Análise estatística de propriedades físico

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Análise estatística de propriedades físico-mecânicas de rochas
ornamentais portuguesas
Statistical analysis of physical and mechanical properties of
Portuguese natural stones
Victor Lamberto1,2, José Saraiva1
1
CVRM / Centro de Geo-Sistemas, Instituto Superior Técnico, Lisboa
2
Dept. Geociências, Univ. Évora
[email protected]
SUMÁRIO
A defesa da posição portuguesa no mercado global de rochas ornamentais depende em grande parte da adopção
de medidas que conduzam à certificação dos materiais. Este passo permitirá garantir a qualidade de uma rocha e
relacioná-lo com a sua origem. Para o alcançar é fundamental que a caracterização de uma rocha ornamental seja
realizada da forma mais completa e clara possível. Este trabalho pretende contribuir para esse fim, através da
análise estatística dos valores obtidos em ensaios físico-mecânicos efectuados sobre rochas portuguesas.
Palavras-chave: Rocha ornamental, Propriedades físico-mecânicas, Caracterização, Análise Estatística
SUMMARY
In order to maintain the present position in the global natural stones market, the Portuguese industry should
adopt steps to produce certified materials. This will guarantee the quality of a stone and relate that to its
geographical origin. To achieve this goal, any given natural stone should be fully and clearly characterized.
This work aims at providing some clues towards this, through the statistical analysis of the results of the tests on
physical and mechanical properties that are currently employed for natural stone characterization.
Key-words: Natural stone, Physical and mechanical properties, Characterization, Statistical analysis
Introdução
O sector das rochas ornamentais contribui de forma
significativa para a economia nacional. Portugal tem
mantido, ao longo dos anos, uma posição de
destaque no mercado mundial de rochas
ornamentais, apesar da constante evolução que este
tem sofrido, com a entrada de novos países capazes
de oferecer materiais pétreos a custos reduzidos. A
defesa da posição do nosso país só pode ser
conseguida através de uma eficiente valorização dos
produtos nacionais, que permita potenciar a sua
competitividade. Uma base sólida para esse passo é
a certificação – uma garantia de qualidade ligada às
características do material e à sua origem geográfica,
reforçada pela exigência quanto aos procedimentos
utilizados ao longo do ciclo de extracção e
transformação.
A caracterização dos materiais pétreos baseia-se
numa série de análises e ensaios realizados em
condições controladas, que permitem, por isso,
estabelecer a aptidão dos diversos tipos de rochas
ornamentais para as diferentes utilizações possíveis.
O objectivo deste trabalho é proceder a uma análise
estatística da informação disponível nos diversos
catálogos publicados por entidades nacionais com
actividade no sector das rochas ornamentais. Essa
análise incidiu preferencialmente sobre as
características que são quantificáveis, mas sem
descurar outras que podem assumir relevância, como
a cor.
Valor comercial das rochas ornamentais
O valor comercial de um determinado tipo de rocha
ornamental é consequência de uma série de
parâmetros, alguns intrínsecos à própria rocha,
outros extrínsecos. A sua avaliação é complexa, já
que alguns destes factores não são quantificáveis, e
mesmo os que o são encontram-se submetidos a
flutuações por vezes difíceis de explicar, já que estão
1023
ligados a todas as fases do ciclo seguido por uma
rocha, desde a formação, extracção e transformação
à comercialização e utilização.
A qualidade estética de uma pedra, que justifica o
seu potencial aproveitamento para fins ornamentais,
está, à partida, directamente relacionada com a cor
(ou cores) e o padrão que apresenta, factores cuja
quantificação é extremamente complexa. As
questões relacionadas com a compartimentação do
maciço rochoso influenciam também de forma
decisiva a possibilidade de aproveitamento de uma
dada rocha.
Porém, uma vez determinada a viabilidade técnicoeconómica de exploração, a possibilidade da rocha
ser transformada em produtos vendáveis sem perdas
excessivas, que resulta sobretudo das suas
propriedades mecânicas (que lhe permitem ser
serrada e polida, por exemplo) desempenha um
papel fundamental na valorização de uma rocha para
o mercado.
Como se pode observar na Fig. 1, é geralmente de
reduzido interesse a simples descrição gráfica do
comportamento de uma dada variável (no caso, o
coeficiente de dilatação linear térmica, ou CDLT) no
conjunto de todas as rochas. A forma da distribuição
depende fortemente do número e amplitude das
classes consideradas, pelo que a sua análise visual é
pouco conclusiva.
Metodologia
Este estudo desenrolou-se ao longo de várias fases.
Em primeiro lugar, procedeu-se à compilação e
organização de uma base de dados, tendo em
atenção alguns problemas detectados nas fontes
utilizadas para a sua recolha (e.g. repetição da
informação, erros, omissões, falta de clareza quanto
a certas características não quantificadas, como a
cor, textura e granulometria). Numa segunda fase foi
realizada uma análise estatística uni e bivariada, para
obter uma descrição sumarizada do comportamento
das diferentes variáveis no conjunto dos tipos
comerciais de rochas que estão catalogados. Por fim,
foram aplicados alguns métodos da estatística
multivariada, no sentido de definir relações que não
sejam facilmente identificadas na análise descritiva
inicial.
São aqui apresentados exemplos do trabalho
realizado nas segunda e terceira fases acima
referidas.
Fig.1: Histograma dos valores da variável CDLT no
conjunto das 146 rochas portuguesas catalogadas
28
26
17,5%
24
Percentagem de amostras
20
12,5%
18
16
10%
14
12
7,5%
10
8
5%
Número de amostras
22
15%
6
4
2,5%
2
0%
2.25
3.75
5.25
6.75
8.25
9.75
11.25
12.75
14.25
15.75
0
-6
(x 10 /ºC)
Coeficiente de Dilatação Linear Térmica [CDLT]
Já a comparação dos valores em função do tipo de
rocha pode fornecer pistas interessantes para futura
exploração.
Na Fig. 2 apresenta-se um outro gráfico, referente à
resistência mecânica à compressão (RMC), em que
essa comparação é possível. Note-se que, para além
de se poder avaliar os valores que esta propriedade
assume no conjunto das 146 rochas, pode ser
apreciado o comportamento desta variável segundo
o tipo de rocha, mais concentrado ou mais disperso –
os mármores apresentam uma gama de valores
restrita, enquanto calcários e granitos têm resultados
mais variados no que diz respeito a esta propriedade.
1800
2
Análise univariada
Como foi enunciado, o objectivo desta fase é
descrever o comportamento das diferentes variáveis
no conjunto das 146 rochas ornamentais portuguesas
sobre as quais existe informação disponível nos
diferentes catálogos [1-6]. Para o efeito, adoptou-se
o princípio de apresentar gráficos, cuja análise visual
permite apreender mais claramente as observações
que se podem realizar. Foram experimentados
diversos tipos de gráficos, dos quais se apresentam
alguns exemplos relevantes.
De facto, muitas das vezes as diferentes designações
de rochas – entendidas como as que são utilizadas na
indústria (granitos, mármores, calcários e xistos) não se distinguem pelos valores que foram
determinados para uma dada propriedade física ou
mecânica. Porém, a separação por tipos e a
subsequente projecção dos valores pode dar algumas
indicações que não seriam de outra forma visíveis.
2400
(kg/cm )
Resistência Mecânica à Compressão
3000
1200
600
0
GRANITO
MÁRMORE
CALCÁRIO
XISTO
Tipo de rocha
Fig.2: Valores de RMC para as 146 rochas,
separadas por tipos
As Figs. 3 e 4 permitem avaliar melhor a informação
que se pode rapidamente obter nos dois tipos de
gráficos, já que se referem ambos à mesma
propriedade física, a massa volúmica aparente
(MVA). Da análise do histograma fica a ideia de que
a larga maioria das rochas apresenta valores em
torno de 2,7 kg/m3. Esta análise é complementada
com a apreciação do outro gráfico, em que se torna
evidente que os mármores são geralmente mais
1024
densos que os granitos (com excepção dos tipos
básicos) e apresentam uma estreita gama de
variação, ao contrário das outras rochas
carbonatadas, os calcários.
45%
65
60
40%
55
35%
50
45
30%
40
25%
35
20%
30
25
15%
20
Número de amostras
10
8
15
10%
10
5
0%
2150
2250
2350
2450
2550
2650
2750
2850
2950
0
6
(mm)
5%
Desgaste
Percentagem de amostras
respectivo (muitas vezes descrito como de
resistência ao desgaste, quando o valor encontrado é,
de facto, o do desgaste verificado – e portanto, tanto
melhor quanto mais baixo); aqui (Fig. 6) pode ver-se
que são os granitos que se distinguem pela
concentração de valores baixos, enquanto mármores
e sobretudo calcários mostram variação apreciável,
atingindo valores muito mais elevados no ensaio.
3
4
(kg/m )
Massa Volúmica Aparente [MVa]
2
Fig.3: Histograma dos valores da variável MVA
para o conjunto das 146 rochas
0
GRANITO
MÁRMORE
CALCÁRIO
XISTO
Tipo de rocha
3200
Fig.6: Valores da propriedade RD, separados por
tipos litológicos
Não são adiantados comentários sobre o
comportamento destas variáveis no grupo dos xistos,
já que o número de rochas catalogadas nesse grupo
(seis) é demasiado diminuto para que se possam
extrair conclusões minimamente significativas.
2800
3
(kg/m )
Massa Volúmica Aparente
3000
2600
2400
2200
2000
GRANITO
MÁRMORE
CALCÁRIO
Análise bivariada
Para avaliar as relações entre pares de propriedades
foram construídos diagramas de dispersão, como os
que se apresentam nas Figs. 7 e 8. Não são
geralmente evidentes relações estreitas (fortes
correlações positivas ou negativas) entre os pares de
variáveis, com algumas excepções. Também nestes
diagramas se optou por diferenciar os valores de
acordo com o tipo litológico da rocha a que dizem
respeito.
No caso da Fig. 7, a forte relação entre a porosidade
(PA) e a capacidade de absorção de água (ABS) é
posta em evidência, mas este resultado era
claramente expectável, independentemente do tipo
de rocha.
XISTO
Tipo de rocha
Fig.4: Histograma dos valores da variável MVA
para o conjunto das 146 rochas, separados por tipos
litológicos
Uma distribuição com alguma semelhança pode ser
apreciada para o caso da porosidade aparente (PA),
em que os mármores exibem valores baixos e
concentrados, enquanto os granitos apresentam
alguns valores mais elevados e os calcários mostram
uma grande variação de valores, como se pode
apreciar na Fig. 5.
20
10
8
4
5
(%)
Absorção de Água
12
(%)
Porosidade Aberta
16
0
0
GRANITO
MÁRMORE
CALCÁRIO
XISTO
0
Tipo de rocha
5
10
15
20
GRANITO
MÁRMORE
CALCÁRIO
XISTO
(%)
Fig.5: Valores da propriedade PA, separados por
tipos litológicos
Porosidade Aberta
Fig.7: Diagrama de dispersão para as variáveis PA e
ABS no conjunto das 146 rochas. Projecção por
tipos litológicos
Um outro exemplo diz respeito ao desgaste (RD)
sofrido pelos diferentes tipos de rochas no ensaio
1025
Já o diagrama apresentado na Fig. 8 parece indicar
uma correlação negativa global entre porosidade
(PA) e massa volúmica (MVA), embora não tão
pronunciada como seria de esperar; além disso, essa
correlação negativa parece ser de diferente grau para
os vários tipos de rocha – o que justifica que este
tipo de análise seja prosseguido em separado para
cada tipo de rocha. No caso dos mármores, em
particular, os valores de PA são muito concentrados,
como já vimos atrás.
ainda não foram totalmente exploradas, esta figura
permite observar uma separação clara entre as
rochas
pertencentes
aos
diferentes
tipos
considerados.
Conclusões
Os objectivos de um estudo deste tipo podem ser
entendidos como meramente descritivos. No entanto,
o propósito deste trabalho é mais vasto. Para além da
análise quantitativa das propriedades físicomecânicas no conjunto das rochas ornamentais
portuguesas que foram alvo de uma caracterização
mais aprofundada, pretendeu-se lançar as bases para
uma linha de investigação que permita contribuir
com sugestões fundamentadas para o processo de
certificação dos materiais pétreos nacionais.
Algumas ideias que serão desenvolvidas no futuro
prendem-se com o estudo de factores como as
características cromáticas (cores e tons), as texturas
(e a sua relação com a alterabilidade da rocha), os
padrões ornamentais (que reflectem cor e textura), a
proveniência, o enquadramento geológico e o tipo
litológico. Por outro lado, pretende-se também
conseguir uma melhor clarificação da importância
relativa das propriedades físico-mecânicas na
definição da aptidão das rochas para determinadas
utilizações, e ainda averiguar da importância de
outros testes e ensaios que possam ser utilizados
para a caracterização dos materiais.
3200
2800
3
(kg/m )
Massa Volúmica Aparente
3000
2600
2400
2200
2000
0
4
8
12
16
GRANITO
MÁRMORE
CALCÁRIO
XISTO
20
(%)
Porosidade Aberta
Fig.8: Diagrama de dispersão para as variáveis PA e
MVA no conjunto das 146 rochas.
Análise multivariada
Uma vez que a análise incide sobre um conjunto de
mais de uma centena de rochas catalogadas
(amostras) e várias propriedades medidas em cada
uma delas (variáveis), optou-se por fazer uso de
técnicas de análise multivariada, para procurar
relações que possam existir nesta matriz de dados,
mas que não tenham sido evidenciadas nas fases
anteriores.
Na Fig. 9 é apresentado um exemplo do que se pode
esperar nesta fase da análise. Trata-se de um gráfico
que mostra o resultado de uma Análise em
Componentes Principais (ACP) sobre as 146 rochas
catalogadas.
Referências Bibliográficas
[1] DGGM (1983) Catálogo de Rochas Ornamentais
Portuguesas, Vol. I, DGGM, Lisboa.
[2] DGGM (1984) Catálogo de Rochas Ornamentais
Portuguesas, Vol. II, DGGM, Lisboa.
[3] DGGM (1985) Catálogo de Rochas Ornamentais
Portuguesas, Vol. III, DGGM, Lisboa.
[4] IGM (2000) Catálogo de Rochas Ornamentais
Portuguesas, Vol. IV, IGM, Lisboa.
[5] CEVALOR (1995) Rochas Ornamentais de Portugal,
CEVALOR, Borba.
[6] IGM (2000) Granitos e Rochas Similares de Portugal,
IGM, 179 pp., Lisboa.
0.5
-2.5
-2
-1.5
-1
-0.5
0
0
0.5
-0.5
Fig.9: ACP realizada sobre o conjunto das 146
rochas catalogadas. Primeiro plano factorial
(Legenda: C – calcário, G – granito, M – mármore,
X – xisto).
Embora se possa considerar este resultado
preliminar, já que as técnicas a utilizar nesta fase
1026
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