AVANÇOS E RETROCESSOS DO BRASIL NO GOVERNO FHC JOÃO RICARDO SANTOS TORRES DA MOTTA Consultor Legislativo da Área IX Política e Planejamento Econômicos, Desenvolvimento Econômico, Economia Internacional ESTUDO JULHO/2003 Câmara dos Deputados Praça dos 3 Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF ÍNDICE 1 NÍVEL DE ATIVIDADE E PREÇOS ................................................................................................... 4 2. POLÍTICA CAMBIAL E SETOR EXTERNO ................................................................................... 4 3. POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL................................................................................................. 5 4. POLÍTICA SALARIAL ............................................................................................................................. 6 5. POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO ............................................................................................. 6 CONCLUSÃO ................................................................................................................................................. 8 © 2003 Câmara dos Deputados. Todos os direitos reservados. Este trabalho poderá ser reproduzido ou transmitido na íntegra, desde que citados o autor e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. São vedadas a venda, a reprodução parcial e a tradução, sem autorização prévia por escrito da Câmara dos Deputados. 2 AVANÇOS E RETROCESSOS DO BRASIL NO GOVERNO FHC JOÃO RICARDO SANTOS TORRES DA MOTTA Será feita uma breve discussão dos avanços e retrocessos do ponto de vista econômico ocorridos durante o período FHC. Não se poderia, preliminarmente, deixar de mencionar que o grande marco do período foi a elaboração e a implementação do Plano Real, que logrou estancar um processo inflacionário de quarenta anos. O saneamento financeiro das dívidas passadas (esqueletos), a imposição institucional da responsabilidade fiscal e a universalização de critérios de equilíbrio fiscal nas contas públicas, também foram marcos positivos no período. Não obstante, há muita controvérsia sobre vantagens e desvantagens relativas ao tema, e não se pode isolar completamente uma discussão de cunho político daquela de natureza puramente econômica. Este trabalho, portanto, buscará manter um caráter meramente descritivo, não entrando em juízos de valor, ficando tal tarefa ao encargo do ilustre Parlamentar, que, naturalmente, possui todos os requisitos apropriados para tal. A rigor, após alguns anos de Plano Real, houve significativa evolução nos indicadores econômicos, que flutuaram conforme a conjuntura econômica, sensivelmente agravada após o início da crise internacional em 1997, culminando na desvalorização cambial de janeiro de 1999. Não obstante, podese, além da descrição pura e simples dos dados estatísticos, estabelecer uma análise circunstanciada da evolução dos principais indicadores econômicos ao longo do período. Para fins deste estudo, dividiremos os temas abordados da seguinte forma: i) nível de atividade e preços; ii) política cambial e setor externo; iii)políticas monetária e fiscal; iv) política salarial; v) política de desenvolvimento. 3 1. NÍVEL DE ATIVIDADE E PREÇOS O grande destaque do período foi a estabilização dos preços, assegurada por uma série de medidas, entre as quais o fim da indexação, a adoção do regime de bandas cambiais, a intensificação da abertura da economia, a reestruturação do Sistema Financeiro e a privatização. Em contrapartida, alguns desequilíbrios se agravaram, reduzindo significativamente o ritmo de crescimento observado no início do Plano. O principal motivo foi a necessidade de utilização de instrumentos de política econômica capazes de garantir a estabilidade diante de um quadro adverso, basicamente composto pela combinação de crescente dependência de capitais externos para o financiamento dos déficits em Transações Correntes, de um cenário internacional adverso e de uma estrutura fiscal ainda frágil. A novidade a partir de 1999 é que, após a adoção de um regime de livre flutuação do câmbio, a estabilidade de preços não mais poderia estar vinculada a uma âncora cambial. Por essa razão, o Governo anunciou a implementação do sistema de metas da inflação, cujo objetivo era o de sinalizar a manutenção do compromisso com a estabilização econômica . Inicialmente, os valores foram fixados em 8% para 1999, 6% para 2000 e 4% para 2001, com margem de variação de dois pontos percentuais para baixo e para cima. Todos os demais instrumentos de política econômica deveriam se ajustar a esses objetivos. A partir de 2000, contudo, pressões de natureza externa, função das crises internacionais, e internas, relativa às incertezas do período eleitoral em 2002, causaram elevações de preços superiores às metas e desvios preestabelecidos. Entretanto, a ação do Banco Central na defesa do regime foi considerada satisfatória pelos agentes econômicos. 2. POLÍTICA CAMBIAL E SETOR EXTERNO A política cambial desempenhou papel fundamental no processo de estabilização econômica e pode ser dividida em três períodos. Na fase inicial do Plano, até janeiro de 1995, observouse uma acentuada valorização do câmbio e uma maior abertura da economia, causando uma maior exposição da produção nacional à oferta de bens e serviços de origem externa, o que contribuiu para o combate à inflação. No segundo período, o regime cambial adotado em resposta à crise mexicana, em 1995, foi marcado por desvalorizações cambiais graduais que visaram à recuperação dos desequilíbrios nas contas externas, causadas pela sobrevalorização do câmbio. Finalmente, o fracasso da tentativa de manter o sistema de bandas levou o Governo a adotar, em janeiro de 1999, o regime de livre flutuação. Repetindo a experiência internacional de países que fizeram mudanças semelhantes, houve uma imediata e significativa depreciação da taxa de câmbio, seguida de um recuo parcial e, algum tempo depois, de uma relativa acomodação. Posteriormente, após um período de flutuações conjunturais, a crise Argentina e o processo eleitoral brasileiro, gerador de grandes incertezas, motivaram uma forte desvalorização cambial em 2002, parcialmente desfeita após a posse do novo Governo, em 2003. O maior impacto do modelo cambial adotado em 1994 foi sobre as contas externas. A Balança Comercial passou a registrar sucessivos déficits, difíceis de serem revertidos mesmo após a depreciação cambial ocorrida em 1999. Isto demonstra que a política cambial não pode ser apontada como a única responsável pelos maus resultados. As exportações brasileiras ainda enfrentavam uma série de restrições e dificuldades para serem absorvidas pelo mercado internacional. A Balança de 4 Serviços também se apresentou negativa ao longo do período, pressionando o déficit em Transações Correntes e exigindo que o Governo lançasse mão de uma política agressiva de atração de capitais para garantir seu financiamento. A política de atração de capitais foi marcada por uma estratégia de elevação das taxas de juros, com reflexos importantes sobre o nível de atividade da economia. Com a adoção do regime de livre flutuação cambial, os ajustes relativos a desequilíbrios nas contas externas se dão por variações na taxa nominal de câmbio, aliviando a pressão recessiva que existia no modelo de câmbio ancorado. Não obstante, a persistência dos desequilíbrios externos, seja pela queda de demanda por produtos comercializáveis, resultante da crise internacional, seja pela redução dos preços das commodities (parcialmente recuperados no biênio 2002/2003), manteve a necessidade de manutenção de taxas de juros elevadas, tanto para manter um fluxo de financiamento externo como para debelar pressões inflacionárias oriundas da desvalorização cambial. Tal restrição ainda persiste no início do Governo Lula. 3. POLÍTICAS MONETÁRIA E FISCAL Nos últimos oito anos, a política monetária desempenhou papel fundamental na condução das principais diretrizes econômicas. Utilizou-se a taxa de juros como recorrente instrumento nos momentos de maior instabilidade econômica. A partir do processo de flexibilização cambial, verificouse uma significativa alteração nos condicionantes desta variável, que passa a se nortear, basicamente, por fatores externos e pelo desempenho das metas de inflação. No ano de 2000, o alívio do câmbio permitiu que o Governo implementasse reduções sucessivas nas taxas de juros, com base no comportamento favorável dos níveis de preços. A crise argentina em 2001 e o processo eleitoral em 2002, no entanto, voltaram a gerar pressões cambiais com reflexo na inflação, forçando um aperto na política monetária. Um dos efeitos da política monetária calcada em juros altos foi a mudança expressiva no perfil de endividamento público. De fato, houve aumento significativo do estoque da dívida mobiliária pública, seja como resultado da política de juros restritiva, seja pelos efeitos da desvalorização cambial, que afetou a dívida externa e a dívida interna com indexação cambial. No âmbito das contas públicas, a necessidade de ajustes estruturais permanece como principal fonte de preocupação dos agentes econômicos e precondição para a consolidação da estabilidade econômica. Há grandes dificuldades para implementação de cortes de gastos, em especial os previdenciários, cujo crescimento foi expressivo nos últimos anos, constituindo um dos maiores focos de instabilidade nas contas públicas. Tais dificuldades persistem no novo Governo. O comportamento da arrecadação tributária, por seu turno, tem sido caracterizado por expedientes conjunturais visando a assegurar acréscimos cada vez maiores nas receitas, seja por majoração de impostos já existentes, seja pela criação de novos tributos. Ainda do lado das receitas, não se pode deixar de considerar o processo de privatizações, que garantiu, em 97 e 98, volumosos aportes de recursos aos cofres públicos, insuficientes, no entanto, para a redução do estoque de dívida pública a um nível adequado ao financiamento menos pressionado desta dívida. 5 4. POLÍTICA SALARIAL O período do Plano Real foi caracterizado pela ausência de uma política salarial nos moldes anteriores, em função do processo de desindexação da economia. O salário-mínimo, contudo, foi submetido a um processo de reajuste significativo, de R$ 65,00 em 1994 para R$ 200,00 em 2002. Isto significou um aumento real do seu valor, se contraposto aos principais índices de preços. De uma maneira geral, contudo, o efeito sobre os salários é ambíguo, dependendo da faixa de renda, região e categoria profissional. O aumento do desemprego industrial, por exemplo, forçou uma queda de salários no setor. Já no setor de serviços houve ganhos salariais. A realidade salarial pós-Real passa a depender do desempenho das demais variáveis econômicas e da própria dinâmica do mercado de trabalho, que vem se alterando profundamente com a revolução tecnológica e o processo de globalização. A rigor, no ambiente de uma economia estável e desindexada, os ganhos salariais só poderão advir de ganhos de produtividade. Além disso, há clara deterioração salarial nas faixas de média renda, enquanto pôde-se constatar ganhos advindos da estabilização sobre os salários das faixas mais baixas de renda. Tornase difícil, portanto, isolar os efeitos do Plano Real sobre os salários. Mais recentemente, a persistência de um processo recessivo associado a uma elevação dos índices inflacionários trouxe uma baixa generalizada dos rendimentos reais dos trabalhadores, mais intensa, contudo, entre assalariados de maior renda. 5. POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO Tais iniciativas, no último governo, foram de natureza diversa, muitas delas indicando intenções e metas ainda a serem cumpridas, fazendo parte de uma estratégia global de desenvolvimento. No entanto, há que se reconhecer que o ponto nevrálgico, mais passível de críticas, da atuação do útimo Governo, é a sua política de desenvolvimento. Uma linha de argumentação freqüentemente utilizada pelo Governo era que a estabilidade macroeconômica é fator fundamental para o desenvolvimento econômico. Tal assertiva é verdadeira em si mesma, mas há dúvidas em relação ao que, de fato, caracteriza a busca da estabilidade econômica. A realidade é que a estabilidade é condição necessária, mas não suficiente para se alcançar uma trajetória de crescimento sustentado. Em outras palavras, ninguém contesta que uma economia desorganizada monetariamente, com altas taxas de inflação é ambiente inadequado para investimentos e expansão de negócios. Por outro lado, somente uma taxa de inflação baixa não garante que tal ambiente seja propício para o crescimento. O caso brasileiro é típico deste dilema, já que, como a crise financeira do setor público tem impedido a redução das taxas de juros, a manutenção de baixas taxas de inflação acaba por provocar uma retração na capacidade de crescimento. Neste sentido, as medidas que viessem no sentido de equacionar o problema fiscal do setor público estariam em acordo com uma ação pró-desenvolvimento. Ocorre que, quando há restrição à quantidade dos gastos do Governo, mesmo que ela seja percebida como importante para o equilíbrio fiscal, melhorando as expectativas, é fundamental que se analise a qualidade do gasto público. Isto, porque faz muita diferença para uma abordagem de desenvolvimento verificar onde o Governo está alocando seus gastos. Não se pode imaginar que a 6 priorização de cortes nas áreas de infra-estrutura, de investimentos públicos em geral, de educação e saúde, por exemplo, tenham o mesmo efeito de cortes em custeio e pessoal. Por isso, há um componente subjetivo quando se afirma que medidas de ajuste fiscal promovem o desenvolvimento. Aceitando-se a tese, contudo, é preciso levar-se em conta que a importância do equilíbrio fiscal do setor público para o desenvolvimento decorre de sua intertemporalidade, isto é, o relevante não é um equilíbrio que não se possa sustentar ao longo do tempo, através da repressão de gastos na boca do caixa, mas aquele que se obtém em bases permanentes. Isto posto, fez parte da estratégia governamental passada a implantação das denominadas reformas estruturais, centradas em: i) reformas na ordem econômica: destinadas a eliminar monopólios e abrir campo para investimentos privados em setores antes restritos ao investimento público; ii) reforma tributária: importante para as reduções das distorções econômicas do sistema tributário brasileiro, que sobretaxam a produção e o investimento e penalizam exportações; iii) reforma previdenciária: necessária para a obtenção de equilíbrio atuarial na área de previdência social e para reduzir o crescimento explosivo de despesas, sem contrapartida do aumento de receitas previdenciárias; iv) reforma administrativa: objetivaria a flexibilização dos ajustes administrativos e gerenciais e a correção de distorções nos três níveis de governo; v) reforma patrimonial : voltada para a reestruturação de ativos e passivos do setor público dos três níveis de governo. Tais medidas tomaram grande parte da agenda legislativa, ao longo dos últimos anos, mas, de fato, foram implantadas de maneira apenas parcial e sujeita a questionamentos quanto à sua eficácia diante dos objetivos pretendidos. De outra parte, situaram-se as medidas focadas na redução do Custo Brasil. Da longa convivência com a inflação e do fechamento ao exterior resultou a cristalização de um complexo conjunto de fatores institucionais e econômicos que, historicamente, vêm gravando as exportações do País. Há a necessidade, portanto, da implementação de medidas para eliminar esses focos de ineficiência que compõem o chamado custo Brasil, com vistas a aumentar a competitividade da produção doméstica e a atratividade da inversão de capitais, nacionais e estrangeiros, na economia brasileira. Vários são os campos de atuação para se atingir este objetivo, mas as medidas concentraram-se na área comercial, financiamento às exportações, redução dos custos e aumento da eficiência dos portos, desoneração fiscal e financeira do investimento e das atividades produtivas, desregulamentação e desestatização. Apesar dos avanços, contudo, os resultados ainda não foram adequados. Em particular, a questão da desoneração tributária das exportações e o aumento da eficiência do sistema tributário como um todo foi estancada pela paralisação das discussões sobre a reforma tributária. No campo da desestatização, o setor elétrico foi um marco negativo, dadas a desorganização e a descoordenação entre as atividades integradas do setor, que acabaram gerando a crise do Apagão, um dos grandes marcos negativos da úlima gestão. A questão da regulamentação ainda é motivo de polêmica e cabem ajustes. Finalmente, a perda de capacidade de investimento do Estado, asociada à constante pressão fiscal e à rigidez orçamentária, também foram marcos negativos. 7 CONCLUSÃO Sintetizar avanços e retrocessos de uma gestão de oito anos é sempre tarefa difícil, onde pesa uma certa subjetividade. A rigor, no campo econômico houve mais avanço que retrocessos. A questão fiscal era e permanece o grande fator limitante para a retomada do crescimento econômico, motivo pelo qual o novo Governo também assumiu a postura de enfrentar o problema. Uma herança positiva, contudo, foi a da reorganização financeira do Estado brasileiro e a implementação institucional da responsabilidade fiscal. Resta ainda muito a fazer para consolidar estas questões, mas as bases foram lançadas. 305043 8