidade, o
verbo,
posto
entre
dois
substantivos
de
números
diferentes, concorda em geral
com aquele que estiver no plural.
Às vezes, um dos termos é um
pronome:
“A pátria não é ninguém: são
todos.”
Se o sujeito está representado
por pronome pessoal, o verbo ser
concorda com o sujeito, qualquer
que seja o número do termo que
funciona como predicativo:
“Ela era as preocupações do
pai.”
Na expressão, que introduz
narrações, do tipo era uma
princesa, o verbo ser é
intransitivo, com o significado
de existir, funcionando como
sujeito o substantivo seguinte,
com o qual concorda:
“Era uma princesa muito
formosa que vivia num castelo
de cristal.”
Bechara
“Todo eu era olhos e coração.”
4º CASO: Estando o verbo ser
entre dois substantivos de
números diversos, ambos comuns -, o que vai orientar a
concordância é o sentido da
frase: ela se fará com o termo a
que se quiser dar maior relevo,
isto é, com o elemento mais
importante para quem fala.
Exemplo:
“Justiça é tudo, justiça é as
virtudes todas, justiça é religião, justiça é caridade, justiça é
sociabilidade, é respeito às leis, à
lealdade, é honra, é tudo enfim.”
5º CASO: Emprega-se no
singular o verbo figurante nas
locuções é muito, é pouco, é
mais de, é tanto, junto à especificação de preço, peso,
quantidade, etc.
Exemplo:
“Vinte e quatro horas não é
muito.”
6º CASO: Quando é usado
impessoalmente, a concordância
dá-se com o predicativo.
Exemplos:
“Hoje são vinte e um do mês,
não são?”
horas do dia, os verbos dar,
bater,
soar
e
sinônimos
concordam com o número que
indica horas:
“Soaram doze horas por igrejas
daqueles vales.”
2. Se o sujeito for nome de
pessoa ou pronome pessoal, o
verbo normalmente concorda
com ele, qualquer que seja o
número do predicativo:
“Ovídio é muitos poetas ao
mesmo tempo, e todos excelentes.”
Não é rara, porém, a concordância com o predicativo plural
quando este representa partes do
corpo da pessoa nomeada no
sujeito:
“Santinha eram dois olhos
míopes, quatro incisivos claros à
flor da boca.”
3. Quando o sujeito é constituído de uma expressão numérica que se considera em sua
totalidade, o verbo ser fica no
singular:
“Oito anos sempre é alguma
coisa.”
4. Nas frases em que ocorre a
locução invariável é que, o verbo
concorda com o substantivo ou
pronome que a precede, pois são
eles efetivamente o seu sujeito:
“Tu é que deves escolher o sítio.”
CONCORDÂNCIA COM O SUJEITO MAIS PRÓXIMO
Rocha Lima (p. 474)
Cunha e Cintra (p. 509)
Em certas situações, não é raro Vimos que o adjetivo que
que o verbo que tem sujeito modifica vários substantivos
composto concorde apenas com pode, em certos casos, concordar
o núcleo que lhe estiver mais com o substantivo mais próximo.
próximo – o que costuma Também o verbo que tem mais
ocorrer:
de um sujeito pode concordar
1) Quando o sujeito composto com o sujeito mais próximo:
vier depois do verbo:
a) quando os sujeitos vêm depois
“Que me importava Carlota, o dele:
lar, a sociedade e seus códigos?” “Que te seja propício o astro e a
2) Quando o sujeito composto flor, que a teus pés se incline a
67
for constituído de palavras
sinônimas ou quase sinônimas,
de sorte que se nos apresentem
ao espírito como um todo
indiviso, ou como elementos que
simplesmente se reforçam:
“O mais importante era aquele
desejo e aquela febre que os
unia como o barro une as pedras
duras.”
3) Quando os núcleos do sujeito
composto se ordenarem numa
gradação de ideias, concentrando-se no último deles a atenção
do escritor:
“E entrava a girar em volta de
mim, à espreita de um juízo, de
uma palavra, de um gesto, que
lhe aprovasse a recente produção.”
Bechara
Bechara
INFINITIVOS SUJEITOS
Rocha Lima (p. 501)
Assim, ao lado do infinitivo
impessoal, sem sujeito e,
portanto, sem flexão, possuímos
um infinitivo pessoal, que,
referido a um sujeito, pode, ou
não, flexionar-se.
Exemplos:
“Fumar é nocivo à saúde.”
(infinitivo impessoal)
“Trabalha, meu filho, para
agradar a Deus.” (infinitivo
pessoal não flexionado)
“Trabalha, meu filho, para
agradares a Deus.” (infinitivo
pessoal flexionado)
Até hoje não foi possível aos
gramáticos formular um comjunto de regras fixas, pelas quais
se regesse o emprego de uma e
outra forma. A cada passo
infringem os escritores alguns
preceitos tidos por definitivos; e
isso porque, ao lado das razões
de ordem gramatical, e interferindo nelas, alcançam-se muitas vezes ao primeiro plano
certas condições reclamadas pela
clareza, ênfase e harmonia de
expressão.
Terra e o Mar.”
b) quando os sujeitos são
sinônimos ou quase sinônimos:
“A conciliação, a harmonia
entre uns e outros é possível.”
c) quando há uma enumeração
gradativa:
“A mesma coisa, o mesmo ato, a
mesma palavra provocava ora
risadas, ora castigos.”
d) quando os sujeitos são interpretados como se constituíssem
em conjunto uma qualidade, uma
atitude:
“A grandeza e a significação das
coisas resulta do grau de transcendência que encerram.”
Cunha e Cintra (p. 510)
Quando os sujeitos são dois ou
mais infinitivos, o verbo fica no
singular:
“Olhar e ver era para mim um
recurso de defesa.”
Mas o verbo pode ir para o
plural quando os infinitivos exprimem ideias nitidamente comtrárias:
“Em sua vida, à porfia, Se alternam rir e chorar.”
SUJEITOS RESUMIDOS POR UM PRONOME INDEFINIDO
Rocha Lima (p. 479)
Cunha e Cintra (p. 511)
Quando a vários sujeitos se Quando
os
sujeitos
são
seguir uma das palavras de resumidos por um pronome
síntese – tudo, nada, algo, indefinido (como tudo, nada,
alguém, ninguém, etc. -, fica o ninguém), o verbo fica no
verbo no singular, mesmo que singular, em concordância com
68
entre os sujeitos haja algum ou
alguns no plural.
Exemplos:
“As cidades, os campos, os
vales, os montes, tudo era mar.”
“Comandantes, oficiais, soldados, ninguém escapou com vida
naquele dia lutuoso.”
esse pronome:
“O pasto, as várzeas, a caatinga,
o marmeleiral esquelético, era
tudo de um cinzento de
borralho.”
A mesma concordância se faz
quando o pronome anuncia os
sujeitos:
“Tudo o fazia lembrar-se dela: a
manhã, os pássaros, o mar, o
azul do céu, as flores, os
campos, os jardins, a relva, as
casas, as fontes, sobretudo as
fontes, principalmente as fontes.”
SUJEITOS LIGADOS POR ou E nem
Bechara (p. 556 e 557)
Rocha Lima (p. 485 e 489)
Cunha e Cintra (p. 512)
 OU
 OU
 OU e NEM
O verbo concordará com o 1) Impõe-se o emprego do verbo 1) Quando o sujeito composto é
sujeito mais próximo se a com- no singular em dois casos:
formado de substantivos no
junção indicar:
a) Quando, coordenando dois ou singular
ligados
pelas
mais substantivos no singular, a conjunções ou ou nem, o verbo
a) exclusão:
“a quem a doença ou a idade partícula ou for alternativa, de costuma ir:
impossibilitou de ganharem o tal forma que o verbo só se refira a) para o plural, se o fato exsustento...”
a um dos sujeitos, com exclusão presso pelo verbo pode ser
atribuído a todos os sujeitos:
b) retificação de número gra- dos demais.
Exemplo:
“O mal ou o bem dali teriam de
matical:
“Cantares é o nome que o autor “(...) crendo que Fainamá ou vir.”
ou autores do Cancioneiro alguma de suas irmãs era b) para o singular, se o fato exchamado do Colégio dos Nobres morta.”
presso pelo verbo só pode ser
dão a cada um dos poemetos...”
b) Quando, coordenado dois ou atribuído a um dos sujeitos, isto
mais substantivos no singular, a é, se há ideia de alternativa:
c) identidade ou equivalência:
“O professor ou o nosso segundo partícula
ou
exprimir “Fui devagar, mas o pé ou o
pai merece o respeito da pátria.”
equivalência, de tal forma que o espelho traiu-me.”
Se a ideia expressa pelo verbo se possa igualmente referir 2) Nota-se, porém, na linguagem
predicado puder referir-se a toda a qualquer um desses sujeitos.
coloquial uma tendência de
a série do sujeito composto, o Exemplo:
anular tais distinções, principalverbo irá para o plural mais “Um cardeal, ou papa, enquanto mente quando os sujeitos estão
frequentemente, porém pode homem, não é mais do que uma ligados pela conjunção nem.
ocorrer o singular:
pessoa...”
Encontra-se frequentemente o
“A nulidade ou a validade do
plural onde seria de esperar o
contrato... eram assunto de 2) Vai, ao revés, o verbo para o singular.
direito civil.”
plural:
Assim:
a) Quando, coordenando dois ou “Nem João nem Carlos serão
 NEM
O sujeito composto ligado pela mais substantivos no singular, a eleitos presidente do clube.”
série aditiva negativa nem... nem partícula ou for aditiva (= e), de Outras vezes, faz-se concordânleva o verbo normalmente ao tal forma que a noção indicada cia com o sujeito mais próximo,
pelo verbo abranja, ao mesmo embora a ação se refira a cada
plural e, às vezes, ao singular:
um dos sujeitos.
“É a nobre dama recém-chegada, tempo, todos os sujeitos.
Assim:
à qual nem o cansaço de Exemplo:
trabalhosa jornada, nem o hábito “O calor forte ou frio excessivo “Nem o sol, nem o vento, nem o
dos cômodos do mundo puderam eram temperaturas igualmente ruído das águas, nem mesmo a
nocivas ao doente.”
preocupação de que eu pudesse
impedir...”
Constituído o sujeito pela série b) Quando um dos sujeitos persegui-los perturbava o aconchego.”
nem um ... nem outro, fica o ver- estiver no plural.
Exemplo:
3) Se os sujeitos ligados por ou
bo no singular:
“Nem um nem outro compare- “As penas que são Pedro ou ou por nem não são da mesma
seus sucessores fulminam contra pessoa, isto é, se entre eles há
ceu ao exame.”
os homens...”
algum expresso por pronome da
69
 NEM
a) É caso difícil de disciplinar;
mas pode-se ter por norma
empregar o verbo no plural
quando os sujeitos são da 3ª
pessoa.
Exemplo:
“Nem a natureza, nem o
demônio deixaram a sua antiga
posse.”
b) “Querendo-se, todavia, pôr
em relevo” – são palavras de
Said Ali – “que a mesma ação se
repete para cada um dos sujeitos,
sucessivamente ou em épocas
diferentes, dá-se ao verbo a
forma do singular, desde que no
singular também estejam os
diversos sujeitos.”
Exemplo:
“Nem a lisonja, nem a razão,
nem o exemplo, nem a esperança
bastava a lhe moderar as
ânsias...”
c) Se algum dos sujeitos é
pronome
pessoal,
a
concordância se faz de acordo
com os princípios da primazia,
alvo se o verbo anteceder os
sujeitos.
Exemplo:
“Nem meu primo, nem eu
frequentamos tal sociedade.”
d) Terminando a série negativa
por palavra ou expressão que
resuma alguns dos sujeitos
anteriores ou todos eles,
concorda o verbo com esta
palavra ou expressão.
Exemplo:
“Nem eles, nem outrem há de
possuir nada.”
Bechara
A LOCUÇÃO um E outro
Rocha Lima (p. 476)
O substantivo que se segue à
expressão um e outro só se usa
no singular, mas o respectivo
verbo pode empregar-se no
singular ou no plural.
Exemplo:
“Um e outra coisa lhe
desagrada.”
“De repente, um e outro
desapareceram, como se a terra
os houvera engolido.”
SUJEITOS LIGADOS por COM
1ª ou da 2ª pessoa, o verbo irá
normalmente para o plural e para
a pessoa que tiver precedência.
“Ou ela ou eu havemos de
abandonar para sempre esta
casa; e isto hoje mesmo.”
4) As expressões um ou outro e
nem um nem outro, empregadas
como pronome substantivo ou
como pronome adjetivo, exigem
normalmente o verbo no
singular:
“Um ou outro porco era cevado
e as salgadeiras de Corrocovo
suavizaram o inverno.”
Não é raro, porém, a construção
com o verbo no plural quando as
expressões se empregam como
pronome substantivo:
“Mas nem um nem outro puderam compreender logo toda a
extensão e a gravidade do mal.”
Cunha e Cintra (p. 514)
A locução um e outro pode levar
o verbo ao plural ou, com menos
frequência, ao singular:
“Um e outro tinham a sola rota.”
As duas construções são
admissíveis ainda quando a
locução é usada como pronome
adjetivo, caso em que precede
sempre um substantivo no
singular:
“Mas uma e outra cousa
duraram
apenas
rápido
instante.”
70
Bechara (p. 556)
Se o sujeito no singular é
seguido imediatamente de outro
no singular ou no plural
mediante a preposição com, ou
locução equivalente, pode o
verbo ficar no singular, ou ir ao
plural
para
realçar
a
participação simultânea na
ação:
“El-rei, com toda a corte e toda a
nobreza, estava fora da cidade,
por causa da peste em que então
Lisboa ardia.”
Rocha Lima (p.481)
O mais frequente é usar-se o
plural, visto que ambos os
sujeitos “aparecem em pé de
igualdade tal, que se podem
considerar como enlaçados por
e”.
Exemplos:
“D. Maria da Glória firmou a
doação, e a milanesa com seu
filho partiram para a Itália.”
Emprega-se (mas raramente) o
verbo no singular quando o
segundo sujeito é posto em plano
tão inferior, que se degrada à
simples condição de um
complemento
adverbial
de
companhia. Por este meio – mais
pertencente à linguagem afetiva
– dá-se relevo especial ao
primeiro sujeito.
Cunha e Cintra (p.514)
Quando os sujeitos vêm unidos
pela partícula com, o verbo pode
usar-se no plural ou em
concordância com o primeiro
sujeito, segundo a valorização
expressiva que dermos ao
elemento regido de com.
Assim, o verbo irá normalmente:
a) para o plural, quando os
sujeitos estão em pé de
igualdade, e a partícula com os
enlaça como se fosse a
conjunção e:
“O mestre com o boleeiro
fizeram a emenda.”
b) para o número do primeiro
sujeito, quando pretendemos
realçá-lo em detrimento do
segundo, reduzindo à condição
de
adjunto
adverbial
de
companhia:
“A viúva, como o resto da
família, mudara-se para Vila
Isabel, desde o rompimento.”
SUJEITOS LIGADOS POR CONJUNÇÃO COMPARATIVA
Bechara (p. 556)
Rocha Lima (p. 483)
Cunha e Cintra (p. 515)
Se o sujeito composto tem seus Se o sujeito é construído com a Quando dois sujeitos estão
núcleos ligados por série aditiva presença de uma fórmula unidos por uma das conjunções
enfática (não só, mas, tanto... correlativa, deve preferir-se o comparativas como, assim como,
quanto, não só... como, etc.), o verbo no plural.
bem como e equivalentes, a
verbo concorda com o mais “Assim Saul como Davi, concordância
depende
da
próximo ou vai ao plural (o que debaixo do seu saial, eram interpretação que dermos ao
é mais comum quando o verbo homens de tão grandes espíritos, conjunto:
vem depois do sujeito):
como logo mostraram suas Assim, o verbo concordará:
“Tanto o lidador como o abade obras.”
a) Com o primeiro sujeito, se
haviam seguido para o sítio que É raro aparecer o verbo no quisermos destacá-lo:
ele parecia buscar com toda a singular:
“O nome, como o corpo, é nós
precaução.”
“(...) tanto uma, como a outra, também.”
suplicava-lhe que esperasse até b) Com os dois sujeitos
passar a maior correnteza.”
englobadamente (isto é: o verbo
irá para o plural), se os
considerarmos termos que se
adicionam, que se reforçam,
interpretação que normalmente
damos, por exemplo, a estruturas
correlativas do tipo tanto...
como:
“É inútil acrescentar que tanto
ele como eu esperamos que você
nos dê sempre notícias.”
Bechara (p. 560)
Depois de mais de um o verbo é
em geral empregado no singular,
sendo raro o aparecimento de
verbo no plural:
“... mais de um poeta tem der-
MAIS DE UM
Rocha Lima (p. 478)
Fica no singular o verbo,
concordando com o substantivo
que acompanha a expressão.
Exemplo:
“Mais de um jornal fez alusão
Cunha e Cintra
71
ramado...”
“Mais de um coração de guerreiro batia apressado...”
nominal ao Brasil.”
Se a expressão mais de um estiver repetida, ou se for intenção
do escritor inculcar ideia de
reciprocidade, é o plural que
recorrem os bons autores.
A CONCORDÂNCIA COM VERBOS IMPESSOAIS
Bechara (p. 562)
Rocha Lima (p. 488)
Cunha e Cintra
Nas orações sem sujeito o verbo Em português, são impessoais,
assume a forma da 3ª pessoa do isto é, empregam-se sem sujeito,
singular:
os seguintes verbos, princi“Há vários nomes aqui.”
palmente:
“Deve haver cinco premiados.”
a) Os que, no sentido próprio,
indicam fenômenos naturais:
chover, gear, nevar, alvorecer,
amanhecer, anoitecer, etc.
b) Fazer, acompanhado do
objeto direto, quando indica
fenômenos devidos a fatos
astronômicos (fazer calor, frio,
vento, trovões, sol, etc.)
Exemplos:
“Aqui faz verões terríveis.”
“Faz hoje precisamente sete
anos; voltávamos da Escola
Militar.”
Combinando-se a um auxiliar,
transmite a este sua impessoalidade.
Exemplo:
“Vai fazer cinco anos que ele se
doutorou.”
c) Haver, seguido de objeto
direto, significando a existência
de uma pessoa ou coisa.
Exemplo:
“Se não houvesse ingratidões,
como haveria finezas?”
A impessoalidade deste verbo
estende-se
também
aos
auxiliares que com ele formam
perífrases, como se vê no
exemplo seguinte:
“Então
convosco
também,
senhores meus, pode haver
pactos?”
d)
Acontecer,
suceder
e
sinônimos, acompanhados de
adjunto adverbial de modo.
Bechara (p. 563)
Se aparece o sujeito relógio, com
ele concorda o verbo da oração:
“O relógio deu duas horas.”
Não havendo o sujeito relógio, o
verbo concorda com o sujeito
expresso
pela
expressão
numérica:
A CONCORDÂNCIA COM dar
Rocha Lima (p. 487)
Cunha e Cintra (p.-)
Em frases assim, estes verbos
tem por sujeito o número que
indica as horas.
Exemplos:
“Deram dez horas.”
“Deram agora mesmo as três da
madrugada.”
72
“No relógio deram duas horas.”
A CONCORDÂNCIA COM O VERBO NA PASSIVA PRONOMINAL
Bechara (p. 563)
Rocha Lima (p.475)
Cunha e Cintra
A língua padrão pede que o Atenção especial deve merecer a
verbo concorde com o termo que concordância de verbo acompaa gramática aponta como sujeito: nhado da partícula se e seguido
“Alugam-se casas.”
de substantivo no plural, em
“Vendem-se apartamentos.”
construções do tipo:
“Fazem-se chaves.”
Alugam-se casas. Regulam-se
relógios. Venderam-se todos os
Se o verbo estiver no infinitivo bilhetes.
com sujeito explícito, o normal é Este substantivo, representado
usar o infinitivo flexionado (geralmente) por ser inanimado,
como no exemplo de M. de é o sujeito da frase -, razão pela
Assis:
qual com ele há de concordar
“e para se perderem (cinco com o verbo.
contos) assim...” (MA)
Todavia, aqui e ali bons
escritores
deixam
escapar
exemplos com o infinitivo sem
flexão:
Basta ver o que este bom povo é
para se avaliar as excelências de
quem assim o educou. (CB)
A CONCORDÂNCIA DO VERBO COM SUJEITO ORACIONAL
Bechara (p. 565)
Rocha Lima (p.484)
Cunha e Cintra (p.-)
Fica no singular o verbo que tem Fica no singular o verbo que se
por sujeito uma oração, que, refere a vários sujeitos expressos
tomada materialmente, vale por por orações, quer iniciadas por
um substantivo do número conectivo, quer reduzidas.
singular e do gênero masculino:
Exemplo:
“Parece que tudo vai bem.”
“Que Sócrates nada escreveu e
Permanece no singular o verbo que Platão expôs as doutrinas de
que tem como sujeito duas ou Sócrates é sabido.”
mais orações coordenadas entre No caso de os sujeitos exprimem
si:
contraste de ideias, usa-se o
“Que Sócrates nada escreveu e plural:
que Platão expôs as doutrinas de “Usar de razão e amar são duas
Sócrates é sabido.”
coisas que não se ajuntam.”
Dispostas lado a lado, as regras de concordância verbal constantes das três
gramáticas estudadas evidenciam uma estreita rede intertextual. Não raro, o enunciado
de uma regra é muito semelhante num gramático e noutro, assim como os exemplos
usados podem coincidir. Veja-se o que dizem Bechara e Rocha Lima sobre a
concordância do verbo com sujeito oracional, bem como o exemplo dado por eles
(ENUNCIADO 1), e Bechara e Cunha e Cintra sobre a concordância do verbo com
sujeito ‘pronome relativo’ (ENUNCIADO 2):
ENUNCIADO 1
73
Fica no singular o verbo que tem por sujeito uma oração, que, tomada
materialmente, vale por um substantivo do número singular e do gênero
masculino [...] Permanece no singular o verbo que tem como sujeito duas ou
mais orações coordenadas entre si:
“Que Sócrates nada escreveu e que Platão expôs as doutrinas de Sócrates é
sabido.” (BECHARA, 2006, p. 565)
Fica no singular o verbo que se refere a vários sujeitos expressos por orações,
quer iniciadas por conectivo, quer reduzidas. Exemplo:
“Que Sócrates nada escreveu e que Platão expôs as doutrinas de Sócrates é
sabido.” (ROCHA LIMA, 2011, p. 484).
ENUNCIADO 2
Se o antecedente do pronome relativo funciona como predicativo, o verbo da
oração adjetiva pode concordar com o sujeito de sua principal ou ir para a 3.ª
pessoa (se não se quer insistir na íntima relação entre o predicativo e o sujeito)
(BECHARA, 2006, p. 561)
Se o antecedente do relativo que é um demonstrativo, que serve de predicativo
ou aposto de um pronome pessoal sujeito, o verbo do relativo pode ir para a 3.ª
pessoa, em concordância com o demonstrativo, se não há interesse em acentuar
a íntima relação entre o predicativo e o sujeito (CUNHA e CINTRA, 2007, p.
500).
Os trechos grifados e italicizados parecem mostrar a remissão de uma obra a
outra, sem que isso seja explicitado formalmente por meio de uma citação referenciada.
Parece haver um acordo tácito entre os gramáticos de que esse gênero discursivo
constitui um território em que a cópia fiel (trechos grifados) ou a paráfrase (trechos
italicizados) é interpretada como algo normal e não julgada como plágio. Talvez essa
leniência em relação à reprodução decorra da natureza de ‘código’ impingida ao
conjunto de regras da gramática normativa. A relação parafrástica entre os enunciados
seguintes, o primeiro de Rocha Lima e o segundo de Cunha e Cintra, ambos
normatizando a concordância do verbo com sujeitos ligados por ‘com’, é também
evidente (ENUNCIADO 3):
ENUNCIADO 3
O mais frequente é usar-se o plural, visto que ambos os sujeitos
“aparecem em pé de igualdade tal, que se podem considerar como
enlaçados por e”. (ROCHA LIMA, 2011, p. 481).
Assim, o verbo irá normalmente: a) para o plural, quando os sujeitos
estão em pé de igualdade, e a partícula com os enlaça como se fosse a
conjunção e: (CUNHA e CINTRA, 2007, p. 515).
74
Rocha Lima aspeia o segmento “aparecem em pé de igualdade tal, que se podem
considerar como enlaçados por e” e, em nota de rodapé, referencia o autor (Mário
Barreto) e a obra (Novíssimos Estudos da Língua Portuguesa) de onde o extraiu. Aliás,
sua gramática é farta em referências em notas de rodapé. Já Cunha e Cintra, embora
nitidamente se refiram a Rocha Lima e a Mário Barreto, pela similitude formal que há
entre os dois enunciados não fazem referência alguma a eles. Quer dizer, em se tratando
de gramática, os autores parecem ter salvo-conduto para transitar livremente pela cópia,
geralmente interditada a outros gêneros discursivos. Rocha Lima destoa dos demais,
pois ele costuma citar explicitamente suas fontes, como faz no enunciado seguinte,
sobre a concordância do verbo com sujeito composto unido por ‘nem’, retirado de Said
Ali (ENUNCIADO 4).
ENUNCIADO 4
“Querendo-se, todavia, pôr em relevo” – são palavras de Said Ali – “que
a mesma ação se repete para cada um dos sujeitos, sucessivamente ou em
épocas diferentes, dá-se ao verbo a forma do singular, desde que no
singular também estejam os diversos sujeitos”.
Exemplo:
“Nem a lisonja, nem a razão, nem o exemplo, nem a esperança bastava a
lhe moderar as ânsias...” (Vieira) (ROCHA LIMA, 2011, p. 485).
Todavia, o mais comum é discurso gramatical circular de boca em boca entre os
gramáticos sem que se possa localizar seu ponto de origem. O contraponto aqui
realizado revela, pois, que esse discurso pressupõe que o sujeito que o enuncia não se vê
ou se deseja um sujeito original, mas sim um sujeito que reitera as mesmas normas
acerca da concordância verbal na língua padrão.
Nas três gramáticas, o tratamento da concordância verbal restringe-se ao que
convém ao português escrito culto, tal como é usado por escritores portugueses e
brasileiros clássicos, embora uma ou outra observação episódica sobre o que se passa no
português popular apareça aqui e ali. Por exemplo, Cunha e Cintra, ao tratarem da
concordância do verbo com sujeito ‘quem’, afirmam que “O pronome quem constrói-se,
de regra, com o verbo na 3ª. pessoa do singular”, mas que não faltam exemplos de uso
não da 3ª. pessoa do singular, mas sim da pessoa do sujeito da oração anterior.
Observam os autores que “É esta a construção preferida da linguagem popular” (p. 503).
Porém, é a perspectiva do um sobre o múltiplo que preside todo o tratamento da
concordância verbal, perspectiva normativa materializada nos enunciados seguintes:
75
ENUNCIADO 5
Impõe-se o emprego do verbo no singular em dois casos:
a) Quando, coordenando dois ou mais substantivos no singular, a
partícula ou for alternativa, de tal forma que o verbo só se refira a um
dos sujeitos, com exclusão dos demais.
Exemplo:“(...) crendo que Fainamá ou alguma de suas irmãs era
morta.”
b) Quando, coordenando dois ou mais substantivos no singular, a
partícula ou exprimir equivalência, de tal forma que o verbo se possa
igualmente referir a qualquer um desses sujeitos.
Exemplo: “Um cardeal, ou papa, enquanto homem, não é mais do
que uma pessoa...” (ROCHA LIMA, 2011, p.489 e 490).
ENUNCIADO 6
Até hoje não foi possível aos gramáticos formular um conjunto de regras
fixas, pelas quais se regesse o emprego de uma e outra forma. A cada
passo infringem os escritores alguns preceitos tidos por definitivos; e isso
porque, ao lado das razões de ordem gramatical, e interferindo nelas,
alcançam-se muitas vezes ao primeiro plano certas condições reclamadas
pela clareza, ênfase e harmonia de expressão (ROCHA LIMA, 2011, p.
502-503).
ENUNCIADO 7
É caso difícil de disciplinar; mas pode-se ter por norma empregar o
verbo no plural quando os sujeitos (ligados por NEM) são da 3ª pessoa.
Exemplo: “Nem a natureza, nem o demônio deixaram a sua antiga
posse.” (ROCHA LIMA, 2011, p. 485).
ENUNCIADO 8
A língua padrão pede que o verbo concorde com o termo que a gramática
aponta como sujeito:
“Alugam-se casas.”
“Vendem-se apartamentos.”
“Fazem-se chaves.”
Se o verbo estiver no infinitivo com sujeito explícito, o normal é usar o
infinitivo flexionado como no exemplo de M. de Assis:
“e para se perderem (cinco contos) assim...” (MA)
Todavia, aqui e ali, bons escritores deixam escapar exemplos com o
infinitivo sem flexão:
Basta ver o que este bom povo é para se avaliar as excelências de
quem assim o educou. (CB) (BECHARA, 2006, p. 563)
No ENUNCIADO 5, o caráter prescritivo da norma patenteia-se por meio do
verbo impor-se. No ENUNCIADO 6, o gramático parece lamentar a impossibilidade de
76
fixar definitivamente um conjunto de regras para reger o emprego de uma e outra forma
de concordância. Na contramão dos gramáticos, que desejam assentar os preceitos
definitivos, colocam-se os escritores, que constantemente os infringem. Observa-se,
pois, nesse exemplo, o conflito entre duas ordens da língua – a gramatical e a estilística,
a primeira legislando sobre o que deve ser (é notória a presença de termos jurídicos
como: reger, preceitos, infringir etc.) e a segunda brincando, muitas vezes, com os
preceitos tidos como definitivos, em benefício do estilo, da clareza, da ênfase e da
harmonia de expressão. No ENUNCIADO 7, reencontra-se o mesmo lamento de 6: o
gramático diz que é caso difícil de disciplinar a concordância do verbo com sujeitos
ligados por nem, figurando a ação de disciplinar como o ideal perseguido.
E, no ENUNCIADO 8, o gramático é peremptório ao enunciar, a propósito da
passiva sintética, que “A língua padrão pede que o verbo concorde com o termo que a
gramática aponta como sujeito”. A gramática normativa aponta como sujeito de uma
frase como “Alugam-se casas”, a palavra “casas”, daí o uso do verbo “alugam” na 3ª.
pessoa do plural. Nenhuma palavra é dita sobre o uso majoritário de “Aluga-se casas”,
“Vende-se sapatos”, em que ‘se’ é interpretado como um índice de indeterminação do
sujeito, ou mesmo como um sujeito equivalente ao ‘on’ do francês e ‘casas’ como
objeto direto. Para dizer de outro modo, há um silêncio ensurdecedor sobre aquilo que é
normal (no sentido de estatisticamente mais frequente) no português vernacular. Ainda
no século XIX, João Ribeiro, conforme Capítulo 1, aludia a essa tendência, que ele
abominava, como um galicismo, ou seja, como um vício de linguagem. Mas mesmo
como uma hipótese refutável, o fenômeno recebeu a atenção de João Ribeiro. Os
gramáticos contemporâneos nada dizem sobre ela, apesar de sua ubiquidade no cenário
urbano. E se admitem o uso do infinitivo não flexionado com sujeito plural é só porque
“aqui e ali, bons escritores deixam escapar exemplos com o infinitivo sem flexão”.
Quer dizer, tolera-se uma escapada da regra que pede o infinitivo flexionado em
concordância com um sujeito plural nas orações com passiva sintética, se a escapada
vier pela pena de ‘bons escritores’. ‘Escapar’ pressupõe sair do caminho reto, correto da
norma padrão, gesto de indisciplina condenável quando sai da boca ou da pena de
falantes sem nome.
77
CAPÍTULO 4
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA:
ESTUDOS SOCIOLINGUÍSTICOS
Neste capítulo, envereda-se pela sociolinguística e pela dialetologia, na medida
em que esta é solicitada pela primeira para fornecer argumentos à tese da arcaicidade
sobre a formação do português brasileiro. Apresentada ligeiramente a visada
sociolinguística da língua, focalizam-se, então, os estudos variacionistas sobre a
concordância verbal, com destaque para os trabalhos de Anthony Julius Naro e Maria
Marta Pereira Scherre, precursores da pesquisa orientada para essa temática e autores de
boa parte da bibliografia aqui resenhada. Além da bibliografia assinada por eles, foram
consultadas dissertações e teses que os tem como referência. Trata-se, primeiro, da
concordância verbal como fenômeno variável na modalidade oral e depois na
modalidade escrita do português, entendido como um sistema heterogêneo, mas
ordenado correlativamente a fatores estruturais e sociais.
4.1 A VIRADA SOCIOLINGUÍSTICA
Na virada do século XX, Saussure selou o destino da linguística como uma
disciplina efetivamente científica. Diante da linguagem – um fenômeno multiforme e
heteróclito –, Saussure usou a navalha do método para separar a ‘língua’ da ‘fala’,
instituindo a dicotomia língua/fala que viria a ser o pilar central da linguística como
ciência. Elegendo a língua como objeto da linguística, elegeu a dimensão
plurindividual, homogênea e sistemática da linguagem e descartou a fala em sua
dimensão individual, heterogênea e desordenada. Para Saussure, a “língua” é:
[...] o produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções
necessárias, adotadas pelo corpo social, para permitir o exercício dessa
faculdade nos indivíduos. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala
em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema
gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos
cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em
nenhum, e só na massa ela existe de modo completo (SAUSSURE, 1987, p. 21).
78
A língua impõe-se aos membros de uma comunidade social de modo inexorável;
esses não a podem criar ou modificar conscientemente. Já a fala é o lado executivo da
língua e jamais é feita pela massa. Enquanto a língua é um ‘fato social’ tacitamente
absorvido pelos falantes, a fala, pensava-se, é um ‘ato individual’ deliberado. Os atos
linguísticos individuais são ilimitados, inapreensíveis, inclassificáveis, resistentes a
ordenações categóricas, e avessos, portanto, ao objeto idealizado pela ciência positiva,
paradigma científico que presidiu o gesto saussureano de recortar a linguagem na
fundação da linguística moderna.
A dicotomia saussureana língua/fala, nesse um século de linguística moderna,
foi inúmeras vezes criticada. O linguista romeno Eugenio Coseriu propôs não uma
dicotomia, mas uma tricotomia. Coseriu (1980 [1952]) sugeriu que o sistema parte do
mais concreto (falar concreto) para o mais abstrato (sistema), passando por um nível
intermediário (norma). O termo “falar concreto” equivale à “fala” (parole); o termo
“norma” designa aqueles aspectos do “falar concreto” que são traços comuns,
constantes, tradicionais, coletivos, mas não necessariamente funcionais no interior de
todo o sistema; o termo “sistema” designa o conjunto das oposições linguísticas
funcionais e equivale a “língua” (langue). Segundo o autor, “norma” e “sistema” assim
se diferenciam:
[...] o termo norma abrange fatos linguísticos efetivamente realizados e
existentes na tradição, ao passo que o sistema é uma técnica aberta que abrange
virtualmente também os fatos ainda não realizados, mas passíveis de acordo
com as mesmas oposições distintivas e as regras de combinação que governam
o seu uso. (COSERIU, 1980, p. 123)
Consoante a tricotomia proposta por Coseriu, o falar concreto individualiza os
falantes de uma dada língua, o sistema os reúne numa só coletividade e a norma os
dispõe em subgrupos. Porém, quando se refere à norma linguística, não está pensando
em norma no sentido prescritivo, “o como se deve dizer”, mas sim em norma no sentido
descritivo, “o como se diz”. Às inúmeras normas de uma língua, não se chega
compulsando seus grandes escritores, mas observando, coletando e descrevendo
amostras da língua vernacular. A norma seguida pelos escritores clássicos de uma
língua é apenas uma das muitas normas
W. Labov, na década de 1960, questionou o conceito de língua como sistema
homogêneo e invariável, tal como postulado por Saussure. Parecia-lhe evidente que a
79
língua de uma sociedade heterogênea não podia ser homogênea, que a língua variaria de
região para região, de classe social para classe social, de faixa etária para faixa etária, de
homens para mulheres, de negros para brancos, de bem escolarizados a poucos
escolarizados etc. Mas como sistematizar essas variações, se o propósito da ciência
linguística era descobrir e apreender a ordem do caos? Assim, insistindo em provar que
o que os foneticistas e fonólogos chamavam de ‘variação livre’ não tinha nada de livre,
mas era variação regular condicionada se não por fatores linguísticos, ao menos por
fatores extralinguísticos, o autor prenunciava a sociolinguística.
A sociolinguística elege como objeto de estudo exatamente a variação
linguística, “entendendo-a como princípio geral e universal, passível de ser descrita e
analisada cientificamente” (MOLLICA, 2003, p. 09). Concebe a variação linguística
como mudança formal não acompanhada de mudança de significado. Por meio de uma
metodologia rigorosa, envolvendo modelos quantitativos, tratamento estatístico e
análise correlacional entre variáveis estruturais e sociais, é possível mostrar que toda
variação é legítima e previsível. Desse modo, no escopo da teoria da variação, a língua é
vista como possuindo uma heterogeneidade sistemática, regular: regras categóricas
convivendo com regras variáveis. Conforme Cox, a sociolinguística
[...] afasta-se da concepção de língua como sistema completamente monolítico
de regras categóricas, postulando que a heterogeneidade é inerente a uma
comunidade de fala. Se para a linguística formal a língua é apenas um sistema
de invariantes, para a sociolinguística é um sistema complexo de invariantes e
variantes. Uma língua é sempre um mosaico, um compósito de normas que se
correlacionam probabilisticamente a fatores sociais, a contextos
extralinguísticos. A língua não é mais um UM central, mas a justaposição de
vários uns setorizados (COX, 2004, p. 145).
O principal objetivo da sociolinguística é mostrar que o aparente caos linguístico
decorrente de uma visão preconcebida do fenômeno da variação não corresponde à
realidade dos fatos. Quando investigadas com a ajuda de métodos linguísticos
científicos, todas as variedades, até as mais estigmatizadas, como o “Black English”,
revelam-se sistemáticas e ordenadas. Assim,
Estabelecer a variação como parte integrante do sistema, juntamente com
estruturas invariantes, e não como mera manifestação do uso linguístico,
constitui também uma forma de melhor capturar a organização do sistema
linguístico internalizado pelos falantes (GOMES & SOUZA, 2003, p. 74)
80
A regularidade, sistematicidade e previsibilidade da variação são evidenciadas
quando o pesquisador a correlaciona com fatores estruturais e sociais. Por exemplo, a
concordância entre o verbo e o sujeito é um fenômeno variável no português,
metodologicamente denominado de ‘variável dependente’, pois “se realiza através de
duas variantes, duas alternativas possíveis e semanticamente equivalentes: a marca de
concordância no verbo ou a ausência da marca de concordância” (MOLLICA, 2003, p.
11). A regularidade dessa variação evidencia-se quando a presença ou ausência da
marca de concordância no verbo é correlacionada com fatores estruturais (posição do
sujeito antes ou depois do verbo etc.) e sociais (rural/urbano, masculino/feminino, nível
superior/nível fundamental etc.), matéria que será explorada no desenvolvimento deste
capítulo.
Para fechar esta seção, é preciso explicitar o sentido de alguns termos que serão
amplamente empregados a partir de então na resenha de estudos variacionistas da
concordância verbal: variação, variante, variável dependente e variável independente
(linguística e social). Mollica (2003) assim os define:
A variação linguística constitui um fenômeno universal e pressupõe a
existência de formas linguísticas alternativas denominadas variantes.
Entendemos então por variantes as diversas formas alternativas que
configuram um fenômeno variável, tecnicamente chamado de variável
dependente. [...] Uma variável é concebida como dependente no sentido que o
emprego das variantes não é aleatório, mas influenciado por grupo de fatores
(ou variáveis independentes) de natureza social ou estrutural. Assim, as
variáveis independentes ou grupos de fatores podem ser de natureza interna
(variável linguística) ou externa à língua (variável social) e podem exercer
pressão sobre os usos, aumentando ou diminuindo sua frequência de ocorrência
(MOLLICA, 2003, p. 10 e 11) (destaques e inclusões por Miriã Oliveira
Ferreira)
Destarte, designa-se como variação a propriedade que as línguas vivas
apresentam de se alterarem segundo o contexto em que ocorrem. A teoria da variação
assume a tese de que todas as línguas são heterogêneas, o que significa dizer que uma
mesma unidade linguística pode exibir variantes formais que não afetam o significado.
Assim, variantes são as diferentes maneiras de dizer a mesma coisa, com o mesmo
valor de verdade. O conjunto das variantes referentes a uma dada unidade constitui a
variável dependente, assim designada em razão de as formas alternativas que a
compõem não serem aleatórias e sim dependentes de fatores linguísticos e
81
extralinguísticos (regionais, sociais, estilísticos etc.), esses designados de variáveis
independentes.
4.2 ESTUDOS
SOCIOLINGUÍSTICOS E DIALETOLÓGICOS ACERCA DA CONCORDÂNCIA
VERBAL
São inúmeros os estudos sociolinguísticos variacionistas sobre a concordância
verbal no português, a maioria deles realizada por Anthony Julius Naro e Maria Marta
Perreira Scherre ou por alunos de mestrado e doutorado que realizaram pesquisas sob
sua orientação. Almeida (2010) elenca os seguintes trabalhos assinados pelos dois
sociolinguistas: NARO E SCHERRE (1991; 1999a; 1999b; 2000a; 2000b; 2001, 2003;
2007a; 2007b), SCHERRE & NARO (1991; 1992; 1993; 1997; 1998a; 1999; 2000,
2001, 2006) e SCHERRE (2005).
Tais estudos, geralmente, envolvem a discussão acerca das origens do
português brasileiro. Segundo Ataliba T. de Castilho, no prefácio de Origens do
português brasileiro (NARO e SCHERRE, 2007), as pesquisas históricas se concentram
em três teses: (1) Tese da ancianidade: o português brasileiro seria uma continuação do
português arcaico; (2) Tese da emergência de uma nova gramática a partir do século
XIX; (3) Tese crioulística: o português brasileiro originou-se de uma fase de falares
crioulos e semicrioulos de base africana (CASTILHO, 2007, p. 13).
A tese com mais prestígio entre Anthony Julius Naro e Maria Marta Pereira
Scherre é a primeira, ou seja, a de que o português brasileiro é uma continuação do
português arcaico. Contudo, essa tese constitui apenas a base do que eles chamam de
CONFLUÊNCIA DE MOTIVOS. Os autores rebatem veementemente a tese de que o
português brasileiro teria sua origem vinculada a falares crioulos de base africana.
Dizem eles:
[...] segundo nossa visão, o impulso motor do desenvolvimento do português do
Brasil veio já embutido na deriva secular da língua de Portugal. Se as sementes
trazidas de lá germinaram mais rápido e cresceram mais fortes, é que as
condições, aqui, mostraram-se mais propícias devido a uma CONFLUÊNCIA
DE MOTIVOS. (NARO e SCHERRE, 2007, p. 48)
O contato do português com outras línguas (africanas e principalmente
indígenas) pode ter acentuado e até acelerado o desenvolvimento de algumas tendências
originais de formação da língua, como a mudança em direção a um sistema mais
82
analítico, mas não seria uma reestruturação embutida na gramática do português
brasileiro por línguas africanas. A língua portuguesa teria herdado, como as línguas
românicas em geral, a tendência de caminhar para a uniformização morfológica, e não
adquirido essa característica por meio de um processo de africanização.
É perfeitamente possível, entretanto, que a língua portuguesa já possuísse o
embrião do novo sistema analítico, antes mesmo de sair da Europa. Tal estado
de coisas se torna bastante plausível dada a deriva secular das línguas
românicas, e indo-européias de maneira geral, em direção à uniformização
morfológica, com a sobrevivência apenas das formas ‘irregulares’ mais
salientes. (NARO e SCHERRE, 2007, p. 32)
4.2.1 CONCORDÂNCIA VERBAL VARIÁVEL – UM TRAÇO DO PORTUGUÊS EUROPEU
Em textos do português arcaico, encontram-se vários casos de concordância
variável destoantes das regras da gramática normativa, o que dá suporte à tese da deriva
secular. Conforme Naro e Scherre (2007, p. 58), esses casos são vistos como erros dos
escribas ou de impressão pelos pesquisadores modernos que, ao editarem os textos
antigos, costumam corrigir as concordâncias de acordo com as prescrições gramaticais
atuais. Estudos feitos com textos datados do século XVI mostram as mesmas tendências
de concordância observadas no português moderno. Os autores enumeram vários
exemplos do fenômeno, dentre os quais este: “a todos que se fazem (3ª pl.) afora da
carreira do pecado e TORNA (3ª sg.) a dereita carreira” (Magne, 1955:xxi, p. 160,
223). Nesse exemplo, a forma verbal TORNA apresenta desinência número-pessoal 0 e
não a forma marcada –EM, como FAZEM. Estruturalmente , o sujeito localiza-se antes
do verbo, mas separado dele por muitas sílabas; esse contexto, revelam pesquisas atuais,
favorece a variável 0 também no português moderno. Praticamente todas as variáveis
estruturais que se mostram relevantes para o português brasileiro moderno também se
mostram relevantes, as pesquisas confirmam, para o português europeu moderno ou
antigo. Isso revela que o fenômeno da concordância variável não é uma característica
exclusiva do português brasileiro, devido à influência de línguas africanas ou indígenas,
mas é, sim, um traço herdado do português europeu. Efetivamente, essa tendência é
considerada, segundo Quint (2008), uma deriva românica relacionada com a tendência
geral de redução do paradigma latino de desinências pessoais do verbo. Observa-se, por
83
meio do quadro seguinte, que o galego mantém a distinção entre as seis desinências, o
PE (português europeu) a reduz para cinco e o PB (português brasileiro) para quatro.
Quadro 1 - Comparação dos paradigmas verbais do presente do indicativo do verbo
cantar (e) em latim, galego, PE e PB
Pessoa
latim
galego
PE
PB
1ª singular
Canto
Canto
Canto
Canto
2ª singular
Cantas
Cantas
Cantas
X
3ª singular
Cantat
Canta
Canta
Canta
1ª plural
Cantamus
Cantamos
Cantamos
Cantamos
2ª plural
Cantatis
Cantades
X
X
3ª plural
Cantant
Cantan
Cantam
Cantam
(QUINT, 2008, p. 76)
Naro e Scherre (2007), ao tentarem comprovar sua tese de que a variação da
concordância verbal é um fenômeno do português europeu moderno e antigo,
pesquisaram 12 obras da dialetologia portuguesa e elencaram os seguintes contextos
estruturais como fatores que propiciam a presença de uma ou outra variável: Ineutralização entre 1ª e 3ª pessoa do singular, II- variante zero de plural com sujeito à
direita do verbo, III- variante zero de plural com sujeito à esquerda do verbo e IVsaliência fônica na relação singular/plural da forma verbal.
I - Neutralização entre 1ª e 3ª pessoa do singular
Em sete dos doze trabalhos sobre a neutralização entre 1ª e 3ª pessoa do
singular do presente e do pretérito perfeito do indicativo no português europeu
examinados por Naro e Scherre (2007, p. 91-95) foram encontradas evidências de
neutralização em várias comunidades portuguesas.
Em Ericeia – sudoeste de Portugal, Azoia – sudoeste, Odeleite – sudeste de
Portugal, Germil – norte de Portugal, Fafe – norte, Faia – centro norte de Portugal,
Lisboa – sudoeste de Portugal, foi registrada a tendência de se trocar a primeira pessoa
pela terceira ou o contrário. Em comunidades de pessoas simples e analfabetas, foram
coletados exemplos como: Eu foi, eu pôs, eu pôde, eu fez, eu teve, eu esteve; Eu na
quinta-feira apanhou 2 kilos de pólves; Ê [eu] esquece-me. (NARO e SCHERRE,
2007, p. 93)
Naro e Scherre (2007, p. 93) relatam que esse tipo de neutralização também
tem sido registrado em comunidades isoladas no Brasil, citando os trabalhos de Ferreira
(1994, p. 29-39) e de Baxter & Lucchesi (1997, p. 77) que o apresentam como
84
argumento para comprovar a tese de que no português brasileiro há crioulização e
também para evidenciar a aquisição do português como segunda língua. Porém, Naro e
Scherre (2007, p. 93) uma vez mais rebatem esse argumento, afirmando que “[...] a
neutralização entre 1ª e 3ª pessoas do singular é um fenômeno perfeitamente encaixado
na configuração geral do português, incluindo o português-padrão”, lembrando que a
neutralização ocorre em todos os verbos no modo indicativo (pretérito imperfeito - eu
falava/ele falava, pretérito-mais-que-perfeito – eu falara/ele falara e futuro do pretérito
– eu falaria/ele falaria, alguns verbos também no pretérito perfeito – eu trouxe/ele
trouxe) e no modo subjuntivo (todos os tempos: futuro - eu falar/ele falar, passado - eu
falasse/ele falasse, presente - eu fale/ele fale).
II– Variante zero de plural com sujeito à direita do verbo
Nove entre as doze obras de dialetologia portuguesa pesquisadas por Naro e
Scherre (2007, p. 95-97) apresentaram casos de ausência de concordância verbal ou
variante zero de plural quando o sujeito vem depois, ou seja, à direita do verbo. Foram
registrados os seguintes exemplos nas regiões de: Odeleite (É um terreno que se caia
em volta pra que nã entre lá gados...); Quadrazais (já bai os pães feitos); Azoia (tava lá
já as criadas); Escusa (A gente sabe lá com’ é essas vidas!); Ericeira (...corre todos os
seus criados...); Faia (Cando é quebrantes); Monte Gordo (Que te nasça tantos
bechocos...); Fafe (foi eu e o rapaz) - fui eu e o rapaz - e Baleizão (D’pôs veiu o rei e a
rainha).
III – Variante zero de plural com sujeito à esquerda do verbo
A variante zero de plural, com sujeito à esquerda do verbo, também apareceu
em nove dos doze trabalhos pesquisados. De acordo com Naro e Scherre (2007, p.9799), os registros apareceram em Odeleite (Duas canas dá oito mestras.); Ericeia (As
quenguerelas só presta para pescar.); Azoia (as borricêras que viero onte é que fez
isto.); Lisboa (os nossos agasalhos é estes); Germil (Ninguém se fia nos homes, qu’os
homes é fraco gado); Fafe (O pai e a mãe nunca bai p’r ó rio) - o pai e a mãe nunca
vão para o rio -; Faia (Carangueijos é do mar); Monte Gordo (As redes vem em branco,
log’ é post’ó lumi...); Baixo Alentejo (mê abô e minha abó era de Barrancu).
Os casos arrolados nos itens II e III evidenciam claramente que a posição do
sujeito – SV ou VS – é uma variável estrutural importante para a compreensão
sociolinguística da variação da concordância verbal de número e pessoa tanto no
85
português brasileiro e europeu moderno, quanto no português arcaico. No português
brasileiro, o sujeito à esquerda do verbo (SV) favorece a presença da marca de
concordância no verbo. Já com o sujeito posicionado à direita do verbo (VS), é mais
frequente o uso da variante 0. Geralmente as construções em que o sujeito está à direita
do verbo causam estranhamento ou dificuldade de interpretação às crianças e adultos. À
direita do verbo, o sintagma nominal tende a ser compreendido como complemento do
verbo e não como sujeito.
IV – Saliência fônica na relação singular/plural da forma verbal.
A saliência fônica da forma verbal é uma variável estrutural com forte impacto
na realização da concordância ou não no português brasileiro. Sua influência também
foi registrada nos estudos dialetológicos portugueses pesquisados por Naro e Scherre
(2007, p. 100-103), corroborando uma vez mais a hipótese de que a variação da
concordância verbal no português brasileiro tem suas raízes no português europeu.
Peixoto (1968, p. 135-136), citado por Naro e Scherre (2007, p. 100),
pesquisou a comunidade de Germil em Portugal, onde registrou a perda de nasalidade
da vogal em sílabas átonas finais dos vocábulos verbais, preservando ou apagando a
marca explícita de plural segundo a escala da saliência fônica proposta por Lemle e
Naro (1977) e Naro (1981). Peixoto encontrou formas como: eles comero, eles amo,
eles irio, eles punho, em que há perda da nasalidade, mas não da marca de plural que se
reduz a [u]/<o>, mas também encontrou casos de perda de nasalidade acompanhada de
perda da marca de plural como em
eles oube (m), eles sacode(m). Registros
semelhantes também foram encontrados em Germil, Fafe e Lisboa.
Essa revisão de estudos dialetológicos lusitanos embasou a argumentação de
que a saliência fônica é uma variável estrutural relevante na compreensão do fenômeno
da concordância verbal variável no português brasileiro e europeu. Naro e Scherre
(2007, p. 102) vão adiante, afirmando que essa variação se iniciou no nível fonológico,
mas “[...] expandiu-se e atingiu, indiretamente, o plano morfológico, em toda a
dimensão da escala de saliência”. Essa tendência à desnasalização da sílaba átona final,
que produz formas como home/homem, virge/virgem etc, atingindo as formas verbais,
produziu variações significativas na morfossintaxe do português em geral, logicamente
menos na modalidade escrita do que na oral e menos na norma culta do que na norma
popular.
86
No Brasil, os estudos dialetológicos têm avançado timidamente se comparados
a outros países. Alguns dialetos ainda não foram estudados cientificamente ou existem
poucos trabalhos voltados para eles. No entanto, os trabalhos dialetológicos até aqui
feitos constituem o marco inicial para os estudos sobre variação de concordância.
Amadeu Amaral, em 1920, em um trabalho pioneiro sobre as variantes
regionais, descreveu o falar popular paulista e observou a perda do s da primeira pessoa
do plural: “bamo, fômo, fazêmo”; a simplificação da forma quando proparoxítona: nós
ia/íamos fosse/fôssemos, andava/andávamos, fazia/fazíamos, fizesse/fizéssemos e a
modificação sofrida pela terceira pessoa do plural: “quérim, quirium, quizérum,
quêirum, andum, andávum, andárum, ándim”.
A variação de concordância verbal foi descrita também em trabalhos sobre o
falar inculto mineiro e goiano, feitos pelo pesquisador José Aparecido Teixeira. No
estudo do falar mineiro, realizado em 1938, o autor verificou a simplificação das flexões
verbais, resultantes da analogia entre o singular e o plural, ficando a cargo do pronome
pessoal marcar a pessoa verbal a que se quer referir: nois teve, tu foi. Nos estudos,
realizados em 1944, sobre o falar goiano, o autor atribuiu a redução das flexões verbais,
ao contato do português brasileiro com línguas indígenas e africanas e, como Serafim da
Silva Neto, à falta de intervenção disciplinadora da escola.
Em 1945, Mário Marroquim estudou o falar de analfabetos alagoanos e
pernambucanos e, igualmente, observou e noticiou a variação na concordância verbal e
a atribuiu à simplificação das flexões. Aliás, a simplificação do sistema de desinências
flexionais do verbo foi apontada por vários estudos dialetológicos como a força
motivadora a causar a não-concordância verbal. Almeida (2010, p. 41), resenhando tais
estudos, conclui que eles são “[...] unânimes em descrever a não-concordância verbal
como consequência da simplificação do sistema de flexão, o que caracteriza os dialetos
brasileiros estudados”.
4.2.2 - CONCORDÂNCIA VERBAL VARIÁVEL – O CASO BRASILEIRO.
A variação na concordância verbal tem sido fortemente comprovada pelos
estudos sociolinguísticos atuais, que correlacionam o fenômeno a variáveis linguísticas
e extralinguísticas ou sociais, evidenciando a heterogeneidade ordenada do sistema
87
linguístico considerado sincronicamente. Vultoso na modalidade oral do português
brasileiro, o fenômeno, revelam as pesquisas, faz-se também presente na escrita.
Um dos trabalhos pioneiros sobre a concordância entre o verbo e o sujeito é o
de Lemle e Naro (1977), resultante de uma pesquisa realizada com 20 informantes do
Rio de Janeiro, semi-escolarizados, alunos do projeto Movimento Brasileiro de
Alfabetização – MOBRAL. Os resultados dessa pesquisa revelam que pouca diferença
fônica entre o singular e o plural favorece a não concordância, bem como a posposição
do sujeito ao verbo.
Scherre (1994) coloca que a concordância de número não é um fenômeno
restrito a uma região ou classe social específica, mas sim uma característica do
português brasileiro.
[...] o fenômeno da variação na concordância de número no português falado do
Brasil, longe de ser restrito a uma região ou classe social específica, é
característico de toda a comunidade de fala brasileira, apresentando diferenças
mais de grau do que de princípio, ou seja, as diferenças são mais relativas à
quantidade de marcas de plural e não aos contextos linguísticos nos quais a
variação ocorre. (SCHERRE, 1994, p.02)
Nesse artigo, uma síntese da sua tese de doutorado, defendida em 1988,
focaliza a relação verbo/sujeito na escrita padrão, apresentando quatro configurações
estruturais: 1) construções com sujeitos pospostos, independentemente de serem
compostos;
2)
construções
com
sujeito
simples
de
estrutura
complexa,
independentemente de expressarem noções quantitativas, coletivas ou partitivas; 3)
construções com sujeito de estrutura complexa que expressam percentual; 4)
construções com sujeito composto singular de estrutura complexa. Scherre conclui que
o verbo é, na maioria dos casos, mais facilmente flexionado se o sujeito for simples e
anteposto ao verbo. Nas demais situações a concordância poderá ser realizada (ou não)
em função de outros elementos:
A conclusão a que já cheguei, através da análise de um número significativo de
casos, é a seguinte: a concordância verbo-sujeito é sempre regida pelo núcleo
do sujeito, se o sujeito em jogo tiver um só núcleo de estrutura sintagmática
simples anteposto ao verbo. Nos demais casos, outros elementos podem entrar
em jogo para assumir o controle da concordância. (SCHERRE, 1994, p.10,11)
Naro e Scherre (1998) trazem os resultados de uma pesquisa que considerava
os anos de escolarização, a faixa etária e o sexo, como variáveis sociais, e a saliência
88
fônica e a posição do sujeito, como variáveis linguísticas. A pesquisa explorou dados do
Corpus Censo do Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL), grupo de
pesquisa do Departamento de Linguística e Filologia da Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram extraídas 4632 construções de
concordância verbal.
Várias pesquisas realizadas no campo da sociolinguística brasileira, nos
últimos trinta anos, têm revelado a correlação estreita entre concordância ou não do
verbo com o sujeito e a menor ou maior saliência fônica da marca de plural no verbo.
Estudos semelhantes e anteriores ao de Naro e Scherre (1998), realizados com pessoas
analfabetas, evidenciaram que o aumento da saliência fônica do singular/plural dos
verbos aumenta as chances de aparecer a variante explícita do plural. Naro (1981)
observou que a hierarquia da saliência fônica ocorre em função de dois critérios:
presença ou ausência de acento na desinência e a quantidade de material fônico que
diferencia a forma do singular da forma do plural. A presença ou ausência de acento na
desinência correspondem a dois níveis de saliência e cada nível apresenta três categorias
que mostram a diferenciação fônica da relação singular/plural, resultando, portanto, em
uma escala de seis níveis, com a seguinte configuração:
Nível 1 (oposição não acentuada): "contém os pares nos quais os segmentos
fonéticos que estabelecem a oposição são NÃO ACENTUADOS em ambos os
membros"
1a: não envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural
- Eles conhece07 Roma. Conhece Paris (MOR45MC51/2470)
- Ceys conheceM? (NAD36FG57/1119)
1b: envolve mudança na qualidade da vogal na forma plural
- Eles ganha0 demais po que eles fayz (CAB02MP16/ 0026)
- Eles ganhaM demais da conta (CAB02MP16/0012)
1c: envolve acréscimo de segmentos na forma plural
- Eles também não diz0 (LAU28FC43/2601)
- Eles dizEM: "chutei tudo" (HEL34FG62/1887)
Nível 2 (oposição acentuada): "o segundo nível contém aqueles pares nos quais
[os segmentos fonéticos que estabelecem a oposição] são ACENTUADOS em
pelo menos um membro da oposição"
2a: envolve apenas mudança na qualidade da vogal na forma plural
- Os filho tá0 pedindo dinhero (LEI04FP25/0055)
Ao invés do símbolo , foi mantido o uso de 0 para marcar a não ocorrência do morfema de plural
(variante 0 de plural), tal como Naro e Scherre o fazem.
7
89
- Eles tÃO bem intencionados (JOS35FP59/0962)
2b: envolve acréscimo de segmentos sem mudanças vocálicas na forma plural;
inclui o par foi/foram que perde a semivogal
- Aí bateu0 dois senhores na porta (NIL12FP45/0646)
- (eles) bateRU sete chapa da cabeça dele (LEI04FP25/0084)
2c: envolve acréscimos de segmentos e mudanças diversas na forma plural:
mudanças vocálicas na desinência, mudanças na raiz, e até mudanças
completas.
- Aí, veio0 aqueles cara correno atrás de (ALE55MG13/0555)
- VIERAM os ladrões, quatro, hum? (ARI30FG43/1665)
- Agora, os vizinho daqui é0 ótimo (EDP13MP62/0758)
- Mesmo aqueles que SÃO sinceros (EDB07MP41/0334)
(NARO, 1981, p.74).
Na Tabela 1 apresentam-se os resultados obtidos por Naro e Scherre (1998),
em comparação com os resultados obtidos por Naro (1981).
Tabela 1 - Marcas explícitas de plural nos verbos em função da variável saliência
fônica na oposição singular/plural
Scherre & Naro, 1998
Naro (1981)
FATORES
FREQUÊNCIA
PESOS
FREQUÊNCIA
PESOS
Nível 1
1a.
202/463 =44%
0,16
110/755 =15%
0,11
1b.
1159/1766=66%
0,37
763/2540=30%
0,26
1c.
188/267 =70%
0,38
99/273 =36%
0,35
Nível 2
2a.
585/718 =81%
2b.
212/260 =82%
2c.
1023/1158=88%
Total
3369/4632=73%
(SCHERRE & NARO, 1998, p. 04)
0,64
0,66
0,75
604/927 =65%
266/365 =73%
1160/1450=80%
3002/6310=48
0,68
0,78
0,85
Nota-se que, na pesquisa feita por Naro, em 1981, os informantes eram
analfabetos e, na realizada por Scherre e Naro , em 1998, eles tinham de 1 a 11 anos de
escolarização. Essa diferença no grau de escolarização, contudo, não se mostrou muito
relevante, pois os resultados mostrados pela Tabela 1 são muito semelhantes. A leitura
da tabela evidencia que os níveis mais baixos de saliência fônica favorecem menos a
concordância do que os níveis mais elevados.
Tendo em vista que “[...] os resultados da análise de Naro (1981) evidenciam
uma amplitude de variação maior, apresentando uma separação mais nítida entre as
diversas categorias de cada um dos níveis”, Scherre e Naro (1998, p. 5) procedem a um
90
reagrupamento dos informantes por faixa de escolarização: 1 a 4; 5 a 8 e 9 a 11, para
avaliar se a nitidez da escala da saliência fônica tem alguma relação com os níveis de
escolarização dos informantes considerados no estudo de 1998.
Mediante a divisão da variável tempo de escolarização em três faixas, Scherre
e Naro (1998) constatam que os dados dos falantes entre 1 a 4 e 5 a 8 anos de
escolarização mostram mais o impacto da escala de saliência fônica na realização ou
não da concordância verbal do que os dados dos falantes entre 9 a 11 anos de
escolarização. Contudo,
[...] é exatamente nos dados dos falantes de 1 a 4 anos de escolarização e nos
dos falantes analfabetos que se verifica um distanciamento maior entre os pesos
relativos associados à categoria de saliência mais baixa (0,15 e 0,11) e os
associados à categoria de saliência mais alta (0,80 e 0,85), da forma proposta
por Naro (1981). (SCHERRE & NARO, 1998, p. 6).
Comparando-se os dados das duas pesquisas, a de 1981 e a de 1998, fica
evidente que a nitidez da escala da saliência fônica na concordância verbal atua em
concorrência com a escala do tempo de escolarização dos falantes: quanto menor o
tempo de escolarização, maior a influência do nível mais baixo de saliência fônica no
fenômeno da concordância verbal variável.
Outro fator linguístico dado como altamente pertinente pelos estudos sobre o
fenômeno da concordância verbal variável é a posição do sujeito em relação ao verbo..
Naro e Scherre (1998) destrinçam a variável posição do sujeito em quatro fatores que
podem determinar a ocorrência da variante 0 ou a presença do sufixo indicador do
plural:




“Sujeito imediatamente anteposto ao verbo: Eles dizEM: "chutei tudo"
Sujeito anteposto separado do verbo por 1 a 4 sílabas: Eles também não diz0
Sujeito anteposto separado do verbo por 5 ou mais sílabas: Essas troca de experiência
vai0 crescendo.
Sujeito posposto ao verbo: Aí bateu0 dois senhores na porta”.
(SCHERRE & NARO, 1998, p. 08)
As pesquisas realizadas pelos dois sociolinguistas brasileiros revelam que a
anteposição imediata do sujeito ao verbo propicia o uso da variante explícita de plural,
ao passo que o distanciamento do sujeito em relação ao verbo ou a sua posposição
favorece o uso da variante 0. Independente da escolarização, quando o sujeito aparece
91
distante do verbo ou posposto a ele, há o desfavorecimento da variante explícita e o
contrário ocorre se o sujeito vier anteposto ao verbo e perto dele.
Além da variável escolarização, Scherre e Naro (1998) também estudaram o
impacto de duas outras variáveis sociais: faixa etária e sexo (gênero). Assim como o
tempo de escolarização, o gênero exerce significativa influência na variação de
concordância.
Tabela 2 - Marcas explícitas de plural em função de três variáveis sociais
convencionais
FENÔMENOS
VARIÁVEIS
FATOR
CONCORDÂNCIA VERBAL
FREQUÊNCIA
SOCIAIS
SOCIAL
1
a
4
anos
1125/1787=
63%
0,39
ANOS DE
1358/1752=78% 0,56
ESCOLARIZAÇÃO 5 a 8 anos
9 a 11 anos
886/1093= 81% 0,58
Feminino
2003/2601=77% 0,54
SEXO
Masculino
1366/2031= 67% 0,45
7/14 anos
587/ 854=69% 0,41
15/25 anos
862/1218=71% 0,47
FAIXA ETÁRIA
26/49 anos
1025/1283=80% 0,56
50/71 anos
895/1277=70% 0,53
3369/4632=73%
Total de
dados
(SCHERRE & NARO, 1998, p.11)
Evidencia a tabela 2 que falantes do sexo feminino e com mais tempo de
escolarização apresentam mais a variante explícita de plural. Inúmeros estudos
sociolinguísticos têm mostrado que as mulheres quebram menos as regras sociais
impostas e são mais atentas à norma padrão estabelecida e os mais escolarizados estão
ou estiveram mais expostos à correção gramatical no ambiente escolar. Os dados da
tabela também revelam que os falantes em idade profissionalmente produtiva,
certamente pressionados pelo mercado de trabalho, apresentam uma tendência
ligeiramente maior ao uso da variante explícita, que é a variante de prestígio.
Em resumo, Naro e Scherre (1998) mostram que o fenômeno da concordância
verbal variável é um caso de heterogeneidade ordenada. Isso equivale a dizer que é
possível antecipar em que estruturas linguísticas e em que condições sociais os falantes
de português tendem a marcar explicitamente o plural ou não na forma verbal.
Pelos resultados obtidos, evidencia-se que existe um sistema gerenciando a
variação na concordância de número no português do Brasil, sendo, portanto,
possível se prever em que estruturas linguísticas e em que situações sociais os
92
falantes são mais propensos a colocar ou não todas as marcas formais de plural
nos elementos flexionáveis das diversas construções. (SCHERRE & NARO,
1998, p.13)
Também a concordância verbal nas chamadas passivas sintéticas foi alvo de
inúmeros estudos sociolinguísticos. Segundo a gramática tradicional, em frases como:
“Alugam-se casas.”, “Vendem-se apartamentos.”, “Fazem-se chaves.”, o ‘se’ é um
pronome apassivador, os substantivos ‘casas’, ‘apartamentos’ e ‘chaves’ são os sujeitos
da oração, e, como sujeitos de número plural, determinam que os verbos se digam no
plural ‘alugam’, ‘vendem’ e ‘fazem’. Bechara (2005, p. 563) afirma que “A língua
padrão pede que o verbo concorde com o termo que a gramática aponta como sujeito”.
Na mesma direção, Rocha Lima (2011, p. 475), recomendando atenção especial ao caso,
declara que “[...] o substantivo, representado (geralmente) por ser inanimado, é o sujeito
da frase -, razão pela qual com ele há de concordar o verbo”.
Contudo, nem mesmo os gramáticos estão de acordo com a classificação de ‘se’,
nos exemplos anteriores, como pronome apassivador. Inúmeros estudos, a começar por
Antenor Nascentes e Said Ali, têm interpretado o ‘se’, em orações que tais, como um
indeterminador do sujeito, rechaçando, como inadequada, a terminologia ‘pronome
apassivador’, ‘passiva pronominal’, ‘passiva sintética’. Nascentes (1938, p. 261),
comentando o exemplo Vendem-se casas, é enfático ao afirmar que frases como essa
são de sentido ativo e não passivo: “A ideia é que alguém, que não se sabe quem seja,
vende casas. [...] A prova é que na linguagem vulgar o verbo vai para o singular”. Said
Ali, com convicção, assim se manifesta sobre as chamadas passivas sintéticas:
[...] em compra-se o palácio e morre-se de fome, o pronome se sugere, na
consciência de todo o mundo, a ideia de alguém que compra e de alguém que
morre, mas que não conhecemos ou não queremos nomear [...] O verbo é usado
na 3ª pessoa do singular, quer esteja acompanhado de objeto indireto, quer de
objeto direto precedido da preposição a [ama-se a Deus]. Se porém o regímen
direto não tiver preposição e se achar no plural [doam-se órgãos], o verbo irá
igualmente para o plural, por falsa concordância (SAID ALI, 1957, p. 93-99)
Se, nesse excerto, Said Ali se refere à ‘falsa concordância’ que há em Doam-se
órgãos entre o verbo ‘doar’ e o suposto sujeito ‘órgãos’ (esse, na sua convincente
interpretação, um objeto direto), em outro ele dirá do ‘ilogismo gramatical’ da
obrigatoriedade da concordância, uso do verbo na 3ª pessoa do plural, numa frase como
Vendem-se casas. Para o gramático, é impossível negar que, em frases como essa, “é
93
latente a noção de um agente humano” que vende, mas cuja identidade não se declara. O
absurdo dessa classificação se torna visível não apenas quando se diferencia a função do
‘se’ em frases com verbo transitivo direto, indireto ou intransitivo, como Compra-se o
palácio, Morre-se de fome ou Vive-se bem aqui, mas quando se emprega um mesmo
verbo ora com preposição (transitivo indireto), ora sem preposição (transitivo direto),
como, por exemplo: Adora-se aos deuses e Adoram-se os deuses, em que, por razão
puramente sintática, o ‘se’ seria classificado como índice de indeterminação do sujeito,
no primeiro caso, e como pronome apassivador, no segundo caso. Segundo Said Ali, a
interpretação semântica é a mesma nos dois casos – numa e noutra frase o bom senso
leva a imaginar um sujeito humano que ‘adora’.
Monteiro (1991, p. 152) evidencia a contradição da gramática normativa,
comentando os seguintes exemplos: Fuma-se aqui e Fuma-se charuto aqui. O autor
critica o comportamento paradoxal da maioria dos gramáticos ao usar um critério
semântico para classificar o primeiro ‘se’ como índice de indeterminação do sujeito – “o
SE é interpretado como referente a alguém (que não queremos ou não podemos
nomear)” – e um critério sintático para classificar o segundo ‘se’ como pronome
apassivador e ‘charuto’ como sujeito de ‘fuma-se’, lançando mão da predicação e da
regra de concordância.
Bagno (2000) não poupa críticas àqueles que insistem em desprezar o critério
semântico na classificação do que ele designa como ‘pseudopassiva sintética’ ou
‘pronominal’:
O aspecto semântico sistematicamente desprezado pelos normativistas é que, em
todas as orações deste tipo, os verbos presentes são sempre verbos que só podem se
praticados por um sujeito com traço semântico [+humano]. Só seres humanos
podem fumar, assim como em aluga-se salas, joga-se búzios, vende-se ovos, avia-se
receitas, amola-se facas etc., todos os verbos exigem (além de um óbvio objeto
direto) um sujeito [+humano]. E é essa poderosa evidência semântica que leva os
falantes a manter esses verbos no singular, fazendo eles concordarem com o sujeito
indeterminado, indicado na superfície do enunciado pelo clítico SE.(BAGNO, 2000,
p. 220)
Segundo Bagno, não se deve julgar a legitimidade ou ilegitimidade de uma
oração com o SE seguindo apenas o critério sintático, e desprezando critérios
semânticos, pragmáticos e históricos, como fazem os normativistas. Uma análise
realizada por ele, a partir de um corpus de língua falada, evidenciou os seguintes
94
resultados, com nítida preferência pelo verbo no singular, a exemplo das legítimas
construções em que o SE funciona como índice de indeterminação do sujeito:
Tabela 3 - Pseudopassivas sintéticas no corpus de língua falada
TIPO
QUANTIDADE
%
EXEMPLOS
- padrão
18
75%
“então constrói-se muitos prédios ali”
+ padrão
6
25%
“Normalmente se perdem dois fins de semana”
Total
24
100
(BAGNO, 2000, p. 243)
A Tabela 3 mostra que 75% dos falantes de português usam a forma não padrão
da chamada ‘passiva pronominal’ e apenas 25% usam a forma padrão.
Não menos contundentes são as críticas que Scherre (2005) dirige àqueles,
gramáticos ou gramatiqueiros, que, em várias instâncias da mídia, cegamente defendem
a interpretação do ‘se’ como pronome apassivador. Não sem razão ousou
provocativamente nomear uma importante obra de sua autoria, publicada em 2005,
como “Doa-se lindos filhotes de poodle: variação linguística, mídia e preconceito”. Ao
explicar a ausência de concordância verbal em Doa-se lindos filhotes de poodle, afirma
que ela “[...] ocorre pelo fato de o falante/escritor nativo não interpretar filhotes como
sujeito e sim como objeto direto. Pelo que se sabe até o presente momento, o objeto
direto não rege a concordância em Português” (SCHERRE, 2005, p. 87). Entre os
autores citados por Scherre para sustentar sua tese de que estruturas como a estampada
no título de sua obra constituem frases na voz ativa com sujeito indeterminado, figura
Mattoso Câmara com a seguinte afirmação:
[...] na língua corrente, quer em Portugal, quer no Brasil, a tendência,
combatida pela disciplina gramatical e o ensino escolar, é outra. O padrão
espontâneo é de um verbo fixado no singular, para designar uma atividade sem
ponto específico de partida, ou sujeito, mas com um ponto de chegada, ou
objeto: já se escreveu muitas cartas, vê-se ao longo nuvens ameaçadoras
(CÂMARA JR., 1976, p. 174)
Os estudos sociolinguísticos têm mostrado que o fenômeno da concordância
verbal variável ocorre tanto na modalidade oral quanto na escrita. Há apenas uma
diferença de grau entre uma modalidade e outra: na fala, a variação tende a ser maior,
pois não há um monitoramento ou planejamento prévio quando se elabora o discurso. Já
95
na escrita o monitoramento é maior, sempre há possibilidade de voltar atrás, corrigir,
reescrever.
Oliveira (2010) realiza um estudo sobre a variação na concordância verbal na
modalidade falada e escrita da língua. Ela investiga o fenômeno no português falado no
interior paulista e na escrita escolar de alunos dessa mesma região, examinando
variáveis linguísticas e extralinguísticas que possam favorecer a presença ou a ausência
da marca de plural no verbo.
Os dados da modalidade escrita foram extraídos de redações escolares de
alunos do Ensino Fundamental I, do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio.
Observaram-se as seguintes variáveis linguísticas: paralelismo formal (presença de
plural na palavra que compõe o SN e ausência de plural na palavra que compõe o SN);
saliência gráfica/fônica (come/comem; está/estão; falou/falaram; trouxe/trouxeram;
é/são; faz/fazem); posição do sujeito (anteposto e posposto); classe gramatical do núcleo
do sujeito (pronome pessoal do caso reto, pronome indefinido, numeral e substantivo) e
presença versus ausência de pronome pessoal (eles ou elas). Apenas uma variável
extralinguística foi controlada – o nível de escolaridade: ensino fundamental I, ensino
fundamental II e ensino médio.
Os dados de fala analisados pertencem ao Departamento de Estudos
Linguísticos e Literários do IBILCE/UNESP, sob a denominação “O português falado
no interior paulista: constituição de um banco de dados anotado para o seu estudo”.
Foram analisadas 24 amostras de fala, totalizando 1397 ocorrências de concordância
verbal, sendo 1183 ocorrências de aplicação da regra, o que resulta em 85% de presença
de CV no corpus analisado.
Considerando que o quinto capítulo desta dissertação fará uma descrição da
concordância verbal em redações de alunos do ensino médio em Cuiabá-MT, focalizarse-á, com relação à pesquisa realizada por Oliveira (2010), a análise dos dados extraídos
das produções textuais. Nesse estudo, foram analisadas mais de 600 redações do ensino
fundamental I ao ensino médio, com 1031 ocorrências do fenômeno, sendo 880 de
aplicação da regra. A variável social examinada foi ‘escolaridade’, dividida em três
níveis. Entre as variáveis linguísticas, foram observadas: ‘paralelismo formal’,
‘saliência gráfica’ e ‘posição do sujeito’.
Veja-se a Tabela 4, a seguir, que mostra o impacto do fator ‘escolaridade’
sobre a aplicação ou não da regra de concordância de acordo com a gramática
normativa:
96
Tabela 4 - Aplicação da CV de acordo com o fator ‘escolaridade’
ESCOLARIDADE
FREQUÊNCIA
PESO RELATIVO
ENS. FUNDAMENTAL I
220/289=76%
0.24
ENS. FUNDAMENTAL II
283/351=81%
0.33
ENSINO MÉDIO
377/391=96%
0.81
TOTAL
880/1031=85%
(OLIVEIRA, 2010, p.154)
A Tabela 4 estampa com nitidez a influência que os anos de escolarização
exercem sobre a aplicação da regra de concordância entre o verbo e seu sujeito. A
diferença de resultados entre os informantes do ensino fundamental I (com o percentual
de aplicação da regra de 76% e peso relativo de 0.24) e os do ensino médio (com
percentual de aplicação da regra de 96% e peso relativo de 0.81) é flagrante. Conforme
Oliveira (2010, p. 154), é possível concluir que “[...] a rápida passagem pela escola não
garante o aprendizado das regras de concordância verbal padrão, é necessário um contato
maior para que os alunos utilizem a regra padrão”.
O ‘paralelismo formal oracional’, uma variável linguística, diz respeito à
tendência, na modalidade escrita, de os antecedentes dos verbos influenciarem o verbo
em suas características formais. Marcas explícitas de plural nos elementos flexionáveis
da locução nominal que funciona como sujeito tendem a levar o verbo para o plural,
enquanto a ausência de marcas favorece a variável 0. Nas produções textuais dos alunos
pesquisados,
a) a presença de marcas explícitas de plural antecedentes ao verbo encontra-se
em estruturas como:
As mininas são lindas (Ensino Fundamental I);
Eu sei que as coisas estão boas pra você (Ensino Fundamental II);
Os países estão empenhados (Ensino Médio).
b) a ausência de marcas explícitas de plural antecedentes ao verbo encontra-se
em estruturas como:
Os animal gostou da Branca de Neve. (Ens. Fund. I);
97
Pois as coisa aqui fora não está muito fáceis não. (Ens. Fund. II);
As pessoa que são levadas à pena de morte, muitas vezes não teve a
consciência do ato. (Ens. Médio). (OLIVEIRA, 2010, p. 156)
Tabela 5 - Aplicação da regra – paralelismo formal
PARALELISMO
FREQUÊNCIA
FORMAL
PESO RELATIVO
MARCA DE PLURAL
ANTECEDENTE
727/827=88%
0.60
MARCA ZERO
ANTECEDENTE
153/204=75%
0.15
(OLIVEIRA, 2010, p.156)
Os resultados sintetizados pela Tabela 5 revelam que o verbo, se antecedido
por uma locução nominal cujos constituintes flexionáveis exibam as marcas formais de
plural, apresenta maior probabilidade de aplicação da regra de concordância. O exame
da variável ‘paralelismo formal’ evidencia, pois, que “marcas levam a marcas e zeros
levam a zeros” (p. 157). Conclui-se, portanto, que há uma espécie de concomitância na
aplicação das regras de concordância verbal e nominal na modalidade escrita. Isso
significa que os anos de escolarização são decisivos na aprendizagem das regras de
concordância verbal e nominal de acordo com a norma padrão, tal como cultivada pela
tradição gramatical. O efeito da variável extralinguística ‘escolaridade’ sobre a variável
linguística ‘paralelismo formal’ pode ser observado por meio da Tabela 6, a seguir:
Tabela 6 - Cruzamento entre ‘escolaridade’ e ‘paralelismo formal’
Escolaridade
Ensino
Ensino
Fundamental I
Fundamental II
Ensino Médio
Paralelismo
formal
Presença de plural
no elemento
antecedente
Ausência de plural
no elemento
antecedente
Total
(OLIVEIRA, 2010, p.157)
210/260=81%
255/293=87%
262/274=96%
10/29=34%
28/58=48%
112/117=96%
220/289=76%
283/351=81%
374/391=96%
98
Ao se observar a Tabela 6, constata-se que as marcas de plural em todos os
constituintes flexionáveis da locução nominal (concordância nominal explícita) e da
locução verbal (concordância verbal explícita) aumentam segundo a escolaridade do
aluno. Como fora comentado anteriormente, a escola exerce um papel fundamental na
percepção que o aluno tem das regras da norma padrão ensinadas pela escola e cobradas
na escrita escolar. Sem dúvida, “[...] a escola torna o aluno mais “sensível” ao fenômeno
da concordância verbal”. (OLIVEIRA, 2010, p.158)
Entre as variáveis linguísticas, Oliveira (2010) também investigou o efeito da
‘saliência fônica’ sobre a aplicação ou não da regra de concordância. Por se tratar de um
corpus constituído por dados de escrita, ela renomeia a variável como ‘saliência
gráfica’, como fizera Aquino Silva (1997). Tomando por base a escala de saliência
fônica proposta em estudos anteriores, como o de Naro (1981), a autora sintetiza os
resultados na Tabela 7 seguinte:
Tabela 7 - Aplicação da regra – saliência gráfica
SALIÊNCIA GRÁFICA
FREQUÊNCIA
PESO RELATIVO
falava/falavam
183/209=88%
0.46
faz/fazem
33/39=85%
0.35
está/estão
70/74=95%
0.70
falou/falaram
46/59=78%
0.46
trouxe/trouxeram
18/25=72%
0.34
é/são
89/93=96%
0.86
(OLIVEIRA, 2010, p.159)
Quando se analisam os resultados da variável saliência fônica/gráfica na
modalidade escrita em comparação com os resultados dessa mesma variável na
modalidade oral, parece haver uma contradição, pois, na modalidade oral, quanto menor
a saliência fônica entre as formas do singular e as do plural, maior a probabilidade da
não aplicação da regra de concordância verbal. Não há dúvida de que a saliência fônica
é maior em trouxe/trouxeram do que em falava/falavam. Assim, pela lógica da
oralidade o par trouxe/trouxeram, que obteve o 72% de aplicação da regra, deveria ter
obtido um percentual maior do que o par falava/falavam, que obteve 88% de aplicação
da regra. Oliveira (2010, p. 153) conjectura que essa diferença entre as duas
modalidades pode residir no fato de as formas trouxe/trouxeram serem irregulares e,
portanto, serem introduzidas aos alunos apenas tardiamente aos alunos na escola.
99
Conforme a Tabela 7, a classe de verbos que mais propicia a aplicação da regra
de concordância verbal é aquela em que há contraste entre vogais ou ditongos tônicos
orais no singular e ditongo tônico nasal no plural (está/estão; vai/vão; dá/dão),
incluindo o verbo ser (é/são) no presente do indicativo, que obteve o percentual de 96%
de aplicação. Argumenta a autora que essa classe de verbos é muito usada por
falantes/escreventes do português, e que, por isso, essas formas podem encontrar-se
“cristalizadas na mente dos alunos, tornando-se, assim, mais perceptíveis”.
Como a variável ‘escolaridade’ mostrou-se bastante relevante ao ser cruzada
com a variável ‘paralelismo formal’, Oliveira (1960) examina também o cruzamento
dela com a variável ‘saliência gráfica’, a fim de verificar o comportamento dessa
junção.
Tabela 8 - Cruzamento entre ‘escolaridade’ e ‘saliência gráfica’
Escolaridade
Ensino
Ensino
fundamental I
fundamental II
Saliência
gráfica
24/31=77%
53/71=75%
falava/falavam
1/2=50%
18/23=78%
quer/querem
1/1=100%
37/41=90%
está/estão
29/40=72%
8/10=80%
falou/falaram
10/15=67%
5/6=83%
trouxe/trouxeram
44/45=98%
23/26=88%
é/são
(OLIVEIRA, 2010, p.160)
Ensino médio
106/107=99%
14/14=100%
32/32=100%
9/9=100%
3/4=75%
22/22=100%
Na Tabela 8, verifica-se que, para os alunos do ensino fundamental I, o par
é/são aparece como mais favorável à aplicação da regra da concordância verbal, com
98%, ao lado de está/estão com 100% de aplicação da regra. Para os alunos do ensino
fundamental II, o par está/estão figura como favorecendo a aplicação da concordância
verbal, com 90% de realização da regra. Já o ensino médio apresenta diversos pares de
diferentes escalas de saliência fônica/gráfica como propícios à realização da
concordância verbal: quer/querem, está/estão, falou/falaram e é/são todos com 100%
de aplicação da regra e falava/falavam, o par com menor saliência (nível 1b, segundo
Naro (1981)), com 99% de aplicação da concordância verbal. Diante de tais resultados,
a autora conclui que “[...] a escola desempenha uma forte influência na escrita escolar,
de modo que o aluno se aperfeiçoa à medida que avança na escola” (OLIVEIRA, 2010,
p. 160).
100
Oliveira (2010) examinou ainda a influência da ‘posição do sujeito’ na
aplicação da regra de concordância verbal. Vários estudos variacionistas realizados
anteriormente indicaram que o sujeito anteposto ao verbo favorece a aplicação da regra
e o sujeito posposto desfavorece o uso da regra da gramática normativa. Das produções
textuais, Oliveira (2010, p. 161) coletou os dados a seguir exemplificados e analisados,
conforme Tabela 9:
Exemplos de sujeito anteposto:
Os sete anões chegaram. (Ens. Fund. I);
Minhas amigas iriam todas de vestido vermelho. (Ens. Fund. II);
Muitas críticas são feitas. (Ens. Médio).
Exemplos de sujeito posposto:
Aí chegou os anões da Branca de Neve. (Ens. Fund. I);
Como se formou todos os planetas. (Ens. Fund. II);
Então acabará os recursos naturais. (Ens. Médio).
Tabela 9 - Aplicação da regra – posição do sujeito
POSIÇÃO DO SUJEITO
FREQUÊNCIA
PESO RELATIVO
ANTEPOSTO
719/830=87%
0.43
POSPOSTO
59/97=61%
0.40
(OLIVEIRA, 2010, p.164)
O sujeito posposto ao verbo, tanto na língua escrita como na falada,
desfavorece a concordância e o sujeito anteposto ao verbo a favorece. Oliveira, citando
Decat (1983), excogita a possibilidade de essa variação constituir um caso de mudança
em progresso:
Segundo Decat (1983), esse caráter optativo da concordância verbal com SN
posposto pode dever-se a um fenômeno de evolução da língua e que passa
despercebido, pois as duas formas coexistem, até o momento em que uma delas
irá sobrepujar a outra. (OLIVEIRA, 2010, p.165)
Naro & Lemle fornecem a seguinte explicação para a tendência a não
concordância quando o sujeito vem após o verbo:
[...] é menos provável que o verbo receba marcas de plural quando o sujeito
plural ocorre, linearmente, depois do verbo, caso em que a falta de
concordância torna-se menos perceptível pelo fato de que o elemento
determinante segue o elemento determinado. (NARO & LEMLE, 1977, P.263)
101
Assim, quando o sujeito está posposto ao verbo, parece cessar a ação do
determinante sobre o determinado e o falante tende não fazer a concordância. Segundo
Pontes (1986, p. 52), posposta ao verbo, a locução nominal que funciona como sujeito
tende a ser interpretada como um objeto direto, daí não determinar a concordância
verbal. Já a anteposição do sujeito ao verbo favorece a concordância do verbo com o
sujeito.
Na Tabela 10, a seguir, cruzam-se as variáveis ‘escolaridade’ e ‘posição do
sujeito’, a fim de avaliar se o progresso na vida escolar pode vir a alterar a percepção
equivocada do aluno do sujeito posposto como objeto direto.
Tabela 10 - Cruzamento entre ‘posição do sujeito’ e ‘escolaridade’
POSIÇÃO SUJEITO/
ANTEPOSTO
ESCOLARIDADE
POSPOSTO
ENS.
FUNDAMENTAL I
204/257=79%
6/20=30%
ENS.
FUNDAMENTAL II
253/299=85%
24/46=52%
ENSINO MÉDIO
262/274=96%
29/31=94%
(OLIVEIRA, 2010, p.166)
Conforme a Tabela 10, ao progresso na vida escolar corresponde nitidamente o
aumento do índice de aplicação da regra de concordância quando o sujeito ocorre
posposto ao verbo. No ensino fundamental I, apenas 30% dos alunos fazem a
concordância do verbo com o sujeito posposto; no ensino fundamental II, o percentual
eleva-se para 52% e, no ensino médio, para 94%. Esse aumento decorre, segundo a
autora, de uma maior capacidade de distinguir o que, na oração, é sujeito e o que é
objeto direto, capacidade desenvolvida apenas nas séries mais avançadas. Para dizer de
outro modo, à proporção que a escolaridade aumenta, aumenta a consciência do sujeito
posposto efetivamente como ‘sujeito’. Não é por outra razão que o índice de aplicação
da regra entre os alunos do ensino fundamental I é tão baixo.
Em síntese, na pesquisa realizada por Oliveira (2010), o cruzamento da
variável extralinguística ‘escolaridade’ com as variáveis linguísticas ‘paralelismo
formal’, ‘saliência fônica’ e ‘posição do sujeito’ evidencia que a escola exerce um papel
cabal sobre a percepção do aluno em relação às regras de concordância verbal. Quanto
mais tempo ele fica na escola, mais assimila as regras prescritas pela gramática
normativa.
102
Os estudos sociolinguísticos aqui resenhados interpretam os casos de variação
na concordância verbal como algo inerente às línguas vivas e não como ‘erro’ a ser
corrigido. Com esses estudos aprende-se a conceber a língua como sendo heterogênea,
mas uma heterogeneidade ordenada segundo fatores linguísticos e sociais. Deixar de
aplicar a regra de concordância verbal não é sinal de falta de inteligência ou insipiência
linguística, mas apenas um índice de que a variedade de português adquirida pelo
processo de socialização primário não incluía tal regra. Assim, o ensino de língua
portuguesa tem muito a aprender com a sociolinguística sobre como praticar uma
pedagogia que desenvolva a competência comunicativa dos alunos, ajudando-os a
aprender a norma culta, sem, contudo, cultivar o preconceito linguístico, como
historicamente tem feito.
A perspectiva de interpretação dos fatos linguísticos passada em revista neste
capítulo orientará a leitura dos dados colhidos em redações de alunos do 3º ano do
ensino médio de uma escola da rede privada de Cuiabá.
103
CAPÍTULO V
A CONCORDÂNCIA VERBAL EM PRODUÇÕES ESCRITAS DE ALUNOS DO
3º ANO DO ENSINO MÉDIO DE UMA ESCOLA PRIVADA EM CUIABÁ
Neste capítulo serão analisados os casos de variação na concordância verbal
que constam do corpus de enunciados reunidos para o presente estudo. Tais casos foram
extraídos de um conjunto de textos produzidos por alunos do terceiro ano do ensino
médio de uma escola da rede privada de ensino em Cuiabá. A opção por essa escola,
doravante Colégio X8, teve por base o desempenho de seus alunos no ENEM/2009, um
dos melhores no estado de Mato Grosso. O Colégio X localiza-se na região central de
Cuiabá e é frequentado principalmente por alunos oriundos de famílias com bom poder
aquisitivo. A escola sorteia bolsas de estudos todo ano para pré-vestibulandos e alunos
do ensino médio e costuma alardear em outdoor o número de aprovados em concursos
vestibulares e os bons resultados obtidos no ENEM. Além de produções dos alunos do
Colégio X, este estudo também examinará, no capítulo 6, o material didático adotado
pela escola.
O corpus aqui estudado é composto por enunciados recortados de 142
produções textuais, 86 delas produzidas por meninas e 56 por meninos, na faixa etária
entre 17 e 19 anos. As redações foram numeradas de 001 a 142, sendo que as de número
001 até 086 foram produzidas por alunas e as de 087 até 142 por alunos. As produções
textuais foram solicitadas numa aula de redação, com base na leitura da reportagem
intitulado “Ser inteligente saiu de moda” (Adaptado de: PELEGRINI, L. Ser inteligente
saiu de moda. Revista Planeta, ed. 47, out. 2010). Após a transcrição do texto da
reportagem, a professora apresentava a seguinte proposta aos alunos:
Com base na reportagem, redija um texto dissertativo-argumentativo, indicando
as razões dessa perigosa inversão de valores que caracteriza nosso momento
histórico, no qual os grandes são esquecidos e desprezados e os medíocres são
elevados ao olimpo dos deuses de curta duração.
8
Usa-se a designação Colégio X para manter a instituição no anonimato.
104
Vale ressaltar que a análise dos dados será meramente qualitativa, pois a
intenção não é realizar uma pesquisa com controle de variáveis estruturais e sociais,
seguindo o rigor imposto pela sociolinguística variacionista, mas sim proceder a um
levantamento dos casos de concordância variável na escrita de alunos do terceiro ano do
ensino médio que possa ser o ponto de partida para um trabalho pedagógico que leve em
conta o que os alunos já sabem, estabelecendo comparações entre as normas
evidenciadas nos textos e as normas prescritas pela gramática normativa. Tanto quanto
possível, será feito um contraponto entre os casos encontrados nas produções dos alunos
e os casos que constam da bibliografia sociolinguística. Tendo em vista a natureza do
estudo e o grupo de informantes, julgou-se desnecessário levar em conta as variáveis
sociais. Como os dados foram coletados de produções textuais de uma mesma turma, de
um mesmo colégio, de alunos da mesma faixa etária e do mesmo nível socioeconômico,
a única variável que poderia ser controlada seria a de gênero (masculino/feminino).
Porém, esse controle seria irrelevante para o fim a que se destina essa análise, conforme
explicitado anteriormente. Assim, será observado o impacto das seguintes variáveis
linguísticas sobre o fenômeno da concordância : sujeito anteposto e contíguo ao verbo;
sujeito anteposto, mas não contíguo ao verbo; sujeito anteposto – pronome relativo;
sujeito posposto, simples ou composto; sujeito simples de estrutura complexa;
paralelismo formal oracional; saliência gráfica e concordância ideológica.
5.1. SUJEITO ANTEPOSTO E CONTÍGUO AO VERBO
Como têm demonstrado as pesquisas sociolinguísticas, a estrutura SV – sujeito
(com núcleo plural simples ou composto) anteposto e contíguo ao verbo – favorece a
presença da marca de plural. Os dados aqui examinados confirmam essa tendência.
Considerada essa variável linguística, foram poucos os casos registrados de não
concordância. Contudo, eles existem, certamente influenciados por outras variáveis, a
exemplo das frases 1 e 2:
1)“É importante que desde cedo os pais influencie seu filhos de forma
para que o mundo não os transgrida.” (045)
positiva
2)“E também os alunos têm que ir para os colégios tendo uma educação que vem
de casa, onde os pais pode educar.” (107)
105
Nessas frases, o sujeito gramaticalmente plural anteposto e contíguo ao verbo
deveria favorecer a presença da marca de plural, mas efetivamente se tem a variante 0.
Nesse caso, duas outras variáveis linguísticas podem ter atuado, desfavorecendo a
concordância verbal, uma semântica e outra fônica/gráfica. Embora o sintagma nominal
‘os pais’ tenha um núcleo plural, ele pode ser percebido como uma unidade, como um
todo indivisível, sentido que favorece a variante 0. Também não se pode desprezar a
variável saliência fônica. Os estudos sociolinguísticos propõem um escala de seis níveis
de saliência fônica e os dois exemplos em questão encaixam-se no nível mais baixo,
cuja única diferença entre a 3ª pessoa do singular e a 3ª do plural é a ausência de
nasalidade versus a presença (influencie/influenciem, pode/podem). A saliência fônica
também pode ser uma das variáveis linguísticas determinantes para a ocorrência da
variante 0 nas frases 3, 4 e 5:
3) “Ninguém para pra pensar no valor de cada um, em que o esforço e força de vontade
pode proporcionar de benefício no futuro.” (008)
4) “Nesta situação as famílias, órgãos públicos e o próprio governo deve bater de
frente, pois as pessoas estão sendo fortemente manipuladas.”(131)
5)“Quando os mais inteligentes e conhecedores recusa o mérito de alguns prêmios
ideológicos por sua superioridade aos demais.” (023)
Como já foi observado, tais frases podem ter sofrido influência da variável
saliência fônica, uma vez que a diferença entre pode/podem, deve/devem e
recusa/recusam é apenas o traço da nasalidade, ausente no singular e presente no plural.
Porém, novamente variáveis semânticas podem ter concorrido para a não concordância
verbal: na frase 3, os dois núcleos (no singular) ‘ esforço’ e ‘força de vontade’ podem
ter sido intuídos como sinônimos, ou seja, como uma mesma ideia, daí o verbo no
singular; na frase 4, o sujeito composto, com os dois primeiros núcleos no plural e o
último no singular, pode ter sido preterido pela concordância apenas com o núcleo mais
próximo ‘o próprio governo’, que, conquanto apresente a ideia de coletividade, é
formalmente singular.
Oliveira (2000) aponta que a presença de várias marcas de plural no sintagma
nominal que funciona como sujeito imediatamente anteposto ao verbo favorece a
concordância entre eles, ou seja, a concordância nominal e a concordância verbal
106
parecem ocorrer em cadeia. Por vezes, esse contexto é analisado como uma variável
linguística designada ‘paralelismo formal’.
Quando temos marca de plural antecedente em dois ou mais elementos do SN, o
percentual de concordância para sujeitos que se encontram imediatamente anterior
ao verbo é de 96%.
Tal fato evidencia que marcas levam a marcas, principalmente, quando já há uma
sequência de marcas de plural. Isso nos leva a crer que quanto mais saliente for a
relação verbo/sujeito, maior é a probabilidade de o verbo concordar com seu
sujeito, quer este esteja no singular ou no plural. (OLIVEIRA, 2010, p.116)
Observa-se que o grau de desestruturação dos períodos pode comprometer a
concordância entre o sujeito e o verbo, uma vez que pode obliterar a relação entre eles.
Quanto menos clara e saliente for a relação entre eles, maior será a probabilidade de não
se realizar a concordância verbal.
5.2 SUJEITO ANTEPOSTO, MAS NÃO CONTÍGUO AO VERBO
Estudos sociolinguísticos demonstram que a não contiguidade entre o sujeito e
o verbo, por mínima que seja a distância entre eles, pode levar à não aplicação da regra
de concordância verbal. Os dados desse estudo corroboram esse resultado, conforme
frases de 06 a 12. Almeida (2010, p. 121), ao analisar o fator distância entre o verbo e o
sujeito, pondera que “[...] quanto maior a distância entre esses dois termos, maior a
possibilidade de cancelamento da regra de concordância verbal”.
6) “Em numerosos casos alguns deles não gosta de responder ao professor e
com
certeza eles sabem a resposta mas claramente tem medo de responder por causa do
bullying.” (107)
7) “Atualmente com essa perda algumas dessas pessoas não liga o que pensa ou
o que falem dela o importante é estar chamando atenção e estar na mídia, do
modo
que não importa o que ela faz ou o que ela vai fazer” (135)
8) “[...] antigamente não era assim pois as pessoas tinham muito respeito e
honestidade e não tinha esses pensamentos em mente.” (136)
9)“Historiadores, inventores, escritores entre tantos outros exemplos são
responsáveis por marcantes datas, evoluções de uma sociedade para outra, e por
inúmeras vezes leva a verdadeira construção para um bem maior.” (002)
107
10) “Os principais fenômenos etiológicos observados na atualidade diz respeito aos
jovens.” (059)
11) “Esses tratamentos diferenciados entre os estudantes não deve ser apoiados
(111)
12)“A ambição de ser igual a ator e atrizes famosos influenciam até a maneira de viver
e agir.” (128)
Mesmo que a interposição seja de um vocábulo monossilábico como o
advérbio de negação ‘não’, a probabilidade de uso da variante 0 aumenta (exemplos 6 e
7). Quanto maior o número de sílabas separando o sujeito do verbo, maior a
probabilidade de não aplicação da regra de concordância verbal (exemplos 8 a 12). No
exemplo 8, as duas variantes da variável concordância verbal se realizam – a marcada
(tinhaM), quando há vizinhança entre o sujeito e o verbo, e a não-marcada (tinha0),
quando o sujeito e o verbo estão separados por mais de dez sílabas. O exemplo 9 é
semelhante ao exemplo 8: na ocorrência mais próxima do sujeito composto (mas não
contígua), o verbo ‘são’ com ele concorda, porém, na mais distante deixa de fazê-lo,
empregando a forma não marcada (leva0). Nesse exemplo, o emprego de ‘são’ pode
também ter sido influenciado pela saliência fônica, já que o par é/são constitui o nível
mais alto de diferenciação entre o singular e o plural, pois envolve mudanças completas
de uma forma para outra, e o par leva/levam o nível mais baixo, favorecendo a
ocorrência da variante não marcada. Os exemplos 10 e 11 são semelhantes, o núcleo do
sintagma nominal que funciona como sujeito é obliterado pelas muitas sílabas
interpostas que o separam do verbo. O exemplo 12 é parcialmente semelhante pela
extensão do sintagma nominal que funciona como sujeito, porém o que parece controlar
a concordância é não o substantivo ‘ambição’ que é o núcleo do sintagma, mas sim os
substantivos ‘ator e atrizes famosos’, vizinhos imediatos do verbo.
Outro caso que poderia ser tratado como não contiguidade entre sujeito e verbo
seria o do pronome relativo em função do sujeito, uma vez que ele representa uma
interveniência entre esses dois termos (S+que+V). Contudo, pela sua contundência no
corpus será tratado como uma variável à parte.
108
5.3 SUJEITO ANTEPOSTO – PRONOME RELATIVO
A incidência de não aplicação da regra de concordância verbal em orações
subordinadas adjetivas é alta entre os estudantes do 3º ano do ensino médio. Sabe-se
que o pronome relativo, além de conector de orações, é também um anafórico que
substitui o sintagma nominal imediatamente antecedente e, como tal, pode exercer
várias funções sintáticas na oração adjetiva, incluindo a função de sujeito. Para efeito de
concordância verbal, a gramática normativa determina que ela se faça de acordo com o
antecedente, ou seja, se o núcleo do sintagma nominal antecedente for simples e plural
ou composto, o verbo deve ir para o plural. O número e a pessoa do antecedente
substituído anaforicamente pelo relativo (que, o(a) qual, o(a)s quais) em função de
sujeito determinam o número e a pessoa do verbo (núcleo do predicado da oração
adjetiva). Contudo, contrariando as prescrições da gramática normativa, os estudos
sociolinguísticos têm evidenciado que essa estrutura sintática desfavorece a
concordância.
Naro e Scherre (2003), no artigo intitulado “A relação verbo/sujeito: o efeito da
máscara do que relativo”, estudam a concordância verbal, focalizando o efeito da
variável linguística SN + que (relativo). O estudo relatado neste artigo revelou que essa
variável, ou seja, a interveniência do ‘que’ entre o sujeito e o verbo (S+que+V), inibe a
presença da variante explícita de plural nos verbos. Monte (2007), analisando dados de
outra amostra, chegou a resultado semelhante, conforme Tabela 11 a seguir:
Tabela 11: Frequência de CV em função da presença ou ausência do ‘que’ relativo entre o
sujeito e o verbo em Monte (2007) e Naro e Scherre (2003)
FATORES
FREQUÊNCIA DA CONCORDÂNCIA VERBAL
Monte (2007)
Naro e Scherre (2003)
Presença do ‘que’ relativo
18/108 = 17%
256/402 = 64%
Ausência do ‘que’ relativo
150/595 = 25%
2113/2614 = 81%
Fonte: Monte (2007, p. 82)
Nos dois estudos, a presença do relativo diminui muito a probabilidade da
concordância verbal, porém a diferença entre os dados de Monte (2007) e Naro e
Scherre (2003) explica-se certamente pela diferença de informantes num caso e noutro.
Os dados de Monte referem-se a falantes não-alfabetizados ou pouco escolarizados; já
os de Naro e Scherre referem-se a falantes com um nível maior de escolarização. Como
109
se viu no capítulo 4, à medida que os anos de ‘escolaridade’ aumentam, aumenta a
probabilidade da marca explícita de plural no verbo.
Também nas redações dos alunos do terceiro ano do ensino médio (exemplos de
13 a 22), a presença do ‘que’ relativo interveniente entre o sujeito e o verbo desfavorece
a presença de marcas explícitas de plural no verbo, da mesma forma que a variável da
não contiguidade entre o sujeito e o verbo.
13)“Nos dias de hoje temos muitos exemplos de homens e mulheres de sucesso que não
tinha muitas oportunidades nem eram os melhores da sua sala na escola.” (109)
14) “No passado as pessoas que perdia seus valores era vista com outros olhos diante
da sociedade e com isso era julgados.” (136)
15)“É pitoresco, por exemplo, presenciar situações onde pais compram livros, em vez
das famosas bonecas “barbies” que representa entre as garotas um ideal de beleza.”
(037)
16)“A mídia traz variados exemplos que pode servir de lição a varias pessoas, uns
deles é o futebol.” (024)
17) “Porém nos últimos anos o padrão da mídia é o sucesso relâmpago, patrocinado por
propagandas, programas e novelas que impõe um padrão de comportamento no qual
impera a inversão de valores.” (080)
18)“Para não ocorrer mais estes tipos de problemas deveria acabar com este mal
que está atingindo o mundo todo com estas “modinhas” que acaba com que várias
pessoas sofrem com o preconceito de seres arrogantes que existe neste mundo.” (134)
19)“A população está ficando cada vez mais pobre culturalmente devido ao fato
da comunidade condenar aquelas pessoas que realmente contribui para levar o país
para frente.” (133)
20)“Assim logo teremos um planeta bem melhor para se viver, não tendo mais estes
males que acontecem por conta dessas “modas” que atinge várias pessoas.” (134)
21)“No passado as pessoas que perdia seus valores era vista com outros olhos diante
da sociedade e com isso era julgados.” (136)
22)“Existem aqueles que se contrapõe à tal situação.” (091)
Almeida (2010) também encontrou em seus dados muitos casos em que o
pronome relativo ‘que’ causou o cancelamento da marca de plural no verbo, mesmo ele
ocorrendo posposto ao sujeito.
Dentre os casos de anteposição do sujeito, foram separadas as construções em
que o sujeito é representado pelo pronome relativo “que”, com o objetivo de
110
verificar se ele favorece o cancelamento da marca de plural. Foram controladas
as seguintes estruturas:
– Sujeito explícito anteposto ao verbo representado por pronome relativo – As
freiras e o padre que a tratavam como filha./A futurista e a decadentista que
destaca mais a sua poesia.
– Sujeito introduzido pelo pronome relativo que
– Sabendo das fofocas que está na mídia /As pessoas que não entendem nada.
(ALMEIDA, 2010, p.121)
Depois de examinar detidamente seus dados, chegou à conclusão de que “O
pronome relativo que mascara a relação entre o sujeito e o verbo, favorecendo o
cancelamento da marca de plural nas orações relativas quando o SN antecedente é plural
[...]” (ALMEIDA, 2010, p. 146).
Segundo Naro e Scherre (2003, 2005), o ‘que’ relativo oblitera a relação do
verbo com o sujeito não apenas na fala, mas também na escrita, desfavorecendo a
concordância verbal. Os efeitos dessa variável podem ser observados inclusive na
escrita jornalística, principalmente quando há dois candidatos ao controle da
concordância, como no exemplo seguinte, que, semanticamente, pede um verbo no
singular, concordando com ‘capital’, mas que, provavelmente, por influência de
‘brasileiros’, o termo mais próximo, assume a forma plural:
23) “O deputado, que foi relator da medida provisória, acredita que com a lei
aprovada o governo poderá repatriar capital de brasileiros que estejam aplicados
na
Suíça” (Jornal do Brasil, 04/04/90, p. 3, 1º. Caderno, apud SCHERRE, 2005, p. 28)
Além dessa estrutura envolvendo a interveniência do relativo, Scherre (1994, p.
10) afirma que, no tocante à variação na escrita, particularmente, na escrita padrão, há
boas evidências para se “[...] concluir que ela não se restringe aos casos arrolados pelas
gramáticas brasileiras, mas envolve quatro grandes configurações estruturais apenas
parcialmente previstas, sintetizadas [...]”. Dessas quatro configurações, duas se mostram
relevantes ao estudo aqui empreendido. São elas:
1) Construções com sujeitos pospostos, independentemente de serem compostos.
-Mas se a população de rua não for retirada de nada ADIANTARÃO medidas de
Segurança.
-SAIRÁ das AD's caravanas de docentes para participarem deste evento.
2) Construções com sujeito simples de estrutura complexa, independentemente de
expressarem noções quantitativas, coletivas ou partitivas.
-Um grupo de artistas ESTAVA sábado à noite no Cine Ricamar.
-Um grupo de turistas CHEGAM a uma aldeia de canibais e vão a um restaurante.
111
(SCHERRE, 1994, p. 10)
5.4 SUJEITO POSPOSTO, SIMPLES OU COMPOSTO
As pesquisas sobre concordância verbal que examinam o comportamento da
variável ‘posição do sujeito’, afirmam que sujeitos pospostos ao verbo não favorecem a
concordância. Embora a anteposição do sujeito possa favorecer a concordância verbal,
há fatores que desaceleram o potencial de aplicação da regra de concordância como a
distância em número de sílabas entre o sujeito e o verbo, como os níveis de saliência
fônica da forma plural do verbo, como a interposição do relativo ‘que’ entre o sujeito e
o verbo etc., casos tratados nas seções anteriores 5.1, 5.2 e 5.3.
Scherre (1994) lembra que esta tendência à não concordância, quando o verbo
vem antes do sujeito, tem sido observada até em textos “legitimados” pela escrita
padrão:
É interessante relembrar aqui que diversas pesquisas a respeito da variação na
concordância verbal também evidenciam que o sujeito antes do verbo, ou seja, à
sua esquerda também propicia mais concordância verbal, enquanto o sujeito
depois do verbo, ou seja, à sua direita, reduz drasticamente a referida
concordância verbal, na fala de falantes de qualquer nível de escolarização em
português (cf., por exemplo, Lemle & Naro, 1977; Naro, 1981; Graciosa, 1991),
chegando inclusive a se manifestar na escrita padrão, o que pode ser ilustrado
por dados extraídos de textos escritos “legitimados”: "Segue abaixo as
especificações"; "Sairá das AD's caravanas de docentes para participarem
deste evento" e "No pagamento de junho será distribuído a cada servidor dois
contra-cheques". (SCHERRE, 1994, p.6)
Oliveira (2010, p. 110) aponta quatro hipóteses levantadas por Decat (1983)
para justificar a não aplicação da regra de concordância verbal com sujeitos pospostos
aos verbos: 1) desconhecimento da regra por parte do falante; 2) variação linguística
causada pela diferença fônica entre as formas verbais de terceira pessoa do singular e do
plural; 3) a perda da característica principal do sujeito, que seria a anteposição ao verbo;
4) a responsabilidade que a posição do sujeito assume com relação à aplicação da regra
da concordância verbal. Dentre as quatro hipóteses conjecturadas, a que lhe parece mais
plausível é a terceira, uma vez que a estrutura canônica do português é SV. Invertendose a posição tem-se VS, com o sujeito ocupando a posição canônica do objeto, que, na
língua portuguesa, não exerce função de controle em relação à concordância verbal. Diz
a autora:
Parece-nos mais concreta a justificativa da ausência de concordância verbal que
se baseia no fato dos SNs pospostos estarem deixando de desempenhar a função
112
de sujeito porque estão perdendo, entre outras, a propriedade sintática de
sujeito, já que o esperado seria o sujeito ocupar a posição no início da sentença.
O sujeito posposto, portanto, seria sentido pelo falante como objeto e não como
sujeito, pois ocupa, na sentença, o lugar reservado ao objeto direto e/ou indireto
e, em razão disso, absorve, muitas vezes, as características desse objeto.
(OLIVEIRA, 2010, p. 111)
Nos dados extraídos das redações que compõem a amostra do presente estudo,
foram encontrados vários casos de não concordância quando o sujeito ocorre posposto
ao verbo, com destaque para o verbo ‘existir’ que salta aos olhos no quesito da ausência
de marca de plural na terceira pessoa. Nas frases de 26 a 31, o verbo “existir” é
sinônimo de “haver”, e, como tal, pode ser influenciado pela impessoalidade que o
caracteriza.
24) “Indo mais além os meios de comunicação fazem uma ligação entre o ser e o
ter e regidos pelo capitalismo, o rico quer mostrar o que tem, para não ser
comparado com o pobre, o qual quer aparecer as custas do que não possui, e é ai
que entra os comerciais com mulheres lindas.” (085)
25) “A grande maioria pode obter mais conhecimento em pouco tempo e nesse rápido
pulsar da tecnologia é descoberto plantas para uso medicinais em laboratórios de
tecnologia de ponta e rapidamente faz remédios que curam doenças ... (025)
26) “Ainda existe aqueles que tem vontade de aprender, pois são estimulados pela
família...” (009)
27) “Ainda existe as pessoas que querem ser reconhecidas pelo esforço que fizeram
na escola...” (022)
28) “Existe, no entanto, algumas pessoas que estão indo contra essa corrente, pessoas
que estão indo contra toda essa corrente.” (078)
29) “Mas em contrapartida existe aqueles que pensam e agem paralelamente.”(124)
30) “Há anos atrás neste mundo em que vivemos hoje não existia estas manias que
hoje tem que é chamada por todos de “moda”.” (134)
31) “Como antigamente não existia todos estes problemas que ocorrem hoje
possivelmente as pessoas iriam viver todos na completa paz sem nenhum
preconceito.” (134)
5.5 SUJEITO SIMPLES DE ESTRUTURA COMPLEXA
Nesse grupo, encaixam-se os casos de variação na concordância verbal
relacionados com o sujeito simples de estrutura complexa, com a seguinte configuração:
113
[artigo + substantivo + preposição + artigo + substantivo] (SCHERRE, 2005, p. 26). A
gramática normativa já contempla alguns casos de variação, quando se trata de sujeito
simples formado por expressão partitiva no singular, seguido de sintagma nominal
preposicionado com núcleo plural, como por exemplo: “a maioria dos alunos chegou ou
chegaram cedo” (ROCHA LIMA, 2011, p. 479; BECHARA, 2008, p. 557; CUNHA e
CINTRA, 2007, p. 499), conforme paralelo entre as gramáticas realizado no capítulo 3.
Nesse caso, admite-se que há dois possíveis controles para a concordância verbal, o
termo partitivo ‘maioria’ ou o substantivo ‘alunos’. Porém, não é a essa variação que
Scherre (1994, 2005) se refere e sim àquela que ocorre mesmo que não haja termo
partitivo ou quantitativo envolvido na formação do sujeito complexo, como é o caso dos
exemplos seguintes, ambos retirados de textos escritos legitimados.
- O peso dos trajes representam o peso médio estatístico dos trajes comumente
utilizados no Brasil (Peso Certo ATLAS, Certificado de Peso, 26 de maio de
1990, apud SCHERRE, 2005, p. 27)
- [...] as mudanças do momento político pode provocar um aumento de
patologias mentais, como a depressão (Jornal do Brasil, 2/4/1990, p.10, 1º.
Caderno, c. 3, apud SCHERRE, 2005, p. 27)
No primeiro caso, quem controla a concordância não é o núcleo do sujeito –
peso – e sim o núcleo do sintagma nominal adjunto – (d)os trajes – que está no plural;
também no segundo, quem controla a concordância não é o núcleo do sujeito – as
mudanças – e sim o núcleo do sintagma nominal adjunto – (d)o momento histórico –
que está no singular. Assim, consoante Scherre (2005, p. 27), “Há concordância de
número em ambos os casos, só que com o núcleo do adjunto adnominal preposicionado.
Nas redações dos alunos (frases 32 a 38), foram encontrados muitos exemplos
semelhantes aos analisados por Scherre.
32) “Por outro lado o apoio dos pais, professores e amigos muitas vezes são mais
fortes do que a humilhação que tal pode passar na escola”. (105)
33) “O nível dos vestibulares tendem a crescer e com isso impulsionar os mais novos a
estudar”. (116)
34) “A transmutação dos conceitos fazem parte do futuro e da modernidade, mas
sempre estiveram arraigados e entrelaçados ao passado”. (138)
35) “O péssimo desenvolvimento psicológico gerado pelas escolas públicas do Brasil,
fazem com que, na mediocridade, sejam condenados os que se esforçam para garantir
um futuro...” (051)
114
36) “Os meios de tecnologia leva o jovem brasileiro a concluir que valores de épocas
passadas são coisas que não convêm”. (073)
37) “Os próximos profissionais principalmente da área de educação terá um nível bem
inferior que se tinha antigamente”. (064)
38) “Costumamos agir como se fossemos peças de um tabuleiro que é manuseada
conforme os espetáculos oferecidos pela mídia”. (042)
Nas frases 32 a 35, tem-se o núcleo do sujeito no singular – apoio; nível;
transmutação; desenvolvimento – e o núcleo do sintagma nominal preposicionado no
plural – pais, professores e amigos; vestibulares; conceitos; escola – esses últimos
controlando o número plural do verbo – são; tendem; fazem. Nos exemplos 36 a 38,
tem-se o núcleo do sujeito no plural – meios; profissionais; peças – e o núcleo do
sintagma nominal preposicionado no singular – tecnologia; área; tabuleiro – esses
últimos controlando o número singular do verbo – leva; terá; é. Num caso e no outro,
quem exerce o controle da concordância não é o núcleo do sujeito, mas sim o núcleo do
sintagma nominal preposicionado, provavelmente por estar mais próximo do verbo,
reforçando o peso da variável estrutural contiguidade.
5.6 PARALELISMO FORMAL ORACIONAL
O paralelismo formal oracional se refere à influência de marcas de plural ou
singular presentes no sujeito sobre o verbo. O que se observa quando se estuda o objeto
concordância verbal sob a óptica da variável paralelismo formal oracional é se há um
paralelismo entre as marcas encontradas no sujeito e as encontradas no verbo. Oliveira,
citando Scherre e Naro (1993), os precursores do estudo sociolinguístico da
concordância de número no Brasil, assim retoma a variável:
Scherre & Naro (1993) analisam três tipos de paralelismo formal, entre os quais
se inclui o paralelismo oracional ou causal, que trata exatamente da influência
da presença ou da ausência de marcas finais do sujeito sobre a presença ou
ausência de marcas do verbo. (OLIVEIRA, 2010, p.5)
Nos vários trabalhos escritos sobre o tema, percebe-se que a variável
paralelismo formal oracional está ligada às variáveis distância e posição entre o sujeito e
o verbo. Quanto maior a distância entre o verbo e o sujeito, menores serão as chances de
115
atuação da variável paralelismo formal, já que, quanto maior a distância, menor a
percepção das marcas de plural do sujeito. Quanto à variável posição, as marcas de
plural ou singular presentes no sujeito têm mais chance de atuar sobre o verbo, se ele
vier antes do verbo. Sujeito posposto ao verbo reduz o potencial de influência do
paralelismo formal. Oliveira demonstra estatisticamente como as variáveis ‘paralelismo
formal’ e ‘posição do sujeito’ agem conjuntamente:
Em 88% das ocorrências em que havia presença de marca formal de plural
antecedente ao verbo houve aplicação da regra de concordância verbal. O peso
relativo dos fatores só confirma que a probabilidade de o verbo vir no plural é
maior quando ele é antecedido por um constituinte do SN no plural.
(OLIVEIRA, 2010, p. 158)
A seguir, listam-se alguns exemplos extraídos da amostra de redações
estudadas nesta dissertação que revelam a possível influência do paralelismo formal
exercido sobre o verbo por sujeitos antepostos próximos ou distantes do verbo.
39) “Pessoas inteligentes são vítimas de preconceito.” (018)
40) “Fica claro entender que os jovens atuais querem nada mais que vida fácil.”
(101)
41) “Essas pessoas podem até se apagar, mas depois dão a volta por cima e seguem
a vida no mesmo caminho de antes.” (001)
42) “Estudantes do Brasil e do mundo estão indo atrás dos seus sonhos...” (040)
43) “Atualmente, adolescentes que têm um grau de intelectualidade são taxados
por algumas pessoas de ‘nerd’, um termo pejorativo e ofensivo.” (104)
44) “O conceito de que estudar significa não ter relações interpessoais está cada
dia mais forte.” (092)
45) “Não sabemos ao certo se uma determinada pessoa já nasceu em uma família
de classe superior, ou se ao decorrer de sua vida, batalhou, estudou e conseguiu
com seus esforços alcançar uma classe mais alta.” (032)
Nas frases 39 a 43, as marcas de plural no sujeito se estendem ao verbo; já nas
frases 44 e 45, a ausência de marcas de plural no sujeito se estende ao verbo. Isso parece
significar que o domínio das regras de concordância nominal e verbal, conforme a
gramática normativa, ocorre concomitantemente.
116
5.7 - SALIÊNCIA GRÁFICA
Adota-se aqui o termo saliência gráfica e não fônica por se tratar de um
corpus de língua escrita. Como foi visto no capítulo 4, os estudos sobre concordância
verbal que avaliam o impacto desse fator na variação chegaram a uma escala de seis
níveis de saliência fônica (ou gráfica). O primeiro nível dessa escala refere-se ao
processo fonológico da desnasalização que afeta as vogais átonas finais, estendendo-se à
morfologia. Almeida (2010, p. 127), citando Guy (1981), afirma
Guy (1981, p. 200), em seu estudo sobre a desnasalização em português, ao
tratar da concordância verbal relata que o português popular brasileiro tem na
desnasalização e nas regras de concordância do sujeito com o verbo um outro
grande caso de entrelaçamento e interação de processos fonológicos e
morfossintáticos.
A desnasalização é fator importante para que se estabeleçam os níveis de
saliência fônica, uma vez que envolve formas verbais regulares em que a
nasalidade é o único traço distintivo entre as formas singular e plural, do tipo
ele fala/eles falam. (ALMEIDA, 2010, p. 127)
Segundo os pesquisadores, as vogais átonas finais que apresentam marcas de
plural, /-N/ na oralidade, ou <M> na escrita, estão sujeitas ao processo fonológico de
desnasalização, cujos efeitos se refletem sobre a morfossintaxe, apagando as marcas da
concordância verbal em muitos casos. O processo fonológico de desnasalização que
transforma <homem> em <home> e <virgem> em <virge>, suprimindo a consoante
nasal final (ou traço de nasalidade, conforme a teoria fonológica que se adote), também
transforma <podem> em <pode> e <bebem> em <bebe>, porém, nesse último caso, não
é apenas uma consoante nasal (ou um traço de nasalidade) que é suprimido, mas
também o morfema que indica a 3ª. pessoa do plural.
Na amostra analisada neste estudo, algumas frases já examinadas sob a ótica de
outras variáveis podem também ter sofrido o impacto do fator saliência gráfica (ou
fônica), a exemplo dos casos 1, 2, 17, 26, dentre outros:
1)“É importante que desde cedo os pais influencie seu filhos de forma positiva para
que o mundo não os transgrida.” (045)
2)“E também os alunos têm que ir para os colégios tendo uma educação que vem
de casa, onde os pais pode educar.” (107)
117
17) “Porém nos últimos anos o padrão da mídia é o sucesso relâmpago, patrocinado por
propagandas, programas e novelas que impõe um padrão de comportamento no qual
impera a inversão de valores.” (080)
26) “Ainda existe aqueles que tem vontade de aprender, pois são estimulados
família...” (009
pela
5.8 CONCORDÂNCIA IDEOLÓGICA
É a concordância do verbo com o sentido do núcleo do sujeito e não com seu
número gramatical. A própria gramática normativa admite alguns casos de concordância
ideológica, principalmente, quando houver distância entre o sujeito e o verbo. Esse tipo
de concordância verbal envolve núcleos de sujeito que indiquem coletividade mas sejam
formalmente singular como: população, maioria, comunidade, juventude, casal,
criançada, mulherada, partido, associação etc. No universo da gramática tradicional,
esse fenômeno é referido como: concordância ideológica, sínese, silepse de número,
concordância siléptica ou lógica etc.
De acordo com Scherre (2005, p. 49), os casos admitidos pela maioria dos
gramáticos “[...] não envolvem distância física, mas o que se poderia chamar de
distância sintática: são casos de ‘sujeito oculto’[...]”, como o do exemplo a seguir,
coletado numa matéria publicada pelo jornal Correio Brasiliense. Afirma a autora que
“O controlador sintático da concordância é formalmente singular (a quadrilha do INSS),
mas os verbos dos ‘sujeitos ocultos’ (Estão e Vão) ligados ao coletivo singular
encontram-se no plural”:
“Lamentável que a Polícia Federal prenda e o tempo faça com que todos sejam soltos
para responder em liberdade e fiquem a salvo de ser apanhados ou julgados. Veja-se o
caso da quadrilha do INSS. Estão saindo da prisão, embora mais de um bilhão não
tenham sido recuperados. Vão viver à tripa forra” (Correio Brasiliense, 15/11/2004,
Opinião, p. 11, c.1, apud SCHERRE, 2005, p. 49).
Citando Mattos (2003), Scherre afirma que essa variação não é exclusiva do
português brasileiro, ela está presente também no português europeu, sendo observada
até mesmo na escrita jornalística contemporânea, como no exemplo seguinte:
O Partido Africano de Independência de Cabo Verde (PAIVC), na oposição,
contestaram acusações feitas pelo governo” (texto jornalístico português de 1995,
citado por SCHERRE, 2005, p. 48).
118
No presente estudo, foram observados vários casos, frases de 46 a 50, de
concordância ideológica.
46) “Várias campanhas e propagandas feitas pelos meios de comunicação estão
alertando a população que fiquem mais atentos a esse tipo de comportamento”. (012)
47) “[...] a mídia cria um mundo utópico, cheio de idealizações humanas,
fantasias inalcançáveis, faz das celebridades pessoas heroicas, cheias de mérito e
tudo isso acaba convencendo a grande maioria da população que acreditam
equivocadamente que se forem iguais a essas pessoas irão alcançar esse mundo
de “conto de fadas”. (042)
48) “Portanto nós cidadãos conscientes devemos incentivar a juventude ao hábito do
estudo, mostrar-lhes que é um mérito ser inteligente, colocando-os como peça
primordial, pois são eles que construirão um melhor molde de vida a sociedade”.
(083)
49) “Cabe a comunidade de repensar na maneira em que tratam essas pessoas”.
(119)
50) “Há uma grande maioria que ultrapassa os preconceitos da sociedade, por serem
inteligentes e lutam por seus objetivos”. (016)
Em cada um desses exemplos, o sujeito, controlador da concordância é
formalmente singular, mas os verbos assumem a forma plural, concordando com o
sentido de coletividade: na frase 46, o sujeito é população e o verbo fiquem; na frase
47, o sujeito é a grande maioria da população e os verbos acreditam, forem, irão; na
frase 48, o sujeito é juventude, referente que é retomado anaforicamente pelos pronomes
lhes, os e eles, e os verbos são e construirão; na frase 49, o sujeito é comunidade e o
verbo tratam; na frase 50, o sujeito é uma grande maioria e os verbos serem e lutam.
Neste capítulo, buscou-se tratar os casos de variação da concordância verbal
levantados nas redações dos alunos, não como infrações das normas gramaticais a serem
corrigidas, mas, sob o viés da sociolinguística, como um comportamento esperado dos
usuários da língua portuguesa, considerada a heterogeneidade inerente a toda língua.
Muitas das discrepâncias observadas nas redações dos alunos provaram-se não
exclusivas da escrita escolar; estão também presentes na escrita jornalística no Brasil e
em Portugal. Com isso, não se quer dizer que as regras de concordância verbal
prescritas pela gramática normativa não devam ser ensinadas, quer-se apenas dizer que
o seu ensino deve levar em conta o conhecimento linguístico do aluno, fazer-se em
contraponto com o que ele já sabe e não sobre o que ele já sabe. Assim, o que aqui se
119
mostra deve ser o chão de onde partir para trabalhar a concordância verbal na esfera da
escola básica. Como se coloca, em relação a esses conhecimentos linguísticos, o
material didático utilizado pelos alunos do Colégio X que escreveram as redações
analisadas? Esse é o tema do próximo capítulo...
120
CAPÍTULO 6
A CONCORDÂNCIA VERBAL NA LÍNGUA PORTUGUESA
EM APOSTILAS DO TERCEIRO ANO DO COLÉGIO X
Desde que lançou os PCNEM, em 2000, o Ministério de Educação e Cultura
empenha-se em fazer chegar aos alunos do ensino médio público livros didáticos que
estejam em sintonia com as proposições nucleares de tal documento. Em 2004, a
Resolução FNDE nº 38/03, de 23/10/2003 criou o Programa Nacional do Livro para o
Ensino Médio (PNLEM), com o objetivo de avaliar e recomendar aos professores de
língua portuguesa livros didáticos afinados como o novo paradigma de ensino. As obras
recomendadas pelo MEC, depois de passarem pelo crivo de uma comissão de avaliação
formada por especialistas na matéria, são resenhadas segundo um roteiro bastante
detalhado e passam a integrar o “Guia de livros didáticos”, disponibilizado a todos os
professores da área, para que efetuem a escolha daquele livro que julgarem mais
adequado ao perfil dos alunos e do Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola.
Porém, as orientações do PCNEM tanto quanto as do PNLEM e do “Guia de
livros didáticos” têm ecoado mais fortemente na rede pública de ensino médio. A rede
privada parece constituir um território à parte, eternizando o uso das famigeradas
apostilas, que reduzem e aligeiram ao máximo a exposição/explicação dos conteúdos e
colocam à disposição dos alunos muitos exercícios e questões de vestibulares. Com
raras exceções, os colégios particulares desconhecem as mudanças implementadas pelo
MEC, persistindo na prática do ensino gramatical, que faz da norma padrão do
português um sinônimo de língua, tomada como um sistema homogêneo, invariável e
imutável. Constata-se que as tentativas do governo em adequar o ensino brasileiro ao
discurso da linguística, que assume a concepção do português como sendo várias
línguas, não têm provocado mudanças substantivas no currículo e no material didático
adotado por esses colégios.
Nesse capítulo, serão analisadas duas apostilas, uma do Sistema Positivo de
Ensino e outra do Sistema COC de Ensino, ambas usadas pelo Colégio X e por muitas
outras escolas com bom desempenho no ENEM. O ensino pré-vestibular/ENEM é uma
característica marcante tanto do COC quanto do POSITIVO, e a maioria das
121
propagandas destes sistemas enfatiza o preparo dado por eles para colocar o aluno em
uma universidade pública. Também enfatiza a sintonia com as inovações tecnológicas,
pedagógicas e teóricas. No caso do ensino de língua portuguesa, essas inovações são
bastante questionáveis.
Nas apostilas anteriormente mencionadas, será enfocada a concordância verbal,
como ela é tratada na exposição do tema e nos exercícios formulados por elas ou
coletados de bancos de questões sobre CV, originárias de vestibulares realizados pelas
mais diversas Instituições de Ensino Superior do país. Em um segundo momento, será
feita uma comparação entre as descobertas deste estudo e aquelas de Rodrigues (2010)
que pesquisou temática semelhante em duas coleções de livros didáticos do ensino
médio. A focalização da CV deve-se ao fato ela ser um domínio linguístico atravessado
por uma constante fricção entre a norma culta e a norma popular e, portanto, um campo
propício à aplicação dos conhecimentos sociolinguísticos, nucleares ao novo paradigma
de ensino. Afinal, um dos objetivos deste estudo é investigar se, ao abordar as regras de
concordância verbal, as apostilas postulam que o português é um conjunto de variedades
linguísticas e que as variedades faladas pelos alunos podem ser diferentes (nem piores e
nem melhores) da ensinada na escola.
6.1. A CONCEPÇÃO
VERBAL
DE LÍNGUA SUBJACENTE AO TRATAMENTO DA
CONCORDÂNCIA
Observa-se, no excerto seguinte, uma tentativa de incorporação do discurso da
linguística ao tratamento dispensado à CV pela apostila do Positivo. Contudo, é visível
a leitura equivocada de princípios da sociolinguística variacionista que assume a CV
como um fenômeno universalmente variável no português, conforme capítulo 4 desta
dissertação. Contrapondo-se o primeiro período do Enunciado 1 com o segundo,
iniciado pelo termo adversativo “inversamente”, constata-se que os enunciadores
assumem uma posição ambivalente quanto à CV: ela é invariável no “português
clássico” e na “norma culta para a língua escrita”, posição identificada com o discurso
gramatical,
e
variável
no
“português
coloquial
brasileiro”
e
“fala
culta
descompromissada”, posição identificada com o discurso da linguística. Mais
precisamente, tal como significada no Enunciado 1, a variação restringe-se ao português
brasileiro, à modalidade oral, à fala coloquial descompromissada; não é um traço
122
sistemático da língua portuguesa como um todo. Nessa afirmação, vai embutido o
postulado de que o português escrito clássico é a língua portuguesa, o resto é variação
dele. Até os estudos gramaticais, aqueles mais consistentes, já admitiam que CV é um
fenômeno variável na língua portuguesa, quando enumeravam as alternativas de
concordância para um mesmo caso. Outro índice do alinhamento com o discurso
gramatical é admissão, na língua escrita, da CV como fenômeno variável apenas na
“reprodução da fala dos personagens”, quer dizer, é apenas na simulação da oralidade
não monitorada que a literatura pode recorrer à CV variável.
ENUNCIADO 1
(POSITIVO, 2009)
A heterogeneidade discursiva evidencia-se também no Enunciado 2. Não é a
língua portuguesa como um todo que apresenta CV variável e sim “o português
contemporâneo brasileiro”, “os falares populares”, e até “os contextos cultos, inclusive
escritos”, “as frases em ordem inversa”. Já o português clássico europeu, subentendido
nesse enunciado, se caracterizaria pela invariabilidade da regra de CV. Contudo, estudos
sociolinguísticos, resenhados no capítulo 4 desta dissertação, mostraram que a
concordância verbal era/é um fenômeno variável também no português europeu de
todas as épocas.
123
ENUNCIADO 2
(POSITIVO, 2009)
De modo semelhante o material do Sistema COC de Ensino evidencia não estar
completamente alheio aos estudos sociolinguísticos. Afirma:
ENUNCIADO 3
A concordância verbal e nominal é o subdomínio da Sintaxe que
descreve (e quase sempre prescreve) os mecanismos de flexões verbais
e nominais segundo os quais as palavras e os termos se harmonizam
num contexto sintático.”
(COC, 2009).
No Enunciado 3, são os termos “descrever” e “prescrever” que indiciam a
heterogeneidade discursiva. Quem “descreve” é a linguística, quem “prescreve” é a
gramática tradicional. Na afirmação de que a sintaxe “descreve os mecanismos de
flexões verbais e nominais segundo os quais as palavras e os termos se harmonizam
num contexto”, há um alinhamento do enunciador com a linguística. Contudo, a
imediata introdução do parêntese “(e quase sempre prescreve)” após “descreve” é uma
manifestação cabal da emergência de uma outra ordem semântica – a da gramática
tradicional. Se não se pode mais acusar ignorância em relação aos conhecimentos
produzidos pela sociolinguística, também não se está convencido de que a gramática
tradicional possa ser posta de lado.
No Enunciado 4, a seguir, essa agonia semântica reaparece na admissão de que
o uso de ter por haver e existir generalizou-se na “linguagem oral do Brasil”, mas em
124
“construções não abonadas pelas gramáticas”, devendo “ser substituídas, a bem da
adequação à norma culta”.
ENUNCIADO 4
Na linguagem oral do Brasil vai-se generalizando o uso de ter por existir e
haver, em construções não abonadas pelas gramáticas:
Recomenda-se que tais construções devam ser substituídas, a bem da
adequação à norma culta, por:
(COC, 2009)
Fica evidente o quão custoso é para esses materiais didáticos apostilados,
destinados ao ensino de língua portuguesa, assumir uma postura francamente
sociolinguística em relação às variedades linguísticas. A aliança com os ideais de uma
classe média alta, linguisticamente reacionária, que se recusa a compreender que uma
língua viva varia e muda incessantemente, é certamente um ingrediente que pesa na
opção pelo viés interpretativo da gramática tradicional. Nesse contexto educacional, a
desadesão ao discurso gramatical poderia ser mal-entendida, comprometendo a
reputação e a credibilidade da instituição diante daqueles pais que, convictamente,
enviam seus filhos à escola particular para aprenderem a falar e escrever corretamente.
Uma ilustração de como essa clientela pensa a questão das variações
linguísticas são as inúmeras manifestações escandalosas e indignadas que ocorreram em
2011 por ocasião da divulgação do episódio envolvendo o livro didático de língua
portuguesa, da coleção Por uma vida melhor, comentado na introdução desta
dissertação. A comunidade de linguistas teve muito trabalho para tentar desfazer o
estrago que a informação arrevesada da mídia – o MEC financia livros didáticos que
fomentam o uso do português errado – pôs em circulação por mais de um mês.
Sem a aprovação dessa clientela, o português provavelmente continuará, nesse
espaço, sendo significado como UM e não como VÁRIOS, apesar de o discurso da
linguística não poder mais ser tratado como algo desconhecido. De um lado, há a
125
ebulição do novo paradigma de ensino de língua portuguesa que condensa a posição dos
especialistas, de outro, a pressão de senso comum exercida pela potencial clientela, que
permanece presa ao modelo de ensino que ela própria vivenciou na sua carreira escolar
(“No meu tempo era assim!”). Essa heterogeneidade é constitutiva do discurso das
apostilas e evidencia-se na abordagem da CV, ainda que eufemisticamente.
6.2 A POSIÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA COMO EUFEMISMO
O discurso da sociolinguística se insinua, pois, nas apostilas por meio de
termos como: 1) norma culta, modalidade escrita culta, norma padrão, padrão culto da
linguagem, contrapostos a português coloquial brasileiro, português contemporâneo
brasileiro, português popular brasileiro etc.; 2) adequado/inadequado ao invés de
certo/errado, e também de termos como desvio, problema, desacordo, traço
característico da variedade X ao invés de erro; 3) reescrever ao invés de corrigir.
Aliás, o termo certo ainda aparece esporadicamente nos enunciados proferidos pelo
material didático, mas os termos erro e errado encontram-se em franco declínio.
O enunciado 5, a seguir, que tematiza a CV em frases com sujeito
semanticamente coletivo, mas formalmente singular, refere-se ao período “Mas o povo
criam, mas o povo engenham, mas o povo cavilam...” (caixa de destaque)
como
“inadequado à norma culta” e não como categoricamente errado. Já no enunciado do
exercício relativo ao quadrinho de Angeli (caixa de destaque), o uso da expressão “traço
característico da fala coloquial brasileira” para designar a não aplicação da CV na
oração com sujeito posposto (“Droga! Mais uma vez me falta todos os ingredientes”)
substitui, de modo adocicado, o termo erro, que, certamente, seria empregado não
fossem os ecos da sociolinguística ribombando incomodamente nos bastidores.
126
ENUNCIADO 5
(Positivo, 2009)
No Enunciado 6 (extraído da apostila do Positivo), reproduzindo uma questão
da Universidade Federal de Pelotas, observa-se, à primeira vista, uma estreita
aproximação com o discurso da sociolinguística, mas não livre do fantasma do discurso
gramatical. A primeira questão (caixa de destaque) fala em “adequar a linguagem ao
grupo de leitores a que (a propaganda) se destina”, porém fala também em “fugir da
concordância ditada pela norma padrão”, expressão em que o termo “fugir” remete à
127
ideia de que a CV é a norma. Não se admite a possibilidade de a não-concordância ser a
norma, como de fato é em muitas variedades de português. Há, pois, uma
legitimação/naturalização da CV, como propriedade da língua portuguesa, embora
nomeada como “norma padrão” ou como “modalidade culta da língua” (caixa de
destaque). Ademais, a tônica dos exercícios é sempre a tradução da modalidade popular
para a modalidade culta do português, nunca o contrário (caixa de destaque).
ENUNCIADO 6
(POSITIVO, 2009)
Eufemisticamente também se emprega o termo “desvio”, em lugar de “erro”,
como no Enunciado 7, contendo um exercício proposto com base numa tirinha de
Angeli. Wood e Stock conversam e, logicamente, como quem conversa, usam uma
modalidade coloquial da língua portuguesa. O exercício solicita, primeiro, que o aluno
128
“Transcreva dos quadrinhos um desvio relacionado à concordância verbal”. Embora
seja empregado o termo “desvio”, que é mais suave que “erro”, implicitamente
reafirma-se a concepção categórica da CV, já que o enunciado não relativiza o alcance
do desvio (desvio em relação a que norma(s)?). Porém, ao solicitar que o aluno
“Refaça tal frase de acordo com a norma culta”, a posição categórica (Refaça de
acordo com as normas gramaticais) é evitada, uma vez que a reescrita se faz
relativamente a uma norma e não à única norma.
ENUNCIADO 7
a) Transcreva dos quadrinhos um desvio relacionado à concordância verbal.
b) Refaça tal frase de acordo com a norma culta.
(COC, 2009)
No Enunciado 8, é o termo “construção em desacordo” que se usa para
substituir e suavizar a noção de “erro”. O efeito de sentido não seria o mesmo se, no
lugar de “construção em desacordo com a gramática normativa no tocante à
concordância verbal”, fosse dito “construção errada no tocante à concordância verbal”.
Não há sinonímia entre essas duas construções, pois elas indiciam diferentes processos
de interpelação: quem diz “construção em desacordo...” é um enunciador não mais
inocente em relação ao purismo linguístico e ao absolutismo gramatical, ele
conhece/vivencia a existência incômoda e desestabilizadora do discurso relativista da
linguística. Não sem razão, no mesmo enunciado, substitui “desacordo” por
“inadequação”. A atividade de reescrita não ordena uma correção peremptória, mas
sim uma “adequação à norma culta”.
129
ENUNCIADO 8
O parágrafo a seguir foi modificado e apresenta uma
construção em desacordo com a gramática normativa no tocante à
concordância verbal.
TURISTA APRENDIZ – Quantas viagens a Nova York são
necessárias para alguém aprender uma maneira de ficar rico? Para o
paulista João de Matos bastou uma. Ele chegou a Nova York com
dinheiro suficiente para férias prolongadas. Descobriu em pouco tempo
que faltava ao viajante americano informações precisas sobre destinos
turísticos no Brasil. Com dinheiro emprestado, abriu...
a) Transcreva o trecho em que ocorre a inadequação.
b) Reescreva esse trecho, adequando-o à norma padrão
c) Aponte uma causa possível para a ocorrência dessa
inadequação.
(POSITIVO, 2009)
As derrapagens nas fronteiras que separam o discurso gramatical do
linguístico são muitas, sinalizando que nada se encontra estabilizado no campo do
ensino de língua portuguesa contemporaneamente. Nesse terreno movediço, vezes há
em que a voz do discurso gramatical ressurge altissonante, sem qualquer subterfúgio.
6.3 A POSIÇÃO GRAMATICAL SEM DISFARCE
Quando se examina o banco de questões sobre CV, constante das duas apostilas
aqui estudadas, descobre-se que ele constitui um conjunto altamente desigual e
contraditório em termos de alinhamento discursivo. Juntamente com questões que
revelam sensibilidade (ainda que mínima) para o tratamento linguístico da língua e da
CV, depara-se com questões que reafirmam, sem qualquer disfarce sociolinguístico, a
identificação com o discurso gramatical e com a abordagem categórica da CV.
No Enunciado 9, as questões 02, 03 e 04, embora não se refiram explicitamente
à correta CV, subentendem que ela é categórica, na medida em que apenas uma das
alternativas deve ser selecionada para preencher as lacunas deixadas nos períodos a
serem completados. Também a questão 6 assenta-se no princípio da categoricidade da
concordância, nomeando-o explicitamente por meio da oração “se faça a concordância
(nominal e verbal) de forma correta”. Já a questão 7 revela a ambivalência do
enunciador, pois, se, por um lado, emprega o termo “infração”, remetendo-se ao
130
discurso gramatical, por outro, relativiza o domínio da norma (“língua escrita culta”),
remetendo-se ao discurso linguístico. Essas questões convivem, na mesma página, com
a de número 5, mais sintonizada com os postulados da sociolinguística.
ENUNCIADO 9
(POSITIVO, 2009)
No Enunciado 10, depara-se com a questão 8, francamente alinhada com a
posição gramatical, uma vez que se refere à variação como “infração às normas de
131
concordância” e ordena a “a devida correção”, sem fazer referência a qualquer adjunto
adnominal que restringisse o âmbito da norma em questão. Com ela convive a questão
11, estreitamente articulada com os postulados da sociolinguística, já que se refere à
variação como “marcas linguísticas”. O texto explorado nessa questão – um poemacanção – representa o falar popular brasileiro. Inusitadamente, o exercício não pede
para ‘consertar o que está errado ou inadequado à norma culta’, mas para apontar “as
marcas linguísticas dos versos que permitem perceber que estão em norma popular”.
ENUNCIADO 10
(POSITIVO, 2009)
132
No Enunciado 11, a questão 6 reflete um processo de interpelação totalmente
dominado pelo discurso da gramática. O uso do termo “infração” remete aos sentidos de
violação, transgressão, desobediência, descumprimento de uma lei, regulamento ou
norma, no caso “as normas de concordância”, referidas como normas categóricas, uma
vez que não há qualquer adjunto adnominal restringindo o domínio das normas. Poderse-ia dizer que o enunciado “No 2º período, há uma infração às normas de
concordância. Reescreva-o de maneira correta” seria um possível sinônimo de “No 2º
período, há um erro de concordância. Corrija-o”. Ambos poderiam ser gerados pela
mesma formação discursiva, representando a formação ideológica purista, cujo sentido
central é o de que uma língua, qualquer língua, é una, homogênea, invariável, imutável.
ENUNCIADO 11
06. (Fuvest-SP) A Polícia Federal investiga os suspeitos de terem ajudado na
fuga para o Paraguai e a Argentina. A polícia desses países não puderam
prendê-los porque o governo brasileiro não fez o pedido formal de captura.
(Adaptado de O Estado de S. Paulo)
a) No 2º período, há uma infração às normas de concordância. Reescreva-o de
maneira correta.
b) Indique a causa provável dessa infração.
(COC, 2009)
Inúmeros outros exemplos do banco de questões poderiam ilustrar aqui essas
idas e vindas entre o discurso da linguística e o da gramática tradicional.
6.4 CONTRAPONTO
ENTRE O PRESENTE ESTUDO E ESTUDOS SOBRE
CV
NO LIVRO
DIDÁTICO
Rodrigues (2010), na dissertação “O português não-padrão no universo de
livros didáticos do ensino médio: posições discursivas”, que, como o presente estudo,
integra o projeto “Enunciados da linguística em enunciados sobre/do ensino de
português: batalhas de sentidos”9, analisou os gestos de interpretação em torno do tema
“variações do português” em dois livros didáticos do ensino médio: “Português: de olho
no mundo do trabalho”, de Ernani Terra e José de Nicola (obra 1), e “Português: língua
e cultura”, de Carlos Alberto Faraco (obra 2), ambas incluídas no Catálogo do PNLEM.
9
Projeto vinculado ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem – MeEL, coordenado pela
professora Dra. Maria Inês Pagliarini Cox.
133
O estudo focaliza a polêmica entre o discurso gramatical (ideologia purista acerca da
língua) e o discurso linguístico (ideologia pluralista acerca da língua), que permeia o
campo do ensino de língua portuguesa:
Quer dizer, a polêmica entre o discurso gramatical e o discurso
linguístico, uma polêmica de envergadura, ainda está na ordem do dia.
Para seguir sobrevivendo, o discurso gramatical, um discurso
primeiro, se apropria de alguns signos do discurso linguístico, o
discurso segundo, como se estivesse se renovando. (Rodrigues, 2010,
p. 103)
Segundo Rodrigues e Cox (2011), nessa polêmica, a obra 1 busca responder
aos postulados do novo paradigma de ensino, ainda posicionada à direita do discurso
gramatical, ao passo que a obra 2 o faz situada à sua esquerda e à direita do discurso
linguístico.
Na obra 1, as autoras flagram uma espécie de “namoro infiel” do discurso
gramatical com o discurso linguístico na tentativa de interpretar o português como
contextualmente variável. À primeira vista, parecia-lhes que “[...] os enunciadores da
obra 1 falavam das variedades de português interpelados pela ideologia e pelo discurso
do múltiplo, mas logo perceberam o retorno à ideologia e ao discurso do UM”. Na obra
2, observam uma espécie de “separação litigiosa” do discurso linguístico em relação ao
discurso gramatical, “[...] na luta para derrotar o purismo ideológico e gramatical que
tolda a interpretação do português como uma língua heterogênea e dinâmica e é fonte de
preconceito, estigma e discriminação” (RODRIGUES e COX, 2011, p. 169). No tocante
à concordância verbal que o discurso gramatical interpreta como fenômeno categórico e
o discurso linguístico, como variável, as autoras observam que
[...] o enunciador 2 afirma que é preciso “despir-se dos costumeiros
julgamentos sociais preconceituosos sobre o português popular (nós vai) e
compreender que nós vai é tão português quanto nós vamos, ou seja,
compreender que quem fala nós vai não é um sem gramática, mas alguém
com uma gramática diferente. Enquanto os enunciadores 1 se limitariam a
dizer que na norma culta obrigatoriamente o verbo concorda com o sujeito em
número e pessoa, subsumindo que o português popular infringe as regras
gramaticais, ou seja, é não gramatical e caótico, o enunciador 2 fornece uma
descrição detalhada das especificidades gramaticais da língua popular no que
tange ao apagamento sistemático de marcas redundantes de plural tanto na
concordância verbal quanto na concordância nominal, fenômeno que faz da
gramática popular uma gramática “econômica” e “elegante”. Tais
qualificativos seriam impensáveis na boca de quem professa o discurso
134
gramatical que esconjura a “falta” de concordância entre o verbo e o sujeito
(nós vai) e entre os determinantes e o nome na locução nominal (as menina
alta) como uma forma de atentado contra a lógica do pensamento. Assim,
vemos a posição prescritiva e normativa ser rebatida mediante argumentos
científicos descritivos e explicativos, buscados no domínio da
sociolinguística. (RODRIGUES e COX, 2011, p. 166).
No caso dessa pesquisa, observa-se que o tratamento dado à CV pelas apostilas
se assemelha mais ao observado na obra 1, com a apropriação de alguns signos do
discurso linguístico, para substituir aqueles mais desacreditados no universo semântico
do novo paradigma do ensino de língua portuguesa, mas submetendo-os ao regime
semântico do discurso gramatical. Os termos “erro”, “errado” e “incorreto” foram
evitados em favor de termos mais brandos, às vezes em sintonia com os postulados da
sociolinguística, como “inadequação”, “inadequado”, “marcas linguísticas da norma
popular”, outras vezes em sintonia com o discurso não especializado do senso comum,
como “desvio”, “desacordo”, “problema”. Frequentes vezes, os termos “gramática” e
“língua portuguesa” são referidos como “norma culta”, “norma padrão”, “modalidade
escrita culta” etc. O que Rodrigues afirma sobre a obra 1 aplica-se perfeitamente às
duas apostilas analisadas:
Clivados pelo discurso da linguística, os autores sentem-se, pois, constrangidos
a evitar signos categóricos e estigmatizados como “certo e errado”, valendo-se
da estratégia de tentar encerrá-los em “arquivos mortos”, à medida que se
apropriam dos signos do discurso Outro, ainda que os leiam pelo sistema de
restrições semânticas do discurso Mesmo.
(...)
Os parcimoniosos “adequado e inadequado”, empregados pelos autores em
lugar dos contundentes “certo e errado”, não são trocas motivadas pela
convicção de quem está deixando de se identificar com um discurso para se
identificar com outro, mas dispositivos para manter-se na cena, driblando
aqueles que tendem para o discurso Outro. (RODRIGUES, 2010, p.105)
135
CONCLUSÃO
Não se quer sugerir, nessa etapa do trabalho, que o tema aqui tratado foi
abarcado em sua totalidade. Não se trata, pois, de um ponto final, mas de uma
interrupção momentânea, motivada pelo descompasso entre o tempo moroso do trabalho
acadêmico e o tempo regimental célere dos programas de pós-graduação. A pesquisa
realizada descortina inúmeros aspectos, até então invisíveis, que convidam a novas
investigações, mas elas ficarão para o futuro...
Nos capítulos 1, 2 e 3 desta dissertação, revisita-se o pensamento gramatical do
período que vai de Fernão de Oliveira (século XIV) aos gramáticos contemporâneos
Celso Cunha, Rocha Lima e Evanildo Bechara, focalizando os tratados sobre
concordância verbal. Em Fernão de Oliveira nada se encontra acerca do tema, uma vez
que ele posterga o estudo da “construção”, ou seja, da sintaxe, para outra obra já
anunciada. Contudo, não se têm notícias dessa segunda obra. Efetivamente, João de
Barros é o primeiro gramático português a fazer uma breve referência à CV, como a
conveniência entre o nominativo e o verbo.
Contudo, é no século XVII, sob a influência da Gramática Geral e Razoada ou
Gramática de Port Royal de Arnauld e Lancelot ([1660]1992), que a CV é tratada com
mais clareza, segundo o princípio da conveniência ou da identidade (as palavras devem
convir entre si). É sob esse princípio que o gramático português Jeronymo Soares
Barboza assenta a concordância, distinguindo a regular da irregular. É regular quando
os termos da oração se harmonizam; as terminações de uma palavra concordam com as
de outras palavras sem haver conflito de flexão entre elas. É irregular quando a
concordância não se faz “de palavra com palavra, mas da palavra com huma Idea”,
produzindo “huma discordancia material e apparente para fazer huma concordancia real,
porem so mental” (BARBOZA, 1830, p. 378), a exemplo da silepse. Jeronymo Soares
Barboza é a matriz de muitas das regras de CV hoje vigentes, como, por exemplo,
aquela que diz que, se o sujeito composto incluir o pronome “eu”, o verbo deverá ir para
a primeira pessoa do plural e aquela que diz que sujeitos compostos sintetizados por
“tudo” ou “nada” demandam verbo no singular.
Desde Jeronymo Soares Barboza, o ciclo da repetição não cessa mais de se
fazer. Muito do que foi prescrito por ele sobre a CV, do lado de lá do Atlântico, pode
ser reencontrado do lado de cá, em Júlio Ribeiro e João Ribeiro, assim como muito do
136
que está nos tratados desses últimos reproduz-se nas gramáticas em circulação ao longo
do século XX, dentre elas as de Eduardo Carlos Pereira e Said Ali, na primeira metade
do século, e as de Rocha Lima, Evanildo Bechara e Celso Cunha, na segunda metade.
Por exemplo, nenhum desses gramáticos deixou de fazer alusão à silepse como um caso
de concordância semântica discrepante da concordância gramatical, que seria o
princípio fundamental da CV no português. Apenas em Carlos Eduardo Pereira, a
concordância ideológica, tal como se realiza na frase: “Compadecei-vos de toda esta
gente que morrem de fome”, não se reveste de sentido negativo; é vista como uma
característica do português antigo, tido como menos complexo do que o português de
sua época.
Assim, nos três primeiros capítulos, refaz-se o percurso histórico de constituição
do discurso gramatical sobre o fenômeno da concordância verbal no português, nele
exercendo a noção de ‘norma’, em sentido ‘normativo’, a função de espinha dorsal. Rey
(2001, p. 117), esmiuçando etimologicamente o uso do termo ‘norma’ no campo da
língua, projeta-o numa constelação de três termos: “regra”, “norma” e “lei”: “regra”
vem do latim regula (o termo latino designa uma reta que permite criar outras retas
conformes); “norma” vem do grego, via latim, gnomon (o termo grego significa
“esquadro”); “lei” vem do latim lex/legis (o termo latino encerra o sentido de
“obrigação ditada pela vontade de um juiz”, que pode ser uma autoridade ou instituição
investida do poder de julgar, Deus, a Razão, a Justiça etc). Os dois primeiros termos
remetem-se ao universo semântico da geometria e partilham o sentido daquilo que é
“reto”, opondo-se ao que é “curvo”, ou seja, “torto”. Já o terceiro termo remete-se ao
universo semântico da religião e da justiça; a lei é uma obrigação civil escrita e opõe-se
ao costume (do latim mos/moris) que é uma obrigação não escrita. “A lei vem do
passado (...); ela pode ser injusta, iníqua, arbitrária e precisa ancorar-se num enunciador
eleito” (REY, 2001, p.117). No discurso gramatical, o termo “norma linguística” reúne
os sentidos de “lei” e de “regra”: as normas linguísticas devem ser obedecidas (são leis)
e devem regular os usos da língua (são regras). Constituem, portanto, um códice
normativo que vem do passado, mas que rege os usos presentes e futuros da língua. Não
é outro o sentido de “norma” como “prescrição”, tão corriqueiro no universo do ensino
de língua materna. Segundo Rey (2001, p. 118),
[...] toda definição prescritiva de norma social é fundada na preexistência
daquilo que ela tenta realizar, coloca um modelo, um arquétipo, uma ideia
137
platônica. Esse arquétipo é progressivamente desprendido da vontade de um
legislador para se fundar ficticiamente numa norma constituída, que bastará
observar para descobrir “objetivamente”, para instituir um modelo de uso
“sadio” e ter o direito de “curar” os desvios, as diferenças.
Esse conceito de norma é o solo da dicotomia certo/errado, mediante o que se
avaliam todas as práticas linguísticas, quando se procede de acordo com os parâmetros
da gramática tradicional. A norma é o “dever ser” que regula o presente e o futuro da
língua. Contudo, com o advento das ciências humanas e sociais, o termo “norma”
ganhou outro sentido. Consoante afirma Rey (2001, p. 117), a norma, sob a influência
do adjetivo “normal”, derivou do domínio da ética para o domínio da quantidade,
passando do ‘bom’ e do ‘justo’ para o ‘habitual’ e ‘frequente’; do ‘desejável’ para o
‘usual’.
Assim, hoje, o termo “norma” divide-se entre significar um sistema de
regularidades observadas, no universo semântico da linguística, e um sistema de valores
a ser obedecido e reproduzido, no universo semântico da gramática tradicional.
Retomando-se a silepse, destacada por todos os gramáticos desde Jeronymo
Soares Barboza, ela não pode ser ignorada porque constitui um uso normal, no sentido
de que é frequente em todas as fases e modalidades do português. Porém, a admissão da
silepse entre as regras de CV se faz com reserva porque ela contraria o princípio
normativo de que a concordância deve ser morfossintática e não semântica. Admitindoa os gramáticos seriam forçados a rever a posição forte de que apenas o número
morfológico deve determinar a CV e a aceitar o fato de que o número semântico pode
também ser um fator condicionante, uma variável linguística, diriam os sociolinguistas
variacionistas. Em resumo, isso significaria ter de rever a interpretação categórica das
normas de CV, algo impensável no escopo do discurso gramatical. De acordo com a
ideia de que o português é UM e não VÁRIOS, o que não se encaixa nas regras do UM
deve ser restituído à regularidade, deve ser corrigido, deve ser purificado das vozes
bárbaras.
A partir da década de 1970, os estudos sociolinguísticos começam a se
desenvolver no Brasil, contrapondo à abordagem normativa e purista aquela relativista
que interpreta a aparente desordem na CV como algo inerente às línguas vivas e não
como ‘erro’ a ser corrigido. Com tais estudos, resenhados no capítulo 4, aprende-se a
conceber a língua como um conjunto de variedades caracterizadas por fatores
linguísticos e sociais, assim como a interpretar a CV como um fenômeno linguístico
variável e não categórico. Segundo essa concepção, o português é o nome que se dá a
138
línguas muito diferentes dependendo de quem, onde, quando, como se fala/escreve. As
variedades de português possuem gramáticas próprias, podendo haver coincidência
entre elas, afinal, são gramáticas de línguas irmãs. Mas elas podem também ser muito
diferentes, a ponto de usarem recursos completamente distintos para expressar a ideia de
número: enquanto uma gramática o faz por meio de um redundante sistema de CV e
CN, produzindo períodos como “Os meninos jogam bola nas ruas do bairro”; outra
pode marcar o número apenas no primeiro termo variável da locução e da oração, o que
resultaria numa frase como “Os menino joga bola nas rua do bairro”, sem regras de CV
e CN. Não se pode avaliar quem produz a primeira versão da frase como mais
inteligente ou linguisticamente capaz do quem produz a segunda versão, elas apenas
indiciam que o processo de socialização primário se fez em meio a comunidades sociais
que falavam diferentes variedades de português e que, portanto, internalizaram
diferentes gramáticas. Linguisticamente essas formas são equivalentes – aliás é isso que
caracteriza o fenômeno da variação. Porém, a avaliação social que se faz delas é muito
diferente: a primeira é considerada português legítimo; a segunda é considerada
português ruim, caipira, errado, estigmatizado. Essa avaliação não se faz mediante
critérios linguísticos, mas sim mediante critérios sociais, econômicos, culturais,
políticos etc. Os julgamentos sociais que recaem sobre os membros de uma comunidade
transferem-se automaticamente para a língua que falam. Como bem resume Bagno
(2007, p. 77 e 70): “[...] não é propriamente a língua que está sendo avaliada, mas, sim,
a pessoa que está usando a língua daquele modo”; “[...] onde tem variação (linguística)
sempre tem avaliação (social)”.
É necessário enfatizar que a sociolinguística não encoraja a escola a abandonar o
ensino da norma culta, afinal ela não perde de vista a avaliação social que paira sobre
ela. Contudo, quem trabalha com ensino de línguas tem muito a aprender com a
sociolinguística sobre como proceder para colocar em ação uma pedagogia que
desenvolva a competência comunicativa dos alunos, ajudando-os a aprender a norma
culta, sem, contudo, cultivar o preconceito linguístico, como historicamente tem feito.
Uma pedagogia linguisticamente sensível que desejasse trabalhar a aprendizagem das
regras de CV, tal como ocorrem na norma culta, precisaria levar em conta a
competência linguística dos alunos.
Buscou-se, assim, no capítulo 5, tratar os casos de variação de CV observados
em produções escritas dos alunos, não como infrações das regras gramaticais a serem
corrigidas, mas como comportamentos habituais entre os usuários da língua portuguesa,
139
considerada a diversidade de normas inerente a toda língua. Muitas das variações
observadas na escrita dos alunos não são exclusivas dela; estão também presentes na
escrita jornalística no Brasil e em Portugal. O objetivo dessa descrição, no contexto do
trabalho como um todo, foi o de abeirar os conhecimentos linguísticos dos alunos, a fim
de observar se o material didático – as apostilas – utilizado para ensinar língua
portuguesa os leva em conta no tratamento do tópico gramática CV.
Constatou-se, entretanto, que tratamento dado à língua pelas apostilas, conforme
capítulo 6, ignora completamente as normas que fazem parte da competência linguística
e comunicativa dos alunos como falantes nativos de uma ou mais variedades de
português. Nada do que a descrição da CV, realizada no capítulo 5, mostra acerca de
seus conhecimentos linguísticos é levado em conta. Nenhum contraste entre as normas
reais e as ideais é divisada nas páginas dos tratados examinados. Como afirma Scherre,
É deveras perniciosa a confusão que se faz entre o ensino de gramática
normativa e a língua de um povo. O grande conflito que se estabelece na mente
das pessoas, dos alunos em especial, é que, na maioria das vezes, se ensina
gramática normativa na suposição de se estar ensinando língua materna.
(SCHERRE, 2004, p. 221, 222)
Essa atitude diante do ensino da gramática normativa leva os falantes a
pensarem que “não sabem português”, que “português é muito difícil”, porque tudo o
que sabem é descartado a título de erro. Como consequência, sentem-se desencorajados
a falar em público e a escrever e desenvolvem forte aversão pela disciplina escolar.
A análise das apostilas parece confirmar a conjetura inicial deste estudo de que
as escolas privadas de ensino médio e o material didático adotado por elas constituem
um território pouco receptivo à entrada do novo paradigma de ensino de língua
portuguesa. Os órgãos governamentais e o Ministério da Educação, desde a década de
1980, vêm se mostrando sensíveis ao discurso sociolinguístico, que se articula
coerentemente com suas políticas públicas de valorização da diversidade cultural e das
minorias. Porém, percebe-se que os parâmetros e orientações curriculares têm ecoado
apenas no espaço do ensino público do Brasil. O que se evidencia nos materiais
didáticos das escolas particulares é uma forma “matreira” de disfarçar o discurso
normativo com a roupagem da sociolinguística, mediante substituição de certo/errado,
por adequado/inadequado, de língua portuguesa por norma culta, de corrigir por
reescrever de acordo com a norma culta. No entanto, o que se vê é uma tentativa de
140
adequar o velho para passar por novo, porém, sem abrir mão do poder que a adesão ao
discurso gramatical concede a quem fala/ensina em seu nome.
Acima de tudo, deseja-se contribuir, por meio dessa pesquisa, para a promoção
de uma educação sociolinguística que seja eficiente na tarefa de enriquecer a
competência comunicativa dos alunos, e, além disso, forme cidadãos livres de quaisquer
preconceitos linguísticos, capazes de colocar em discussão o senso comum, reforçado
pela mídia, de que a maioria dos brasileiros não sabe português porque sua fala/escrita
não se encaixa no esquadro (no gnomon) da norma padrão. Bagno (2007) fala em
reeducação sociolinguística. Explica o termo reeducação como reorganização do
ensino de português com base na legitimação do saber que o aluno tem de sua língua
materna e não com base no princípio de correção e o termo sociolinguística como
tomada de consciência sobre os juízos de valor sociais atribuídos aos usos da língua.
Segundo o autor, uma reeducação sociolinguística envolve:

[...] promover a auto-estima dos alunos e das alunas, dizer-lhes que eles
sabem português e que a escola vai ajudar a desenvolver ainda mais esse
saber;

[...] levar o/a aluno/a tomar consciência da escala de valores que existe na
sociedade com relação aos usos da língua [...]; mas, atenção, tomar
consciência não significa aceitar essa discriminação nem submeter-se a ela!

[...] ampliar o repertório comunicativo (dos alunos), ter à sua disposição um
número maior de opções, que poderão ser empregadas de acordo com as
necessidades de interação;

conscientizar o alunado de que a língua é usada como elemento de promoção
social e também de repressão e discriminação – comparar o preconceito
linguístico com outras formas de preconceito que vigoram na sociedade;
desconstruir o preconceito linguístico com argumentos bem fundados e
alertar alunos e alunas contra suas próprias práticas de discriminação;

trabalhar para a inserção plena dos alunos e das alunas na cultura letrada, por
meio das práticas ininterruptas da escrita e da leitura, isto é, práticas de
letramento ...;

promover o reconhecimento da diversidade linguística como uma riqueza da
nossa cultura, da nossa sociedade, ao lado de outras diversidades culturais ...
(BAGNO, 2007, p. 83-85).
Se, por um lado, os ecos dessa proposta de reeducação sociolinguística começam
a causar algum furor no espaço da escola pública brasileira, por outro, eles sequer tocam
141
“os ouvidos” das escolas privadas que permanecem surdas e impermeáveis a qualquer
ideia que desestabilize as certezas do paradigma da tradição gramatical.
142
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