Desafios para a universalização da genética clínica: o caso brasileiro

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Desafios para
a universalização
da genética clínica:
o caso brasileiro
Maria Concepción Novoa 1
e Teresinha Fróes Burnham 1
Como citar: Novoa MC, Fróes Burnham T. Desafios para a
universalização da genética clínica: o caso brasileiro. Rev Panam
Salud Publica. 2011;29(1):61–8.
SINOPSE
Este artigo aborda as dificuldades de inserir a genética médica como parte do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Em 2009, foi instituída no Brasil a Política Nacional de
Atenção Integral em Genética Médica, cujo pilar central
seria o aconselhamento genético. Porém, são problemas estratégicos para a implementação dessa política a falta de
programas de formação em aconselhamento genético, o desconhecimento acerca de quantos profissionais existem para
prestar esse aconselhamento e o provável baixo número de
profissionais disponíveis. É desejável uma atuação conjunta
dos Ministérios da Saúde e da Educação para ampliar a educação em genética e a formação em aconselhamento genético
para todas as profissões no campo da saúde. Além disso, é
essencial a inclusão da genética em programas como o
Saúde da Família, que permitirá um mapeamento da incidência das doenças genéticas no país e a implementação de
aconselhamento genético apesar do grande território e da
heterogeneidade populacional do Brasil. Finalmente, a inserção da genética médica no SUS depende do engajamento
de profissionais médicos e não médicos no trabalho em equipes horizontais, com alteração da tradicional hierarquia da
atenção à saúde.
Palavras-chave: genética médica; aconselhamento
genético; Sistema Único de Saúde; formação de recursos humanos; programas nacionais de saúde; Brasil.
1
Universidade Federal da Bahia (UFBA), Faculdade de Educação,
Rede Cooperativa de Pesquisa e Intervenção em (In)formação, Currículo e Trabalho — REDPECT, Salvador, BA, Brasil. Correspondência: Maria Concepción Novoa, [email protected]
Rev Panam Salud Publica 29(1), 2011
Uma das facetas menos estudadas com relação ao
espantoso desenvolvimento do conhecimento da genética humana e sua aplicação na medicina é aquela
relacionada com maturidade social e cidadania. Em
tese defendida em 2008 (1), argumenta-se que o conhecimento em genética conduz ao enfrentamento de
novos paradigmas e da nova realidade científica sob
diferentes aspectos, muitos deles relacionados ao funcionamento da sociedade e à maturidade de suas instituições formativas, representativas, legislativas, judiciárias e executivas. Mesmo no processo de construção
do saber, a área da genética já nasce polêmica: como
experimentar? Que seres vivos ou espécies devem ser
usados em experiências que dizem respeito a seres
humanos? Até onde se podem usar e divulgar as informações obtidas de pacientes afetados por uma
doença? Quem deve lucrar com as descobertas? A
quem pertence o genótipo mutante? Essas e outras
questões são suscitadas pela natureza do conhecimento genético, que lida com questões profundas da
existência, da integridade individual e social e da ética.
O Brasil, reconhecidamente pioneiro, na América Latina, no desenvolvimento de pesquisas em genética humana, área na qual obteve notoriedade já no
início da década de 1950, com os trabalhos de FreireMaia, Frota-Pessoa e Beiguelman (2), possui uma legislação social avançada na área de saúde. Por determinação da Constituição vigente a partir de 1988 (3), a
saúde no Brasil é “um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Cabe destacar que as políticas de saúde, tal qual
foram incluídas na Carta Magna, representam o estágio de amadurecimento, naquela época, do pensamento filosófico-social do conceito de assistência à
saúde. Em outras palavras, a sociedade brasileira, através das suas lideranças na área da sociologia da saúde,
da saúde comunitária e das comunidades, passava por
um longo e complexo processo de modificação dos
conceitos de saúde e doença, de assistência à saúde, de
observação e modificação de modelos ora vigentes,
ora em desuso, ao longo do tempo.
Após 1988, uma vez definida a política nacional
de saúde, iniciou-se a construção do arcabouço legal
que permitiu a sua aplicação em todo o território nacional. Em 1990 foi aprovada a lei orgânica da saúde
(lei 8 080 revisada e publicada posteriormente como lei
8 142/ 1990). Posteriormente, o poder executivo passou a regulamentar a aplicação da lei através de portarias chamadas de normas operacionais básicas (NOB)
e normas operacionais de assistência à saúde (NOAS)
(4). Essas normas serviram para incentivar a descen-
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Temas de actualidad
tralização do sistema, diferenciar gestão de gerência e
definir as áreas de aplicação das políticas e as responsabilidades, atribuições e condições para a gestão.
Nesse contexto foram criados os conselhos estaduais e
municipais de saúde e definida a sua atuação como
pré-requisito para a gestão. Acrescente-se a essas normas a emenda constitucional no 29, que assegurou os
recursos mínimos para o financiamento das ações e
serviços públicos de saúde. Tem-se assim o conjunto
legislativo que rege as ações em saúde.
Concomitantemente ao desenvolvimento de
normas legais que garantiram e orientaram a gestão, a
operacionalização e o financiamento do Sistema Único
de Saúde (SUS) no Brasil, o mundo passou por um
avanço inédito na área da genética humana. Esse
avanço abriu novos espaços para a aplicação da genética na área da saúde, revolucionando o conhecimento
sobre causa e efeito das doenças e métodos de diagnóstico e criando novas e inéditas terapias. Ao mesmo
tempo, as técnicas de diagnóstico por imagem também
passaram por um avanço, que permitiu uma visualização muito mais nítida de problemas morfológicos e
estruturais do corpo humano, inclusive do concepto.
Embora as novas possibilidades de cura, de longevidade sadia, de recuperação de propriedades perdidas, de desenvolvimento de capacidades antes deficientes, tenham iluminado com um clarão o campo da
saúde, sua real aplicação é limitada. As terapias com
resultados concretos são poucas, porém, por serem altamente significativas na mudança da qualidade e duração de vida das pessoas afetadas, passaram a ser demandadas. Na ausência de acesso às novas terapias,
seja por causa do seu alto custo ou devido à sua não
disponibilidade no Brasil, muitas pessoas passaram a
acionar o poder judiciário, com base na Constituição.
Essa situação reflete, de um lado, a visão paternalista
do Estado por parte da sociedade, e de outro, a falta de
regras para regular a assistência em genética no País.
Sensível às reivindicações de geneticistas médicos e de associações de familiares e de pessoas afetadas
por doenças genéticas, o poder executivo publicou, em
20 de janeiro de 2009, a portaria 81, que instituiu, no
âmbito do SUS, a Política Nacional de Atenção Integral
em Genética Clínica. É importante ressaltar que, no
preâmbulo justificatório da emissão da portaria, o
aconselhamento genético foi citado como “pilar central
da atenção à saúde em genética clínica” e, mais ainda,
como um procedimento que “deve ser garantido a
todos os indivíduos e famílias sob risco de anomalia
congênita ou doença genética” (5). Entretanto, são inúmeras as dificuldades associadas a essas asserções.
DIFICULDADES CONCEITUAIS,
EDUCACIONAIS E LEGAIS
Ao tomar e oficializar a decisão política que
prevê a garantia de serviços de genética para a população, o governo brasileiro criou uma situação de impasse. Como disponibilizar, em mais de 5 mil municípios brasileiros, para uma população maior do que 180
milhões de pessoas (6), a atenção básica na área de ge-
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Novoa e Fróes Burnham • Universalização da genética clínica
nética? Surge aqui o primeiro entrave, que diz respeito
a pessoal especializado: geneticistas. Existe uma gritante falta de dados sobre os profissionais capacitados
a exercer a atividade de geneticista e sobre os profissionais que efetivamente trabalham como geneticistas,
nas universidades, consultórios, convênios médicos e
instituições públicas de saúde. O Conselho Nacional
de Secretários de Saúde (CONASS) registrava, em
2007 (7), a existência de 156 médicos geneticistas distribuídos desigualmente no País (128 nas regiões Sul e
Sudeste, 19 no Nordeste, 8 no Centro-Oeste e apenas 1
no Norte). O que dizer dos profissionais não médicos
envolvidos no atendimento a pacientes da área de genética? Quantos são? Onde estão? Qual sua área de
formação? Em quais áreas eles atuam? Não existem informações a esse respeito.
Os levantamentos existentes quanto aos serviços
de genética e aos profissionais de saúde neles envolvidos são extremamente limitados e carregam um viés
cultural que impede que os dados reflitam a realidade;
trata-se do contencioso sobre quem deve fazer o aconselhamento genético. Para evitar o conflito, o problema tem sido simplesmente ignorado. Mesmo nas
sociedades que agrupam geneticistas (Sociedade Brasileira de Genética e Sociedade Brasileira de Genética
Médica), não há, no formulário de inscrição, a opção
“aconselhamento genético” para descrever a atividade
profissional. Em 1997, Brunoni (8) publicou os resultados de uma pesquisa que identificou 33 serviços de genética. Salzano, 5 anos depois (9), calculou que o número de laboratórios particulares deveria ser bem
maior, mais do que dobrando esse número. Horovitz
et al. (10) confirmaram essa percepção, registrando 56
serviços de genética no País, sendo 33 com atendimento clínico e laboratorial, 15 com atendimento somente clínico e 8 com atendimento somente laboratorial. A maioria desses serviços funcionava nas capitais
dos estados. A fragilidade desses dados é reconhecida
pelos próprios autores. Apesar do trabalho de Brunoni
ser de 1997, quando já estavam em atividade diversos
laboratórios de genética particulares e um pequeno
número de geneticistas atuava em consultórios particulares, o único serviço não ligado a uma instituição
de ensino superior listado no relato daquele autor é o
serviço da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São Paulo. Quase metade dos serviços
de genética listados naquela época encontravam-se no
Estado de São Paulo.
A primeira dificuldade para implementar e oferecer serviços de aconselhamento genético poderia,
então, ser resumida da seguinte forma: desconhecimento por parte das autoridades de saúde, federais e
estaduais, e das próprias associações profissionais,
quanto ao número de profissionais de saúde, médicos,
biólogos, odontólogos, enfermeiros, farmacêuticos,
nutricionistas, psicólogos, biomédicos, fisioterapeutas
e terapeutas ocupacionais atuando efetivamente na
área de genética, inclusive realizando aconselhamento
genético, seja no âmbito público ou no âmbito privado.
Vale ressaltar que dentre as áreas de atuação definidas
pelos conselhos federais de biologia (11), biomedicina
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Novoa e Fróes Burnham • Universalização da genética clínica
(12) e enfermagem (13) está contemplada a atividade
de aconselhamento genético para seus membros.
Esse fato traz à tona a fragilidade do aconselhamento genético, reconhecido, oficialmente, como pilar
central da atenção à saúde em genética clínica. A área
de aconselhamento faz parte da formação dos médicos
com especialização em genética. A Sociedade Brasileira
de Genética, que agrupa geneticistas humanos nãomédicos, além de geneticistas de outras áreas, exige
conhecimentos de aconselhamento genético para a concessão de título de especialista em citogenética humana
ou biologia molecular, mas não fornece título de conselheiro genético (14). Além disso, muitos dos profissionais de saúde com título de especialista em genética
clínica não praticam o aconselhamento genético. Muitos deles, inclusive médicos, optam por não fazê-lo,
pela grande exigência de tempo e outros motivos.
Pode-se supor, portanto, que dos 156 médicos geneticistas mencionados pelo CONASS, pelo menos uma
parte não atue como conselheiro genético. Ou seja, o
número de médicos conselheiros genéticos é provavelmente muito pequeno.
O aconselhamento genético é um valioso procedimento, que permite uma conexão entre a ciência e a
sociedade. Por ser um espaço no qual todos os participantes aprendem, deixando aflorar sua bagagem cultural, suas tradições, seu preparo educacional e de vida,
suas crenças, prioridades e medos, o aconselhamento
genético é um acontecimento especial. Nele, as pessoas
aprendem sobre si próprias e tomam decisões que
transcendem o espaço médico. É, por isso mesmo, uma
área bastante complexa, cuja epistemologia se fundamenta não somente no conhecimento científico, mas
também na psicologia, sociologia, filosofia, teologia, antropologia e comunicação. Diversos países, como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra e Austrália consideram
o aconselhamento genético uma área específica, para a
qual se exige uma preparação também específica, em
nível de especialização ou mestrado. Nesses países, a
profissão de conselheiro genético é regulamentada, tem
seu conselho e associação de classe e normas específicas
para acreditação e formação (15–18).
A mais recente definição de aconselhamento genético é fornecida pela National Society of Genetic Counselors, dos Estados Unidos (19). Essa definição estabelece que o aconselhamento genético é o processo de
ajudar as pessoas a compreender e se adaptar às implicações médicas, psicológicas e familiares decorrentes
da contribuição genética para a enfermidade. Desde
essa perspectiva, o aconselhamento genético engloba a
interpretação das histórias clínicas e familiares para
avaliar a probabilidade de ocorrência ou recorrência da
doença; a educação a respeito de hereditariedade, exames, tratamento, prevenção, ajuda e pesquisa; e o aconselhamento adequado para promover escolhas conscientes e adaptação à condição de risco.
No Brasil, mesmo neste início do século XXI, a
discussão ameaça não sair do âmbito coorporativo, no
qual se advoga que somente médicos podem fazer
aconselhamento genético, apesar das manifestações,
mesmo que tímidas (20), ou explícitas, porém com
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claro viés coorporativo (21), incentivando a prática do
aconselhamento por profissionais não médicos. Vale
lembrar que, no Brasil, os biólogos se situam entre os
pioneiros a praticar o aconselhamento genético, e que
muitos profissionais não médicos o praticam no ambiente das instituições de assistência à saúde ligadas a
instituições de ensino superior, a projetos de pesquisa
e a programas de pós-graduação stricto sensu. Quem
sai dessa esfera dificilmente consegue fazer aquilo
para que foi preparado. Essa fase de transição, que inclui atritos interprofissionais, já foi vivenciada por outros países no caminho para a organização e a normatização da profissão de conselheiro genético, como
relata Kenen (22). O fato de, no nosso País, os atritos
surgirem, tornarem-se visíveis e estarem chegando,
mesmo que indiretamente, ao poder legislativo e ao judiciário, é alvissareiro, pois tais atritos surgem como
indicadores da necessidade da regulamentação legal
da atividade de geneticista e conselheiro genético, favorecendo a discussão necessária para um consenso. O
mesmo pode-se inferir da movimentação da sociedade
através das organizações não-governamentais que
congregam pessoas afetadas, seus familiares e amigos.
A segunda dificuldade estratégica à oferta de
serviços de aconselhamento genético seria reconhecer
o aconselhamento como área de atuação de um profissional de saúde devidamente preparado para tal, incentivando as associações a estabelecerem um currículo mínimo para a formação do conselheiro genético.
Por outro lado, desde 1968 se formam no Brasil mestres e doutores em genética humana, com capacitação
para fazer aconselhamento genético e que hoje não
têm campo de trabalho fora da universidade. Como
esperar que o Estado abra vagas para conselheiro genético se a profissão ainda não existe?
Uma das mais sérias consequências da falta de
normatização e regulamentação é o desperdício de recursos financeiros investidos na formação de uma
força de trabalho especializada que não encontra colocação, especialmente por falta de iniciativa política,
com a qual as próprias associações profissionais são
coniventes, enquanto as associações de pessoas afetadas permanecem passivas por não terem nem a visão,
nem a força de reivindicação.
Na esfera da medicina privada ou suplementar,
os convênios médicos eventualmente descobrirão que
a área da genética, contrário ao que se pensa, não aumenta os custos, mas, isso sim, ajuda a racionalizá-los,
diminuindo o número de exames e tratamentos desnecessários, e que existem profissionais qualificados
para ajudá-los nessa tarefa.
O terceiro aspecto a ser considerado na inclusão
da genética no serviço público de saúde é a atuação
conjunta entre os Ministérios da Saúde e da Educação. A recente reforma curricular dos cursos de graduação flexibilizou os conteúdos, optando por sugerir
temas a serem abordados na formação de novos profissionais (1). Dessa maneira, ao mesmo tempo que foi
assegurada às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida, indicam-se os campos de estudo e demais expe-
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Temas de actualidad
riências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos. No que diz respeito às ciências biológicas,
dentro das profissões de saúde, a ênfase geral da genética é dada aos conteúdos, teóricos e práticos, de
bases moleculares e celulares de processos normais e
alterados (23). O resultado dessa orientação é o ensino
da genética molecular, na maioria das vezes em detrimento dos princípios básicos da hereditariedade, da
genética clássica e da correlação genótipo/fenótipo na
genética humana. Assim, formam-se profissionais que
conhecem os ácidos nucleicos, seu funcionamento e
técnicas para seu estudo, mas desconhecem conceitos
como síndrome, parádrome, sequência, fenocópia, genocópia, penetrância, expressividade e outros, necessários para o entendimento da origem da doença
genética, seu grau de hereditariedade, prognóstico e
tratamento. É preciso enfatizar a importância desses
conhecimentos para a formação de todos os profissionais de saúde. O conhecimento da terminologia básica
em genética, de padrões de herança, da interação genética/ambiente/ comportamento no aparecimento e
tratamento das doenças, da diferença entre diagnóstico clínico e identificação de predisposição genética,
assim como a habilidade para fazer heredogramas e
para identificar pacientes que podem se beneficiar de
serviços de genética, além de consciência da natureza
confidencial das informações genéticas, são algumas
das competências básicas preconizadas internacionalmente para todos os profissionais de saúde (24).
A formação de especialistas em genética está
sendo abordada de diversas maneiras em diferentes
países. Em alguns, como a Turquia, a educação nessa
área se estende às parteiras, cuja maioria quase absoluta não tem nível superior (1). No Brasil, não há iniciativas de formação continuada de profissionais que
atuam na área de saúde, um dado altamente significativo. A difusão do conhecimento genético cabe a todas
as instituições de ensino superior, seja na área de
saúde, seja na de humanidades e na de direito. O rito
de atendimento ao paciente em genética, assim como
em todas as áreas da saúde e outras áreas, e a realização de exames, demandam um instrumento chamado “termo de consentimento livre e esclarecido”.
Como haver consentimento livre se as implicações e
detalhes não podem ser suficientemente esclarecidos,
inclusive quando da assistência legal e psicológica, por
exemplo? Como haver consentimento esclarecido se,
às vezes, o próprio profissional de saúde não tem ciência da enorme dimensão social do ato a ser praticado?
Partindo da premissa de que o avanço do conhecimento na área de genética afeta todas as pessoas, independentemente da profissão, é indispensável que
pelo menos os profissionais de nível superior estejam
cientes desse fato para enfrentar suas responsabilidades de cunho profissional, pessoal e social. A introdução desses conhecimentos no currículo da segunda
metade do ensino fundamental e no ensino médio seria
altamente desejável, não somente por garantir o conhecimento a quem não pretende ou não consegue ingressar no ensino superior, mas também por formar a base
sobre a qual o profissional de saúde construirá seu con-
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hecimento em genética humana. É responsabilidade do
Ministério da Educação introduzir esses conteúdos nas
diretrizes curriculares para o ensino fundamental e
médio no contexto do Plano Nacional de Educação.
Finalmente, é necessário delimitar espaços, definir quem faz o que, fomentar o trabalho em equipe, reconhecer as atribuições profissionais do conselheiro
genético, do geneticista molecular, do citogeneticista e
do médico geneticista. Afinal, o campo da genética
cresceu, se agigantou, se desdobrou; não é possível,
nem faz sentido, uma pessoa ser especialista em todas
as áreas dessa ciência.
Pesquisas recentes realizadas no Sul e Nordeste
do Brasil sobre o ensino de genética aos profissionais
de saúde apontam que, no primeiro caso, até 95% dos
cursos de formação de profissionais de saúde incluem
a disciplina de genética no currículo (25). No caso do
Nordeste, apenas 34,74% dos cursos incluem essa
disciplina (1). Mesmo considerando as diferenças metodológicas (na Região Sul foram pesquisados seis
cursos, na Região Nordeste, 10), a disparidade é significativa e reflete a realidade mostrada por outras pesquisas, inclusive os números do CONASS. Serve ainda
como um indicador inicial sobre onde concentrar os
esforços de formação de geneticistas. Note-se que, na
área da medicina, onde o conhecimento de genética
humana é considerado imprescindível, a Universidade
Federal da Bahia, localizada no Nordeste, apesar de
abrigar diversos grupos de pesquisa em genética médica, oferece essa disciplina apenas de forma optativa,
o que ocorre também na Universidade Federal de
Pernambuco (1).
É função do Ministério da Educação a difusão do
conhecimento genético entre os profissionais de saúde,
no volume necessário para atender à população, no
que diz respeito aos critérios para formação de novos
especialistas e de organização e regulamentação das especializações dentro da genética humana. Já o Ministério da Saúde, em conjunto ou não com o de Educação,
pode estruturar e promover cursos dentro do conceito
da educação permanente para os profissionais já formados, oferecendo-os de forma contínua ao longo do
ano, durante vários anos, no tempo suficiente para conseguir atualizar a maioria dos profissionais. Por outro
lado, cabe a ambos, Ministério de Educação e Ministério da Saúde, integrar as unidades de genética já em
funcionamento em uma rede, constituída por instituições tais como escolas de medicina, hospitais-escola,
laboratórios e institutos de pesquisa em genética para,
em um esforço conjunto, dar o enorme salto exigido
para a universalização dos serviços de genética. As
instituições estaduais de ensino superior, como a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e outras que possuem
serviços de genética, poderiam ser convocadas para se
integrar a essa rede. Outras instituições que já funcionam com unidades distribuídas também podem fazer
parte. É o caso da Fundação Oswaldo Cruz, com seus
institutos e suas unidades espalhadas pelo País, bem
como da Rede SARAH de Hospitais de Reabilitação —
instituição pública de gerencia autônoma, com nove
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unidades em diferentes estados, que trata algumas
doenças geneticamente determinadas, possui laboratórios de citogenética e genética molecular do mais alto
nível e, infelizmente (pelo menos na Bahia), não admite
estagiários nem realiza exames para outros centros.
Além dessas, organizações não públicas que dispõem
de laboratórios e centros de atendimento, como é o
caso das APAEs em diversos estados do País, podem
ainda compor essa rede. Num estágio mais avançado
de cidadania, caberia a elas, associações, também a promoção e financiamento de estudos e pesquisas nas respectivas áreas de interesse.
Finalmente, as associações de genética, formadas por geneticistas humanos e médicos da mais alta
qualidade, podem produzir peças educativas tanto
para os profissionais de saúde como para os afetados
por doenças genéticas e seus familiares e podem promover cursos de divulgação desse conhecimento.
Urge destinar uma verba para incentivar geneticistas,
no âmbito universitário, a elaborar materiais de difusão destinados a cursos de educação permanente
para as diversas profissões, e de divulgação científica
para públicos mais ampliados.
O resultado de um tal esforço conjunto e, principalmente, da regulamentação da atividade de geneticista humano e de conselheiro genético, seria presumivelmente visível nos exames para título de
especialista, tanto da Sociedade Brasileira de Genética
como da Sociedade Brasileira de Genética Médica, que
deverão sair do triste nível de um ou dois candidatos
por ano para um número mais significativo que, embora de forma lenta, ajude a suprir as necessidades do
País. Ao mesmo tempo, o Estado, convocando geneticistas humanos e médicos com o propósito de universalizar o atendimento básico em genética, promoverá
o aparecimento e a identificação daqueles profissionais já qualificados, porém em inatividade.
Esse terceiro desafio identificável, e talvez o mais
importante, encontra-se então na área da educação, da
formação de novos profissionais, da integração e atualização daqueles já formados. É um desafio que requer
esforços conjuntos com diversos segmentos da sociedade e organização política e social. Aqui é que se percebe com mais clareza a necessidade de amadurecimento social, pois trabalhar em conjunto significa
reconhecer o valor e a sabedoria do outro, significa
não entrar a priori com a condição de ser chefe da
equipe, significa aprender a ouvir o outro — afinal, alguém que se propõe a fazer aconselhamento genético
precisa ser capaz de escutar sensivelmente, reconhecer
e aceitar o que outro tem a dizer; significa contribuir,
somar. Na realidade, esse é o grande desafio. Os profissionais de saúde, principalmente médicos, precisam
evoluir do sistema piramidal, hierárquico de organização dos serviços de saúde para o sistema horizontal.
As ciências da saúde vêm se complexificando, diversificando e se organizando em diferentes áreas. A sociedade evoluiu em conhecimento e conquistas para a cidadania, ampliando as possibilidades do direito de
escolha. Hoje muitos preferem terapias alternativas a
terapias alopáticas. O senso comum e os saberes tradi-
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cionais e culturais ganharam significado e força
mesmo dentro do contexto da modernidade. Não há
como ignorar essas mudanças.
O acúmulo do conhecimento em biologia humana, patologias e história natural das doenças reforçou a estrutura das ciências médicas como uma
área multidisciplinar, na qual cada profissional de
saúde tem seu campo de atuação definido, com algumas áreas sendo transversais a várias profissões. É o
caso do aconselhamento genético. Como consequência, muitas das medidas terapêuticas indicadas para a
recuperação da saúde se situam dentro de outras disciplinas e dentro da área de atuação de profissionais
de saúde não médicos. A medicina também depende,
cada vez mais, dos profissionais não médicos para o
diagnóstico e o prognóstico de doenças. Isso é especialmente verdade para as doenças de origem genética. Esse fato, no mínimo, abala o paradigma do médico como único responsável pelo diagnóstico e força
o profissional a trabalhar em equipe, promovendo o
desdobramento das responsabilidades não apenas
profissionais, mas também sociais, nas ciências da
saúde, deixando para trás as formas autoritárias e hierárquicas históricas da medicina, que ainda hoje são
exercidas e que, na prática, prejudicam a sociedade.
PROBLEMAS OPERACIONAIS
Na área operacional é importante a distinção
entre aquela parte da genética que é importante e aplicável à saúde pública e aquela que ainda é objeto de
pesquisa; entre os exames de genética que realmente
podem contribuir para a melhora do paciente e aqueles que apenas apontam a origem de problemas para
os quais ainda não há solução; e entre as terapias em
fase de experimentação e as já consolidadas. O desequilíbrio relacionado à pesquisa aplicada no âmbito
laboratorial, em contraposição à sua aplicação no âmbito clínico, no caso da genética, ocorre porque a parte
laboratorial, impulsionada pela pesquisa genômica e
pelas suas implicações econômicas, teve um desenvolvimento muito mais rápido do que a pesquisa referente ao tratamento clínico. Muitas vezes é possível
identificar uma alteração no material genético, causadora de determinada patologia, localizá-la, através de
custosas e altas tecnologias, em nível de número de
base e lugar no cromossomo, mas é impossível fazer
alguma coisa que mude o curso da doença. É necessário, portanto, identificar, entre as patologias ocorrentes
no País, quais têm protocolo de tratamento estabelecido e quais estão ainda em fase de pesquisa. Não que
essas últimas não devam atendidas, porém não devem
utilizar recursos alocados para a saúde, e sim recursos
de pesquisa. Isso é de fundamental importância para
um sistema universal de saúde, pois os recursos, além
de escassos, são finitos.
Fazer da assistência em genética uma parte do
SUS implica em oferecer essa assistência na atenção
básica, ou seja, em programas desenvolvidos localmente, como ocorre no Programa de Saúde da Família
(PSF). O PSF poderia ter na sua equipe um profissional
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Temas de actualidad
de saúde com conhecimentos de genética para colaborar na prevenção, reconhecer doenças genéticas, levantar heredogramas, orientar o planejamento familiar, informar sobre a origem genética das doenças
encontradas, informar a comunidade sobre teratógenos e a maneira de evitá-los e sobre nutrientes necessários e que influenciam malformações ou prejudicam
o desenvolvimento e, não menos importante, manter
registros atualizados das doenças genéticas encontradas. É esse atendimento primário que alimenta o atendimento secundário e terciário. É através do trabalho
no atendimento primário que se vai conhecer o tipo de
enfermidade genética incidente em cada região, o que,
para um país com as dimensões territoriais e a heterogeneidade humana do Brasil, é absolutamente necessário para orientar a priorização em termos de atendimento e programas de triagem em cada região.
A GENÉTICA HUMANA NO SUS
O atendimento em genética não está totalmente
ausente no SUS. De fato, a genética já está inclusa no
SUS desde 1989. Apesar de a portaria 81 do Ministério
da Saúde ter sido publicada em 2009, existem programas implantados há mais de 20 anos, tanto pelo Ministério da Saúde como por entidades beneficentes e filantrópicas. Mais uma vez, a demanda da sociedade
favoreceu a inclusão da genética nos serviços de saúde.
O programa oficial mais antigo é aquele que
atende as pessoas portadoras de deficiências. Em conformidade com o artigo 23, inciso II, da Constituição de
1988, a saúde e a assistência pública das pessoas portadoras de deficiências fica a cargo do Governo Federal,
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (2).
Nesse sentido, o Governo Federal, com a participação
de representantes de instituições profissionais e usuários da área, formulou a Política Nacional de Saúde
da Pessoa com Deficiência, com destaque para a lei
7 853/1989, que dispõe sobre o apoio e os cuidados à
saúde da pessoa com deficiência e cria uma rede de serviços especializados em habilitação e reabilitação, garantindo acesso aos estabelecimentos de saúde e ao tratamento adequado. Dentre as diretrizes da política
nacional de saúde da pessoa portadora de deficiência
(26), encontramos, no título referente à prevenção, que
o Estado promoverá
(. . .) o acesso da população aos exames mais
específicos para detecção de doenças genéticas que
determinam deficiência, com destaque para o exame
de cariótipo e pesquisa para outros erros inatos do
metabolismo em geral, tais como: fenilcetonúria, hemoglobinopatias, hipertiroidismo congênito, entre
outras. Deverão ser também promovidos serviços de
genética clínica para que se proceda a um adequado
aconselhamento genético às famílias (. . .) (p. 36).
Tudo isso está incluído no SUS, cuja porta de entrada
é a unidade básica de saúde.
Entretanto, quando o governo publicou o conjunto de portarias que permitem operacionalizar essa
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política (27), esqueceu de incluir, no item recursos humanos, a figura de conselheiro genético, geneticista humano ou médico geneticista, inviabilizando sua própria diretriz política. Essa figura não é mencionada
nem mesmo nas portarias que tratam especificamente
de doenças de origem genética, como a distrofia muscular progressiva (portaria MS/GM 1 531 de 4 de setembro de 2001). Na portaria referente à osteogênese
imperfeita — portaria 2 305 de 19 de dezembro de
2001 — a opção de geneticista médico integrante da
equipe multiprofissional é apresentada junto a um
leque de outras especialidades médicas. Na atenção à
saúde auditiva, as portarias MS/GM 2 073, de 28 de setembro de 2004, e MS/SAS 587, de 13 de outubro de
2004, que regulamentam as políticas oficiais nessa área,
mesmo considerando síndromes genéticas e malformações craniofaciais como causas de surdez classificadas dentro do atendimento de média e alta complexidade, não prevêem consulta a geneticista (27).
A triagem neonatal foi implantada no Brasil com
a portaria GM/MS 822 de 6 de junho de 2001, que
prevê a triagem, pela técnica de papel de filtro, da fenilcetonúria, hipotireoidismo, doença falciforme e fibrose cística em todos os recém-nascidos. Conhecida
no País como “teste do pezinho”, no Estado da Bahia a
triagem ocorre em praticamente todos os municípios
(28). Em cada estado, um centro de referência é encarregado de convocar os neonatos que apresentam resultados alterados, fazer exames específicos, providenciar orientação e aconselhamento genético às famílias
dos afetados, suplementos alimentares no caso da fenilcetonúria e medicamentos no caso do hipotireoidismo. O nível de implantação difere em cada estado e
os laboratórios envolvidos são públicos, mas a participação de laboratórios privados não é vedada.
As APAEs também prestam serviços à população, mantendo ambulatórios, laboratórios, escolas especializadas, centros de profissionalização, centros de
fisioterapia e fazendo o acompanhamento das crianças
com atraso de desenvolvimento psicomotor. Outras associações dedicam-se especialmente ao acompanhamento e cuidado das pessoas com síndrome de Down.
O poder legislativo também apresentou uma iniciativa no sentido de incluir a genética no atendimento
do SUS, acrescentando um dispositivo à lei 9 623 de 12
de janeiro de 1996, que regula o item 7 do artigo 226 da
Constituição Federal e que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. O dispositivo apresentado assegura o aconselhamento genético, no ato do planejamento familiar, nos
casos em que haja indicação clínica (29). Esse acréscimo foi aprovado em agosto de 2009 e tinha, inicialmente, prazo de 1 ano para ser implementado.
DIFUSÃO E TRANSPARÊNCIA
Dentre as ações que visam a divulgação do conhecimento e sua aplicação na prática clínica e que contribuem para a formação continuada do profissional de
medicina, temos o Projeto Diretrizes (30). Essa iniciativa da Associação Médica Brasileira (AMB) e do Con-
Rev Panam Salud Publica 29(1), 2011
Novoa e Fróes Burnham • Universalização da genética clínica
selho Federal de Medicina em conjunto com a Agência
Nacional de Saúde Suplementar, que é um órgão do
Ministério da Saúde, promove a elaboração de diretrizes diagnósticas, terapêuticas e preventivas baseadas
em evidências científicas destinadas a qualificar a assistência prestada nesse setor, fornecendo documentação para que o profissional de saúde embase suas decisões clínicas. O diferencial dessas orientações é seu
caráter diretivo, traduzido em recomendações claras e
implementáveis, mas ao mesmo tempo flexíveis o bastante para prever o diferente e o pouco usual. Embora
o seu objetivo principal não seja educacional, e sim o de
unificar e subsidiar o profissional médico em sua
atuação, evitando possíveis conflitos judiciais, o resultado é também educativo. A elaboração das diretrizes
ficou a cargo das sociedades de especialidades, sob a
coordenação de um grupo de revisores da AMB.
O projeto já publicou diretrizes para a anamnese, exames laboratoriais, diagnóstico e tratamento
de algumas doenças de origem genética (30). É interessante observar que somente algumas dessas diretrizes foram redigidas por membros da Sociedade Brasileira de Genética Médica. Embora não sejam diretrizes
elaboradas especificamente para o sistema público de
saúde, elas estão disponíveis para consulta via Internet
e qualquer profissional interessado pode usá-las.
Sendo um projeto em andamento, novas diretrizes são
incluídas frequentemente.
Dentre os programas que trabalham para a
construção do conhecimento em genética humana
destaca-se, além daqueles de pesquisa sediados nas
universidades públicas, o Estudo Colaborativo LatinoAmericano de Malformações Congênitas, que fornece
uma boa base de dados epidemiológicos nesta área.
Infelizmente, os dados se limitam àqueles provenientes de um número relativamente pequeno de instituições integrantes do programa no Brasil. O Instituto
Nacional de Genética Médica Populacional, com sede
no Estado de Rio Grande do Sul e formado por seis
instituições de três estados, tem como atividade principal a pesquisa, mas atua também na divulgação do
conhecimento genético via produção de peças específicas e do atendimento à população, médica e não médica, através do sistema de informação sobre agentes
teratogênicos.
Finalmente, partindo do princípio de que a democracia se constrói com transparência de ações e que,
no caso da pesquisa em genética humana, essa transparência é essencial para que sociedade, pacientes e
profissionais de saúde se beneficiem e participem do
próprio processo de pesquisa, e considerando-se as
responsabilidades sociais, científicas e profissionais
das organizações sociais voltadas para a pesquisa, a
formação e o desenvolvimento de áreas científicas e
profissionais, seria de alto valor a disponibilização de
links nos sites das associações de geneticistas que permitam consultar informações sobre cursos de formação, sites de difusão e, especialmente, sobre doenças
genéticas que estão sendo pesquisadas, qual o nível de
pesquisa (diagnóstico, tratamento, desenvolvimento
de fármacos, epidemiológica, etc.) em execução, qual
Rev Panam Salud Publica 29(1), 2011
Temas de actualidad
seu período de duração, condições para participação e
disponibilidade para realizar testes diagnósticos dessa
doença específica, e-mail para contato e outras informações úteis para todos os profissionais de saúde.
Instrumentos como o Serviço de Informação
sobre Agentes Teratogênicos (SIAT), além de divulgadores do conhecimento, são espaços educacionais,
pois as pessoas que fornecem as informações precisam
pesquisar a literatura e estar em constante atualização
para poder exercer o seu papel corretamente. Por
outro lado, as pessoas que as recebem, leigos ou profissionais, podem adquirir novos e valiosos conhecimentos sobre a fisiologia e embriologia humanas.
Estudantes da saúde podem estagiar nessa área, agregando teratogenicidade, malformações congênitas e
reprodução humana às suas áreas de atuação. A falta
de divulgação do serviço e a falta de atendimento,
quando solicitado, fazem com que esse sistema, em alguns lugares, não funcione a contento (31).
CONCLUSÕES
A ideia central deste artigo foi levantar a discussão sobre os diversos aspectos implicados na universalização dos serviços de genética no Brasil. Como
foi enfatizado, são urgentes o reconhecimento e a regulamentação da profissão de conselheiro genético, aberta
para todos os profissionais de saúde, pois, de acordo
com a política definida, esse profissional é o pilar do
atendimento em genética. É preciso que todas as instituições envolvidas na atividade de prevenção, diagnóstico, tratamento e acompanhamento de pacientes com
doenças de origem genética e de formação de profissionais de saúde especialistas nesta área se unam, compartilhando informações, experiências e instalações.
Nos últimos 20 anos, a assistência em genética
foi introduzida no SUS através de atos isolados, porém
de grande alcance. Nada disso, porém, mobilizou as
associações representativas de profissionais dessa área
para solicitar o reconhecimento, a regulamentação e a
organização legal das diversas especialidades que
compõem o setor. Porém, o momento histórico é favorável a essa movimentação. O quadro analisado evidencia grandes lacunas. Há muito que fazer e apenas
um caminho: todos juntos, mãos à obra!
SYNOPSIS
Challenges for the universalization
of clinical genetics: the Brazilian case
The present article deals with the difficulties of introducing
medical genetics as part of the Brazilian public Unified
Health System (SUS). A national policy of comprehensive
care in medical genetics was established in 2009, having
genetic counseling as a central pillar. However, there are
strategic limitations to the implementation of this policy:
a dearth of genetic counseling training programs, the lack of
knowledge concerning the number of professionals available
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Temas de actualidad
Novoa e Fróes Burnham • Universalização da genética clínica
to provide genetic counseling, and the likely low number of
professionals available for the job. A joint effort by the ministries of health and education is desirable to foster genetics
and genetic counseling training for all health professions. In
addition, genetics must be introduced in government programs such as the Family Health Program (Saúde da
Família), a measure that would allow a mapping of the
incidence of genetic diseases in the country and the implementation of genetic counseling despite the size of the territory and the population heterogeneity. Lastly, the introduc-
tion of medical genetics as part of the SUS depends on the
engagement of medical and nonmedical professionals in horizontal teamwork, with a change in the hierarchy that has
traditionally been at the foundations of health care.
Key words: genetics, medical; genetic couseling; Unified Health System; human resources formation; national health programs; Brazil.
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Rev Panam Salud Publica 29(1), 2011
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