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CAMINHOS DE GEOGRAFIA - revista on line
http://www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html
ISSN 1678-6343
Instituto de Geografia
ufu
Programa de Pós-graduação em Geografia
O VIVER E O HABITAR: OS CICLOS DA NATUREZA E OS USOS DOS TERRITÓRIOS
1
FLUVIAIS NO RIO SÃO FRANCISCO - PIRAPORA/MG
Ângela Fagna Gomes de Souza
Mestranda em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
[email protected]
Rodrigo Herles dos santos
Mestre em Geografia pela UFU e analista ambiental do IBAMA
[email protected]
Geraldo Inácio Martins
Mestrando em Geografia pela UFU e orientando do professor João Cleps Júnior
[email protected]
Carlos Rodrigues Brandão
Prof. Dr. do Programa de Pós-graduação em Geografia - UFU
carlosrbrandã[email protected]
RESUMO
A intenção deste artigo é discutir algumas abordagens sobre o espaço geográfico do
município de Pirapora/MG, local onde desenvolvemos nossa pesquisa. Buscamos
primeiramente analisar o cenário agrário do município e posteriormente a forma de
ocupação territorial das ilhas existentes no rio São Francisco. Em função das
mudanças socioterritoriais ocorridas no campo, principalmente pela adoção de
modernas técnicas agrícolas, os camponeses deste município se viram sujeitos a
adoção de novas práticas cotidianas. Passaram a buscar novos espaços de
produção, encontrando no território das ilhas, um pequeno pedaço de terra rodeado
pelas águas, um lugar de refúgio para viver. Espaço este bastante limitado e
adverso, com características bem diferenciadas das que estavam acostumados a
viver nas grandes fazendas. Abordamos a articulação entre as categorias de análise
procurando compreender, através da organização sócio-territorial, como o espaço
das ilhas pode ser definido de acordo suas funcionalidades e representatividades. A
ilha fluvial estudada tem seu território definido em função dos ciclos da natureza,
possuem limites inconstantes, é ocupada e utilizada somente quando as estações
climáticas são favoráveis. Traremos o conceito de território analisado segundo as
relações sociais existentes, envolvendo o poder simbólico e cultural. As pessoas que
habitam os espaços da ilha vivem de acordo com a mutação deste seu território,
estão a cada dia, sujeitos a perdas e reconquistas em função do movimento das
águas.
Palavras-chave: Território, uso e apropriação espacial, ilhas, rio São Francisco,
identidades, município de Pirapora.
TO LIVE AND INHABIT: NATURE CYCLES AND THE USES OF THE FLUVIAL
TERRITORIES ON SÃO FRANCISCO RIVER - PIRAPORA/MG
ABSTRACT
The intent of this article is to discuss some approaches about the geographical area
of the municipality of Pirapora / MG. At first we analyze the agrarian scene in the city
and then the form of territorial occupation of the islands in the San Francisco river.
Because of socio-territorial changes in the field, especially the adoption of modern
agricultural techniques, peasants found themselves forced to adopt new daily
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Recebido em 22/03/2010
Aprovado para publicação em 14/11/2010
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practices. They started to seek new production areas, and found those places on the
islands, small piece of land surrounded by water, a place of refuge for living. The
Islands space was very limited and adverse, with clearly distinguished characteristics
compared with the big farms. We discuss the relationship between the categories of
analysis in order to understand by the socio-territorial organization how the islands
spaces can be defined according their functionality and representativity. The
researched Island defines its territory by nature cycles. It has inconsistent limits, It is
occupied and used just when the seasons are favorable. We will introduce the
concept of territory analyzed on existent social relation, involving the symbolic power
and cultural. The people who inhabit the island lives according the mutation of this
territory and are subject to losses and reconquests because of the water movement.
Key words: territory, space use and appropriation, islands, São Francisco river,
Identity, Pirapora municipal district
INTRODUÇÃO
O presente artigo faz parte de pesquisa desenvolvida no curso de Mestrado em Geografia da
Universidade Federal de Uberlândia-UFU, sob a orientação do Prof. Dr. Carlos Rodrigues
Brandão, e do trabalho do projeto de pesquisa financiado pela Fapemig e CNPq denominado
“Opará: tradição, identidades, territorialidades e mudanças entre populações rurais e ribeirinhas
no sertão roseano” – ligado ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social da
Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES.
Ao longo do texto procura-se discutir as confluências existentes no espaço geográfico do
município de Pirapora/MG, visando entendê-lo a luz das teorias e das pesquisas realizadas
durante a vigência do citado grupo de pesquisa e das discussões geradas no ambiente
acadêmico. Objetiva-se analisar as particularidades existentes no ambiente das ilhas fluviais
do município de Pirapora/MG, procurando articular conceitos e avançar nas pesquisas dos
povos ribeirinhos que vivem e trabalham na região da bacia do rio São Francisco.
A busca por um trabalho multi (ou trans) disciplinar partiu do envolvimento de vários
profissionais de áreas afins que participam ativamente do projeto trocando conhecimento e
experiências, o que nos faz crer que avançamos no sentido de entender as mudanças do
mundo rural em especial, neste caso, das comunidades tradicionais.
Procura-se com este trabalho trazer para a discussão a articulação de algumas abordagens,
não tendo a pretensão de esgotar todas as possibilidades neste primeiro momento, por se
tratar de um estudo continuado.
O texto ficou organizado em três momentos, a saber:
1.
Introdução, buscando em um panorama geral, descrever o cenário do espaço agrário do
município de Pirapora/MG e suas implicações no local da pesquisa.
2.
Desenvolvimento, partindo primeiramente do referencial teórico adotado e,
posteriormente, de uma análise das relações sociais existentes em escalas micros,
enfocando as especificidades das ilhas do rio São Francisco.
3.
Considerações, tecendo algumas abordagens, procurando refletir como as análises
tratadas contribuem para o entendimento do local da pesquisa.
Em geral, procurou-se através deste trabalho a realização de uma leitura dos processos sociais
e territoriais existentes no município de Pirapora/MG, em especial da Ilha das Pimentas,
presente neste espaço.
O olhar: a metodologia da pesquisa
Para entender a necessidade da pesquisa é necessário considerar as reflexões de
pesquisadores que proporcionem saberes dinâmicos, compreendendo que o “ser pesquisador”
encontra-se a cada dia motivado por novos ensinamentos e por perspectivas teóricometodológicas
de
fundamental
importância,
na
busca
continuada
de
um
estudante/pesquisador.
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Para melhor compreensão do local pesquisado, foi necessário o levantamento bibliográfico de
alguns autores da geografia, economia, antropologia e das ciências sociais que tratam esta
temática. Posteriormente, foram realizados alguns trabalhos de campo entre os meses de julho
e agosto de 2008 e julho de 2009, visando entender com maior precisão a realidade
pesquisada.
A metodologia desta pesquisa baseou-se nos estudos e reflexões produzidos por Brandão
(1995a, 1999), para compreender o processo da pesquisa e atuação do pesquisador no
trabalho, isto é, como ele participa da pesquisa que desenvolve. Ainda em referência a
Brandão (2003), quando descreve sobre o processo da entrevista, este remete aos dilemas e
os cuidados na sua condução. Por sua vez, Malinowski (1978) nos lembra que em pesquisas
devemos tentar compreender a realidade, com suas múltiplas interfaces e interações nos
trabalhos e vivências com o ambiente pesquisado, além de Santos (1999) e Santos et al.
(2006), que atentam para a observação do fato geográfico durante as etapas da pesquisa.
Ao seguirmos este caminho, os procedimentos metodológicos devem nos aproximar ao máximo de
uma abordagem qualitativa, trabalhando na perspectiva de uma prática da pesquisa participante,
que em linhas gerais, compreende a investigação científica como práxis, ou seja, um encontro
indissociável entre teoria e prática para a resolução dos problemas científicos propostos.
Como referência empírica, o ‘lócus’ de investigação é a Ilha das Pimentas, localizada no rio
São Francisco, compreendendo a extensão geográfica do município de Pirapora-MG. Nesta
perspectiva, procurou-se fazer uma incursão histórica, buscando descobrir os principais pontos
de rupturas que fizeram com que hoje existam pessoas que moram e trabalham em um lugar
tão adverso como em uma pequena ilha fluvial.
O CENÁRIO: leitura geográfica da paisagem pesquisada
A nova perspectiva de desenvolvimento socioeconômico, em função do capitalismo no campo,
vem beneficiando apenas as empresas privadas subsidiadas pelos incentivos públicos,
demonstrando as recentes técnicas de produção, que contribui para a transformação do
espaço Norte Mineiro, cada vez mais produtivo e seletivo, espaço este que vem se mostrando
receptivo à difusão das inovações tecnológicas, adaptando-se as novas demandas de
produção, tecnificando-se e transformando-o, em poucos anos, em uma área de agricultura
capitalista fortemente consolidada.
São atividades recentes nestas áreas, mas que demonstram o reordenamento espacial
marcado pela presença de capital e de técnica, procurando adequar-se aos níveis de
desenvolvimento exigidos pelo sistema econômico atual.
Parte-se da análise de Santos (1999) sobre a difusão do meio técnico-científico-informacional,
para compreender as transformações ocorridas no espaço rural de Pirapora/MG (Mapa 1), que
passou de espaço de agricultura de auto-sustento e agropecuária extensiva, para espaço de
produção capitalista.
Procura-se analisar, em especial, os reflexos e as principais mudanças advindas da adoção de
inovadas técnicas de produção neste município. A implantação e consolidação das grandes
propriedades agrícolas por meio de um conjunto de modernas inovações científicas modificou a
própria lógica da natureza, atingindo uma artificialização do espaço agrário:
Da mesma forma como participam da criação de novos processos vitais e da
produção de novas espécies (animais e vegetais), a ciência e a tecnologia,
junto com a informação, está na própria base da produção, da utilização e do
funcionamento do espaço e tendem a constituir o seu substrato. Santos
(1999, p. 190).
A conseqüência desta modernização é uma paisagem natural devastada, com o espaço de
vivência reconfigurado em um espaço de produção comercial. A vida é mudada, os lugares são
desarticulados, as relações de trabalho anteriormente baseadas no núcleo familiar, atualmente
se adéquam as novas relações de produção baseadas no lucro e na produção intensiva.
A seletividade do campo fez com que os camponeses desta região passassem por um intenso
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processo de expropriação em função das inovações tecnológicas: as unidades familiares foram
desarticuladas. Sem trabalho e terra para cultivar, os pequenos produtores se viram obrigados
a sair de seu lugar de convívio e migrarem para outros espaços em busca de alternativas de
emprego. Foi neste contexto, que encontraram no território das ilhas fluviais presentes no rio
São Francisco, na região do município de Pirapora/MG, um lugar de moradia. Buscaram, a
partir de então, adequar-se a outro modo produzir em função da constante busca por um
espaço de vivência.
Organização:- RIBEIRO, Raphael Medina, 2009.
Mapa 1 - Localização do município de Pirapora-MG
Nesta nova realidade, os camponeses do município passaram a ocupar um pequeno pedaço
de terra rodeado pelas águas, um lugar com características bastante diferenciadas das que
estavam acostumados a viver nas grandes fazendas.
Estas ilhas fluviais são territórios peculiares, onde vivem pessoas que fazem do convívio, na
simplicidade do cotidiano, um verdadeiro mosaico de cultura. São moradores que ocuparam
terras que não consideram de sua propriedade, mas sim “do rio”. Constroem suas casas com a
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certeza de que mais cedo ou mais tarde podem ser tomadas e devastadas pelas águas. Estão
sujeitos a perdas e reconquistas a cada ano de cheia do rio São Francisco.
As mudanças socioterritoriais impuseram novas práticas cotidianas a estes sujeitos, que
sempre carregam consigo modos de vida e laços culturais de um viver tipicamente rural.
A ocupação de um espaço por um grupo de pessoas envolve a construção e
a transformação deste espaço para prover as necessidades de sustento, de
moradia de manifestações diversas de fé, crenças e partilha, da sociabilidade
e das culturas que essas pessoas carregam de seus lugares. Reproduzir
seus modos de vida são características da coletividade humana. Este espaço
humano construído e habitado se transforma em lugar, a partir das ralações
que vão se estabelecendo, entre as gentes, na construção de suas histórias.
De Paula et al. (2007, p.16)
Apesar de todas as mudanças advindas de um novo lugar de vivência, os moradores
habitantes das ilhas procuram criar laços de afetividade com o seu lugar de acolhida, criando
arranjos e estratégias de pertencimento nestes espaços. São as formas de convívios que
fazem com que a maioria das famílias expropriadas busque estar apoiados em símbolos, visto
que estes sujeitos convivem com a esperança de sobrevivência de um modo de vida em
territórios até então desconhecidos por eles.
O lugar nesta perspectiva passa a ser entendido enquanto reprodução dos modos de vida, pausa e
de afirmação identitária. Tuan (1983) salienta que o lugar pode ser definindo como símbolo, vida,
sonho, e trabalho todos mediatizados pelo sujeito, em suas mais variadas formas. Segundo ele o
lugar é onde se constrói a vida, uma fração do espaço onde os homens reconhecem a sua história,
estabelecem suas relações, criam vínculos, laços de pertencimento e identidade.
Tuan (1983) acrescenta que um espaço só se transforma em lugar, a medida que adquire
definição e significado, sendo a experiência uma das características fundamentais do lugar,
pela qual as pessoas conhecem e constroem a realidade. Quanto mais se conhece um lugar,
maior é o seu valor. O traço de afeição e identificação diz respeito à força do sentimento, do
reconhecimento e da sensação de pertencimento nos lugares.
Precisamos, contudo, considerar o contraditório, o movimento, os arranjos e as estratégias que
estes moradores das ilhas criaram para permanecerem nestes novos lugares. Existem as
incertezas e ansiedades por não morarem em um lugar fixo, de possuírem casas improvisadas
(Fig. 1) e viverem em uma vigília constante de suas plantações. A qualquer momento de cheia
do rio, suas casas, os animais, todas as plantações e produção ficam sujeitos a serem levados
pelas águas.
Nesse sentido, os moradores que hoje vivem nas pequenas ilhas do rio São Francisco podem
ser caracterizados como sujeitos camponeses, que criam no território vínculos de
pertencimento e enraizamento através dos seus modos de vida e trabalho.
A conceituação de camponês, como afirma Moura (1998), é aquele que junto com sua unidade
familiar retira da terra todo o seu sustento. É um observador dos elementos naturais, água,
terra, sol e chuva. Povo que partilha uma história de vida em comum e seguem a mesma
tradição, ou seja, vivem o mesmo tempo e dividem o mesmo espaço.
Lógicas de apropriação da natureza: os ciclos das águas e a metamorfose do território
A partir deste ponto serão abordados os modos de vida do sujeito camponês, homens e
mulheres que se apropriam de uma parcela do espaço, criando e modificando tanto a sua vida,
quanto de seu lugar de convívio, através do viver o/do rural. São pessoas que migraram para
as ilhas fluviais na busca por manterem suas relações sociais específicas de um devir peculiar
característico do campo, porém adaptados a novos ambientes e formas de produzir.
O território das ilhas fluviais é para os seus moradores uma maneira de se auto-afirmarem
enquanto construtores de formas próprias de produção. Em função das necessidades básicas
de sobrevivência, os que vivem nas ilhas partilham saberes e estabelecem vínculos, com a
intenção de se manterem enquanto viventes de um grupo e pertencentes a um espaço.
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Autora: SOUZA, A. F. G. Julho/2009.
Figura 1- Casa típica dos moradores da ilha da Pimenta município de Pirapora/MG
Podemos pensar a constituição do espaço geográfico das ilhas fluviais do São Francisco (Fig.
2) a partir dos ciclos da natureza. Mas, como entender de que forma estes espaços quase
imperceptíveis podem ser habitados e produtivos?
Ilha das
Pimentas
Rio São Francisco
Autora: SOUZA, A. F. G. Julho/2009.
Figura 2 - Vista panorâmica da ilha da Pimenta município de Pirapora/MG.
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O território das ilhas são formados e passam a ser espaços de moradia e produção material em
função dos ciclos das águas. Estes territórios são ocupados e utilizados somente quando as
estações climáticas são favoráveis. O movimento espacial acontece pelas observações da
natureza. O limite territorial é ditado pelo movimento das águas, as fronteiras são estabelecidas
pelas “cheias” e “secas” do rio. Esta mobilidade territorial delimita o uso do território de acordo
como a natureza o forma. Assim, a cada ciclo das águas o espaço físico é re-configurado e
cabe aos seus moradores adaptarem-se a ele.
A configuração socioespacial das ilhas fluviais do São Francisco permite uma variação na vida
cotidiana de seus moradores em função do movimento das águas sendo, portanto, um território
de fluidez, onde as ações acontecem em função da “mobilidade”. Conforme reflete
Mascarenhas (2006, p. 155) “como pensar, por exemplo, a presença simultânea da
concentração e da dispersão, ou os territórios estáveis e a mobilidade, ou ainda a dualidade
das culturas sem território”.
Estes territórios com extensão geográfica definida pelas inconstâncias da natureza se formam
e se dissolvem, mas permanecem sendo referência na vida dos que vivem e dependem dele.
As pessoas não consideram como essenciais à forma como este é constituído, mas sim de que
forma poderá retirar dele a sua sobrevivência. As formas geográficas das ilhas mudam, mas a
produção humana continua, com mais ou com menos espaço.
[...] formar-se e dissolver-se, construir-se e dissipar-se de modo relativamente
rápido [...], ser antes instáveis que estáveis ou, mesmo, ter existência regular
mas apenas periódica, ou seja, em alguns momentos – e isto apesar de que
o substrato espacial permanece ou pode permanecer o mesmo. Souza (1995,
p. 87)
O que caracteriza o espaço de uma ilha fluvial é a sua instabilidade sazonal, as flutuações de
usos ou a mobilidade das fronteiras. Isso porque são pequenas extensões de terras rodeadas
pelas águas do rio São Francisco (Figs. 3, 4).
Margem esquerda
do rio São Francisco
Lateral da ilha
das Pimentas
Autora: COTTA, Elisa. Jul./2007.
Figura 3 - Ilha da Pimenta localizada no município de Pirapora/MG.
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Estes são espaços pouco observáveis ao olhar da ciência geográfica que necessita de um
estudo minucioso a respeito da sua dinâmica, são territórios “construídos (e desconstruídos)
dentro de escalas temporais das mais diferentes: séculos, décadas, anos, meses, ou dias;
territórios podem ter uma existência periódica, cíclica” (Souza 1995, p. 81).
Outro fator importante é a forma de uso do território das ilhas. São as mesmas pessoas que os
utilizam, o que muda é a característica da produção material. Por exemplo: “no tempo da seca”
a ilha é um recurso e um abrigo, “no tempo da águas” é apenas recurso, quando o rio permite.
Estes territórios podem aparecer e desaparecer de acordo com o tempo/espaço. São
“territórios com uma temporalidade bem definida” (Souza 1995, p. 91), que se faz e desfaz ao
longo dos ciclos naturais.
No caso das famílias que moram na ilha das Pimentas, todos sabem conviver com a mutação
de seus territórios, observam a natureza e sabem quando é chegada a hora de abandonar
suas propriedades e partir para a “terra firme” em busca de abrigo, enquanto não é possível
residir e trabalhar nas “terras do rio”. Buscam moradia em outros espaços já que os seus
territórios, em algumas épocas, perdem a função de abrigo.
A ilha, para os seus moradores, remete sempre ao lugar de moradia e de trabalho, porém, é
preciso respeitar as regras da natureza. Conforme relato de um dos moradores da ilha da
Pimenta “nós que invadimos o rio. Não sou dono do rio, mas zelo por ele!”.
Quando as águas do rio São Francisco diminuem, é chegada a hora dos moradores retornarem
para as suas residências, onde realmente criaram as marcas de um lugar. Esta afinidade com
o território é sentida quando eles estão ausentes de seu lugar de origem, ou seja, de seus
territórios de vida.
Margem esquerda
do São Francisco
Margem direita do
São Francisco
Ilha das Pimentas
Autora: SOUZA, A. F. G. Julho/2009.
Figura 4 - Ilha e margens do rio São Francisco em Pirapora/MG.
Estes homens e mulheres vivem “territorialidades flexíveis”, um “vir-a-ser” das águas e da terra,
como lugares de vivência em comum.
[...] os processos de deslocalização de indivíduos com fraca
mobilidade espacial fazem do enraizamento no espaço local e dos
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dispositivos de afiliação e pertença, o que nos leva a definir o espaço
como um recurso simbólico na produção de sua identidade e a definila como uma identidade de território. Lopes (2006, p. 150)
As ilhas são territórios com limites inconstantes (Fig. 4). São espaços de produção social, onde
todas as ações de vida e trabalho acontecem em função da existência de um território que não
é fixo, mas sim fluido, presente na vida das pessoas por todo o tempo. Brandão (1995, p. 171)
lembra que “os espaços são os mesmos e são outros, mudam. Tal como as sociedades, os
territórios têm também a sua história”, o que justifica os laços de pertencimento com os
mesmos.
Estes limites inconstantes do território das ilhas fazem com que seus moradores estabeleçam
um período determinado para a apropriação e utilização dos seus recursos. Todos os que
vivem nele/dele sabem da necessidade de adaptarem-se, compartilhando a mesma
experiência de enraizamento e deslocamentos durante as estações do ano.
E é através da partilha dos mesmos espaços, reconhecidos como elementos
de enraizamento local, que se forjam as representações colectivas do
território e a que se associa um sentimento de pertença. Esses traços de
reconhecimento colectivo geram, no confronto com outros espaços, a
imagem de marca de um lugar, cidade ou região. Vaz (2001, p. 220)
São esses ciclos que dão essência as ilhas, aos territórios habitados por gentes com
significados ímpares e modos de ser e viver particulares. As ilhas enquanto territórios dão
dinâmica a vida social. Neste sentido, a ocupação dos moradores no/do território das ilhas
fluviais é o acontecer da vida de cada um nestes espaços.
CONCLUSÃO
Analisou-se o espaço geográfico do município de Pirapora/MG, procurando articular algumas
abordagens sobre os usos do território das ilhas fluviais presentes no rio são Francisco,
enfocando em especial as particularidades da ilha das Pimentas, espaço representativo e
território de múltiplas funcionalidades, bastante divergente do cenário agrícola do município. O
pressuposto adotado nesta pesquisa admite a necessidade de refletir sobre os conceitos e
considerar dialeticamente os elementos que engendram essas concepções.
A categoria território é, para os moradores das ilhas do rio São Francisco, uma maneira de se
auto-afirmarem enquanto construtores de formas próprias de produção. Em função das
necessidades básicas de sobrevivência, os que vivem nas ilhas partilham saberes e
estabelecem vínculos, com a intenção de se manterem enquanto viventes de um grupo.
Para isso, procurou-se entender as formas de construção de um território explicado a partir das
relações simbólicas e culturais. Além disto, as ilhas possuem seus limites geográficos
inconstantes, formadas em função das regras da natureza. São territórios com uma
sazonalidade climática estacionária. Estes territórios não devem ser analisados pelos limites
geográficos tradicionais, levando em consideração que são permanentemente mutáveis
morfologicamente, se construindo de maneiras múltiplas, o que nos leva a uma reflexão
minuciosa deste conceito.
A mutação destes territórios permite características ímpares às ilhas. Sendo possível
determinar suas formas de produção e utilização aliadas basicamente aos ciclos das águas. Na
grande maioria, os territórios estão sujeitos ao domínio econômico, político e cultural. Já nas
ilhas, a força maior que rege a vida nestes territórios está organizada em função da sua
formação natural e ocupação social.
Sendo assim, a ocupação das ilhas caracteriza-se pela metamorfose de seus territórios,
formados a partir de arranjos e estratégias próprias de existência, o que faz destes, um lugar
formado por múltiplas territorialidades, reproduzindo um modo de vida peculiar, uma
identidade, enfim um mosaico com representatividades impares.
REFERÊNCIAS
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Caminhos de Geografia
Uberlândia
v. 11, n. 36
dez/2010
p. 308 - 317
Página 317
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