REQUERIMENTOS METABÓLICOS E NUTRICIONAIS NO

Propaganda
.
~TCC/UNICAMP
W146r
1667 FEF/288
JANKIEL W ALDMAN NETO
REQUERIMENTOS METABÓLICOS E
NUTRICIONAIS NO FUTEBOL COMPETITIVO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
-FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA-
1999
TCC/UN!CAMP
W146r
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rr==========================l ~~~~fl~iiU~I,tiWUNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
-FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA-
REQUERIMENTOS METABÓLICOS E
NUTRICIONAIS NO FUTEBOL COMPETITIVO
Orientando: Jankiel Waldman Neto
Orientador: Prof Ms. Joaquim M F. Antunes Neto
Monografia de final de curso da disciplina
MH-640, sob a supervisão do Prof. Dr. Luis
Barco,
para
a obtenção do título de
Bacharel em Educação Física, na área de
Treinamento Esportivo.
CAMPINAS - 1999
Sumário
Introdução .................................................................................................... 5
Objetivos ....................................................................................................... 7
Metodologia .................................................................................................. 8
Capítulo 1- Vias Metabólicas Envolvidas no Futebol... ............................. 9
Capítulo 11- Aspectos Nutricionais no Futebol .......................................... 18
2.1. Requerimento de Carboidratos ................................................... 18
2.2- Requerimento de Lipídios ........................................................... 21
2.3- Requerimento de Proteínas ......................................................... 24
2.4- Requerimentos Líquidos .............................................................. 26
Considerações Sobre o Tema ..................................................................... 29
Referências Bibliográficas ......................................................................... 31
Resumo
A prática esportiva solicita do orgamsmo demandas energéticas ma1s
pronunciadas em relação às condições homeostáticas nonnais. No caso do
futebol, a obtenção de energia se dá por vias metabólicas anaeróbias e
aeróbias, dependendo da intensidade, duração e freqüência da movimentação
executada pelo jogador. Por ser wna modalidade esportiva que exige muito do
jogador, tanto no treinamento quanto nos inúmeros jogos realizados nwna única
temporada, a comissão técnica de urna equipe de futebol necessita do
conhecimento específico dos requerimentos nutricionais mais adeqüados para a
prática do futebol. A nossa monografia busca, por intennédio da literatura,
organizar infonnações científicas que possam auxiliar os profissionais da área
de Educação Física para o entendimento dos "requerimentos metabólicos e
nutricionais envolvidos no futebol".
5
Introdução
O futebol é um esporte de difusão mundial, sendo praticado por crianças
e adultos, independentemente da fàixa etária e social. Enquanto uma atividade
de lazer, o futebol pode ser vivenciado de maneira lúdica e sem restrições
táticas ou técnicas; não há também a necessidade de maiores preocupações
com aspectos de rendimento esportivo.
Contudo, quando se pensa no futebol como atividade de competição
esportiva, muitos fatores passam a ter importância. Os aspectos nutricionais
são diretamente responsáveis na delimitação da performance atlética de um
jogador. Tanto em condição de treinamento ou de jogo, deve-se haver um
acompanhamento direcionado e específico para cada jogador quanto a sua
ingestão de calorias. Uma alimentação inadeqüada pode induzir defasagem
nas reservas energéticas metabólicas, tal como redução no conteúdo de
glicogênio no figado e no músculo. Esta condição de insuficiência metabólica
pode resultar em fadiga e redução da capacidade de desempenho durante o
treinamento ou até mesmo no jogo. A deficiência nutricional, aliada a outros
fatores de interferência para uma boa adaptação à pratica esportiva, pode
induzir a um quadro classificado como "sindrome de supertreinamento" ou
"overtraining", impossibilitando que o organismo consiga atenuar as respostas
de estresse causadas pelo treinamento esportivo (figura I) (Eichner, 1995;
Hooper et ai., 1995).
6
perdade
. . b./"ld
r.
1rntatu.ae . . . .
per1 ormance
~
msoma
Estímulo Contínuo
e Elevado
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Crônica de
Adaptaçã.:J
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SUPERTREINAMENT~
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1
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(overtraining) , /
~
~
7
decréscimo nas reservas
man~festaçiJes
di.~fúnçfic.'
de Klicogênio
cardiovtl~iculare.\·
endócrinas
Figura 1. Principais sintomas da síndrome do supertreinamento. Adaptado de
Stone (1990).
Buscaremos abordar no desenvolvimento deste trabalho como o
conhecimento das características metabólicas envolvidas no futebol é de
extrema importância para o planejamento das atividades de treinamento. O
entendimento das diferentes vias metabólicas possibilita compreender as
demandas energéticas de cada jogador, considerando sua posição de jogo e sua
movimentação na partida.
7
Objetivos
Nosso trabalho tem como objetivos:
• analisar as vias metabólicas envolvidas no fUtebol, considerando a posição
do jogador e suas caracerísticas de movimentação;
• apresentar fundamentações teóricas sobre suplementação energética
específicas para a prática do futebol competitivo;
• conscientizar profissionais da área do treinamento esportivo sobre a
importância do conhecimento bioquímica e nutricional na esfera do
esporte que visa alto rendimento esportivo.
8
Metodologia
A fundamentação teórica desta monografia foi dada por meio de wna
pesquisa do tipo bibliográfica, a qual nos proporcionou a oportuuidade de
adquirirmos informações relativas aos dados científicos evidenciados nos
estudos sobre demandas metabólicas envolvidas no futebol e estratégias de
reposição energética.
As palavras-chave para a busca do material indexado foram: futebol e
metabolismo; futebol e adaptações bioquímicas; futebol e nutrição.
Nossas fontes de pesquisa localizaram-se na Biblioteca da Faculdade de
Biologia da UNICAMP, onde consultamos o Biological Abstracts; Biblioteca
da Faculdade de Educação Física, onde analisamos a indexação de artigos de
periódicos e livros sobre os temas envolvidos na monografia.
9
Capítulo 1- Vias Metabólicas Envolvidas no Futebol
O tecido músculo-esquelético apresenta vias metabólicas distintas, sendo
requeridas de acordo com as exigências impostas ao organismo. No caso do
exercício físico, as demandas metabólicas ocorrem de forma específica com a
intensidade, duração e freqüência do esforço realizado.
Além de fatores
metabólicos, variáveis neuromusculares são fundamentais para o controle do
movimento e sua continuidade durante contrações musculares repetitivas. A
figua 2 apresenta toda a complexidade envolvida nos mecanismos de
sustentação da contração muscular.
r--·-·~··-~---
!
I
I
I
I
o,
-='"
~
Anaeróbico
I IAL
I
I
~
i
I Neuromusculares
ATP-PCI
I
Músculo-
Sistema
Esquelético
Nervoso
Fibras
Contração Lenta
Fibras
Contração Rápida
Padrão de
Recrutamento
I
,j. Intensidade
t duração
~
=~=~-=~---~--"
I
Sistema CárdioRespiratório
Energéticos Aeróbico I
~~n·~.ry.~.,-,---•
Metabólicos
Sistemas
-·~--··
Especificidade da Contração
Muscular
!
t
Intensidade
,j. duração
I
I o,
IAL
IATP-PC I
Figua 2. Fatores metabólicos e neuromusculares da contração muscular.
lO
No caso das VJas metabólicas envolvidas para a sustentação das
contrações musculares, a figura 2 apresenta duas possibilidades metabólicas:
anaeróbia e aeróbia. O metabolismo anaeróbio independe do oxigênio para a
produção de energia, na fonna de ATP, enquanto que no aerobismo há maior
produção de ATP em decorrência de reações de oxidação.
A produção de
ATP, na fase anaeróbia, possui dois processos: o sistema ATP-PC e a glicólise
anaeróbia (Marzzoco, Torres, 1999).
!
Sistema ATP-PC. O músculo possui uma pequena concentração de ATP,
capaz de fornecer energia para a atividade contrátil intensa por apenas 2
segundos.
Desta fonna, para que contrações musculares de pronto
requerimento sejam realizadas, uma outra fonte de energia deve ser
utilizada: a fosfocreatina, que é sintetizada nos intervalos entre uma
contração e outra, através de fosforilação da creatina.
Creatina quimue
Creatina + ATP
<:::>
Fosfocreatina + ADP + ~t
O músculo consegue armazenar de 3 a 5 vezes mais fosfocreatina do que
ATP. Tanto fosfocreatina quanto ATP apenas poderão ser utilizadas como uma
fonna pronta de suprimento energético, devido às suas pequenas concentrações
no músculo. Relacionando com a prática esportiva, essas reservas energéticas
manifestam-se em provas como os 100 metros rasos do atletismo, um
movimento de ataque no voleibol, bem como um "sprint" de um atacante de
futebol em uma determinada circunstància da partida.
li
!J Glicólise Anaeróbia.
Para que a atividade contrátil possa ter continuidade
sem que haja única dependência do sistema ATP-PC para fornecimento de
energia, o músculo necessitará suprir suas necessidades energéticas através de
outras fontes metabólicas.
A glicólise anaeróbia, denominada também de
sistema do ácido lático, é uma etapa subsqüente do sistema ATP-PC, ocorrendo
por meio de degradação do glicogênio e produção de lactato.
O seu
funcionamento máximo se dá por volta de 40 a 50 segundos do iuicio da
atividade contrátil, sendo muito importante, por exemplo, numa situação onde o
lateral, no futebol, necessita realizar rapidamente a transição do ataque para a
defesa.
Em situações onde o esforço fisico é muito prolongado, o orgamsmo
busca a ativação de outros sistemas biológicos, tais como o respiratório e
circulatório, para que a oxidação da glicose seja completa e propicie a
produção de mais ATP. Essa fase é dependente do sistema aeróbio:
l-I
Sistema do Oxigênio. A oxidação aeróbia da glicose é o evento metabólico
que mais produz ATP.
A oxidação aeróbia completa da glicose se dá a partir do momento que a
glicólise anaeróbia não possibilita todo o fornecimento da energia necessária na
atividade fisica.
A glicólise anaeróbia possibilita que pouco ATP seja
ressintetizado.
Bioquimicamente explicando, o primeiro passo para a oxidação completa
da glicose ocorre com a conversão do piruvato a acetil-Coa; na glicólise
12
anaeróbia, a glicose é metabolizada até a formação de piruvato por intermédio
de duas fosforilações por ATP e duas por fosfato inorgânico; os quatro grupos
fosfato, sendo transferidos para ADP, formam quatro ATP. Acetil-Coa pode
ser totalmente oxidada a C02 pelo Ciclo de Krebs, havendo grande produção
de coenzimas reduzidas (NADH e FADH2); tais coenzimas reduzidas podem
ser reoxidadas na mitocôndria através da remoção de seus elétrons e prótons
por uma série de transportadores de elétrons até o oxigênio. A energia do
transporte de elétrons é aproveitada para a formação de um gradiente de
prótons, que possibilita a síntese de ATP. A oxidação completa da glicose
produzirá 38 ATP.
Vale ressaltar que a glicose não é obtida apenas dos
carboidratos !figura 3). As reservas de gordura do organismo, por meio de
suas moléculas de ácido graxo, podem ser transformadas em acetil-Coa e
participar das vias metabólicas do Ciclo de Krebs, possibilitando a produção de
grande quantidade de ATP. Da mesma forma, energia pode ser obtida dos
aminoácidos das proteínas estruturais de nosso corpo, fornecendo energia
direta aos músculos. O esqueleto de carbono dos aminoácidos pode contribuir
para a formação de ligações fosfato de alta energia. Contudo, esse processo de
obtenção de energia não é o mais adequado para o organismo, pois proteinas
do próprio músculo serão utilizadas como fonte energética.
13
I GORDURAS I
\j;
ácidos graxos + glicerol
ICARBOIDRATOS I
\j/
glicose/glicogênio :
aminoácidos
Maior
Ciclo de Krebs
Figura 3.
Produção
deATP
Interconversões metabólicas envolvidas para a produção de
energia.
Outro ponto importante apresentado pela figura 3 é a íi.mcionalidade do
ciclo de Krebs nos processos metabólicos para produção de energia. Será pelo
ciclo de Krebs que os resíduos dos carboidratos, proteínas e gorduras serão
metabolizados comumente: os resíduos desamínados dos amínoácidos em
excesso adentram no ciclo de Krebs em vários estágios intermediários; o
glicerol do catabolismo das gorduras advém para o ciclo por meio da via
glicolítica; os ácidos graxos são oxidados por oxidação beta para acetil-Coa,
adentrando diretamente no ciclo de Krebs. Também de extrema importância
para o fornecimento de energia são as interconversões dos diferentes
substratos: carboidratos em execesso podem se transformar em ácido graxo a
partir de acetil-Coa; contudo, ácidos graxos não podem ser metabolizados em
14
glicose pelo fato fato da reação ácido pirúvico ~ acetil-Coa ser irreversível e
também porque quaodo os ácidos graxos são metabolizados em acetil-Coa, eles
perderão seus carbonos na forma de C02; alguns aminoácidos também
conseguem sua conversão em glicose (McArdle et al. 1992).
Conforme as exigências do esporte, em termos principalmente de sua
duração, haverá o requerimento metabólico de urna via específica. Atividades
esportivas de curta duração e, conseqüentemente, executadas em altas
intensidade e freqüência do movimento, recorrerão ao metabolismo do sistema
ATP-PC. Com aumento na duração da atividade, haverá urna alteração nas
relações entre intensidade, duração e freqüência do movimento, o que também
refletirá no requerimento metabólico (figura 4).
100
%
E
n
'
50
'
•;
a
o
50
100
150
Duração do Exercicio (s)
Figura 4. Fontes energéticas da contração muscular.
A caracterização da utilização das vias metabólicas no futebol não é algo
tão simples, pois a movimentação de um jogador durante uma partida não
apresenta urna conformidade definida. No caso de um corredor de I 00 metros
15
rasos, sabe-se que durante sua prova os movimentos serão executados com
altas intensidade e freqüência em um curto período de duração. No caso de um
jogador de futebol, sua movimentação varia de acordo com a posição em
campo, a tática utilizada, a profundidade de um lançamento, por exemplo. Se
considerarmos o tempo total da partida de futebol (2 tempos de 45 minutos),
podemos afirmar que o jogo possui uma característica metabólica aeróbia;
contudo, ser analisarmos a movimentação de um zagueiro com característica
fixa em seu posicionamento, veremos uma grande parcela do metabolismo
anaeróbio contribuindo para o fornecimento de energia.
Barbanti (1986) cita um interessante trabalho que analisou movimentação
dos jogadores durante uma partida de futebol. Sem considerar as posições de
jogo, o trabalho mostrou que a distância total média percorrida foi de 8.680 m,
sendo 36,8% (3.187) trotada; 24,8% (2.150 m) andando; 20,5% (1.810 m)
correndo em velocidade submâxima; 11,2% (974 m) em "sprínt" e 6,7% (559)
correndo de costas. A distância média de cada atividade (correndo, andando,
trotando) foi I O m, havendo mudanças entre elas a cada 5 s, aproximadamente.
Já o goleiro percorreu cerca de 3.972 m durante o jogo, onde 10,3% desta
distância foi com a bola; 33,7% foi andando; 24,7% trotando; 12,5% correndo
em velocidade submâxima; 0,8% em "sprínt" e 25,6% movendo-se para trás.
A tabela 1 apresenta os resultados da pesquisa, considerando a posição
do jogador:
16
Distância (m)
Freqüência dos
Movimentos
Posição
Atividade
Média
llesvio Padrão
Média
Desvio Padrão
Trotando
4.042
540
288
30
V. Submáxima
2.159
314
118
20
1.063
162
68
15
2.034
368
315
51
507
295
106
38
Total
9.805
787
895
-
Trotando
2.907
431
226
50
1.588
281
109
15
787
284
52
11
2.293
388
331
28
670
208
138
38
Total
8.245
816
856
-
Trotando
2.908
346
225
37
V. Submáxima
1.596
254
110
14
Sprint
829
113
59
lO
Andando
1.774
316
276
25
Correndo p/trás
652
305
131
41
Total
7.759
521
801
-
Trotando
2.769
616
210
32
1.752
437
114
14
Sprint
1.068
252
65
17
Andando
2.310
558
304
58
498
167
117
31
8.397
710
810
-
Meio de Campo Sprint
(n = 11)
Andando
Correndo p/trás
Zagueiros
Laterais
(n=8)
V. Submáxima
Sprint
Andando
Correndo pltrás
Zagueiros
Centrais
(n =8)
Atacantes
(n = 14)
V. Submáxima
Correndo pltrás
Total
Tabela 1. Distâncias percorridas de acordo com a posição do jogador de
futebol. Adaptado de Barbanti (1986).
17
Analisando a tabela 1, percebemos que, independente da posição, todos
jogadores de futebol realizam movimentos que se enquadram numa
característica de requerimento metabólica anaeróbia. Os jogadores que atuam
no meio de campo e os atacantes são os que mais executam "sprints" durante
uma partida, enquanto que os jogadores de defesa possuem característica de
jogo menos veloz. Isso tem a ver com as funções estabelecidas para cada
posição: os jogadores de meio de campo participam efetivamente na armação
do jogo realizando a transição defesa-ataque, sendo responsáveis em
estabelecer velocidade ao ataque.
Da mesma forma, devem retomar
rapidamente à defesa, pois são importantes na marcação dos jogadores
adversários; os atacantes buscam na velocidade de contra-ataque a
oportunidade de surpreender o adversário. Os zagueiros, por terem uma função
mais específica na partida, que é impedir a aproximação do adversário à grande
área do goleiro, possuem um posicionamento mais delimitado de atuação, com
menos "sprints" na partida.
Mas a partida de futebol, sendo analisada de uma forma global, tem um
perfil metabólico aeróbio: o tempo de duração de cada fase da partida é de 45
minutos; os "sprints" são intercalados por trotes ou corridas de velocidade
submáxima. Portanto, vale dizer que os jogadores em uma partida de futebol
utilizam as duas possibilidades de requerimento metabólico: anaeróbia e
aeróbia. O que vai determinar o maior requerimento de um metabolismo ou
outro será o ritmo de jogo estabelecido por cada jogador de acordo com as
características de sua função.
18
Capítulo 11- Aspectos Nutricionais no Futebol
2.1- Requerimento de Carboidratos
Os carboidratos e lipídios são importantes substratos para o metabolismo
oxidativo. O glicogênio muscular, derivado dos carboidratos, são utilizados na
glicólise anaeróbia nas condições de exercícios de alta intensidade.
Desta
forma, parece claro a importância de urna suplementação adeqüada de
carboidratos na prática do futebol competitivo.
Os carboidratos utilizados durante urna partida de futebol são requeridos,
principalmente, do glicogênio estocado nos músculos. Bangsbo (1994a) cita
que glicose pode ser obtida também da corrente sangüínea pelos músculos:
durante a partida, a concentração de glicose sangüínea pode ser maior do que
em repouso, com os jogadores vindo a apresentar valores próximos de 4
mmol/l; a glicose circulante advém do figado e, no caso de jogadores bem
treinados e suplementados, raramente chegarão ao final da partida em estado de
hipoglicemia.
Saltin ( 1973) apresentou que o nível de glicogênio muscular poderia
influenciar a performance durante urna partida de futebol.
Para realizar o
trabalho, dividiu os jogadores em dois grupos: um grupo com nível normal de
glicogênio muscular e outro grupo com metado do nível de glicogênio muscular
estabelecido para o primeiro. A figura 5 apresenta os resultados obtidos pelo
experimento:
19
D caminhada
11 corrida
metros
14.000
L2.000
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
o
Alto Nível de
Glicogênio
Baixo Nível de
Glicogênio
Muscular
Muscular
Figura 5. Distância corrida e caminhada em condições de alto e baixo
níveis de glicogênio muscular. Adaptado de Saltin (1973).
A distância percorrida pelos jogadores foi obtida através de filmagem da
partida. A distância de corrida foi 24% menor no grupo com baixo nível de
glicogênio muscular, sendo que, para este grupo, a distância caminhada chegou
a 50% da distância total percorrida (Saltin, 1973 ).
De acordo com Williams (1995a), os atletas deveriam consumir mais
carboidratos do que os 50% de ingestão energética diária recomendados para
pessoas menos ativas.
A razão para maiores níveis de consumo de
carboidratos se deve ao fato que os exercícios exaustivos de alta intensidade
necessitam de glicogênio como fonte metabólica e que a fadiga muscular
também se associa com depleção das reservas de glicogênio (Hargreaves,
1994). A recomendação de uma dieta de carboidratos que cubra cerca de 60%
20
da energia gasta diariamente parece ser suficiente para atletas envolvidos em
sessões de treinamento exaustivas. Em períodos que antecedem elevação da
carga de treinamento e de competição, a ingestão de carboidratos deve
aumentar para aproximadamente 70% do consumo energético diário.
São
recomendadas dietas para atletas que contenham entre 4.5 - 6.0 g/kg massa
corporal por dia e que, quando há a necessidade de uma recuperação rápida, o
consumo de carboidratos aumente para 9.0- 10.0 g/kg massa corporal por dia
(Williams, 1995a).
Um ponto de extrema importância numa circunstância de treinamento
que visa alto rendimento esportivo encontra-se na dinâmica dos processos de
restabelecimento metabólico, a fim de se possibilitar, desta forma, o emprego
de um volume de trabalho total máximo possível. Para se obter tal condição, o
técnico necessita conjugar a correta alternância entre carga de treinamento e
tempo de recuperação dos parâmetros metabólicos, evitando a instalação de um
quadro de supertreinamento. Vale dizer que há diferença no dinamismo da
recuperação
entre
cargas
de
treinamento
consecutivas
similares
e
diversificadas, o que toma complexa a estruturação do microciclo subseqüente
(tabela 2).
r '· il ••lctro l\1etabólico
ATP dos músculos e fosfato de creatina
Reservas de glicogênio nos músculos
Reservas de glicogênio no figado
Excesso de lactato no sangue
Síntese de enzimas e carboidratos
estruturais
Tempo mmimo
2 minutos
5 horas
desconhecido
30 minutos
12 hora
I
f m~o 1\'üxJmo
I
5 minutos
48 horas
48 horas
2 horas
72 horas
Tabela 2. Tempos mmzmos e maxzmos de restabelecimento dos diferentes
parâmetros metabólicos. Adaptado de Viru (1994).
21
No caso do futebol, o acúmulo de competições numa mesma temporada,
sendo muitas vezes disputadas duas ou mais competições ao mesmo tempo,
tendo ainda o treinamento intenso intercalado com os jogos, é um fator
preocupante no que diz respeito ao tempo de supercompensação metabólica.
Kirkendall (1993) salienta que as ações durante uma partida de futebol são
limitadas, sobretudo, pelos níveis de glicogênio muscular; contudo, se os
hábitos dietários de um jogador de futebol não são adeqüados com suas
condições de treinamento e competição, muitas vezes ele poderá entrar numa
partida com suas reservas de glicogênio muscular em déficit.
A tabela
2 nos mostra que o restabelecimento das reservas de
glicogênio no músculo e no figado pode demorar até 48 horas após o exercício.
Sabe-se que muitas equipes chegam a disputar até três partidas numa única
semana, o que exige uma suplementação de carboidratos e até de outros
nutrientes, tal como vitaminas anti-oxidantes (Clarkson, 1995).
No futebol
profissional, há a necessidade de se haver wn trabalho multi-disciplinar, com a
participação essencial de uma nutricionista trabalhando em conjunto com o
preparador fisico e o técnico.
2.2- Requerimento de Lipídios
As pesquisas mostram que a concentração de ácidos graxos livres no
sangue aumenta durante uma partida de futebol competitivo, sendo que no
segundo tempo da partida há um aumento mais preponderante (Bangsbo,
1994b).
A concentração aumentada de ácidos graxos livres no sangue é
derivada tanto do tecido adiposo quanto das reservas de triglicerídios do
22
músculo, podendo também ser advinda de trigliceridios
intramusculannente (Hargreaves, 1994).
localizados
Talvez, no caso de jogadores de
futebol, que estão em constante ritmo de treinamento e competição, as reservas
de gordura sejam requeridas, sobretudo, dos trigliceridios musculares, haja
visto que o nível de gordura corporal (tecido adiposo) em um atleta é bem
menor do que em sujeitos com um estilo de vida menos ativo.
A figura 6 ilustra a participação dos ácidos graxos livres durante uma
partida de futebol:
1.200
1.000
A
G
800
L
600
(J..Lmol/1)
400
200
o
Aquecimento
Primeiro
Tempo
Segundo
Tempo
Figura 6. Concentração de ácidos graxos livres (AGL) em seis jogadores de
futebol antes, durante e após uma partida. Adaptado de Bangsbo (1994).
23
A figura 6 mostra que as reservas de ácidos graxos tomam-se uma fonte
importante de energia no segundo tempo de uma partida de futebol. Na fase de
aquecimento e durante boa parte do primeiro tempo, parece haver
preponderância do glicogênio como recurso energético. Logo após o retomo
ao segundo tempo, há uma queda da utilização dos ácidos graxos como fonte
energética, talvez pelo fato dos eventos oxidativos não estarem totalmente
ativados ainda; com o prolongar da partida, a utilização de lipídios como fonte
metabólica passa ser requisitada de forma mais intensa.
Muitas vezes, o atleta procura não ingerir alimentos ricos em gordura,
com a preocupação de não aumentar sua massa gorda. Contudo, a redução de
ingestão de gorduras pode trazer até conseqüências negativas: além dos lipídios
serem importantes na produção de energia em condição de exercícios de longa
duração, eles também contribuem como elementos de constituição de
membranas de uma variedade de células, entre elas as membranas de tecido
neural. Ácidos graxos essenciais devem fazer parte da dieta de um atleta, mas
com restrição aos ácidos graxos saturados. Os guias dietários recomendam que
ácidos saturados não devem ultrapassar de 10% do constuno total energético
diário, enquanto que a gordura necessária pode ser providenciada de ácidos
graxos mono-insaturados (15%), ácidos graxos poli-insaturados (6%), ácido
linoleico ( 1%), ácido linolênico (0,2%) e ácidos trans-graxos (< 2%) (Williams,
1995a).
24
2.3- Requerimento de Proteínas
Embora a importância de carboidratos e lipídios como fontes primárias
de energia seja bem estabelecida na literatura, o papel das proteínas dietárias
no metabolismo requerido no futebol ainda é controverso.
Os aminoácidos, que são os componentes formadores das proteínas,
podem ser oxidados durante atividades fisicas de longa duração e produzir
energia.
No caso de uma partida de futebol, os jogadores podem percorrer
uma distância entre 9.000- 11.000 metros durante os 90 minutos de jogo, com
a freqüência cardíaca chegando a 160 batimentos por minuto e concentração de
lactato no sangue de 6-1 O mM. Esta condição metabólica parece ser suficiente
para envolver degradação de aminoácidos; mas a oxidação de aminoácidos é
inversamente relacionada à disponibilidade de glicogênio. Assim, o que vai
estabelecer a necessidade de proteínas como fonte de energia será a
insuficiência de glicogênio hepático e muscular para subsidiar as reações
metabólicas (Lemon, 1994 ).
Qual seria o efeito metabólico para jogadores de futebol que consomem
uma quantidade insuficiente de proteínas pela dieta?
O principal efeito
metabólico é um aumento na degradação de aminoácidos, principalmente para
jogadores envolvidos em sessões de treinamento exaustivas e de longa duração,
que disputam duas ou três partidas na semana. No caso de dietas ricas em
proteína, hflverá excreção dos aminoácidos em excesso na forma de uréia na
urina, pois ,o organismo não armazena aminoácidos. Como estamos pensando
em condiV#o de insuficiência protéica advinda da dieta, o que acontecerá será
25
uma perda de massa protéica corporal e redução dos processos de síntese
(Lemon, 1994).
Uma conseqüência direta deste quadro pode ser queda na
performance atlética, com redução da potência muscular e da capacidade de
armazenamento de outras reservas metabólicas, principalmente de glicogênio
muscular. Afigura 7 apresenta essa condição metabólica:
Ponto Critico para a
Performance Atlética
Utilização
Utilização
de
de
Glicogênio
Muscular
Proteínas
'--------------,=
Duração da Atividade
Figura 7. Relação da utilização de glicogênio muscular e degradação de
proteínas em decorrência da duração do exercício.
A Organização Mundial da Saúde recomenda que pessoas com estilo de
vida normal consuma cerca de 0.8 wl'g massa corporal de proteínas por dia.
No caso de atletas, esta
recomenq~Wão
deve ser bem maior: atletas envolvidos
em provas de força e velocidade peveriam consumir cerca de 1.2 - 1.7 glkg
26
massa corporal de proteínas por dia, enquanto que atletas de provas de
endurance 1.2 - 1.4 glkg massa corporal de proteínas por dia (Williams,
1995a).
Devido a significante participação do componente endurance no
futebol, provavelmente as necessidades dietárias protéicas dos jogadores sejam
similares.
2.4- Requerimentos Líquidos
Como vimos, o futebol é um esporte com intensidade de esforço físico
variável. As maiores causas de fadiga muscular estão associadas com depleção
das reservas energéticas, especialmente de glicogênio muscular.
Contudo,
problemas associados com termorregulação e balanço fluido também atuam
preponderantemente para a instalação de um quadro de fadiga muscular.
A desidratação severa é potencialmente fatal: a prática de exercício
físico em condição desidratada leva a uma rápida elevação da temperatura
corporal e o início de desnaturação de estruturas celulares. A desidratação é o
resultado da necessidade do organismo para manter a temperatura corporal em
valores próximos a 37°C. Durante o exercício, a produção de calor aumenta e
uma forma de ocorrer diminuição da temperatura corporal é através da
elimínação de água corporal na forma de suor (Maughan, Leiper, 1994).
Observou-se que, quando o atleta, por desidratação, perde 2% de seu
peso corporal, a performance atlética passa a ser prejudicada; quando a
diminuição do peso corporal ultrapassa 5%, a capacidade de realizar trabalho
decresce em 30%.
A capacidade cognitiva também é prejudicada nas
27
condições de desidratação e hipertennia, porém existe pouca informação sobre
tal alteração (Maughan, Leiper, 1994).
O volume, a freqüência de ingestão e a natureza do líquido são fatores
que influenciam as alterações corporais durante uma condição que propicia
desidratação (Kirkendall, 1993). Como a concentração de glicogênio muscular
no final de uma partida de futebol é limitada, a ingestão de soluções
carboidratadas antes e durante o jogo pode trazer beneficios. Bangsbo (1994b)
relata trabalhos onde jogadores que realizaram ingestão de soluções líquidas
com carboidratos apresentaram no final da partida maiores concentrações de
glicogênio muscular. Alguns fatores devem receber atenção:
+ o volume de líquido a ser ingerido dependerá de fatores como a temperatura
ambiente e a umidade relativa do ar; da mesma forma, a quantidade a ser
ingerida depende de características individuais de sudorese, da mobilização
do atleta na partida, por exemplo.
+ a composição ótima de uma bebida carboidratada ainda necessita de estudos
sobre a concentração e a forma de carboidratos empregadas, o conteúdo de
eletrólitos, osmolaridade, pH, volume e temperatura.
Um ponto interessante relatado por Williams (1995b) é sobre a
manipulação do peso corporal através da eliminação da água corporal. Em
atletas, a quantidade de água corporal é de aproximadamente 60% da massa
corporal total.
Muitos atletas utilizam-se de diuréticos para aumentar a
perfomance em provas de curta duração, como, por exemplo, nas provas de
28
salto. Contudo, o uso de diuréticos prejudica a performance em provas de
longa distância e duração!
29
Considerações Sobre o Tema
A literatura apresenta uma vasta quantidade de informações sobre os
aspectos metabólicos e nutricionais relacionados à prática esportiva.
Da
mesma forma, especificamente na modalidade de futebol, muitos trabalhos de
caráter aplicado são desenvolvidos na perspectiva de trazer subsídios
científicos aos técnicos e preparadores fisicos, bem como para todas as pessoas
envolvidas no futebol. Muitas vezes, contudo, tais informações não atingem o
público mais necessitado de tais informações, ou seja, os próprios técnicos,
preparadores fisicos e, principalmente, os jogadores.
O que pode contribuir para isso é a ausência de disciplinas curriculares
nas faculdades que apresentem a aplicação das pesquisas científicas. Outro
fator importante que impede a aproximação das pessoas envolvidas com a
prática do futebol com as informações científicas pode ser traduzido pelos
velhos jargões, como "o futebol é uma paixão nacional" ou "todo brasileiro é
um tecnico de futebol".
A relação paixão-futebol deve ser intrínseca ao
torcedor, não podendo ser transferida de forma exacerbada para uma comissão
técnica de uma equipe profissional! O conhecimento científico já organizado
na área do futebol poderia ser muito melhor aplicado pelas próprias equipes de
competição.
Nosso trabalho apresentou apenas alguns fatores relacionados com o
metabolismo e os requerimentos nutricionais. Não abordamos de forma tão
específica os aspectos nutricionais das mulheres praticantes do futebol
competitivo (Brewer, 1994). O fute:Wl feminino hoje é um fenômeno esportivo
30
de dimensão mundial, recebendo mais atenção do que o futebol masculino em
países como os Estados Unidos. Outro ponto importante que merece atenção é
sobre a prática do futebol por jovens atletas. Bar-Ore Unnitham (1994) trazem
importantes informações sobre os requerimentos nutricionais dos adolescentes
jogadores. Muitas vezes, jovens atletas participam da mesma estrutura de
treino e competição dos jogadores adultos profissionais, o que pode trazer
complicações posteriores, como lesões crônicas.
Kibler (1993) sugere que
técnicos que realizam trabalhos com jovens atletas necessitam, sobretudo, de
uma educação diferencial para lidar com os problemas do treinamento e
competição.
No campo nutricional, ainda, outras formas de suplementação são
apresentadas pelas pesquisas científicas (Fogelholm, 1994; Clarkson, l995a).
A utilização de vitaminas e minerais (micronutrientes) é até muito difundida no
meio esportivo, mas seus efeitos ergogênicos nem sempre são de conhecimento
dos atletas. Desta forma, o nosso trabalho foi uma proposta de aproximar as
pessoas envolvidas com o futebol com uma pequena parte das informações
científicas encontradas na literatura. O acesso a tais informações hoje, com o
intermédio da internet e o acesso facilitado às bibliotecas das universidades, é
um fator positivo e que possibilita a disseminação do conhecimento já
elaborado.
31
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