Curso de Filosofia do Direito_01.pmd

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CURSO DE
FILOSOFIA DO DIREITO
Conceito, Fundamento e Método
Ensaio sobre
a Sophia do Direito
1
2
ANTONIO BENTO BETIOLI
Mestre em Filosofia do Direito e Teoria Geral do Direito/USP.
Professor de Introdução ao Direito e Ciência Jurídica da Faculdade de Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Advogado da União (AGU) e Chefe da Divisão
Jurídica da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Estado de São Paulo.
Advogado Credenciado junto ao Tribunal Eclesiástico Regional e de Apelação
de São Paulo. Tradutor Público e Intérprete Comercial/Idioma: Latim.
CURSO DE
FILOSOFIA DO DIREITO
Conceito, Fundamento e Método
Ensaio sobre
a Sophia do Direito
3
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EDITORA LTDA.
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Todos os direitos reservados
Rua Jaguaribe, 571
CEP 01224-001
São Paulo, SP — Brasil
Fone (11) 2167-1101
www.ltr.com.br
Março, 2012
Versão impressa - LTr 4431.3 - ISBN 978-85-361-2045-4
Versão digital
-LTr 7312.6 - ISBN 978-85-361-2125-3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Betioli, Antonio Bento
Curso de filosofia do direito : conceito,
fundamento e método : ensaio sobre a Sophia do
direito / Antonio Bento Betioli. — São Paulo :
LTr, 2012.
Bibliografia.
1. Direito — Filosofia I. Título.
12-00259
Índices para catálogo sistemático:
1. Direito : Filosofia 340.12
2. Filosofia do direito 340.12
CDU-340.12
Para Elyane, que foi a fonte.
Elyane Natanna, Yann Carlos e Samara, frutos que brotaram.
Para que se tornem amigos de Sofia.
5
6
ÍNDICE GERAL
Prefácio — Manassés C. Fonteles ........................................................................
25
Amigos de Sofia ......................................................................................................
29
Considerações Prévias ..........................................................................................
31
1. Filosofia: amor pelo saber ..............................................................................
31
a) O que busca a filosofia? .........................................................................
32
b) A filosofia é uma ciência? ......................................................................
33
c) Origem do conhecimento......................................................................
34
d) Conhecimento vulgar e científico ........................................................
36
e) Conhecimento científico e filosófico ....................................................
37
2. Filosofia do direito ..........................................................................................
38
a) Conceito ..................................................................................................
38
b) O saber jurídico .....................................................................................
39
c) Conceito, fundamento e método do direito .......................................
39
d) Dogmática e zetética .............................................................................
40
e) Momento histórico e teórico ................................................................
41
f) Idades históricas .....................................................................................
41
g) Divisão ....................................................................................................
42
PARTE PRIMEIRA
O CONCEITO DE DIREITO
Seção Histórica
Sofia na Idade Antiga ..............................................................................................
45
1. Povos primitivos ..............................................................................................
47
1.1. O direito primitivo ..................................................................................
47
1.2. Os Bantus ..................................................................................................
48
7
8
2. Extremo oriente ...............................................................................................
50
2.1. Índia ..........................................................................................................
50
a) Vedas .....................................................................................................
50
b) Sistema de castas .................................................................................
50
c) Budismo ................................................................................................
51
d) Dharma, Karma e Rta ........................................................................
51
2.2. China ..............................................................................................................
52
a) Confúcio (551-478 a.C.).....................................................................
52
b) Base da ordem política e jurídica......................................................
53
3. Origens gregas do pensar ................................................................................
54
3.1. Os poetas gregos antigos .........................................................................
54
a) Homero (séc. IX a.C.) ........................................................................
54
b) Hesíodo (séc. VIII) .............................................................................
55
c) Sólon (650-570 a.C.) ...........................................................................
56
d) Tirteo (séc. VII a.C.) ..........................................................................
56
e) Os trágicos ............................................................................................
57
3.2. Os primeiros esforços do filosofar .........................................................
57
a) Escolas jônicas (os filósofos da “physis”) .........................................
57
b) Heráclito (535-475 a.C.) ....................................................................
58
c) Os pitagóricos (“as coisas são números”) .........................................
61
d) Os sofistas (nómos e physis) ...............................................................
61
4. A tríade ateniense ............................................................................................
64
4.1. Sócrates (469-399 a.C.) ...........................................................................
65
O conceito de justiça................................................................................
65
4.2. Platão (427-347 a.C.) ..............................................................................
66
a) A justiça platônica ..............................................................................
66
b) Platão e a lei .........................................................................................
68
c) Os dois mundos platônicos ................................................................
70
4.3. Aristóteles (384-322 a.C.) .......................................................................
72
a) A justiça aristotélica ...........................................................................
72
b) Matéria e forma ..................................................................................
75
5. Escolas revolucionárias ...................................................................................
76
5.1. Os cínicos (“eudaimonia”)......................................................................
76
5.2. Os epicureus (a arte de bem viver) ........................................................
77
5.3. Os acadêmicos (ceticismo)......................................................................
77
6. Os estoicos (“naturam sequere”) ...................................................................
78
7. Roma: pátria do direito ..................................................................................
80
Seção Teórica
A Definição do Direito ...........................................................................................
83
8. Características genéricas .................................................................................
85
8.1. Sociabilidade ............................................................................................
85
8.2. Alteridade .................................................................................................
86
a) Instância subjetiva e transubjetiva ....................................................
86
b) Relação jurídica ..................................................................................
86
8.3. Tridimensionalidade ...............................................................................
89
a) Tridimensionalidade genérica ...........................................................
90
b) Tridimensionalidade específica .........................................................
90
c) Tridimensionalismo concreto e dinâmico .......................................
91
d) Conclusão ............................................................................................
99
9. Características formais ................................................................................... 100
9.1. Imperatividade......................................................................................... 100
a) Imperativo categórico e hipotético .................................................. 100
b) Norma de organização e de conduta ............................................... 101
c) Endonorma e perinorma .................................................................... 102
d) Hipótese e consequência .................................................................... 104
e) Caráter indicativo ............................................................................... 104
f) Anarquia e determinismo ................................................................... 105
g) Imperatividade em termos axiológicos ............................................ 106
9.2. Coercibilidade .......................................................................................... 106
a) Força em ato e em potência ............................................................... 107
b) Teoria da coação ................................................................................. 108
9
c) Teoria da coercibilidade ..................................................................... 109
d) Negação do espontâneo e da violência ............................................. 111
e) Heteronomia ....................................................................................... 112
9.3. Atributividade ......................................................................................... 113
a) Conceito ............................................................................................... 113
b) Relação intersubjetiva ........................................................................ 114
c) Proporção objetiva ............................................................................. 114
d) Exigibilidade ........................................................................................ 114
e) Garantia ............................................................................................... 114
10. Dever e faculdade ........................................................................................... 115
10.1. Sujeitos ativo e passivo ........................................................................ 115
10.2. Objetivismo e subjetivismo ................................................................. 116
10.3. Mútua implicação ................................................................................ 116
10.4. Normativismo e realismo .................................................................... 117
11. Conteúdo do direito ..................................................................................... 117
11.1. Ação humana ........................................................................................ 118
11.2. Relevância ............................................................................................. 118
11.3. Exterioridade da ação .......................................................................... 118
11.4. Ato interno ........................................................................................... 119
12. Teoria dos objetos e modelos ....................................................................... 120
12.1. Gnoseologia, ontologia e ontognoseologia ...................................... 120
12.2. Metafísica .............................................................................................. 120
12.3. Ser e dever ser ........................................................................................ 121
12.4. Espécies de objetos ............................................................................... 127
a) Objetos naturais: físicos e psíquicos .............................................. 127
b) Objetos ideais: lógicos e matemáticos .......................................... 128
c) Objetos valiosos ............................................................................... 128
d) Objetos culturais ............................................................................. 128
12.5. Conclusão.............................................................................................. 129
12.6. Modelos do direito ............................................................................... 131
a) Estruturas sociais ............................................................................. 131
b) Modelos jurídicos ........................................................................... 132
10
13. Definição do direito ...................................................................................... 134
13.1. Conceitos positivistas de direito ........................................................ 135
13.2. Conceito não positivista do direito ................................................... 136
13.3. Definição analítica ............................................................................... 137
a) Direito-faculdade ............................................................................ 137
b) Direito-norma ................................................................................. 138
c) Direito-coisa .................................................................................... 138
d) Direito-fato social ........................................................................... 139
e) Direito-ciência ................................................................................. 139
f) Direito-relação ................................................................................. 140
g) Direito-justo .................................................................................... 140
h) Conclusão ........................................................................................ 141
13.4. Definição sintética ................................................................................ 142
a) Gênero próximo e diferença específica ......................................... 142
b) Corolários ....................................................................................... 143
c) Definição ........................................................................................... 143
14. Análise da fórmula ........................................................................................ 144
14.1. Ordenação ............................................................................................ 144
14.2. Ordenação social .................................................................................. 145
14.3. Ordenação coercível ............................................................................ 146
14.4. Ordenação heterônoma ...................................................................... 146
14.5. Ordenação bilateral atributiva .......................................................... 146
14.6. Ordenação tridimensional .................................................................. 146
14.7. Valor justiça .......................................................................................... 147
PARTE SEGUNDA
O FUNDAMENTO DO DIREITO
Seção Histórica
Sofia na Idade Média ............................................................................................... 151
15. Os estoicos e o jusnaturalismo ..................................................................... 153
15.1. Viver segundo a natureza .................................................................... 153
15.2. Sêneca e Cícero ..................................................................................... 154
11
16. Corpus iuris civilis ........................................................................................... 156
16.1. Jus naturale ............................................................................................ 156
16.2. Jus civile .................................................................................................. 157
16.3. Jus gentium ............................................................................................ 157
16.4. Jus proprium, jus commune e jus gentium .......................................... 158
17. O cristianismo ................................................................................................ 159
18. A patrística ..................................................................................................... 160
19. A escolástica ................................................................................................... 163
20. Os decretistas (Graciano) ............................................................................. 164
21. Os teólogos ..................................................................................................... 168
22. Tomás de Aquino .......................................................................................... 169
23. Escolástica decadente .................................................................................... 172
23.1. Decadência da escolástica .................................................................... 172
23.2. Voluntarismo de Duns Scoto (1266-1308) ....................................... 173
23.3. Nominalismo de Guilherme Occam (1290-1349) ............................ 174
23.4. Renascença ............................................................................................ 178
24. Segunda escolástica ....................................................................................... 178
25. Protestantismo ............................................................................................... 180
26. Contratualismo ............................................................................................. 181
27. Racionalismo ................................................................................................. 183
28. Jusnaturalismo racionalista ......................................................................... 185
28.1. Escola do direito natural racionalista ............................................... 185
28.2. Os códigos ............................................................................................. 186
28.3. Sensismo e individualismo .................................................................. 187
29. Grócio e Espinoza .......................................................................................... 188
29.1. Hugo Grócio (1583-1645)................................................................... 188
29.2. Baruch Espinoza (1632-1677) ............................................................. 190
30. Pufendorf, Thomasius e Wolf ....................................................................... 192
30.1. Samuel Pufendorf (1632-1694) ........................................................... 192
30.2. Christian Thomasius (1655-1728) ..................................................... 194
30.3. Christian Wolf (1679-1754) ................................................................ 195
12
31. Hobbes, Locke e Hume ................................................................................. 196
31.1. Thomas Hobbes (1588-1679) ............................................................. 196
31.2. John Locke (1632-1704) ....................................................................... 198
31.3. David Hume (1711-1776) ................................................................... 199
32. Quesnay, Montesquieu e Rousseau ............................................................. 200
32.1. François Quesnay (1694-1774) ........................................................... 201
32.2. Montesquieu (Charles Secondat, Barão de) (1689-1755) ............... 201
32.3. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) ................................................... 202
33. Giambattista Vico ......................................................................................... 204
Seção Teórica
O Fundamento do Direito ..................................................................................... 209
34. Soluções imanentistas (positivismo e idealismo) ...................................... 211
34.1. Empirismo jurídico .............................................................................. 211
a) Fisiocracia ........................................................................................ 212
b) Biologismo ....................................................................................... 213
c) Materialismo histórico ................................................................... 214
d) Historicismo .................................................................................... 214
e) Sociologismo .................................................................................... 215
f) Positivismo jurídico ......................................................................... 215
34.2. Idealismo ............................................................................................... 217
35. Transcendentalismo ...................................................................................... 218
35.1. Utilitarismo .......................................................................................... 218
35.2. Soluções incompletas ........................................................................... 219
35.3. Jusnaturalismo ..................................................................................... 220
36. O fundamento do direito .............................................................................. 220
37. A justiça como fundamento do direito ....................................................... 222
37.1. Histórico ............................................................................................... 222
37.2. A justiça e os valores ............................................................................ 223
13
37.3. Significados de justiça .......................................................................... 225
a) Virtude universal ............................................................................. 226
b) Virtude social .................................................................................. 227
c) Justiça objetiva ................................................................................. 227
37.4. Conceito de justiça ............................................................................... 227
37.5. Notas da justiça .................................................................................... 229
a) Alteridade ou pluralidade de pessoas ........................................... 229
b) O devido ........................................................................................... 229
c) A igualdade ...................................................................................... 230
37.6. Tipos de justiça ..................................................................................... 232
a) Justiça comutativa........................................................................... 233
b) Justiça distributiva .......................................................................... 233
c) Justiça social ..................................................................................... 234
d) Justiça geral ou legal ....................................................................... 235
37.7. Questões acerca da justiça ................................................................... 236
a) Importância ..................................................................................... 236
b) Caráter absoluto da justiça............................................................ 236
c) Fator de legitimidade ...................................................................... 237
d) Ética e justiça ................................................................................... 238
e) Contratual e justo ........................................................................... 238
37.8. O problema das leis injustas ................................................................ 239
a) Jusnaturalistas ................................................................................. 239
b) Positivismo jurídico ........................................................................ 239
c) Miguel Reale ..................................................................................... 240
37.9. Justiça ou segurança? ........................................................................... 240
a) Prevalência da justiça ...................................................................... 242
b) Prevalência da segurança ............................................................... 242
c) Conclusão ......................................................................................... 243
14
38. O direito natural como fundamento .......................................................... 247
38.1. Recapitulação histórica ....................................................................... 249
a) A ideia de um direito natural na Antiguidade ............................. 249
b) O direito natural como expressão da razão divina ..................... 250
c) O direito natural como expressão da razão humana ................. 251
d) Historicismo e positivismo jurídico ............................................. 252
e) Questão atual ................................................................................... 253
38.2. Diretriz transcendente e transcendental ........................................... 253
39. Direito natural transcendente...................................................................... 254
39.1. Lei eterna, natural e humana .............................................................. 254
39.2. Três zonas concêntricas ....................................................................... 255
39.3. Per modum naturae .............................................................................. 257
39.4. Solução equívoca e combatida ........................................................... 257
40. Direito natural transcendental .................................................................... 258
40.1. Caráter lógico-formal ......................................................................... 258
40.2. Caráter lógico-axiológico ................................................................... 259
41. Direito natural transcendental-axiológico ................................................ 259
41.1. Natureza transcendental ..................................................................... 259
41.2. Constelações axiológicas ..................................................................... 260
41.3. Invariantes axiológicas ........................................................................ 260
41.4. Direito natural e direito positivo ....................................................... 262
41.5. Caráter conjetural................................................................................ 263
42. Expressão da natureza humana ................................................................... 264
42.1. Natureza humana ................................................................................ 265
42.2. Inclinação natural ................................................................................ 271
a) Tendências naturais ........................................................................ 272
b) Exigências da natureza ................................................................... 272
c) Objetivação histórica ...................................................................... 273
d) Dimensão axiológica ...................................................................... 273
15
42.3. Direito natural ..................................................................................... 274
42.4. Direito natural e direito positivo ....................................................... 275
a) Relação estática ............................................................................... 275
b) Relação dinâmica ............................................................................ 275
42.5. Conclusão ............................................................................................. 276
42.6. A pessoa humana.................................................................................. 277
a) O problema da pessoa humana na história ................................. 278
b) Conceito de pessoa .......................................................................... 280
c) Dignidade da pessoa humana ........................................................ 282
d) Garantia negativa e positiva da dignidade humana ................... 284
43. O eterno retorno ..................................................................................... 284
PARTE TERCEIRA
A METODOLOGIA NO DIREITO
Seção Histórica
Sofia na Idade Moderna ......................................................................................... 289
44. Leibniz ............................................................................................................. 291
45. Kant ................................................................................................................. 293
46. Sociologismo idealista .................................................................................. 296
47. Sociologismo positivista ............................................................................... 299
48. Rumo ao historicismo ................................................................................... 301
49. Rumo ao irracionalismo ............................................................................... 302
50. Positivismo e metodologia ........................................................................... 303
51. Rumo à ciência pura ...................................................................................... 304
52. A luta pela codificação .................................................................................. 305
52.1. Anton Friedrich Justus Thibaut (1772-1840) ................................... 306
52.2. Frederico Carlos Von Savigny (1779-1861) ...................................... 306
53. O espírito do povo ......................................................................................... 308
53.1. Singularidade ........................................................................................ 308
53.2. Unidade ................................................................................................. 308
16
53.3. Totalidade ............................................................................................. 309
53.4. Espiritualidade ..................................................................................... 309
53.5. Criatividade .......................................................................................... 309
53.6. Substancialidade .................................................................................. 309
54. O normativismo lógico ................................................................................. 310
a) Pureza jurídica e coerência ...................................................................... 310
b) Norma fundamental ................................................................................ 311
c) Fases do pensamento Kelseniano ............................................................ 313
55. Atos emulativos ............................................................................................. 314
55.1. Gian Domenico Romagnosi (1761-1835) ......................................... 314
55.2. Antonio Rosmini (1979-1855) ............................................................ 315
56. Idealismo italiano .......................................................................................... 316
56.1. Benedito Croce (1866-1952) ............................................................... 317
56.2. Giovanni Gentile (1875-1944) ............................................................ 317
56.3. Igino Petrone (1870-1913) .................................................................. 318
57. “Ricorsi” históricos ........................................................................................ 319
58. Definição ética ou técnica? ............................................................................ 320
59. Definição formal ou material? ..................................................................... 321
60. O direito como querer entrelaçante ............................................................ 325
60.1. Conceito de direito .............................................................................. 326
60.2. A ideia .................................................................................................... 327
60.3. Direito natural de conteúdo variável ................................................ 328
60.4. Formalismo .......................................................................................... 329
61. O direito social ............................................................................................... 330
a) Direito social ............................................................................................. 330
b) Fatos normativos ...................................................................................... 331
c) Jusnaturalismo .......................................................................................... 332
62. O direito como instituição ........................................................................... 333
62.1. A teoria institucionalista de Maurice Hauriou (1856-1929) .......... 333
62.2. O institucionalismo de Santi Romano (1857-1947) ......................... 334
62.3. Institucionalismo e jusnaturalismo ................................................... 335
17
63. O critério ideal da justiça .............................................................................. 337
64. O dado e o construído .................................................................................. 339
65. O egologismo ................................................................................................. 342
65.1. Direito, norma e conduta ................................................................... 342
65.2. A lógica do dever-ser ........................................................................... 343
65.3. A teoria dos objetos ............................................................................. 345
65.4. Juízo crítico ........................................................................................... 346
Seção Teórica
A Metodologia Jurídica ........................................................................................... 349
66. A finalidade do direito .................................................................................. 351
66.1. Os valores .............................................................................................. 351
a) Realidade objetiva ........................................................................... 351
b) Qualidade ......................................................................................... 351
c) Qualidade absoluta ......................................................................... 352
d) Estimativa ........................................................................................ 352
e) Conceito ............................................................................................ 353
f) Cultura = mundo de fins valiosos .................................................. 353
g) Dimensão axiológica do direito .................................................... 354
h) Axiologia .......................................................................................... 354
66.2. O problema do relacionamento dos valores..................................... 356
67. Direito, certeza e verdade ............................................................................. 356
67.1. Certeza no direito ................................................................................ 357
a) Dogmatismo .................................................................................... 357
b) Verbalismo ...................................................................................... 358
c) Esquematismo .................................................................................. 358
d) Extrinsecismo .................................................................................. 358
e) Formalismo ...................................................................................... 359
18
67.2. Certeza e positividade do direito ....................................................... 359
a) Vigência e fundamento ................................................................... 360
b) Vigência e eficácia ........................................................................... 360
c) Positividade e vigência .................................................................... 361
d) Positividade e soberania ................................................................. 362
68. Finalidade múltipla: ordem, paz e justiça .................................................. 363
68.1. A ordem ................................................................................................. 363
68.2. A paz ...................................................................................................... 364
68.3. A justiça ................................................................................................. 364
68.4. Escala hierárquica ................................................................................ 364
69. Direito, indivíduo e sociedade ..................................................................... 365
69.1. Bem individual e social ........................................................................ 365
69.2. Individualismo, socialismo e personalismo ...................................... 366
70. Realização do direito..................................................................................... 369
70.1. Realização: processo unitário e contínuo ......................................... 369
70.2. Realização: atividade legislativa e judicante ..................................... 371
71. A legislação ..................................................................................................... 372
72. Interpretação do direito ............................................................................... 375
73. Escolas de interpretação ............................................................................... 376
74. Escola da exegese ............................................................................................ 377
74.1. Características ...................................................................................... 378
a) O direito é a lei ................................................................................. 378
b) Autossuficiência do Código ........................................................... 378
c) Procura da intenção do legislador ................................................ 379
d) O Estado como único autor do direito ........................................ 379
74.2. Juízo crítico ........................................................................................... 380
a) Dogmatismo legal ........................................................................... 380
b) Vontade do legislador e vontade da lei ........................................ 380
c) Concepção rigidamente estatal do direito ................................... 381
19
74.3. Declínio da escola da exegese .............................................................. 381
75. Escola histórico-evolutiva ............................................................................ 382
75.1. Postulados ............................................................................................. 382
a) A lei como realidade histórica ....................................................... 382
b) Interpretação atualizadora............................................................ 382
c) Interpretação não criadora ............................................................ 383
75.2. Juízo crítico ........................................................................................... 383
76. A livre pesquisa do direito ............................................................................ 383
76.1. Intenção do legislador ......................................................................... 383
76.2. Lacunas .................................................................................................. 384
76.3. Livre pesquisa ....................................................................................... 384
76.4. Juízo crítico ........................................................................................... 384
77. A corrente do direito livre ............................................................................ 385
77.1. Eugen Ehrlich (1862-1922) .................................................................. 386
77.2. Hermann Kantorowickz (1877-1940) ............................................... 386
77.3. Juízo crítico ........................................................................................... 387
78. A lógica do razoável ...................................................................................... 388
78.1. Sifnificado da lógica do razoável ........................................................ 389
78.2. Racional e razoável .............................................................................. 390
78.3. A lógica do razoável e a função legislativa ........................................ 392
78.4. A lógica do razoável e a função jurisdicional ................................... 392
79. Realismo escandinavo e norte-americano .................................................. 394
79.1. Realismo jurídico escandinavo (escola de Upsala) .......................... 394
79.2. Realismo jurídico norte-americano ................................................... 395
79.3. Juízo crítico ........................................................................................... 396
80. Interpretação estrutural ............................................................................... 396
81. O processo da interpretação ........................................................................ 398
81.1. Processo uno e complexo..................................................................... 398
81.2. Momento literal, gramatical ou filológico ....................................... 400
20
81.3. Momento lógico-sistemático .............................................................. 401
81.4. Momento histórico-evolutivo ............................................................ 401
81.5. Momento teleológico ........................................................................... 402
a) Finalidade da lei .............................................................................. 402
b) Art. 5º da LICC ................................................................................ 403
c) Extensão e redução teleológica ...................................................... 403
d) Cláusulas abertas ............................................................................ 404
82. Interpretação conceitualista e finalista ....................................................... 405
82.1. Interpretação conceitualista ............................................................... 406
82.2. Interpretação finalista ......................................................................... 406
82.3. Lei e direito ........................................................................................... 407
82.4. Sistema jurídico e princípios gerais .................................................... 407
82.5. Legislador e intérprete ......................................................................... 408
82.6. Crítica jusnaturalista ........................................................................... 408
83. Natureza lógico-valorativa da interpretação ............................................ 410
83.1. Caráter lógico da interpretação ......................................................... 410
83.2. Natureza histórico-axiológica da interpretação .............................. 411
a) Visão retrospectiva e prospectiva ................................................. 411
b) Função normativa da interpretação jurídica .............................. 413
c) Conclusão ......................................................................................... 414
84. Aplicação do direito ...................................................................................... 415
84.1. Sentido comum e técnico..................................................................... 415
84.2. Natureza da aplicação ......................................................................... 415
84.3. A figura do juiz ..................................................................................... 417
84.4. O juiz como terceiro necessário .......................................................... 418
84.5. O juiz como artista ............................................................................... 418
84.6. Participação criadora .......................................................................... 419
85. A integração do direito ................................................................................. 421
85.1. Conceito de integração ........................................................................ 422
85.2. Conceito de lacuna ............................................................................... 422
21
85.3. Lacunas da lei e do ordenamento ....................................................... 424
a) Lacuna da lei .................................................................................... 424
b) Norma geral exclusiva .................................................................... 424
c) Norma geral inclusiva ..................................................................... 425
85.4. Plenitude da ordem jurídica ............................................................... 425
85.5. Meios de integração ............................................................................. 426
85.6. Criação de uma norma “ad hoc” ........................................................ 427
86. A equidade ...................................................................................................... 429
86.1. Direito do caso concreto ..................................................................... 429
86.2. Justiça do caso concreto ...................................................................... 430
86.3. Aplicação da equidade ......................................................................... 432
86.4. Juízo benigno e severo ......................................................................... 433
86.5. Salvar o esquema ou a realidade ........................................................ 434
87. Princípios gerais de direito ........................................................................... 434
87.1. Acepção moral e lógica ........................................................................ 435
87.2. Definição ............................................................................................... 435
87.3. Funções dos princípios gerais ............................................................. 436
87.4. Modelos jurídicos: teóricos e normativos ......................................... 437
87.5. Natureza e fundamento ....................................................................... 440
a) Positivismo jurídico ........................................................................ 440
b) Direito natural ................................................................................ 441
87.6. Princípios e brocardos jurídicos ........................................................ 442
88. A analogia jurídica ........................................................................................ 443
88.1. Conceito e paradigma ......................................................................... 443
88.2. Fundamento da analogia .................................................................... 444
a) Semelhança material de casos ........................................................ 444
b) Identidade de razão ........................................................................ 444
88.3. Operação lógica e axiológica .............................................................. 444
22
88.4. Modalidades de analogia..................................................................... 445
a) Analogia legis (ou legal) .................................................................. 445
b) Analogia juris (ou jurídica)............................................................ 445
c) Posição da doutrina ........................................................................ 446
88.5. Analogia e interpretação extensiva .................................................... 446
88.6. Analogia e interpretação analógica ................................................... 448
88.7. Exclusão da analogia ........................................................................... 448
a) Direito penal .................................................................................... 448
b) Direito fiscal .................................................................................... 448
c) Normas de exceção .......................................................................... 448
89. Uso e abuso do direito .................................................................................. 448
89.1. O abuso do direito ............................................................................... 449
89.2. O indagar das intenções ....................................................................... 449
90. Direito lesado e reparado ............................................................................. 451
91. A pena ............................................................................................................. 451
92. Sanção jurídica .............................................................................................. 452
92.1. Conceito e natureza ............................................................................. 452
92.2. Sanção e coação .................................................................................... 454
92.3. Espécies de sanção ................................................................................ 455
92.4. Prêmio e castigo.................................................................................... 456
92.5. Aplicação da sanção ............................................................................. 459
92.6. Sanção estatal e não estatal ................................................................. 460
CONCLUSÃO
O DIREITO NA VIDA ÉTICA
93. Ética ................................................................................................................. 463
94. Direito e religião ............................................................................................ 463
94.1. Conceito de religião ............................................................................. 463
94.2. Religião e direito são compatíveis? .................................................... 464
94.3. Paralelo entre direito e religião .......................................................... 465
95. Direito e moral .............................................................................................. 467
95.1. Distinções formais ................................................................................ 468
23
95.2. Distinções materiais ............................................................................. 469
95.3. Teoria de Thomasius ........................................................................... 470
95.4. Teoria do mínimo ético ....................................................................... 473
95.5. Teoria dos círculos secantes ................................................................ 474
95.6. Direito e moral: distinguir sem separar ............................................ 475
a) Critérios distintivos ........................................................................ 475
b) Razões para não separar ................................................................ 477
95.7. Liceidade jurídica e exigência moral ................................................. 478
96. Moral e religião ............................................................................................. 479
96.1. Status quaestionis .................................................................................. 480
96.2. Moral autônoma (não religiosa) ....................................................... 480
96.3. Moral teônoma .................................................................................... 481
96.4. Ética civil ............................................................................................... 481
96.5. Coincidências e diferenças entre moral e religião ............................ 482
97. Direito e política ............................................................................................ 483
97.1. Moral, direito e política ...................................................................... 483
97.2. Direito e política .................................................................................. 484
97.3. Juridicidade do Estado ........................................................................ 486
97.4. Ética da responsabilidade .................................................................... 487
98. Bioética e biodireito ...................................................................................... 489
98.1. A bioética .............................................................................................. 489
98.2. O biodireito .......................................................................................... 496
Posfácio ..................................................................................................................... 499
Profissão de fé jurídica ........................................................................................ 500
Bibliografia ............................................................................................................... 503
24
PREFÁCIO
A sabedoria, ou a Sofia no dizer dos gregos, tão apropriadamente utilizada
pelo Prof. Betioli, é uma dama de difícil conquista. Sofia não se entrega a fórmulas
fáceis, simplificadas, dicotômicas. Certo ou errado, branco ou preto, dia ou noite não
existem sem, por exemplo, um suave amanhecer ou um intenso pôr de sol. A sabedoria,
igualmente, não pode ser apreendida em sua amplitude sem uma profunda análise
do contexto histórico e filosófico em que está inserida. Somos filhos de nosso tempo
e netos de nossos antepassados. É fundamental, para que possamos entender nosso
papel na sociedade, compreender os pensamentos que nos precederam, de modo a
refletir adequadamente a evolução da sociedade e das leis que a regem.
Mas sabedoria maior é aquela capaz de tornar simples o complexo, de separar
os elementos de uma questão sem esquartejá-la. Sabedoria é conseguir percorrer, da
Antiguidade Clássica à contemporaneidade, toda a história do direito, apresentando
os principais autores, seu pensamento filosófico e a consequente aplicação na teoria
do Direito, sem perder-se nos labirintos complexos das sutilezas do pensar. Sabedoria
é ordenar correntes filosóficas a pensamentos jurídicos com a clareza necessária
para tornar jovens estudantes de direito em admiradores de Sofia. Aí reside o talento
do Prof. Betioli. Autor consagrado na área didática, professor talentoso, ele oferece
neste volume o resultado de muitos anos de trabalho didático que se consubstanciam
em um volume de interesse até para não advogados... Ao longo de suas páginas, o
autor imerge na história e dela resgata seu pensamento e as correntes filosóficas do
direito, dele decorrentes. Com texto enxuto consegue expor os pontos com clareza e
profundidade, com eficiência e simplicidade. Não é todo dia que encontramos
trabalhos com essas qualidades.
No Mackenzie prezamos por uma educação de qualidade. Formamos aqui
alguns dos melhores advogados, juízes, procuradores e pensadores jurídicos do Brasil.
Muito do nosso sucesso, sabemos, é resultado do trabalho silencioso de professores que
conseguem incutir na mente de seus alunos um modo de pensar crítico e criterioso,
desvinculado de vícios ideológicos, assentados em teorias consistentes e alinhados às
necessidades dos tempos que vivemos. No Mackenzie formamos cidadãos antes de
profissionais. Formamos gente com cultura ampla, diversificada, gente com capacidade de observar a realidade por diferentes ângulos, gente capaz de compreender o
mundo, atuar em seu meio e produzir conhecimento novo.
25
Este Curso de Filosofia do Direito é um daqueles livros que irão ajudar nossos
alunos a entender melhor o pensamento que está por trás das leis. O livro em tela
concita a juventude a pensar pelos caminhos floridos das ciências jurídicas, com
“Sofia” ao seu lado.
Ninguém sofre pena pelo simples fato de pensar.
Manassés C. Fonteles
Reitor do Mackenzie e Membro
da Academia Nacional de Medicina
26
“Feliz o homem que encontrou a sabedoria”
-a sofia dos gregosProvérbios 3,13
“A filo-Sofia é, antes de mais nada, uma paixão”
(Castor Bartolomé Ruiz)
“Na vida de todo jurista há um momento em que a intensidade do esforço
acerca dos textos legais leva a um estado de particular insatisfação.
O direito positivo vai se despindo de seus detalhes e termina reduzido a
uma ciência de linhas gerais. Mas, por sua vez, essas linhas gerais exigem
um fundamento que a referida ciência não pode fornecer. O jurista se sente,
então, como se a terra lhe faltasse sob os pés, e invoca a ajuda da filosofia.
A maior desgraça que pode acontecer a um estudioso do direito é a de
nunca ter sentido a sua disciplina num estado de ânsia filosófica.”
(E.J.Couture)
27
28
AMIGOS DE SOFIA
Este é um ensaio sobre a Sofia do direito. Seu objetivo é que nos tornemos, de
algum modo, amigos de Sofia. Aliás, em todas as épocas da História e em todos os
países do Mundo encontramos os chamados “amigos de Sofia”. Quem são eles?
Quem é Sofia?
Sofia é alguém muito especial.(1) Seu nome, de origem grega, é o mesmo que
ciência e sabedoria. Já na Antiguidade, ela era vista como uma espécie de ciência
universal. Abrangia todo um conjunto de conhecimentos que hoje agrupamos sob
os nomes de várias ciências e de várias artes.
Seus amigos, por sua vez, receberam também um nome especial: são os filósofos.
Foi um deles, de nome Pitágoras, que na sua modéstia não quis ser chamado de
sábio. Ele se apresentou como sendo apenas um amigo da sabedoria, um amigo da
sofia, um filósofo.
Pois bem. No vasto mundo de Sofia, nossa atenção se volta agora para um país
que significa muito para todos: o país da Ciência Jurídica. A Sofia que nos atrai é a
Sofia do direito. A Sofia que tem o fenômeno jurídico como alvo de seus interesses e
tema de seus estudos. É claro que, para conhecê-la, iremos também conhecer alguns
dos seus amigos, os chamados “filósofos do direito”. Eles nos ajudarão a chegar até
ela. Assim, o objeto deste livro não poderia deixar de ser uma reflexão sobre a filosofia
do direito, na sua história e nos seus problemas.
A filosofia e o direito são duas forças que, com funções distintas e definidas,
simultaneamente mantêm e empurram a civilização para frente. Representam uma
força tanto conservadora quanto propulsora. E o importante para nós é que há um
caminho no qual a ciência do direito se cruza com a filosofia. Desses encontros
nascem problemas que tendem a se compor numa solução harmônica. É à Filosofia
do Direito que cabe, então, nos mostrar quais são as razões universais, ou as causas
últimas, ou as condições indispensáveis do direito.
(1) “Sophia”, como canta o poema bíblico que exalta o seu nome — Sabedoria —, é a esposa ideal do homem:
“Eu a quis e a busquei desde a minha juventude,/ pretendi desposá-la, enamorado de sua beleza.../ Decidi unir
nossas vidas,/ sabendo que seria minha conselheira para o bem, meu alívio nas agruras e na tristeza.../
Ao entrar em casa, repousarei ao seu lado, pois sua companhia não causa amargura, nem sua intimidade
provoca aflição/, mas só contentamento e alegria” (Sabedoria 8).
29
Evidente que a estrada que começamos a trilhar na aprendizagem da Filosofia
do Direito é longa. Servem-lhe de bússola a indicar o norte as lições ministradas por
Giuseppe Graneris, professor de filosofia do direito da Pontifícia Universidade
Lateranense, em especial a seção histórica da sua Filosofia del Diritto. Mestre dotado
de uma inteligência privilegiada e de uma vasta erudição, juntamente com um agudo
senso crítico, é um dos mais importantes filósofos do direito no campo do pensamento
aristotélico-tomista. Guardadas as devidas proporções, relembro a confissão de
Isaac Newton: “Se logrei ver mais longe, foi porque subi em ombros de gigante”.
Pensamento que mereceu o seguinte comentário de Norberto Bobbio: “Vejo-me
assim e penso: Ai de nós se não existissem gigantes”.(2)
Trata-se de um ensaio sobre a Sofia do direito. Não ignoro o sentido literário
do termo, criado por Montaigne. Mas não houve a pretensão de seguir as exigências de
um essay, no sentido técnico. Uso o vocábulo no seu sentido etimológico: exagium,
do latim tardio. Significa pesagem, medição, pôr na balança. Foi, de fato, um ensaio
e treinamento, um esforço de pesar o que aqui foi exposto. Pôr na balança, não
oferecendo a última palavra, não colocando nada de definitivo. Houve uma finalidade
e um sonho: apresentar uma visão panorâmica da filosofia do direito e esperar que
o leitor se empolgue com o amor pelo saber a ponto de querer se aprofundar,
mergulhando em leituras mais densas; e se torne também um “amigo de sofia”, seja
da sabedoria em geral, seja do saber jurídico em especial.
Por fim, não afirmamos aqui uma neutralidade axiológica ingênua que pretendesse garantir uma apresentação objetiva de um cortejo histórico de doutrinas.
A delimitação do quadro histórico, a ênfase dada a este ou àquele momento da
história do pensamento e a própria leitura de cada um desses momentos estão
condicionados, às vezes, por uma inevitável tomada de posição. Não obstante isso,
nossos caminhos procuram ser um roteiro aberto de estudos. O próprio título mostra
a origem e destino universitário do livro. Ponto de partida, nunca ponto de chegada.
Não representa toda a filosofia do direito. É antes uma primeira introdução a esse
mundo rico, aberto e plural, cujos segredos toda uma vida é insuficiente para
descobrir. Mas suficiente para ser amigo de Sofia.
Antonio Bento Betioli
São Paulo, 2010.
(2) É de Bernardo de Chartres (m. entre 1124 e 1130), humanista que só tinha palavras de louvor para com
a cultura dos antigos, a afirmação de que: “Somos anões sentados por sobre ombros de gigantes; vemos
mais que os antigos e com mais descortínio, não pelo acume da nossa vista ou pela grandeza do nosso
talhe, mas porque os antigos nos elevam e nos fazem olhar desde a sua gigantesca estatura” (GILSON, E.
La philosophie au moyen âge. Payot, 1930. p. 56).
30
CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS
A meditação filosófica do Direito é uma necessidade. Dizia Francesco Carnelutti:
“Nenhum ramo da Ciência vive sem respirar Filosofia, mas esta necessidade é sentida
no Direito mais do que em qualquer outra. À medida que se avança pela estrada da
Jurisprudência, mais e mais o problema do metajurídico revela a sua decisiva
importância; o jurista se convence cada vez mais de que, se não sabe senão Direito,
na realidade não conhece nem mesmo o Direito” (Tempo Persa).
A Filosofia do Direito, mais do que uma disciplina jurídica, é a própria Filosofia
enquanto voltada para a realidade jurídica. Nesta propedêutica filosófica, procuramos
fixar alguns problemas fundamentais da Filosofia, visando preparar o terreno para
receber com eficácia crescente os conhecimentos específicos da Filosofia do Direito.
1. FILOSOFIA: AMOR PELO SABER
A palavra filosofia, na sua origem etimológica, significa a amizade pela sabedoria,
o amor pelo saber. O termo é expressivo. A filosofia reflete essa paixão pela verdade,
uma vez que, como diz Aristóteles, ela começou com a perplexidade e assombro do
homem perante a natureza: “Com efeito, é o assombro que impeliu os primeiros
pensadores às especulações filosóficas. No começo, seu assombro se referia às
dificuldades que primeiro se apresentavam ao espírito. Depois, avançando pouco a
pouco, estenderam sua exploração a problemas mais importantes, tais como os
fenômenos da lua, do sol e das estrelas, e enfim à gênese do universo. Ora, perceber
uma dificuldade e assombrar-se é reconhecer sua própria ignorância.”(3) A filosofia,
portanto, começa quando algo desperta nossa admiração, espanta-nos e prende nossa
atenção: o que é isso? por que é assim? como é possível que seja assim? São interrogações
que, num crescendo de dúvidas, exigem uma explicação.(4) Assim, “a raiz da filosofia
(3) Metafísica A2, 982b.
(4) O assombro é considerado na história da filosofia como a atitude que põe em movimento o conhecimento.
Platão foi o primeiro autor a atribuir ao assombro o papel de iniciador à filosofia: “Essa atitude, que consiste
em maravilhar-se, é típica do filósofo. Com efeito, a filosofia não começa de outra maneira. Parece não se ter
enganado sobre a genealogia aquele que disse que Íris é a filha de Taumas“ (Teeteto 155d). Na mitologia
grega, Íris é a mensageira dos deuses e transmite aos homens o amor da sabedoria ou a filosofia. Quanto a
Taumas não é um deus do Panteão, mas uma forma do verbo thaumazein (assombrar-se, maravilhar-se).
Para Platão, pois, o maravilhamento gera aquela que transmite esse bem divino que é a filosofia.
31
é precisamente esse ‘maravilhar-se’, surgido no homem que se defronta com o Todo
(a totalidade), perguntando-se qual a sua origem e o seu fundamento, bem como
o lugar que ele próprio ocupa nesse universo”.(5)
a) O que busca a filosofia? Para Boécio, a filosofia, além de amor e aspiração à
sabedoria, é a “iluminação do espírito” (illuminatio animi); a participação da sabedoria eterna, que é pensamento vivo e causa primeira de todas as coisas (Comentário
à Isagogé de Porfírio). Na língua portuguesa, a palavra “filosofia” é usada num sentido
amplo. Fala-se, por exemplo, que Fulano tem uma “filosofia” de vida admirável;
que determinado técnico de futebol vai imprimir uma nova “filosofia” ao time, etc.
Mas a disciplina acadêmica que se intitula “filosofia” usa a palavra num sentido
estrito. Designa um tipo de especulação com características próprias, que se originou
e atingiu o apogeu entre os antigos gregos. Em todas as escolas, “filosofar” sempre
significou ir em busca das razões universais, em busca das causas últimas, que nos
mostrem a possibilidade do objeto que se está examinando. Percebemos, então, que a
filosofia tem a ver com uma forma de saber. Não um saber qualquer, como saber
que o fogo queima, ou um saber nadar ou plantar. É um saber que se percebe como
sendo mais relevante, um saber relativo a coisas mais fundamentais que um simples
saber empírico como é saber nadar, queimar, plantar, etc. É um saber pelas causas,
que envolve o exercício da razão, e esta envolve a crítica. O saber filosófico é, pois,
um saber crítico.
“Ciência de todas as coisas pelas suas primeiras causas”, assim a definiu
Aristóteles.(6) De fato, em sua paixão pela verdade, a filosofia não se contenta com
uma resposta, enquanto esta não atinja a razão última de um dado problema. Há
nela uma inclinação perene para a verdade última. Por isso se diz que a filosofia é a
ciência das causas primeiras ou das razões últimas. É o sentido da sua universalidade.
Os filósofos somente estão satisfeitos quando conseguem atingir, com certeza, todos
os princípios ou razões últimas explicativas de uma realidade da experiência humana.
Por isso, encontramos junto deles um tumultuar de perguntas e respostas, uma
multiplicação de teorias e sistemas, que vão se renovando na procura da solução
universalmente válida ou da verdade total.
Isso não deve ser motivo para certo ceticismo em relação à filosofia, pois é
exatamente aí que reside a grandeza e a dignidade do saber filosófico. A filosofia
não existiria se todos os filósofos chegassem a conclusões uniformes e idênticas.
Essa atividade do espírito é ditada pelo desejo de sempre renovar a universalidade de
certos problemas, renovar a formulação de antigas perguntas que não perdem a sua
(5) Giovanni Reale — Dario Antiseri. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média, São Paulo: Paulus, 2007, p. 23.
(6) “A filosofia é ciência pelas causas primeiras, porque é metafísica, quer dizer transcende a experiência e não
para até esgotar o interrogativo causal e resolver plenamente o enigma do universo. É, ela, portanto, a ciência
da essência profunda das coisas e não dos fenômenos, do todo e não das partes: precisamente porque as
causas primeiras — como tais — explicam o todo” (PADOVANI, Umberto; CASTAGNOLA, Luis. História da
filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1995. p. 56).
32
atualidade, uma vez que possuem um significado universal que ultrapassa os
horizontes dos ciclos históricos. A universalidade da filosofia, lembra Reale, está de
certa forma mais nos problemas do que nas soluções.(7)
Ora, o direito é realidade universal. Realidade universal porque onde existe o
ser humano, aí existe o direito como expressão de vida e de convivência: ubi homo,
ibi societas; ubi societas, ibi jus. E é por ser um fenômeno universal que o direito pode
ser objeto de indagação filosófica. A filosofia não pode cuidar senão daquilo que
tenha sentido de universalidade.
b) A Filosofia é uma ciência? O vocábulo “ciência” não é unívoco. Significa,
contudo, um tipo específico de conhecimento, que pode ser enfocado de duas
maneiras: objetiva e subjetiva. Objetivamente, a ciência é um “conjunto de verdades
certas e logicamente encadeadas entre si, de maneira a formar um sistema coerente”(8).
Subjetivamente, a ciência é “o conhecimento certo das coisas pelas suas causas”(9).
Assim, sempre que tivermos um conhecimento que chegue às causas do fenômeno ou
às razões que o demonstram, ele é científico. Falamos das causas primeiras, chamadas
também de últimas. Causas primeiras porque estão na origem de um fenômeno;
últimas porque são as que atingimos em último lugar, depois de passarmos por
todos os escalões que conduzem a elas.(10) Nesse sentido, a Teologia, que remonta ao
Ser Supremo, e a Metafísica, que remonta ao ser enquanto ser, atingem as causas
primeiras de todo e qualquer fenômeno. Por sua vez, a Filosofia, tendo por objeto
indagar dos pressupostos ou condições de possibilidade de todas as ciências
particulares, é com certeza, a essa luz, uma ciência.
Mas esta era a concepção que se tinha na época clássica da filosofia, desde
Aristóteles até Descartes. Na época moderna, quando surgiram as ciências que se
propunham antes de tudo e exclusivamente conhecer as causas próximas que
explicariam os fenômenos, o termo ciência adquiriu novo sentido. Reconheceu-se
então como científico apenas o saber que tinha como objeto as causas imediatas dos
fenômenos, as que possibilitavam compreender, pela análise dos efeitos, a que causas
eles estariam vinculados. Assim, só é ciência, para o homem moderno, a que atinge
o vínculo necessário e imediato entre uma causa e seus efeitos. O conceito de ciência,
outrora geral, limitou-se, a partir daí, ao saber que atingia as causas particulares
de cada fenômeno. Ela é entendida num sentido estrito: como sendo o sistema de
conhecimentos metodicamente adquiridos e de validade universal, pela verificação
objetiva, inclusive experimental, da certeza de seus dados e resultados. Agora, surge
uma discriminação entre Filosofia e Ciência.
(7) Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 8.
(8) JOLIVET, Régis. Curso de filosofia. Rio de Janeiro: Agir, 1995. p. 76.
(9) “Scire est cognoscere rem per causam” — Aristóteles.
(10) A denominação “últimas” ou “primeiras” depende do ponto de vista adotado. Quando se parte da
experiência, ou na perspectiva da experiência, tais causas aparecem como últimas; quando se adota o ponto
de vista genético, ou seja, na perspectiva da genética do direito, são primeiras. O resultado final é o mesmo.
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c) Origem do conhecimento. Uma das tarefas da Filosofia é a pesquisa sobre a
Teoria do Conhecimento (Gnoseologia). Conhecer é trazer para nossa consciência
algo que sabemos ou que supomos fora de nós. Toda vez que falamos em conhecimento, envolvemos dois termos: o sujeito que conhece e o objeto, ou seja, aquilo
de que se tem ou de que se quer ter ciência.(11) Entre os problemas propostos pela
Gnoseologia, está aquele que diz respeito à origem do conhecimento: quais as fontes
de onde promana? Vejamos o empirismo, o intelectualismo tomista e a ontognoseologia de Miguel Reale.
1º — O empirismo, em sua acepção mais ampla, designa todas aquelas correntes
de pensamento que sustentam que a origem única ou fundamental do conhecimento
é dada pela experiência, que alguns simplificam como sendo, em última análise, a
experiência sensorial (sensismo).
2º — O intelectualismo, por sua vez, designa a corrente originada de Aristóteles
e acolhida por Tomás de Aquino, que atribui à inteligência função positiva no ato de
conhecer, mas sem negar a experiência. Assim, a teoria tomista do conhecimento, em
harmonia com o pensamento aristotélico, defende que o intelecto ordena os
elementos sensoriais e deles extrai os conceitos, através de um processo de
generalização e de abstração. A gnoseologia tomista é, portanto, empírica e racional,
sem inatismos e iluminações divinas. É a razão que empresta validade lógico-universal
ao conhecimento, muito embora este não possa ser concebido sem a experiência,
pois não temos ideias inatas (“nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu”).
No processo da gnoseologia tomista, o conhecimento é empírico e racional; e conta
com a participação do intelecto agente e do intelecto passivo.(12)
Assim, em primeiro, o conhecimento humano é sensível e intelectual; faz-se por
uma assimilação do sujeito cognoscente com o objeto conhecido. Ele tem, portanto,
dois momentos: o sensível e o intelectual, sendo que o segundo pressupõe o primeiro.
Na sensação, o corpo concorre intrinsecamente para a operação cognoscitiva.
O conhecimento sensível do objeto, que está fora de nós, realiza-se mediante a
chamada espécie sensível, que é a impressão, a imagem, a forma do objeto material
na alma, sem a materialidade do objeto. Seria como a impressão do sinete na cera,
sem a materialidade do sinete, ou como a cor do ouro percebido pelo olho, sem a
materialidade do ouro. O conhecimento intelectual, por sua vez, depende do conhecimento sensível, mas o transcende. Isso porque na espécie sensível (que representa
o objeto material na sua individualidade, temporalidade, espacialidade, etc.) o
inteligível, o universal, a essência das coisas está contida apenas implicitamente,
potencialmente. Para que se torne explícito e atual, é preciso extraí-lo, abstraí-lo, isto é,
desinvidualizá-lo das condições materiais. Temos desse modo a espécie inteligível,
(11) REALE, Miguel. Introdução à filosofia. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 41.
(12) Vide PADOVANI, Umberto e CASTAGNOLA, Luis. História da filosofia. São Paulo: Melhoramentos, 1954.
p. 234-235. FRANCA, Leonel. Noções de história da filosofia. Rio de Janeiro: Livraria Agir, 1973. p. 112.
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representando precisamente o elemento essencial, a forma universal das coisas. Note-se
que a espécie inteligível não é a coisa entendida (id quod intelligitur), pois neste caso
conheceríamos não as coisas, mas os conhecimentos das coisas, acabando assim no
fenomenismo. Mas a espécie inteligível é o meio pelo qual a mente entende as coisas
extramentais (id quo intelligitur). De fato, conhecemos coisas e não ideias. Mas as
coisas só podem ser conhecidas através das espécies e das imagens, e não podem
entrar fisicamente no nosso cérebro. Em suma, no conhecimento intelectivo, o
concurso do sistema nervoso é meramente extrínseco, ministrando à parte ativa da
inteligência a imagem sensível da qual é abstraída a ideia. Todas as ideias têm,
portanto, sua origem nos sentidos, sendo o princípio “nihil est in intellectu quod
prius non fuerit in sensu”, quando corretamente interpretado, fundamental na
ideogenia tomista.
Em segundo, se o inteligível está contido apenas potencialmente no sensível,
quem abstrai, desmaterializa, desindividualiza o inteligível da representação
sensível, é o intelecto agente. Ele é como que uma luz espiritual da alma, mediante a
qual ilumina o mundo sensível para conhecê-lo. O intelecto que entende o inteligível,
a essência, a ideia, tornada explícita, desindividualizada pelo intelecto agente, é o
intelecto passivo, a que pertencem as operações racionais humanas: conceber, julgar,
raciocinar, elaborar as ciências até a filosofia. É a doutrina do intelecto agente
(intelectus agens) como causa das abstrações das ideias e da formação dos juízos.
3º — Ontognoseologia. É a teoria do conhecimento que considera o sujeito que
conhece inseparável do objeto conhecível. Leva em conta, pois, a correlação essencial
e dinâmica entre o sujeito pensante e algo conhecível. Tenta-se o superamento de
explicações incompletas e unilaterais, ora polarizadas no sentido do sujeito, ora
convergidas inteiramente para o objeto, culminando, a problemática do conhecimento, em uma ontognoseologia, palavra que, de conformidade com as suas raízes
etimológicas, quer dizer, ao mesmo tempo, teoria do conhecimento e teoria do ser
enquanto objeto de conhecimento.(13) Assim pensa Miguel Reale que procura envolver
os problemas ontológicos e gnoseológicos, numa composição complementar que se
preocupa com o problema do “conhecer”, ao mesmo tempo que não deixa de lado o
problema do “ser”. É a chamada “ontognoseologia” que tem por objeto “o estudo das
inter-relações do ser e do conhecer acentuando a importância do ato do conhecimento, sem, entretanto, deixar de lado a indagação ontológica”.(14) Sob esse ângulo,
toda Gnoseologia corresponde a uma Ontognoseologia, uma vez que não podemos,
no processo de conhecimento, prescindir da “referência a algo”, ou seja, da referência
ao objeto do conhecimento, para mais especificamente se indagar da relação
cognoscitiva entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido. Com outras
palavras, no processo gnoseológico há a coexistência indispensável destes dois
(13) Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 44 e ss.
(14) CRETELLA JÚNIOR, José. Primeiras lições de direito. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 12.
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elementos: sujeito e objeto que se implicam e se complementam, sem que um termo
possa ser reduzido ao outro, e sem que, ao mesmo tempo, um deles possa ser pensado
sem o outro. Há, pois, o abandono de uma posição estática do conhecimento e
assunção de uma atitude dialética; e a dialética correspondente a essa ação mútua
somente pode ser uma dialética, chamada por Reale, de complementaridade ou de
implicação-polaridade, que leva em conta tanto as potencialidades do sujeito como
as peculiaridades e circunstâncias do objeto que é conhecido.(15)
d) Conhecimento vulgar e científico. Conhecer, como lembramos, é trazer para
nossa consciência algo que está fora de nós. Note-se que aquele algo que trazemos
para nossa consciência não é toda a realidade em si mesma, mas a sua representação
ou imagem, tal como o sujeito a constrói, e na medida da sua forma de apreensão.
Se o conhecimento é próprio do ser humano, nem todos os homens conhecem da
mesma forma; podem conhecer algo de maneira diversa: há um conhecimento vulgar
e um científico.
Conhecimento vulgar é aquele que vamos adquirindo à medida que as
circunstâncias o vão formando. É ele que nos fornece a maior parte das noções de
que nos valemos em nossa vida diária. De fato, grande parte de nossa vida se realiza
somente graças ao conhecimento vulgar. Ele não significa conhecimento errado;
significa apenas conhecimento não verificado, não dotado de certeza.
Já o conhecimento científico assinala outra atitude de espírito. Não se contenta
com os casos particulares em si, porque procura se elevar acima deles, buscando
aquilo que traduz uniformidade; não é um conhecimento do particular em si, mas
conhecimento do geral ou do particular em seu sentido de generalidade. Daí a afirmativa de Aristóteles de que não existe ciência a não ser do “geral”, a não ser do genérico.
Fazer ciência é libertar-se do que há de transitório, de particular, para se elevar ao
que há de constante nos fenômenos e, como tal, poder expressar-se em conceitos e leis.
Dando um passo adiante, podemos afirmar que o conhecimento científico é
um conhecimento metódico. É o método que faz a ciência; ele “é o caminho que se deve
seguir para chegar à verdade nas ciências” (Descartes); é “o caminho que deve ser
percorrido, para a aquisição da verdade, ou por outras palavras, de um resultado
exato ou rigorosamente verificado”.(16) Em suma, é o caminho que nos leva a um
conhecimento seguro e certo. O conhecimento científico verifica os próprios resultados,
pelo seu processo crítico, de acordo com as exigências metódicas. O conhecimento
vulgar, por sua vez, não resulta de uma verificação racional, ordenada, metódica;
(15) “Essa apreciação concomitante dos elementos subjetivos e objetivos do ato de conhecer equivale ao
superamento do transcendentalismo subjetivo do tipo kantiano, o qual converte o sujeito cognoscente em
legislador autônomo da natureza, visto reconhecer-se que o conhecimento seria impossível se não existissem
também condições transcendentais objetivas que servem de base ao processo cognoscitivo” (REALE, Miguel.
Introdução à filosofia. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 232).
(16) REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 10.
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pode ser certo, e em geral o é, mas não possui a certeza da certeza. Por derradeiro,
podemos dizer que o conhecimento científico é o conhecimento causal, um conhecimento através de causas (per causas); enquanto o conhecimento vulgar é o
conhecimento fortuito, casual, de casos.
e) Conhecimento científico e filosófico. Tratamos da diferenciação básica
entre o conhecimento vulgar e o conhecimento científico. Por sua vez, há também
uma diferença entre o conhecimento científico e o conhecimento filosófico. O primeiro
é o conhecimento no sentido da generalidade, enquanto o segundo é conhecimento
do universal. Isso significa que a ciência opera sempre uma generalização; só há
ciência do geral, ou melhor, do genérico. Porém as generalizações da ciência tornam
possível uma explicação mais geral, mais ampla. Só atingimos explicações universais,
quando atingimos explicações tão gerais que não é possível uma explicação ainda
mais geral ou ampla. Temos então o conhecimento filosófico. É em razão do seu
caráter universal que se vê a Filosofia como sendo a ciência por excelência, o saber
dos primeiros princípios ou das causas primeiras. A Filosofia busca, portanto, atingir
respostas de valor universal, não redutíveis a contingências de espaço e de tempo,
uma vez que se referem à essência mesma dos problemas.
Por outro lado, o conhecimento filosófico, além da universalidade, tem ainda
uma nota especial: o seu caráter crítico-axiológico, sem o qual o genérico não é superado
pelo universal. O termo criticar apresenta, contudo, várias extensões. Na linguagem
vulgar, tem um sentido pejorativo; significa ver nas coisas o que as coisas possuem de
negativo ou depreciável; põe entre parêntesis o que é bom, para ver só o que é mau.
Em sentido geral, não pejorativo, criticar é fazer apreciação de algo segundo determinado critério. Em Filosofia, a palavra “crítica” tem um sentido mais restrito: é a
apreciação dos pressupostos de algo segundo critérios de valor; daí a expressão “crítico-axiológico”, usada por Reale para pôr em realce o elemento valorativo como componente essencial do conhecimento crítico e como condição de sua objetividade.(17)
O olhar filosófico é sempre um olhar crítico-valorativo.
O fato é que, quando se faz uma crítica filosófica, o que se busca são as condições
primeiras, sem as quais a realidade não teria significação ou validade; o que se busca
é a explicação possível através da valoração. Quem filosofa, valora. Valorar é ver as
coisas sob prisma de valor. Não é avaliar. Valorar e avaliar são palavras de sentidos
distintos, embora complementares. Quando se compra um quadro, não se valora,
mas se avalia; compara-se um objeto (o quadro) com outros. Valorar, por sua vez,
pode ser a mera contemplação de algo em sua singularidade, sem confrontos ou
comparação, mas sob prisma de valor. Reale exemplifica: o crítico de arte valora um
quadro ou uma estátua, porque os compreende sob prisma valorativo, em seu
“sentido” ou “significado”; o negociante de arte avalia o quadro, depois de valorá-lo.
(17) Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 67.
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