Revisão Sistematizada Síndrome do ovário policístico: aspectos atuais das abordagens terapêuticas – Parte 2 Polycystic ovary syndrome: current aspects of the therapeutic interventions – Part 2 Almir Antônio Urbanetz1 Maria Theresa Costa Ramos de Oliveira1 Christiane Gruetzmacher1 Mauri José Piazza1 Newton Sérgio de Carvalho1 Palavras-chave Síndrome do ovário policístico Tratamento Revisão Obesidade Infertilidade Keywords Polycystic ovary syndrome Treatment Review Obesity Infertility Resumo A segunda parte desta revisão inclui as demais opções de tratamento da síndrome do ovário policístico (SOP). O citrato de clomifeno (CC) é utilizado na dose de 50 a 200 mg/dia durante cinco dias a partir do segundo ao quinto dia do ciclo menstrual. A taxa de ovulação após o tratamento com CC é de aproximadamente 73% e a de gravidez em torno de 36%. Com os análogos do GnRH ocorre redução dos níveis de gonadotrofinas e diminuição da secreção de estrógenos e androgênios. O principal risco da estimulação com gonadotrofinas é a gestação múltipla. Anastrazole e letrozole pertencem à classe dos inibidores da aromatase de terceira geração. As taxas de ovulação e gestação com letrozole variam de 54,5 a 82,4% e 9 a 25%, respectivamente. Não ocorreu diferença significativa nas taxas de ovulação e gestação entre o uso de 2,5 mg de letrozole em comparação com 1 mg de anastrozole. O uso da N-acetilcisteína (NAC) sugere melhora significativa da sensibilidade à insulina em mulheres com SOP. Os contraceptivos hormonais orais combinados permanecem como tratamento predominante para redução do hiperandrogenismo e das irregularidades menstruais em mulheres que não desejam engravidar. Os antiandrógenos são utilizados principalmente para diminuir as queixas de hirsutismo e o efeito será percebido em 9 a 12 meses de tratamento. Muitas mulheres se submetem à cauterização ovariana ou a laser por videolaparoscopia tendo restauração espontânea da ovulação com gravidez subsequente. Porém, os benefícios potenciais destas intervenções tendem a ser atenuados devido à formação de aderências. Abstract The second part of this review includes other treatment options for polycystic ovary syndrome (PCOS). The clomiphene citrate (CC) is used in a dose of 50 to 200 mg/day for five days, beginning from the second to fifth day of the menstrual cycle. The ovulation rate after the treatment with CC is approximately 73% and the pregnancy rate is about 36%. With GnRH analogues, there is a reduction in gonadotrophin levels and a decrease of androgen and estrogen secretion. The major risk due to stimulation with gonadotrophins is the multiple gestation. Anastrozole and letrozole belong to the class of third-generation aromatase inhibitors. The rates of ovulation and pregnancy with letrozole vary from 54.5 to 82.4% and from 9 to 25%, respectively. There was no significant difference in ovulation and pregnancy rates with the use of 2.5 mg of letrozole compared to 1 mg of anastrozole. The use of N-acetyl Cysteine (NAC) suggests significant improvement in insulin sensibility in women with PCOS. The combined oral hormonal contraceptives are still the predominant treatment to decrease hyperandrogenism and menstrual irregularities in women who do not want to get pregnant. Anti-androgens are used mainly to diminish complaints of hirsutism and the effect will be noted after 9 to 12 months of treatment. Several women undergo ovarian cauterization or with laser by videolaparoscopy having their ovulation spontaneously restored with subsequent pregnancy. However, the potential benefits of these interventions might be attenuated due to adhesion formations. 1 Departamento de Tocoginecologia do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Paraná (PR), Brasil Urbanetz AA, Oliveira MTCR, Gruetzmacher C, Piazza MJ, Carvalho NS Citrato de clomifeno O citrato de clomifeno (CC) permanece como o tratamento de primeira escolha para indução da ovulação em mulheres anovulatórias com síndrome do ovário policístico (SOP). O mecanismo de ação não é inteiramente conhecido, mas sabe-se que envolve o bloqueio do mecanismo de feedback negativo que resulta em aumento da secreção de FSH (hormônio folículoestimulante).1 (D) CC é dado na dose de 50 a 150 mg/dia, por cinco dias, começando nos dias 2, 3, 4 ou 5 da menstruação espontânea ou induzida. A dose recomendada para o primeiro ciclo de tratamento é de 50 mg/dia. Se a ovulação é obtida, não há necessidade de aumentar a dose nos ciclos subsequentes. Se não há resposta, isto é, não há evidência de ovulação, a dose pode ser aumentada, acrescentando-se 50 mg nos ciclos subsequentes até que a ovulação seja obtida. Doses maiores que 150 mg/dia não parecem conferir qualquer aumento significativo nas taxas de ovulação ou de gravidez. A falha na indução da ovulação com doses máximas (resistência ao CC) é mais comum em mulheres obesas e naquelas com altas concentrações séricas de androgênio, insulina ou LH.2 (D) Apesar de os resultados de grandes estudos sugerirem que a monitorização por ultrassom (US) não é mandatória para assegurar bons resultados,3 (C) a prática em muitos centros é monitorar o primeiro ciclo, e baseando-se na resposta observada, permitir o ajuste da dose nos ciclos subsequentes. Na ausência da monitorização completa do ciclo, uma ecografia pré-tratamento é frequentemente realizada para avaliar o morfologia do ovário e do endométrio, que podem ser acompanhadas por dosagens de progesterona sérica (tipicamente uma ou duas amostras na fase lútea estimada) não há evidência que a administração de gonadotrofina coriônica humana (hCG) no meio do ciclo melhore as chances de concepção4 (A). O tratamento geralmente deve se limitar a seis ciclos5 (C)6 (D). Mais ciclos (máximo de 12 no total) podem ser considerados em casos individualizados, após discussão com a paciente. No entanto, a terapia de segunda linha com FSH ou cirurgia laparoscópica de ovário normalmente são consideradas neste momento5 (C). Efeitos adversos do CC não são comuns e incluem hiperestimulação ovariana, distensão abdominal, distúrbios visuais e ondas de calor2 (C). A taxa de ovulação após o tratamento com CC é de aproximadamente 73% e a taxa de gravidez é em torno de 36%, Tabela 16 (D). Pensa-se que essa diferença entre a taxa de ovulação e a taxa de gestação pode ser devido aos efeitos antiestrogênicos do CC no desenvolvimento endometrial e no muco cervical.2(D) Análogos do GnRH Os agonistas do hormônio liberador das gonadotrofinas (GnRH) têm sido largamente utilizados para supressão hipofisária em mulheres submetidas a estímulo ovariano controlado para ciclos de fertilização in vitro (FIV)7 (C), bem como para o tratamento dos achados clínicos e endocrinológicos da SOP8 (B). A secreção pituitária normal requer a presença da secreção pulsátil de GnRH entre uma faixa crítica. Um aumento na amplitude e frequência de pulsos de LH e um aumento nos níveis médios de LH bioativo são demonstrados na SOP9 (B). Como o resultado da redução das gonadotrofinas pelos análogos do GnRH, haveria a redução de andrógenos ovarianos, secreção de estrogênio e também do hirsutismo8 (B). Çiçek et al.8 (B) demonstraram que o tratamento com análogos de GnRH resultou em um aumento dos níveis séricos de FSH e SHBG e uma diminuição nos níveis de LH, LH/FSH, testosterona total e o sulfato de dehidroepiandrosterona (DHEAS). Concluíram que pela diminuição da concentração de LH houve também uma diminuição na concentração de testosterona. Porém, não conseguiram explicar a diminuição dos níveis de DHEA, que é secretado pela adrenal.8 (B) O uso concomitante de análogos do GnRH com a administração de gonadotrofinas para aumentar a taxa de gravidez em pacientes submetidas à indução da ovulação não está completamente estabelecido10 (B). Além disso, a terapia combinada foi associada a um aumento do risco de síndrome da hiperestimulação Tabela 1 - Resultados do tratamento com citrato de clomifeno: revisão de artigos publicados Autores McGregor et al. (1968) Garcia et al. Gysler et al. Hammond Kousta et al. Messinis, Milingos Imani et al. Total (% de pacientes) Fonte: Homburg.6 340 FEMINA | Junho 2009 | vol 37 | nº 6 Número de pacientes 4.098 159 428 159 128 55 259 5.268 (100) Ovulações 2.869 130 364 137 113 51 194 3.858(73) Gestações 1.393 64 184 67 55 35 111 1.909 (36) Abortos 279 16 24 10 13 4 11 357 Nascidos vivos 1.114 48 160 57 42 31 98 1.550 (29) Síndrome do ovário policístico: aspectos atuais das abordagens terapêuticas – Parte 2 ovariana11 (A). Por essa razão, a taxa significativamente alta de hiperestimulação, o risco associado de gestação múltipla, o inconveniente adicional e o custo da administração concomitante de agonistas de GnRH, na ausência de aumentos documentados de sucesso na gestação, não justifica a rotina do uso de análogos de GnRH durante a indução de ovulação com gonadotrofinas em pacientes com SOP1 (D). Gonadotrofinas Em pacientes com SOP a maior dificuldade com a indução da ovulação com FSH é a estimulação concomitante de vários folículos ovarianos, que são mais sensíveis ao FSH12 (D). Uma vez que vários folículos se desenvolvem concomitantemente, o hCG é administrado no tempo apropriado para o desencadeamento final da maturação do oócito e a ovulação é extremamente difícil, senão impossível, é preciso controlar o número de oócitos que serão ovulados e capturados pelas fímbrias da tuba uterina. Reconhecendo que o principal risco da estimulação com gonadotrofinas na mulher com SOP é a gestação múltipla, vários protocolos de estimulação têm sido descritos para maximizar o número de ciclos unifoliculares no tratamento e, assim, minimizar o número de gestações múltiplas. Estes tendem a ser regimes de baixa dosagem, tanto começando com uma baixa dosagem (75IU FSH) e aumentando diariamente, não mais que 37,5 IU FSH,13 (C) ou começando com uma alta dose, e rapidamente diminuindo a dose, caso o folículo-controle exceda determinado tamanho, por exemplo, 10 mm14 (B) . Esses estudos indicam que até 70% de ciclos ovulatórios podem ser obtidos com tais regimes, com taxas de gestação de 20% em cada ciclo e taxas de gestação múltipla de 6% por ciclo12 (D). Recentemente, baseando-se na ideia de que supressão de insulina em mulheres com SOP submetidas à estimulação com FSH pode melhorar a sensibilidade dessas pacientes ao FSH, a administração de metformina e FSH tem sido estudada. Uma metanálise de três estudos15 (A) mostrou uma tendência de melhora das taxas de gestação por ciclo usando metformina + FSH em mulheres com resistência ao citrato de clomifeno quando comparado ao FSH isolado (taxa de gravidez=28,5 versus 10%, OR= 3,46), mas este resultado não é estatisticamente significante devido ao pequeno número da amostra (n=84). O limite de confiança foi de 95% e o intervalo de confiança foi de 0,98 até 12,2. Uma metanálise da administração de metformina e FSH na FIV (fertilização in vitro) indicou que a síndrome de hiperestimulação ovariana foi reduzida (OR=0,21; IC95%=0,11-0,41)15 (A). Anastrazole e letrozole Anastrazole e letrozole são drogas que pertencem à classe dos inibidores da aromatase de terceira geração, enzima responsável por converter os androgênios produzidos nas adrenais em estrógenos. São usadas na terapia adjuvante e no tratamento do câncer de mama metastático, principalmente naqueles com receptor de estrógeno positivo. Essas drogas têm efeito na diminuição da quantidade de estrogênio sintetizada pelo organismo, suprimindo os níveis de estradiol sérico. Desse modo, tais drogas têm sido utilizadas para induzirem ovulação. A ação dessas drogas na indução da ovulação ocorre devido ao efeito de feedback negativo no eixo hipotálamo-hipófise ou pelo aumento da sensibilidade dos folículos ao FSH ao acumular androgênios intraovarianos16 (D). Como o citrato de clomifeno, os inibidores da aromatase reduzem a estimulação do eixo hipotálamo-hipófise, mas o fazem reduzindo a biossínetese do estrogênio. Pacientes que são resistentes ao citrato de clomifeno são mais sensíveis para indução da ovulação com inibidores da aromatase, como o letrozole, que apresenta menores efeitos colaterais no espessamento endometrial comparado ao clomifeno e um possível risco diminuído de gravidez múltipla17 (B). Um estudo controlado randomizado mostrou que o letrozole possui menor estimulação ovariana quando comparado ao clomifeno, o que poderia contribuir para um menor número de gestações múltiplas18 (A). Alguns países, entretanto, não recomendam o uso dos inibidores da aromatase pela possibilidade de malformações fetais19 (A). Muitos dos estudos incluíram mulheres com infertilidade inexplicada e com disfunção ovulatória. A Tabela 216 Tabela 2 - Resumo das taxas de gestações em mulheres com SOP submetidas à indução da ovulação com letrozole Autor Mitwally, Casper Bayar et al. Elnashar et al. Atay et al. Sim Taxa de ovulação (letrozole) 75% (9/12) Taxa de gestação (letrozole) 25% (3/12) Não 81% (42/52) 9% (5/52) Sim 54,5% (24/44) 13,6% (6/44) Não 82,4% (42/51) 21,6% (11/51) Tipo Pacientes Resistência ao CC Aberto Randomizado e controlado Aberto Randomizado e controlado n = 12 (SOP) n = 46 (infertilidade anovulatória) n = 44 (SOP) n = 51 (SOP) Fonte: Legro et al. CC: citrato de clomifeno. 3 FEMINA | Junho 2009 | vol 37 | nº 6 341 Urbanetz AA, Oliveira MTCR, Gruetzmacher C, Piazza MJ, Carvalho NS (D) resume as taxas de ovulação e gestações em mulheres com SOP ou com infertilidade anovulatória16 (D). Badawy et al.20 (A) compararam o efeito de 2,5 mg de letrozole com 1 mg de anastrozole com o objetivo de induzir ovulação em 220 mulheres com SOP e resistentes ao citrato de clomifeno. Para estimular, por dez dias antes da indução foi administrada diidrogenterona 10 mg/dia. As doses de 2,5 mg de letrozole (111 pacientes) e 1 mg de anastrozole (109 pacientes) eram administradas em grupos separados, diariamente, do 3° dia do ciclo, por cinco dias consecutivos. Nesse estudo, o uso de anastrozole resultou significativamente em maior maturidade e tamanho dos folículos e numa maior espessura endometrial, em comparação com o letrozole. Apesar disso, não ocorreu diferença significativa nas taxas de ovulação e gestações ocorridas20 (A). Recentemente, a segurança do letrozole foi questionada. Um artigo apresentado na Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (American Society for Reproductive Medicine, ASRM) examinou o baixo número de gestações alcançadas com o uso de letrozole comparadas com gestações espontâneas e sugeriu que o uso de letrozole para o tratamento de infertilidade pode estar associado ao maior risco de malformações congênitas cardíacas e ósseas nos recém-nascidos21 (B). Tulandi et al.22 (B) verificaram gestações ocorridas após a indução com letrozole e concluíram que a preocupação em torno do seu uso permaneceu sem comprovação22 (B). Antioxidantes O estresse oxidativo tem sido associado ao aparecimento e aumento da resistência à insulina tanto in vitro como in vivo23 (B). Pacientes com aumento da resistência à insulina, portadores, ou não, de diabetes tipo 2, têm maiores riscos de desenvolver síndrome metabólica, a maior causa de cardiopatia, hipertensão e dislipidemia24 (D). A síndrome metabólica ou síndrome X está relacionada a um aumento na ativação das vias de estresse oxidativo e, quando ocorre o aumento da glicose e de ácidos graxos livres, ocorre ativação de vias sinalizadoras sensíveis ao estresse23 (B). Na SOP, o uso de antioxidantes promoveria uma redução do dano oxidativo, retardando o aparecimento de resistência à insulina25 (D). N-acetilcisteína (NAC) é a forma acetilada, mais eficazmente absorvida e metabolizada do aminoácido sulfurado e também antioxidante, cisteína. O NAC eleva o glutationa intracelular, o principal antioxidante produzido no interior das células, principalmente nas células do fígado26 (B). Alguns estudos mostram diminuição do estado antioxidante em mulheres com SOP com- 342 FEMINA | Junho 2009 | vol 37 | nº 6 paradas com o Grupo Controle27 (B). De maneira geral, a dose utilizada de NAC em adultos é de 9 a 15 mg/kg/dia. Polak et al.28 (B) mostraram um aumento na atividade de radicais livres no líquido peritoneal de mulheres inférteis, algumas delas com SOP28 (B). Em outro estudo, avaliando o estresse oxidativo em mulheres com SOP e correlacionando os riscos cardiovasculares, notou-se um aumento do estado oxidativo e diminuição do antioxidativo em mulheres com SOP29 (B). Foi relatado que mulheres com SOP possuem elevação sérica significativa de malonildialdeído, homocisteína, hiperinsulinemia, lipoproteínas e uma significativa diminuição do estado antioxidante sérico total30 (B). Uma publicação sugere que o NAC melhora significativamente (p<0,5) a sensibilidade à insulina de mulheres com SOP31 (B). O NAC também foi capaz de reduzir significativamente a área abaixo das curvas de insulina e peptídeo C, seguindo um teste de tolerância oral á glicose. Esses estudos abrem caminho para avaliações mais consistentes com o uso de outros antioxidantes para melhorar a sensibilidade à insulina de mulheres com SOP, e com maiores objetivos para aumentar a ovulação e reduzir fatores de risco para diabetes tipo 2 e riscos cardiovasculares25 (D). Contraceptivos orais Os contraceptivos hormonais orais combinados (CHOC) permanecem como tratamento predominante para redução do hiperandrogenismo e das irregularidades menstruais em mulheres que não desejam engravidar. O componente estrogênico suprime o LH e assim diminui a produção de andrógenos nos ovários. Também aumenta a produção hepática de SHBG, reduzindo os níveis de testosterona livre32(D). Os progestágenos dos contraceptivos orais possuem atividade androgênica variada. Norgestimato, desogestrel e gestodeno têm baixo potencial androgênico, enquanto que o levonorgestrel e o norgestrel são considerados de alta atividade androgênica32 (D). Lloyd et al.33 (B)l demonstraram que o uso de CHOC por adolescentes com SOP não determina ganho de peso ou aumento do tecido adiposo33 (B). Gul et al.34 (B) estudaram o efeito do uso de CHOC com 35 mcg de etinilestradiol e 2 mg de acetato de ciproterona em 30 mulheres com SOP. O objetivo foi verificar a diminuição dos níveis de homocisteína plasmática. Este metabólito está relacionado com o aumento dos riscos vasculares aterotrombóticos, sendo conhecido como um marcador de risco cardiovascular34 (B). Mulheres com SOP possuem obesidade, intolerância à glicose e dislipidemia, entre outros, como fatores de risco cardiovasculares35 (D). O uso de etinilestradiol e acetato de ciproterona por Síndrome do ovário policístico: aspectos atuais das abordagens terapêuticas – Parte 2 3 meses foi capaz de reduzir os níveis de homocisteína, apesar de estudos com maior número de participantes, prospectivos e randomizados serem ainda necessários para afirmar se o uso desses contraceptivos é capaz de normalizar os níveis de homocisteína em mulheres com SOP34 (B). A combinação de drospirenona 3 mg e etinilestradiol 30 mcg, administrados ciclicamente, é também efetiva no tratamento de acne e hirsutismo associados à SOP2 (D). Os possíveis efeitos adversos incluem alterações na ação da insulina, reatividade vascular, piora do perfil lipídico e hipercoagulabilidade; mas não em um grau que afete o risco inerente da síndrome de desenvolver doença cardiovascular e diabetes mellitus35 (D). Antiandrógenos Os antiandrógenos agem como antagonistas competitivos nos receptores de androgênio, revertendo a ação dos androgênios de transformar os pelos vellus em fios de cabelo terminais36 (D). São utilizados principalmente para diminuir as queixas de hirsutismo das pacientes com SOP. Devido ao longo ciclo de crescimento do fio de cabelo, o efeito completo do antiandrogênio só será percebido de 9 a 12 meses de tratamento. Todos os antiandrogênicos devem ser prescritos juntamente com um método contraceptivo, pois eles podem causar virilização incompleta de fetos machos, assim como irregularidades menstruais, ficando a mulher desprotegida36 (D). O acetato de ciproterona é uma progesterona de efeito antiandrogênico que, competitivamente, diminui a ligação da testosterona e da 5 α-diidrotestosterona ao receptor de androgênio. É muito usada combinada com etinilestradiol em várias partes do mundo, como na Europa e América do Norte, exceto nos Estados Unidos onde o acetato de ciproterona não está liberado. Desde 1995, já se comprovaram resultados de diminuição de hirsutismo após nove meses de tratamento com acetato de ciproterona37 (B). Contudo, deve-se lembrar da quantidade de etinilestradiol, associada ao acetato de ciproterona, que está presente nas formulações de mercado. Deve-se lembrar, portanto, do potencial trombogênico da quantidade de estrogênio associada e indicar a combinação dos dois fármacos apenas para graus severos de hirsutismo e acne e não somente como um método contraceptivo32 (D). A dose de acetato de ciproterona na formulação combinada disponível no mercado é de 2 mg/dia associada a 35 mcg/dia de etinilestradiol, mas no tratamento da SOP a dose de ciproterona pode chegar a 25 a 50 mg/dia32 (D). A espironolactona é um antagonista da aldosterona e tem efeito antiandrogênico devido à inibição competitiva da testosterona e dihidrotestosterona nos receptores de androgênio. Na dose de 100 mg/dia pode induzir polimenorreia. Uma redução de 40% no escore de hirsutismo é esperada após seis meses de tratamento2 (D). Flutamida é um antiandrogênico não esteroidal que inibe a ligação da dihidrotestosterona ao receptor de androgênio. As doses de 250 mg ou 500 mg/dia possuem efeitos similares. Tem boa eficácia e tolerância e não interfere com a ovulação. Porém, casos raros de hepatotoxicidade são relatados, podendo ser severos e a incidência aumenta com o aumento das doses. Sugere-se o monitoramento da função hepática quando se optar por flutamida2 (D). Foi retirado do mercado devido a efeitos hepatotóxicos. A finasterida age inibindo a 5 α-redutase, enzima responsável pela conversão de testosterona em dihidrotestosternona, sendo particularmente potente ao nível do folículo piloso. A via de administração é a oral, na dose de 1 a 5 mg/dia, sendo efetiva e não apresentando efeitos adversos consideráveis. Entretanto, é necessária terapêutica mais prolongada para atingir o efeito desejado2 (D). Cirurgia laparoscópica O tratamento original da SOP sugerido por Stein e Leventhal2 foi a ressecção bilateral em cunha dos ovários. Embora esse tratamento restaurasse a ovulação e induzisse a gestação em grande parte das mulheres ele foi abandonado devido à alta prevalência de formação de adesões pélvicas. O princípio do tratamento cirúrgico (presumivelmente a redução da massa ovariana) tem sido revivido, mas pelo caminho da perfuração ovariana via laparoscópica2(D), usualmente empregando a cauterização ou o laser1 (D). O uso do laser para indução via laparoscópica da ovulação foi preconizado por Daniell e Miller38, descrevendo uma técnica mais sofisticada. Atualmente sabe-se que os índices de ovulação e gravidez se assemelham aos da cauterização, sem aumentar os riscos de formação de aderências38 (D). A principal indicação para fazer a cirurgia laparoscópica ovariana é a resistência ao CC em mulheres com SOP. A cirurgia também pode ser recomendada para pacientes que persistentemente hipersecretam LH, tanto durante ciclos naturais ou em resposta ao CC, porque com essa cirurgia é possível reduzir a secreção de LH1 (D). Kriplani et al.39 (B) estudaram a perfuração ovariana via laparoscópica em 66 mulheres com SOP e resistentes ao citrato FEMINA | Junho 2009 | vol 37 | nº 6 343 Urbanetz AA, Oliveira MTCR, Gruetzmacher C, Piazza MJ, Carvalho NS de clomifeno. Essas mulheres mostraram ovulação espontânea em 81,8%, taxa de ovulação cumulativa de 93,9% e taxa de gestação de 54,5%. O sucesso das gestações foi comprometido pelo aparecimento de diabetes mellitus gestacional e doença hipertensiva específica da gravidez. A taxa de gestação foi menor (23,5%) em mulheres com comprometimento tubário e naquelas cujos parceiros tinham fatores masculinos subférteis. Análises estatísticas mostraram que hormônio luteinizante (LH) acima de 10 IU/L, tempo de infertilidade inferior a três anos e ausência de doença tubária foram associados aos melhores resultados39 (B). Por outro lado, alguns pesquisadores acreditam que essas técnicas cirúrgicas mais atuais, usando a perfuração do ovário, muitas vezes fornecem resultados provisórios e não corrigem os distúrbios metabólicos existentes nas pacientes com SOP. Muitas mulheres que se submetem à cauterização ovariana ou ao laser por vídeo-laparoscopia têm restauração espontânea da ovulação com gravidez subsequente, porém as complicações do pós-operatório, como formação de aderências, tendem a atenuar os benefícios potenciais destas intervenções39 (B). Um estudo com mulheres resistentes ao citrato de clomifeno e com o diagnóstico de SOP avaliou as repercussões clínicas e hormonais após a eletro-incisão ovariana videolaparoscópica. Foi demonstrado que os níveis séricos de testosterona livre, androste- nediona, 17 (OH) progesterona e beta endorfinas foram significativamente reduzidos após 24 horas da cirurgia. No seguimento, em um ano, 87% das pacientes tiveram regularidade menstrual e 61% conseguiram engravidar espontâneamente40 (C). Considerações finais Quando o desejo da paciente for engravidar devemos optar inicialmente pela utilização do citrato de clomifene na dose de 50 mg/dia durante cinco dias e classicamente iniciar no quinto dia do ciclo menstrual . Quando necessário, as doses subsequentes não devem ultrapassar a posologia de 150 mg/dia. Outra opção é a utilização de gonadotrofinas isoladas ou associadas à metformina ou a análogos do GnRH (associado ao aumento do risco da síndrome de hiperestimulação ovariana). Os contraceptivos hormonais orais combinados contendo 35 mcg de etinilestradiol e 2 mg de acetato de ciproterona ou etinilestradiol 30 mcg e drosperinona 3 mg permanecem como tratamento predominante para redução do hiperandrogenismo e correção das irregularidades menstruais em mulheres que não desejam engravidar. A cirurgia laparoscópica no manejo da SOP é uma indicação de exceção e para mulheres em que ocorreram falhas com todas as opções farmacológicas. Leituras suplementares 1. Thessaloniki ESHRE/ASRM-Sponsored PCOS Consensus Workshop Group. Consensus on infertility treatment related to polycystic ovary syndrome. Fertil Steril. 2008;89(3):505-22. 2. Homburg R. Polycystic ovary syndrome. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2008;22(2):261-74. 3. Legro RS, Barnhart HX, Schlaff WD, Carr BR, Diamond MP, Carson AS, et al. Clomiphene, metformin, or both for infertility in the polycystic ovary syndrome. N Engl J Med. 2007;356(6):551-66. 4. 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