1043 - VIICNGVolIII045

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Geologia eclesiástica na cidade de Lisboa. O exemplo da Igreja do
Convento dos Cardaes
Ecclesiastical geology in the city of Lisbon. The example of the
Cardaes Convent Church
P. S. Caetano1, P. H. Verdial1, V. Lamberto2, A. Gomes3 & R. V. Freire3
1
Centro de Investigação em Geociências Aplicadas, Quinta da Torre, 2829-516 Caparica
2
Departamento Geociências, Universidade de Évora, Colégio Verney, 7002-554 Évora
3
Statua, Lda., Av. Amália Rodrigues, 2, bloco B-1ºC, 2725-675 Algueirão
[email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]
SUMÁRIO
Geologia Eclesiástica deve ser entendida como o estudo das rochas aplicadas na construção e ornamentação de
todo o tipo de locais de culto religioso (capelas, igrejas, mosteiros, etc.). O aproveitamento destas ocorrências
como georrecurso cultural urbano está na base da elaboração deste trabalho. Apresenta-se o inventário efectuado
na Igreja do Convento dos Cardaes, em Lisboa, que pretende servir de exemplo para levantamento sistemático a
efectuar nos principais edifícios eclesiásticos da cidade de modo a produzir roteiros e guiões dos diversos locais.
Palavras-chave: geologia eclesiástica, Lisboa, Convento dos Cardaes, georrecurso cultural urbano
SUMMARY
Ecclesiastical Geology should be understood as the study of rocks used in the construction and decoration of all
types of houses of worship (chapels, churches, monasteries, abbeys, etc.). The use of these occurrences as urban
geological heritage sites is at the base of this work. A detailed inventory of the natural stones identified in the
church of the Cardaes Convent in Lisbon is presented which is intended to serve as an example for a systematic
inventory of the major houses of worship in the city in order to produce geological routes and guides.
Key-words: ecclesiastical geology, Lisbon, Cardaes Convent, urban geological heritage
Introdução
O conceito de “georrecurso cultural” aplicado ao
património natural [1] pode, em ambiente urbano,
ser entendido de modo mais específico como o de
“georrecurso cultural urbano” [2]. Um dos recursos
deste tipo mais utilizado tem sido o da descrição e
caracterização de pedra natural na construção, com a
finalidade de promover a divulgação da geologia [2,
3, 4]. No caso muito particular de edifícios
eclesiásticos (igrejas, conventos, etc.), o termo
frequentemente utilizado para descrever o estudo da
pedra aplicada na sua construção ou ornamentação
tem sido o da “Geologia Eclesiástica” [5, 6].
A pedra natural, pela sua elevada qualidade,
durabilidade, nobreza e até propriedades acústicas,
tem sido ao longo dos tempos o material preferencial
utilizado na construção de “casas de culto religioso”
[houses of worship; 7]. Na cidade de Lisboa,
reconhecem-se inúmeros edifícios eclesiásticos e
outros edifícios monumentais onde a aplicação de
pedra natural é intensa e muito diversificada (e.g. Sé
de Lisboa., Jerónimos, Basílica da Estrela, Igreja de
São Roque, Centro Cultural de Belém). Uma síntese
da evolução histórica das diferentes aplicações de
rocha em vários monumentos da cidade de Lisboa
encontra-se em [8].
Neste trabalho apresenta-se uma inventariação
pormenorizada das aplicações de pedra natural na
Igreja do Convento dos Cardaes. Pretende-se, desta
forma, constituir uma base de dados com um
levantamento sistemático das diferentes rochas
aplicadas nos principais edifícios eclesiásticos da
cidade de Lisboa que possa tornar-se uma referência
de georrecurso cultural urbano para a divulgação da
geologia.
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Tab. 1: Rochas ornamentais presentes na Igreja do
Convento dos Cardaes
A Igreja do Convento dos Cardaes
O Convento dos Cardaes, localizado na Rua do
Século, em Lisboa, ocupa quase todo o quarteirão
em que está inserido. Foi fundado em 1681 por D.
Luísa de Távora “nuns edifícios em terrenos que
possuia no sítio dos Cardaes”. Tendo falecido em
1693 foi o seu sobrinho, D. José de Meneses, que
concluiu as obras do convento em 1703 [9]. Em
1877, foi instalada no convento a Associação de
Nossa Senhora Consoladora dos Aflitos para nele
funcionar um asilo para invisuais. Actualmente, o
convento é composto por igreja, dois claustros,
refeitório e outras dependências; parte do convento
funciona como asilo, estando o restante
transformado em espaço-museu.
De acordo com a Direcção Geral dos Edíficios e
Monumentos Nacionais (DGEMN) [9], a Igreja é de
arquitectura
religiosa,
barroca,
de
planta
longitudinal, de uma só nave que se articula com a
capela-mor, ambas rectangulares e cobertas por
abóbadas de berço. A decoração é feita por painéis
de azulejos azuis e brancos de composição figurativa
(de proveniência holandesa), por talha dourada
(emoldurando telas) e por pedra natural
(revestimentos nas paredes, altar, púlpito, ombreiras,
colunas, escadas, pia baptismal, lajes tumulares e
pavimento).
O convento tem sido alvo de várias intervenções de
conservação e restauro tendo, em 2004/2005, sido
efectuado o restauro e limpeza dos elementos
pétreos da Igreja. A DGEMN descreve os materias
de construção do edifício como sendo os seguintes:
alvenaria, cantaria de calcário, reboco pintado,
mármores, azulejos e ainda “tanto o altar
propriamente dito como as paredes laterais da capela
são revestidos por embutidos de mármore” [9].
Deste modo, no âmbito dos trabalhos de limpeza
referidos, procedeu-se ao levantamento das
diferentes variedades de pedra aplicado no interior
do edifício com tentativa de identificação do tipo
comercial e/ou litológico e respectiva proveniência,
de modo a poder descriminar as diferentes
variedades de rocha ornamental entre a designação
genérica, e incorrecta, de “mármores”.
Litologia
Calcário
fossilífero
Calcário
fossilífero
Calcário
fossilífero
Calcário
fossilífero
Calcário
fossilífero
Calcário
fossilífero
Calcário
fossilífero
Designação
comercial
Proveniência
Abancado
Pêro Pinheiro
Amarelo de
Negrais
Pêro Pinheiro
?
?
Encarnadão
Pêro Pinheiro
Encarnado da
Pedra Furada
Pêro Pinheiro
Lioz
Pêro Pinheiro
Lioz de Montemor
Pêro Pinheiro
Calcário cristalino
Negro de Mem
Martin
Região de Sintra
Calcário cristalino
Azul Sintra
Região de Sintra
Mármore branco
Branco estatuária
(?)
Pele de Tigre
Anticlinal de
Estremoz
Anticlinal de
Estremoz
Anticlinal de
Estremoz
Anticlinal de
Estremoz
Brecha da
Arrábida
Arrábida
Verde Donai
Bragança
Mármore branco
anilado
Mármore branco a
creme
Mármore branco
venado
Brecha
carbonatada
Serpentinito
?
?
Exemplos de algumas aplicações nos diversos
elementos da igreja
Na zona da capela-mor (Fig.1), evidenciam-se três
tipos comerciais/litológicos com aplicação nas
superfícies de maior área: Abancado (altar e
escadas), Lioz (altar, colunas e lajes do pavimento) e
Lioz/Negro Mem Martins (lajes do pavimento). Nos
painéis de embutidos, nas paredes, são diversas as
variedades identificadas: Brecha da Arrábida, Azul
Sintra (Calcário de São Pedro), Encarnado Pedra
Furada, Lioz de Montemor e Verde Donai (Fig. 2a) e
Abancado, Calcário de São Pedro, Encarnado Pedra
Furada, mármore branco e Amarelo de Negrais (Fig.
2b).
A pedra natural na Igreja do Convento dos
Cardaes
A inventariação de pedra natural existente no
interior do edifício permitiu identificar cerca 15
variedades comerciais e/ou litológicas de rocha
ornamental diferente (Tabela 1).
No entanto, existe alguma incerteza no que respeita
a identificação de todas as variedades. Esta incerteza
resulta, frequentemente, do estado deteriorado em
que se encontram algumas aplicações e do facto de
não ser possível recorrer a análises de maior
pormenor (microscópicas, mineralógicas, etc.) que
implicariam, necessariamente, a remoção de
amostras.
Fig.1: Aspecto geral do altar, na fachada frontal da
capela-mor.
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No pavimento da capela mor, em lajes de Abancado,
os motivos decorativos são feitos por embutidos de
Amarelo de Negrais, Negro Mem Martins, e Lioz
(Fig. 6a) e Negro Mem Martins e Lioz (Fig. 6b).
Fig.2a (esq.) e 2b (drt.): Pormenor dos painéis de
embutidos na fachada frontal da capela-mor.
Nas fachadas laterais da capela-mor (Fig. 3), as
aplicações nas superfícies de maior área, são de
Lioz, com alguns pormenores decorativos em
Abancado e, nos painéis, identificaram-se as
variedades Amarelo de Negrais, Pele de Tigre, Azul
Sintra, Lioz, mármore branco anilado e Encarnado
Pedra Furada (Fig.4), e ainda Lioz, mármore branco
anilado, Verde Donai, Azul Sintra e Amarelo de
Negrais (fig.5).
Fig.6a (esq.) e 6b (drt.): Pormenor dos painéis de
embutidos no pavimento.
Ainda no pavimento, na nave principal, a aplicação
de pedra natural é feita essencialmente de Lioz,
existindo uma pedra tumular de calcário fossílifero
não identificado (Fig. 7).
Fig.7: Pedra tumular no pavimento da nave principal
Fig.3: Fachada lateral esquerda da capela-mor.
São ainda de salientar outros elementos trabalhados
em pedra natural: uma pia baptismal em Abancado
(Fig. 8a) e a base do púlpito em Lioz (Fig. 8b).
Fig.4: Pormenor dos painéis de embutidos na
fachada lateral da capela-mor.
Fig.8a (esq.) e 8b (drt.): Pia baptismal e base de
púlpito
Proveniência das Pedras Naturais da igreja do
Convento dos Cardaes
Não existem registos da construção da Igreja do
Convento dos Cardaes que permitam relacionar os
materiais de construção utilizados com a
proveniência exacta dos mesmos. No entanto é
possível, de um modo geral, fazer referência às
principais zonas de proveniência, a partir da
identificação de cada uma das variedades empregues
na construção/ornamentação do edifício (Tabela 1).
Fig.5: Pormenor de um painel de embutidos na
fachada lateral esquerda da capela-mor.
935
[4] Silva, C. M. & Cachão, M. (1998) “Paleontologia
Urbana”: percursos citadinos de interpretação e educação
(paleo)ambiental. Actas V Cong. Nac. Geologia, Comun.
Instit. Geol. Mineiro, Lisboa, t. 84, fasc. 2, pp. H33-H37.
[5] Sutherland D. S. (2000) Ecclesiastical geology. In:
Hancock P. I. & Skinner B. J. (eds.) “The Oxford
Companion to the Earth”. Oxford University Press,
Oxford, pp. 292-295.
[6] Potter, J. F. (2005) Ecclesiastical geology – a return to
Victorian field standards. Geoscientist, London, Vol. 15,
nº 10, pp. 4-7.
[7] Hannibal, J. T. (1999) Guide to stones used for houses
of worship in Northeastern Ohio. Cleveland State
University Urban Center Sacred Landmarks Monograph
Series, 57 p.
[8] Aires-Barros, L. (2001) As rochas dos monumentos
portugueses - tipologias e patologias. Instituto Português
do Património Arquitectónico, 2 vols., 535 pp., Lisboa.
[9] Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacional
(DGEMN) www.monumentos.pt.
[10] www.georoteiros.pt/
[11] Almeida, J. A., Kullberg, J. C.; Caetano, P. S.,
Vargas, H. S., Vaz, C. (2005) geoRoteiros, A scientific
web resource for geology and Portuguese geological
heritage spread. IV International Symposium ProGEO,
Braga, Abstracts, p. 28.
[12] Almeida, J. A. & Kullberg, J. C. (2006) Utilização de
novas tecnologias na produção e divulgação de cartografia
geológica. O projecto geoRoteiros. In: Costa, C. N. (ed.),
Cartografia Geológica aplicada a áreas urbanas. O caso da
Área Metropolitana de Lisboa, pp. 118-122.
[13] http://e-geo.ineti.pt/bds/ornabase/default.aspx
Considerações finais
O exemplo ilustrado neste trabalho pretende servir
de referência para um levantamento sistemático das
diversas ocorrências de pedra natural nos edifícios
eclesiásticos da cidade de Lisboa. Este levantamento
encontra-se já em curso no âmbito das actividades
de divulgação da Geologia do Centro de
Investigação em Geociências Aplicadas da
Universidade Nova de Lisboa (CIGA). Os trabalhos
já iniciados incluem a visita a um conjunto
seleccionado de locais (igrejas, mosteiros, capelas,
etc.) com observação e descrição dos diferentes tipos
de aplicações, tanto no exterior como no interior dos
edifícios. Os principais aspectos assinalados
referem-se a: aplicação de rocha ornamental e/ou
rocha na construção (industrial), locais de aplicação
(estrutura do edifício, ornamentação, altares,
púlpitos, pias baptismais, etc.), variedades de rocha
utilizada
e,
quando
possível,
respectiva
proveniência, estado de degradação e patologias
identificadas.
Toda a informação recolhida será armazenada em
base de dados georreferenciada incluída na secção
dos roteiros virtuais do portal “geoRoteiros” [10],
dedicado à divulgação da geologia e do património
geológico [11, 12]. Deste modo, será possível
delinear roteiros pela cidade bem como produzir
guiões de visita a cada um dos locais salientando,
em primeiro lugar, os aspectos relacionados com a
geologia mas, também, outros relacionados, por
exemplo, com a história do edifício e o seu estilo
arquitectónico.
Para além da informação armazenada neste portal,
poderá ser feita ligação a bases de dados online já
existentes como, por exemplo, às do sistema “eGeo” do INETI [13], que permitirá retirar um vasto
conjunto de informações sobre os diferentes tipos de
rocha ornamental: caracterização macroscópica,
enquadramento geológico, características gerais da
exploração, características físico-mecânicas da rocha
e indicações sobre empresas fornecedoras.
Deste modo, ficará criado um georrecurso cultural
urbano utilizável para divulgação da geologia tanto
entre a população escolar de diferentes níveis de
ensino como para o público em geral.
Referências Bibliográficas
[1] Carvalho, A. M. G. (1998) Geomunumentos – Uma
reflexão sobre a sua classificação e enquadramento num
projecto alargado de defesa e valorização do Património
Natural. Actas V Cong. Nac. Geologia, Comun. Instit.
Geol. Mineiro, Lisboa, t. 84, fasc. 2, pp. G3 – G5.
[2] Caetano, P. S., Verdial, P. H., Gregório, P., Heitor, A.
P., Pedro, B. & Silva, I. (2003) A criação de circuitos
geológicos no Almada Forum – um exemplo de
divulgação da Geologia em meio urbano. Ciências da
Terra (UNL), Lisboa, nº esp. V, pp. 106-107; CD-ROM,
pp. I24- I27.
[3] Cachão, M.; Freitas, M. C. & Silva, C. M. (1999)
Geologia Augusta: Património, Geologia urbana e Cultura.
Comunicações I Seminário Património Geológico
Português, Lisboa, 10 p.
936
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