NOÇÃO DE TONALIDADE COM ANEXO

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NOÇÃO DE TONALIDADE
J. Zula de Oliveira
ICB –USP
[email protected]
neuromusic.com.br
Definir tonalidade é uma tarefa difícil. Todavia, o fato histórico é que, por cerca
de cinco séculos, ela tem constituído a base para que se entenda a linguagem musical e
talvez, por conseguinte se a tenha admitido sem discussão.
Faz parte da discussão sobre a noção de tonalidade o estudo de dois elementos:
a) O estudo das escalas diatônicas e cromáticas, e
b) a dependência (ou funcionalidade) dos graus das escalas entre si.
A tonalidade só se efetiva quando ouvimos as funções estabelecidas entre os
graus das escalas. Se alguém não consegue ouvir estas funções, ou seja, a relação de
dependência entre os graus das escalas, não existe tonalidade para esta pessoa. Portanto,
tonalidade é um evento subjetivo. A noção de função dentre os graus da escala é que faz
com que se possa falar em escala, que apesar de ser determinada fisicamente, através de
cálculos matemáticos que remontam a Pitágoras1, não significa muito se não se
consegue ouvir a funcionalidade de seus graus. Há quem denomine esta funcionalidade
de “hierarquia”. Pessoalmente não gosto muito deste termo, uma vez que é difícil
estabelecer uma hierarquia entre os acordes das escalas. Todos eles têm uma função
dentro do todo e são igualmente importantes na composição da estrutura harmônica,
contribuindo com o afloramento da tonalidade. O que dá origem à(s) tonalidade(s) é a
funcionalidade entre os graus das escalas.
A principal característica de uma escala é o seu “fechamento”, ou seja:
começando com um determinado som (p.ex. um som que tenha 256 Hz, o seu
fechamento dar-se-á com o som que tem o dobro da freqüência do som inicial, ou seja,
512 Hz). Costumo chamar este fenômeno de módulo da escala. O módulo contém 6
tons. A distribuição e o número de graus dentro do módulo de uma escala são variáveis
que definem o modo da escala. Existem escalas com, desde três até doze graus. As mais
conhecidas são as escalas de cinco sons (as pentatônicas), as de oito sons (as diatônicas)
e as de 12 sons (as cromáticas).
Os modos das escalas são determinados pela distribuição dos intervalos entre os
graus da escala dentro do módulo. Desta forma fala-se em modalidade antiga (modos
gregos e litúrgicos), modalidade renascentista (os sete modos usados no ocidente no
período da Renascença: dórico, frígio, lídio, mixolídio, eólio, lócrico (ou jássico) e
jônico2), modalidade clássica (os modos clássicos que se firmaram nos século XVIII e
XIX: o modo maior derivado do modo jônico e o modo menor derivado do modo eólio.
1
Pitágoras (do grego Πυθαγόρας) foi um filósofo e matemático grego que nasceu em Samos pelos anos
de 571 a.C. e 570 a.C. e morreu provavelmente em 497 a. C. ou 496 a.C. em Metaponto (Wikipédia)
2
Estes nomes têm origem em províncias gregas.
Estes dois modos foram afetados por mudanças internas “exigidas” pelo uso das
harmonias que são a matéria prima para a efetivação da tonalidade, disto resultando
novos modos3.
A tonalidade é uma decorrência do uso dos acordes dispostos em encadeamentos
que seguem leis rígidas determinadas pela física dos sons. O principal fenômeno físico
implicado com este assunto é a série harmônica a partir da qual são formadas não só as
escalas, mas também os acordes. Um “acorde é a escrita ou execução simultânea de
três ou mais notas, pertencentes à mesma série harmônica. Para alguns teóricos, o
acorde só se forma a partir de três ou mais notas, .... Os acordes são formados a partir
da nota mais grave, à qual são acrescentadas as outras notas constituíntes. Por isso,
um acorde deve ser lido e, na maioria dos casos, ouvidos, de baixo para cima. A
formação dos acordes, assim como a das escalas está intimamente ligada à série
harmônica” (adaptado de Wikipédia).
Em uma escala o acorde constiuído sobre o primeiro grau é que vai acionar toda
a relação de dependência dos demais acordes possíveis dentro da respectiva escala. A
esta relação de dependência (ou vínculo entre os acordes) dá-se o nome de função: a
função, portanto é a relação de dependência que os acordes mantêm com o acorde
fundamental (o construído sobre o primeiro grau da escala)4. Este acorde é a chave (em
inglês: key) da tonalidade. Portanto, tonalidade é um fenômeno psicofísico construído
pelo ouvinte que consegue ouvir a relação de dependência entre os acordes de uma
escala. O acorde construído sobre o primeiro grau da escala determina se a estrutura
musical se desempenha em modo maior ou menor (posição dualista) ou em ambos
(posição monista, como geralmente é o caso da música de jazz). A função deste acordechave da tonalidade recebe o nome de tônica. O termo tonalidade é usado apenas para
caracterizar o efeito produzido pelo encadeamento dos acordes das escalas clássicas.
Aproveitando a oportunidade, esclarecemos ainda que tom, segundo Chaielley, tem
quatro sentidos:
a) Medida de intervalo entre os sons (aliás, uma medida bastante imprecisa pois
sua dimensão é função dos sistemas acústicos adotados, dos quais se
destacam como de uso frequente: 1. o pitagórico ou sistema das cordas; 2. O
de Zarlino ou sistema das trompas; 3. O de Holder ou sistema dos cantores;
4. Os temperados ou sistema dos teclados5;
b) Sinônimo (imperfeito) de som musical;
3
Abstemo-nos de falar sobre estas variantes ou modos derivados, bem como do chamado “néomodalismo”
4
Vide Anexo “Diagrama do Campo Harmônico de Dó Maior” de J. Zula de Oliveira (2004)
5
mais informaçãoes. vide “Leituras sobre 10 Temas musicais” de J. Zula de Oliveira (2005)
c) Grau inicial de uma escala e sob este significado se fala em “tom de dó” que
significa a “nota dó”;
d) Por extensão ao significado de grau inicial de um a escala: é usado como
sinônimo de tonalidade. Desta forma se pergunta: qual é o tom? E a resposta
pode ser: “ré menor”. A partir deste significado é que se entende a formação
do termo tonalidade, uma extensão de um dos significados de tom.
O termo Key (inglês) ou acorde-chave é bem expressivo quando desempenha um
papel importante na composição da funcionalidade entre os graus (acordes) da escala
em uma peça musical. Esta funcionalidade, que estamos chamando de funcionalidade
tonal, parece não existir no universo, uma vez que existe apenas em nossa mente, como
função de nossas experiências com o estilo músical (principalmente o estilo clássico),
com a gramática que está sendo usada e com esquemas mentais que todos nós
desenvolvemos para termos condições de entender a música (Levitin, 2006). Toda
música “tonal’ tem uma sonoridade recorrente, um centro tonal, a tônica (Key), que até
pode mudar durante o curso de uma música constituindo as chamadas modulações6.
Mas por definição o acorde-chave geralmente é um acorde que permanece por um
período de tempo relativamente longo, durante o curso da música, coisa da ordem de
minutos (Levitin, 2006). Nossa memória está possuída desta sonoridade e com ela
estabelece a relação de todos os acordes de uma escala. A sensação de tonalidade é o
resultado de um processamento neural da funcionalidade dos acordes. Portanto,
tonalidade é um substrato neurofísico, decorrente de processamentos neurais de eventos
sonoros. Nâo existe fora do ouvinte.
O Anexo que acompanha a esta exposição exibe o campo harmônico de Dó
maior. O campo harmônico de uma escala é que faz aflorar a tonalidade decorrente da
respectiva escala. Para que se tenha condição de “intuir” a noção da tonalidade de uma
peça não é necessário que seja usado todo o campo harmônico da escala em questão,
mas pelo menos três acordes são básicos para definir a tonalidade: a) o acorde sobre o Iº
Grau: acorde de Tônica – maior ou menor, de acordo com a escala. A tônica, dentro do
discurso musical desempenha um caráter de partida, conclusão, estabilidade, parada,
repouso. É elemento de repetição; b) O acorde sobre o Vº grau: acorde Dominante - o
acorde de dominante é sempre maior, mesmo nas tonalidades menores. A dominante
tem um caráter de tensão, instabilidade, movimento, conflito; pede resolução. Também
é elemento de contraste. c) o acorde de IVº grau: acorde de Subdominante - maior ou
menor, de acordo com a escala que está sendo usada. A subdominante desempenha no
discurso musical a função de movimento, afastamento. É também elemento de contraste,
6
Modulação é um termo impróprio para o significado em que é usado. Deveria significar “mudança de
modo” o que geralmente não ocorre. O termo “tonulação” seria mais condizente com a situação em que
de fato não mudança de modo, mas apenas de tom (Chailley, 1951)
conflito. Nestes três acordes estão contidas todas as notas da escala à qual pertencem e
isto é o suficiente para definir a tonalidade. A disposição seqüencial dos acordes é feita
obedecendo a uma ordem acusticamente lógica, resultando disto o que chamamos de
cadências (o termo vem de “cadere”: cair, desabar, desembocar, competir). As
cadências constituem a pontuação harmônica do discurso musical. A esta pontuação dáse o nome de função.
Para concluir: Tonalidade, um postulado estabelecido arbitrariamente e imposto
pelo uso? Ou a resposta a uma necessidade e a um sentimento natural do ser humano
(obviamente de quem ouve tonalidade, pois para os que não a ouvem, não existe
tonalidade na prática. Mesmo assim, ela existe no campo ontológico)?
ANEXO:
Referências Bibliográficas:
CHAILLEY, J., (1951). Traité Historique d’Analyse Musical. Alphose Leduc. Paris, France.
LEVITIN, J.D., (2006) “What makes a Musicien: Expertise Dissected”. In: “This is your Brain on Music”.
Pinguin Groop, Nova York, USA
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