guia de estudos – organização do tratado - SOI

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GUIA DE ESTUDOS – ORGANIZAÇÃO DO TRATADO
DO ATLÂNTICO NORTE 2011
Apresentação
Nobres Delegados,
É com enorme satisfação que vos apresentamos o guia de estudos da Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) da SOI 2011, trazendo a perspectiva da segurança
energética na Ásia Central. Esperamos que apreciem a substancial e agradável leitura destas
linhas, especialmente dedicadas aos senhores(as).
Iniciamos o guia abordando o aspecto institucional da OTAN, destrinchando seus
principais órgãos e respectivas atribuições, assim como uma visão geral acerca da região da
Ásia Central e do tema a ser simulado, tanto sob um paradigma político, quanto
socioeconômico, militar, cultural e jurídico.
Para que este guia de estudos viesse a se tornar o que é hoje, seis inefáveis1 pessoas
passaram um ano de suas vidas se reunindo, pesquisando, escrevendo, discutindo, discutindo
mais um pouco, perdendo/ganhando noites e fins de semanas construindo esta preciosa
compilação acadêmica. Eis os vossos heróis:
@amandamottag (Amanda Motta Ganem), diretora-geral, teoricamente cursa o 6º período
de Direito da UFRN e acaba de ter uma crise de meia idade ao ouvir estas palavras.
Ostentando o título de drama queen do comitê e poderosos dotes culinários, objetiva chegar
ao Itamaraty e realizar o sonho de ser diplomata. Com uma prolixidade inversamente
proporcional à estatura padrão do comitê, participará da sua quarta SOI, sendo a segunda no
staff.
@rafaela_romana (Rafaela Romana de Carvalho Costa), diretora-geral, estudante
fantasma do 5º período de Direito da UFRN e conquistadora-mor de corações, garante que irá
atrair centenas de delegados para a SOI. Diretora mais responsável do comitê, é dotada de
dislexia aguda e capaz de criar os nomes mais mirabolantes para as pessoas2. Quando terminar
o curso, vai abrir edital para seu casamento e fazer concurso público. A SOI 2011 será sua
terceira, segunda no staff.
1
Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: adj 1. Que não se pode exprimir pela palavra; 2. [Figurado]
Encantador, delicioso, inebriantes.
2
Vide XÁSSIO e HÁÇIS.
@Cassio_Passos (Cássio de Oliveira Meirelles dos Passos), o famigerado Xássio, diretorassistente, há 5 períodos dorme nas salas do curso de Direito da UFRN. Diretor mais tranquilo
do comitê, quando acordar, pretende ingressar na carreira diplomática. Essa será sua segunda
SOI, primeira no staff. É o carioca flamenguista mais querido do comitzzZZZZZzzZZZzzz...
@VanDerance (Derance Amaral Rolim Filho), diretor-assistente, por falta de opção
conseguiu sobreviver ao curso de Direito da UFRN, sem se desvirtuar do mundo das
celebridades e showbusiness. Magro de ruim, costuma trocar o dia pela noite, além de ser uma
rica fonte de perversões. Almeja seguir a carreira diplomática, embora seja também tarólogo
nas horas vagas e mantenha um sex shop. Esta é a sua segunda SOI e primeira estrelando no
staff.
@Halisianismo (Hális Alves do Nascimento França), diretor-assistente in memoriam, era
também conhecido como Háçis. Autor da célebre frase “Nem todo negão é igual”, foi para as
terras nipônicas além-mar para fazer um mestrado em Direito Internacional. Seus poderes
especiais são “Discurso Infinito” e “Divergência Eterna” que importuna a todos. É o control
freak do comitê, participará da sua quarta SOI (três de corpo presente), sendo a terceira vez no
staff.
@PedroVRE (Pedro Vítor da Rocha Eufrásio), diretor-assistente, há 5 semestres que tuíta
no curso de Direito da UFRN. Ainda que amante de Coca-Cola, costuma chegar de ressaca
nas reuniões, embora suas contribuições pareçam sóbrias. No futuro, planeja ser juiz de
alguma coisa, se possível de direito. Esta é a sua terceira SOI, sendo sua primeira no staff.
Esperamos que os Senhores Delegados possam aproveitar ao máximo este comitê,
enriquecê-lo da melhor maneira possível e que a experiência de participar da SOI 2011 seja
memorável.
Cordialmente,
Amanda Motta, Rafaela Romana, Cássio Passos, Derance Amaral, Hális França e
Pedro Vítor da Rocha.
ÍNDICE
Apresentação .............................................................................................................................. 2
CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................................. 6
1 SOBRE A OTAN .................................................................................................................... 8
1.1 Parte Institucional ............................................................................................................. 8
1.2 Estrutura Civil ................................................................................................................. 10
1.2.1 Conselho do Atlântico do Norte (CAN) ...................................................................... 11
1.2.2 O Secretário-Geral e o Secretário Internacional .......................................................... 12
1.2.3 Conselho de Parceria Euro-Atlântica (CPEA) ............................................................. 13
1.3 Estrutura Militar .............................................................................................................. 13
1.3.1 Comitê Militar.............................................................................................................. 14
1.3.2 Estratégia e Arsenal ..................................................................................................... 15
1.3.3 Atuações da OTAN no século XXI ............................................................................. 16
1.3.3.1 Afeganistão ............................................................................................................... 16
1.3.3.2 Líbia .......................................................................................................................... 17
1.4 OTAN e União Europeia ................................................................................................ 17
2 SEGURANÇA ENERGÉTICA ............................................................................................. 18
2.1 Evolução histórica do conceito de segurança energética ................................................ 18
2.2 Conjuntura internacional e relevância estratégica .......................................................... 20
Tabela 01: O Petróleo no mundo .......................................................................................... 20
Tabela 02: O Gás Natural no mundo .................................................................................... 21
2.3 Riscos ................................................................................................................................. 22
2.3.1 Terrorismo energético .................................................................................................. 24
2.4 Manipulação política ....................................................................................................... 25
3 ÁSIA CENTRAL .................................................................................................................. 26
3.1 Geopolítica na Ásia Central ............................................................................................ 32
3.1.1 Cazaquistão .................................................................................................................. 32
3.1.2 Uzbequistão ................................................................................................................. 33
3.1.3 Turcomenistão ............................................................................................................. 34
3.1.4 Quirguistão ................................................................................................................... 35
3.1.5 Tajiquistão ................................................................................................................... 35
4 GEOPOLÍTICA NA ÁSIA CENTRAL NA PERSPECTIVA DOS RECURSOS
ENERGÉTICOS ....................................................................................................................... 36
4.1 Organização para Cooperação de Xangai (OCX) ........................................................... 38
4.1.1 Rússia ........................................................................................................................... 39
4.1.2 China ............................................................................................................................ 40
4.2 União Europeia ............................................................................................................... 41
4.3 OTAN ............................................................................................................................. 43
4.3.1 Parcerias entre OTAN e países da Ásia Central .......................................................... 45
4.3.1.1 Conselho de Parceria Euro-Atlântica (CPEA) .......................................................... 47
5 ASPECTOS JURÍDICOS ...................................................................................................... 50
5.1 A legitimidade para atuação da OTAN........................................................................... 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 60
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 61
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os recursos energéticos sempre foram elementos-chave no que se refere à geopolítica
e posicionamento estratégico no desenvolvimento das nações, inclusive quanto à sua extrema
relevância para o progresso econômico e social. O sucesso das atividades econômicas, dessa
maneira, está diretamente relacionado ao modo como tais recursos são explorados e
distribuídos, dominados e garantidos do ponto de vista da sociedade internacional.
Por essa razão, surgiu o conceito de segurança energética 3, evocando consigo a
necessidade de se preservar e manter o fornecimento e exploração dos recursos energéticos
em face de ameaças com potencial para provocar efeitos catastróficos no próprio
funcionamento essencial dos países e suas instituições. Nesse sentido, a manipulação
arbitrária de fontes energéticas, bloqueio dos meios de escoamento energético e ataques a
pontos primordiais de infraestrutura, incluindo nesse ponto a questão do terrorismo
energético, são alguns exemplos de atos que podem provocar uma situação de conflito
internacional.
Nesse contexto, a Ásia Central é considerada região de grande valor geoestratégico na
discussão da segurança energética em virtude do seu alto potencial para exploração de
recursos minerais, representado pela existência de vastas jazidas de petróleo e gás natural,
como o campo petrolífero de Kashagan, um dos maiores já descobertos nos últimos 30 anos.
Ainda, goza de localização geopolítica incisiva, situada entre União Europeia, Oriente Médio,
Rússia e China, fator evidenciado pela existência das redes de dutos (oleodutos e gasodutos)
Central Asia Center e South Caucasus Pipeline. Ademais, essa região possui um passado de
exploração e domínio por parte de potências que historicamente disputaram o local,
contribuindo para um cenário favorável ao aparecimento de situações instáveis e proliferação
de conflitos.
A busca pela estabilidade e segurança na região é primordial para o próprio presente e
futuro do fornecimento de energia em dimensão global. Caso contrário, a civilização poderá
enfrentar graves conflitos referentes ao domínio dos recursos minerais e uma possível crise
energética mundial.
Ao voltar sua atenção para o Oriente, mais especificamente a Ásia Central, os Estadosmembros buscam dialogar rumo a um posicionamento frente às dificuldades e possíveis
ameaças representadas pela fragilidade da distribuição e fornecimento dos recursos
3
O conceito de segurança energética será abordado no ponto 2 desse guia.
energéticos presentes naquela região, essenciais à manutenção energética de dezenas de
países.
Dessa forma, a OTAN, como organismo de competências político-militares, dispõe de
recursos e meios ideais para a concretização e implementação de políticas voltadas para a
preservação da segurança energética como componente estratégico no desenvolvimento de
seus países-membros, considerando que tal temática é, naturalmente, um aspecto da própria
segurança internacional. Esses assuntos serão tratados nesta simulação através da reunião do
Conselho do Atlântico Norte (CAN), sendo norteada pela missão de cumprir com os
princípios e valores democráticos liberais elencados no Tratado de Washington.
1 SOBRE A OTAN
1.1 Parte Institucional
Após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1949, foi criada a Organização do
Tratado do Atlântico Norte, uma aliança de assistência mútua cujo principal objetivo era
garantir a liberdade e a segurança de seus membros, tanto por meios políticos como militares.4
A OTAN foi fundada com base no
Tratado de Washington, assinado no dia 4
de abril de 1949, no qual os Estados se
comprometeram
a
defender-se
mutuamente no caso de uma possível
agressão
militar
contra
qualquer
integrante da organização5. Deste modo,
um ataque armado contra uma ou várias
das partes constituintes, seja na Europa
ou na América do Norte, seria considerado um ataque à Aliança como um todo. Além disso,
tal Tratado vincula a obrigação na qual seus membros não deverão participar de nenhum outro
compromisso internacional que possa contradizer suas disposições.6
Tendo em vista que na época da sua assinatura o Tratado de Washington tinha como
propósito imediato a defesa de seus membros contra uma ameaça potencial resultante da
crescente influência da União Soviética (URSS), quando ocorreu a fragmentação da mesma e
a dissolução do Pacto de Varsóvia, iniciou-se uma discussão sobre qual seria o verdadeiro
papel desta Aliança, chegando a se cogitar a ideia de que a OTAN teria deixado de ter
qualquer tipo de utilidade.
Porém, em 1991, fora apresentada uma nova agenda, expressa pela publicação do New
Strategic Concept (Novo Conceito Estratégico)7, no qual a OTAN passou a ter novos
objetivos, tais como a reunificação da Alemanha e a sua reintegração às organizações
internacionais, o relacionamento da Aliança com os Estados que faziam parte do Pacto de
4
Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/what_is_nato.htm>. Acesso em: 05 fev. 2011.
Disponível em: <http://www.nato.int/docu/other/po/treaty-po.htm>. Acesso: 10 mar. 2011.
6
Artigo 8º do Tratado de Washington: Cada uma das Partes declara que nenhum dos compromissos
internacionais atualmente em vigor entre Estados está em contradição com as disposições do presente Tratado, e
assume a obrigação de não subscrever qualquer compromisso internacional que o contradiga.
7
Disponível em: <http://www.nato.int/strategic-concept/index.html>. Acesso em: 10 fev. 2011.
5
Varsóvia, assim como a relação daqueles com a própria Rússia e os países que surgiram com
a desintegração da URSS. Além disso, criou-se um vácuo de poder na antiga área de
influencia soviética, o que desencadeou instabilidades na região da antiga Iugoslávia e em
certas regiões da antiga URSS. Tais localidades tornaram-se, portanto, pontos de diversos
conflitos regionais, por motivos de natureza étnica e em função da instabilidade política,
econômica e social que enfrentavam.
A partir de então, a perpetuação da Aliança era a melhor alternativa para a preservação
da segurança na Europa, quando se reafirmou o instrumento de cooperação entre seus
membros e ao assegurar o contínuo comprometimento dos Estados Unidos da América (EUA)
com a segurança europeia.
Diante dessa nova realidade, fez-se necessária a instituição de novas formas de
cooperação militar e política, de maneira que os conflitos regionais fossem resolvidos, e,
consequentemente, preservadas a paz e a estabilidade na Europa. Assim, a Aliança assumiu
novas tarefas como as operações de gestão de crise, de manutenção e preservação da paz, de
combate ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa, além da adesão de
novos Estados membros, previsto no Artigo 10 do Tratado de Washington.8
Em novembro de 2010, os Chefes de Estado e de Governo que participavam da
reunião do Conselho do Atlântico Norte em Lisboa elaboraram um documento intitulado de
“Declaração da Cúpula de Lisboa”9, no qual foi adotado um Novo Conceito Estratégico. Esse
documento definiu novas diretrizes políticas da Aliança para a década atual em prol da defesa
de seus membros contra toda a gama de ameaças, gerenciamento de crises cada vez mais
difíceis e melhoramento as condições de trabalho com outras organizações internacionais e
nações com o intuito de promover a estabilidade internacional. Desta forma, a Aliança seria
mais ágil, mais capacitada e rentável, continuando a servir como um instrumento essencial
para a paz.
Dentre as novas acepções da OTAN, acordadas na Declaração, podem-se elucidar as
seguintes:
 Reforçar a contribuição da OTAN no que tange à gestão de crises como parte
do esforço da comunidade internacional para melhorar a sua capacidade em
8
O Artigo 10 do Tratado de Washington dita que “As partes podem, por acordo unânime, convidar a aderir a
este Tratado qualquer outro Estado Europeu capaz de favorecer o desenvolvimento dos princípios do presente
Tratado e de contribuir para a segurança da área do Atlântico Norte. Qualquer Estado convidado nesta
conformidade pode torna-se Parte no Tratado mediante o depósito dos respectivos instrumentos de adesão junto
do Governo dos Estados Unidos da América. Este último informará caso uma das Partes do depósito de cada
instrumento de adesão.”
9
Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_68828.htm?mode=pressrelease>. Acesso
em: 14 jun. 2011.
proporcionar a estabilização e os efeitos de reconstrução de sociedades póscrise;
 Encorajar o Secretário-Geral a continuar a trabalhar com o Alto Representante
da União Europeia, apresentando um relatório ao CAN sobre os esforços em
curso para os ministros das relações internacionais da OTAN;
 Convidar a Rússia para aprofundar a sua cooperação com o CAN sobre as
áreas de interesses comuns;
 Fortalecer as parcerias existentes e desenvolver novas com outros países e
organizações interessadas;
 Continuar com a revisão global de defesa da OTAN e da sua postura de
dissuasão;
 Instar para que os Aliados, com base no Conceito Estratégico e nos seus
compromissos no âmbito dos tratados existentes sobre o controle de armas,
continuem a apoiá-los, também no que concerne ao desarmamento e esforços
para a não-proliferação;
 O desenvolvimento de uma capacidade de defesa antimíssil para proteger todas
as populações europeias da OTAN, seus territórios e forças, além de convidar a
Rússia para cooperar nesse quesito;
 Reforçar a capacidade de defesa cibernética;
 Instituição de um Plano de Ação para executar a resolução 1325 do Conselho
de Segurança das Nações Unidas (CSNU) sobre Mulheres, Paz e Segurança em
operações lideradas pela OTAN e suas missões;
 Desenvolver orientações políticas para o aperfeiçoamento das capacidades de
defesa e implementação militar do Novo Conceito Estratégico.
1.2 Estrutura Civil10
O Conselho do Atlântico Norte (CAN) é o órgão máximo da organização civil da
OTAN, a qual é composta também pelo Secretariado Geral e o Secretariado Internacional,
além de outros comitês diversos, entre os quais vale ressaltar o Conselho de Cooperação do
Atlântico Norte.
10
Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_49763.htm>. Acesso em: 24 jan. 2011.
1.2.1 Conselho do Atlântico do Norte (CAN)
O CAN é o principal órgão político de tomada de decisões no âmbito da OTAN. Nele
se reúnem representantes de cada país membro com o intuito de discutir questões políticas e
operacionais que exigem decisões coletivas. Em suma, é uma reunião que fornece um fórum
para uma ampla consulta entre os países membros nas diversas questões que afetam a paz e a
segurança internacional.
Todos os membros desse Conselho têm o mesmo direito de expressar suas opiniões e
compartilhar o consenso sobre como as decisões são baseadas. As decisões são acordadas de
maneira unânime, ou seja, não existe nenhuma votação em que a decisão seja da maioria.
Isto significa que todas as políticas decididas no CAN são a expressão da vontade coletiva de
todos os Estados soberanos que são membros da Aliança e aceitas por todos eles.
O CAN tem autoridade política efetiva e poderes de decisão. É o único órgão que foi
criado pelo Tratado do Atlântico do Norte, nos termos do Artigo 9º do Tratado de
Washington, que traz em sua redação:
“Artigo 9º
As Partes estabelecem pela presente disposição um Conselho, no qual cada
uma delas estará representada para examinar as questões relativas à aplicação
do Tratado. O Conselho será organizado de forma que possa reunir
rapidamente em qualquer momento. O Conselho criará os organismos
subsidiários que possam ser necessários; em particular, estabelecerá
imediatamente uma comissão de defesa que recomendará as providências a
tomar para aplicação dos Artigos 3° e 5°.”11
Como o CAN é o principal órgão político de tomada de decisões, ele supervisiona o
processo político e militar sobre as questões de segurança que afetam toda a Aliança. Os
assuntos discutidos e as decisões tomadas nas reuniões deste Conselho abrangem os aspectos
das atividades da Organização como um todo, e são baseadas em relatórios e recomendações
elaboradas por comissões subordinadas ao seu pedido. Da mesma forma, os representantes
dos Estados podem consultar tanto o Secretário-Geral como quaisquer outros representantes,
conforme os termos do Artigo 4º do Tratado de Washington:
11
Disponível em: <http://www.nato.int/docu/other/po/treaty-po.htm>. Acesso em: 14 fev. 2011.
“Artigo 4º
As Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver
ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de
uma das Partes.”12
As reuniões do CAN são presididas pelo Secretário-Geral e, quando ausente, pelo
Secretário-Geral Adjunto. O CAN reúne-se uma vez por semana, sendo prevista uma reunião
duas vezes ao ano. Os Aliados são representados por seus Ministros de Relações Exteriores e
de Defesa e, se necessário, nas reuniões extraordinárias pelos respectivos Chefes de Estado.
Os embaixadores ou representantes permanentes devem agir informando e explicando
os pontos de vista e as decisões políticas dos seus governos aos outros presentes. Além disso,
eles têm o dever de informar às autoridades nacionais sobre os novos desenvolvimentos e
mantê-los informados sobre de que forma o consenso está sendo conduzido nas discussões de
questões essenciais em áreas importantes, nas quais as posições nacionais divergem.
1.2.2 O Secretário-Geral e o Secretário Internacional
O Secretário-Geral, um estadista internacional de um dos países membros, exerce um
mandato de quatro anos, sendo eleito por voto consensual de todos os membros do CAN e é o
responsável por presidir suas reuniões.
Além disso, compete a ele a busca pela formação de consenso entre os países
membros, promover e dirigir os processos de consulta dentro da Aliança, suprimir os conflitos
entre os membros do Tratado, exibir possíveis temas para discussão, realizar inquéritos,
propor e apoiar ações de mediação,
conciliação e arbitragem. Atualmente,
este cargo é ocupado por Anders
Fogh Rasmussen.
No que concerne às atividades
de caráter ordinário, o SecretárioGeral
recebe
Secretariado
o
apoio
de
Internacional.
um
Este
último é formado por funcionários e
peritos advindos de todos os países
membros da OTAN. Entre suas atribuições pode-se enumerar a documentação interna, o
12
Disponível em: <http://www.nato.int/docu/other/po/treaty-po.htm>. Acesso em: 10 jan. 2011.
planejamento de emergências civis e de resposta a desastres, a administração, planejamento e
controle do investimento dos recursos financeiros da Aliança, como também a publicidade e
divulgação de suas atividades para a sociedade. Em outras palavras, a estrutura do
Secretariado Internacional é dividida em cinco estruturas: Assuntos Políticos, Planos e
Política de Defesa, Infraestrutura, Logística e Operações do Conselho e Assuntos Científicos.
1.2.3 Conselho de Parceria Euro-Atlântica (CPEA)
O CPEA13, antes denominado Conselho para Cooperação do Atlântico Norte (CCAN),
foi criado em 1991 e, apesar de não ter sido constituído como uma instância de decisão, serviu
para a realização de consultas entre os até então 16 ministros da OTAN e os 20 países
parceiros, como os antigos membros do Pacto de Varsóvia, da antiga União Soviética,
acrescido da Eslováquia e República Tcheca.
Desta forma, o CPEA surgiu como uma alternativa da Aliança para confrontar os
novos padrões evidenciados com a queda do bloco socialista. O CPEA é uma instituição de
diálogo, consulta e cooperação prática sobre questões de segurança e políticas. Em suma, ele é
uma reunião dos membros do CAN em adição aos países do Leste Europeu que ainda não
fazem parte da estrutura da CPEA.
O CPEA será melhor detalhado no tópico infra, 4.3.1.1.
1.3 Estrutura Militar14
A estrutura militar da OTAN é composta pelo Comitê Militar, o Estado-Maior Militar
Internacional (EMI) e os Altos Comandos. Essa estrutura militar representa o elemento
diferenciador da OTAN em relação às outras alianças que visam à segurança e à defesa. Foi
através dessa estrutura, constituída por comandos, forças e capacidades militares,
representando a contribuição, voluntária das suas nações membros, que a Aliança
materializou um conceito estratégico militar que servisse como uma estratégia definida por
consenso entre norte-americanos e europeus para a defesa de valores considerados comuns ao
mundo euro-atlântico.
13
14
Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_49276.htm>. Acesso em 20 de fevereiro de 2011.
Disponível em: <http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=465>. Acesso em: 10 mar. 2011.
1.3.1 Comitê Militar
O Comitê Militar constitui o órgão máximo da OTAN em sua esfera militar. De forma
análoga ao CAN, esse Comitê tem como competência fazer recomendações sobre as medidas
necessárias para a manutenção da segurança na área de atuação da Aliança. Além disso, ele
atende às consultas do CAN e do Comitê dos Planos de Defesa e coordena a atuação dos
Altos Comandos e dos Comandos Subordinados15 através do esboço de diretrizes para esses
órgãos.
O Comitê Militar é composto pelos Chefes de Estado-Maior dos países membros,
exceto a França, que tem como representante o Chefe da Missão Militar do país na OTAN, e a
Islândia, que não possui forças armadas no quadro da Aliança, sendo assim representada por
um civil. Suas reuniões ocorrem semanalmente, sendo porém convocadas quando o CAN
julgar necessário.
Diariamente, o trabalho do Comitê Militar é realizado pelos representantes militares
que agem em nome dos seus Chefes de Estado-Maior. Estes trabalham numa capacidade a
nível nacional, representando os interesses de suas nações, embora permanecendo aberto a
negociações e discussões de maneira que o consenso possa ser alcançado. Assim, os
representantes militares têm autoridade suficiente para permitir que o Comitê Militar cumpra
com as suas tarefas coletivas e chegue a decisões importantes de maneira eficaz.
Além disso, ele é responsável por recomendar às autoridades políticas da OTAN
medidas necessárias para a defesa de sua área comum. Sua principal função é fornecer
orientação e aconselhamento sobre a política de estratégia militar. Ademais, ele fornece
diretrizes sobre a questão militar para os Comandos Estratégicos da OTAN (NATO Strategic
Commanders), cujos representantes participam de suas reuniões, sendo responsáveis pela
condução geral dos assuntos militares da Aliança sob a autoridade do Conselho, bem como o
funcionamento das Agências Militares.16
O Comitê Militar contribui para um desenvolvimento de conceitos globais estratégicos
para a Aliança, preparando uma avaliação em longo prazo acerca da força e da capacidade dos
15
Os Comandos Subordinados são subdivisões dos Altos Comandos, tendo como função a defesa de
determinada área implantada em seu respectivo Comando ou a concretização de tarefas simples, podendo ser
criados temporariamente para a realização de uma atividade específica.
16
As Agências militares são direta ou indiretamente subordinadas ao Comitê Militar, equivalendo a verdadeiros
ministérios daquele órgão, ou seja, são organismos especializados que serve como base às autoridades, prestando
serviços para os militares supremos da organização.
países e regiões que representem um risco para os interesses da OTAN. Em tempos de crise,
tensão e guerra, esse Comitê tem responsabilidades adicionais, as quais assessoram o Comitê
de Planejamento e Defesa (Defence Planning Committee) na situação militar e fazem
recomendações sobre o uso da força militar, a implementação de planos de contingência e o
desenvolvimento de normas adequadas de combate.
1.3.2 Estratégia e Arsenal
Em consonância com o Novo Conceito Estratégico expresso em 2010, a OTAN se
compromete a agir de forma a prevenir crises, administrar conflitos e, ao fim destes,
estabilizar a situação. Enlaçada pelos princípios comuns da liberdade individual, democracia,
direitos humanos e respeito à lei, a Aliança incorpora o compromisso com os princípios e
propósitos da Carta das Nações Unidas e do Tratado de Washington, devendo, portanto, sua
postura – seja ela política ou militar – se pautar de acordo com estes paradigmas.
No âmbito pragmático, ações preventivas de caráter político, civil ou militar são
recomendadas, quando possíveis, com atenção também para suas implicações. Quando uma
situação de crise já ocorre de fato, a OTAN mobiliza seus comitês políticos e militares em
busca de conselhos para uma melhor abordagem da situação com vistas à segurança da
Aliança. Não necessariamente, diante de uma crise, a resposta da OTAN será por meios
militares, pois existem também as providências diplomáticas e civis. Com a orientação do
Comitê Militar, e aprovação e autorização do Conselho do Atlântico Norte, as operações
passam enfim a serem executadas.
Definidos os parâmetros e objetivos, os membros e parceiros a participarem – a
princípio – da operação, assim como outros países não relacionados à Aliança, inicia-se a
mobilização das forças da OTAN. Ao contrário do que ocorria até as últimas décadas, quando
forças enormes e fortemente armadas treinadas se concentravam em quartéis para defesa
contra exércitos invasores (postura típica da Guerra Fria), a tendência nos anos recentes tem
sido a ênfase em forças menores com maior mobilidade e flexibilidade quanto às tarefas
militares, de maneira a se moverem com rapidez para as zonas de conflito e serem capazes de,
mesmo distantes de suas bases, cumprir suas missões.
As forças militares da OTAN e o arsenal à sua disposição são providos pelos países
membros, na medida de sua concordância na participação das operações. Não há um arsenal
individual da Aliança, nem forças militares, sendo sempre cedidos pelos membros da
organização.
1.3.3 Atuações da OTAN no século XXI
Embora o ápice da Organização tenha se dado na segunda metade do século XX,
hoje possui ainda grandes atuações na preservação da democracia e da estabilidade política
dos países que o requisitam. Cabe aqui a análise de duas missões da OTAN em andamento
que ocorrem no Afeganistão e na Líbia.
1.3.3.1 Afeganistão
Em 11 de agosto de 2003 a OTAN assume o comando da Força Internacional de
Assistência em Segurança (International Security Assistance Force - ISAF) atendendo à
Resolução 1510 do CSNU17, ficando responsável pela liderança, coordenação e planejamento,
além de se responsabilizar pela manutenção de um quartel-general no Afeganistão.
A ISAF, contudo, foi implantada desde 2001 através do CSNU, o qual autorizou a
criação de uma força para ajudar o governo afegão na manutenção da segurança em Cabul e
seus arredores, sendo comandado pelas nações envolvidas na missão de modo rotativo, até a
liderança da OTAN, a pedido do governo afegão, com a anuência da ONU.
O ISAF possui o objeto de auxiliar o governo afegão em sua reestruturação política,
bem como manter a sua autonomia militar. Possui como prioridades a proteção do povo
afegão, desenvolvimento das capacidades de forças de segurança do Afeganistão, de modo
que eles próprios assumam a segurança de seu país, além de combater à insurgência de grupos
terroristas e permitir que o governo afegão atue de forma autônoma.
Desde o inicio da liderança pela OTAN, o ISAF expandiu sua área de atuação, que
era limitado apenas a Cabul, bem como aumentou seu efetivo militar: de 5.000 para 130.000
topas, de 48 países incluindo todos os países da Organização18. Além disso, a missão liderada
pela Aliança auxilia o exército afegão, de modo a formá-lo, orientá-lo, bem como dar apoio
operacional ao exército.
17
Disponível em: < http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N03/555/55/PDF/N0355555.pdf?OpenEl
ement>. Acesso em: 18 jul. 2011.
18
Dados disponíveis em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_69366.htm?>. Acesso em: 27 jun. 2011.
1.3.3.2 Líbia
No dia 23 de março de 2011, a OTAN assume toda a operação na Líbia nos termos
da Resolução 1973 do CSNU19, tendo o objetivo de proteger civis e suas áreas habitacionais,
além de impor um embargo de armas e uma zona de exclusão aérea (No-fly zone) no território
líbio.
A OTAN entra no contexto dos protestos pela derrubada do ditador uma semana após
Kadafi ganhar terreno, em uma ofensiva que retomou diversas cidades do oeste da Líbia das
mãos da oposição e chegou às portas de Benghazi, a capital rebelde.
As negociações estavam sobre o comando da França, Líbano e do Reino Unido,
tendo os Estados Unidos entrado após o apoio da Liga Árabe e da União Africana em montar
uma zona de exclusão aérea na Líbia.
As estimativas20 apontam que a operação conta com 14 países-membros da OTAN
(Estados Unidos, França, Reino Unido, Espanha, Canadá, Itália, Holanda, Bélgica,
Dinamarca, Noruega, Turquia, Grécia, Romênia e Bulgária), com a utilização de 205 aviões
(de combate, de reconhecimento e de abastecimento em voo) e 21 navios.
1.4 OTAN e União Europeia
Pode-se observar que a União Europeia tenta intensificar cada vez mais a cooperação
com a OTAN, uma vez que ao mesmo tempo vem tentando desenvolver uma estrutura de
defesa coletiva.
Com relação à consolidação dessa cooperação, estudiosos, como Adrian Pop21,
acreditam que tanto a União Europeia como a OTAN deveriam concentrar-se no
fortalecimento das suas capacidades mais importantes, aumentando a interoperabilidade, o
planejamento, a tecnologia, o equipamento, a formação, bem como coordenando diretrizes.
No que concerne à segurança energética, afirma-se que essa é uma área de enfoque
para cooperação entre a OTAN e a União Europeia22. Para diversos países europeus, uma
dependência significativa nas fontes energéticas estrangeiras é há muito uma realidade.
19
Disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/268/39/PDF/N1126839.pdf?OpenEl
ement> . Acesso em: 18 jul. 2011.
20
Dados fornecidos no site http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2011/03/31/operacao-da-otan-na-libiaenvolve-14-paises-ate-o-momento.jhtm
21
Disponível em: <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue2/portuguese/art6.html>. Acesso em: 22 jan.
2011.
22
Disponível em: <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue2/portuguese/art6.html>. Acesso: 07 fev. 2011.
Certamente a OTAN e a União Europeia compartilham desafios fundamentais à
segurança. Portanto, muitos acreditam que seria pertinente uma maior cooperação nestas
áreas, tendo resultados favoráveis para ambas instituições. Deste modo, a OTAN e a União
Europeia devem trabalhar para aumentar a cooperação prática e continuar a reconciliar a
ordem de trabalhos transatlântica.
2 SEGURANÇA ENERGÉTICA
2.1 Evolução histórica do conceito de segurança energética
Pode-se afirmar que o início da procura por bens energéticos de maior potencial deuse no século XVIII, com a Revolução Industrial inglesa. Do surgimento do motor a vapor fezse a necessidade de outros meios energéticos, como o carvão. Antes desse período, as fontes
energéticas advinham da tração humana e animal, da força das águas e do vento, sendo a
madeira utilizada para aquecimento e outros fins domésticos.
Com o surgimento da chamada 2ª Revolução Industrial, houve a substituição do
motor a vapor pelo motor a combustão interna, provocando assim a maior necessidade de
combustíveis fósseis. Daí inicia-se uma era de maior exploração de petróleo e seu grande
leque de utilidades, bem como o uso para a produção de combustíveis. De fato, a facilidade de
prospecção do petróleo no início dessa fase, somado ao seu baixo preço, não acarretou a
preocupação dos entes estatais na segurança energética, fato esse que somente teria início com
a primeira crise do petróleo em 1973.
Contudo, segundo Queiroz (2010), os primórdios da preocupação com a segurança
energética se vislumbram com o bloqueio do Canal de Suez na década de 5023. Em virtude
desse ser o principal meio de transações mercantis entre Europa e Ásia, seu fechamento
ocasionou instabilidade na oferta de petróleo e, consequentemente, na elevação de seus
preços. A própria criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) no
final da década de 60 proporcionou a formação de um cartel que controlasse os preços e as
exportações do petróleo.
23
QUEIROZ, Renato. Segurança energética. Disponível em: <http://infopetro.wordpress.com/2010/04/05/se
guranca-energetica/ 03-01-11>. Acesso em: 06 jan. 2011.
A primeira crise do petróleo em 1973,
como mencionado, adquiriu caráter essencial, em
face da guerra Árabe-Israelense de Yom Kippur. O
apoio dos EUA a Israel resultou na suspensão do
fornecimento de petróleo bruto por parte dos
árabes, causando alta elevação dos preços e
diminuição do fornecimento de petróleo.
Ademais, mais três fatos pós-crise de 1973
merecem destaque na influência da segurança
energética: a crise política do Irã em 1979, também conhecida como a Segunda Crise do
Petróleo, que elevou mais uma vez os preços do barril; a guerra do Golfo em 1991; e, mais
recentemente, em 2008, quando houve um aumento de 100% no preço do barril do petróleo,
devido ao mercado especulativo global.
Feita essa pequena introdução, percebe-se que a segurança energética está
intimamente ligada ao petróleo e seus derivados, bem como ao gás natural. Assim, a partir dos
ensinamentos de Renato Queiroz24, António Costa e Silva25 e Henrique Schwarz26, podemos
definir a segurança energética, dentro do contexto internacional, como o estado de segurança
na produção, fornecimento e distribuição de petróleo e gás ao seu usuário (Estado), necessário
ao desenvolvimento contínuo do poder nacional, a fim de evitar possíveis rupturas.
Faz-se mister também ressaltar a importância desse conceito. Segundo Schwarz 27:
“A segurança energética deixa (...) de ser vista como uma mera vertente, entre
muitas outras, das políticas de segurança nacional para ser encarada como uma
questão central de segurança global a longo prazo, o que, ao fim e ao cabo, significa
compreendê-la como um factor (sic) crucial da construção da paz mundial, através
do estabelecimento de relações internacionais de benefício mútuo, denominadas de
cooperação compulsiva(...).”
Desse modo, observa-se que a segurança energética passou a ser prioridade para
muitos países, principalmente para aqueles carentes de recursos, atuando de forma a
defenderem as suas fontes minerais a qualquer custo.
24
Idem.
COSTA SILVA, António, A Segurança Energética da Europa. In. Nação e defesa, Lisboa, n. 116, p. 31-72,
mar./jun. 2007.
26
SCHWARZ, Henrique. Energia, Geopolítica e a Política da Biosfera. In. Nação e defesa, Lisboa, n. 116, p. 730, mar./jun. 2007.
27
Idem.p. 27.
25
2.2 Conjuntura internacional e relevância estratégica
Em virtude das constantes mutações das sociedades, os conceitos e conjunturas
sofrem mudanças no decorrer dos tempos. Tem-se observado uma mudança nos rumos da
segurança energética durante o século XX:
“A preocupação com a segurança energética tornou-se central em qualquer
planejamento, levando governantes e estrategistas a desenvolverem análises acerca
dos riscos de paralisia da economia ou de violações da soberania, com considerações
inclusive de logística militar.” (OLIVEIRA, 2007, p. 111)28
“No contexto das políticas energéticas, os países buscam suprir suas sociedades de
energia a preços estáveis sem riscos de descontinuidade e de dependência externa.
De fato, as nações, através de seus diversos governos, buscam continuamente uma
situação de independência política. Contudo se tal nação não estiver sob um cenário
de segurança energética a vulnerabilidade política aumenta. É sabido que a energia
ocupa um papel de destaque nas sociedades em função da sua forte relação com a
economia, a tecnologia, o meio ambiente e com o quadro social.” (QUEIROZ,
2010)29
Dessa forma, percebe-se que a segurança energética está em pauta no cenário
internacional, principalmente no eixo euroasiático, onde a falta de recursos incita a procura
em outras regiões. Para tanto, a título de ilustração, observa-se a seguir duas tabelas sobre
petróleo e gás natural.
Tabela 01: O Petróleo no mundo
Petróleo (Milhões de toneladas anuais - Mt)
Produtores
Mt
(2005)
% total
Exportadores
mundial
(2004)
Mt
Importadores
Mt
(2004)
Arábia Saudita
519
13,2
Arábia Saudita
346
EUA
577
Rússia
470
12
Rússia
258
Japão
206
EUA
307
7,8
Noruega
132
China
123
Irã
205
5,2
Nigéria
123
Coreia
114
México
188
4,8
Irã
122
Alemanha
110
China
183
4,7
México
105
Índia
96
Venezuela
162
4,1
Emirados Árabes
95
Itália
93
28
OLIVEIRA, L. K. Petróleo e segurança internacional: aspectos globais e regionais das disputas por
petróleo na África Subsaariana. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.
29
QUEIROZ, Renato. Segurança energética. Disponível em: <http://infopetro.wordpress.com/2010/04/05/se
guranca-energetica/ 03-01-11>. Acesso em: 06 jan. 2011.
Canadá
143
3,6
Venezuela
94
França
85
Noruega
139
3,5
Canadá
87
Reino Unido
63
Nigéria
133
3,4
Iraque
75
Países Baixos
60
TOTAL
2.449
62,3
1.437
1.527
Fonte: Key World Energy Statistics, AIE, 2006.
Tabela 02: O Gás Natural no mundo
Petróleo (Milhões de metros cúbicos anuais – Mm³)
Produtores
Mm³
(2005)
% total
Exportadores
mundial
(2005)
Mm³
Importadores
Mm³
(2005)
Rússia
627.446
21,8
Rússia
203.727
EUA
121.348
EUA
516.614
18
Canadá
106.353
Alemanha
90.700
Canadá
187.164
6,5
Noruega
82.801
Japão
80.915
Argélia
97.797
3,2
Argélia
62.638
Itália
73.460
Reino Unido
92.045
3,2
Países Baixos
52.355
Ucrânia
62.132
Noruega
89.559
3,1
Turcomenistão
49.423
França
46.975
Irã
83.535
2,9
Indonésia
26.146
Espanha
33.118
Países Baixos
78.804
2,7
Malásia
32.614
Coreia
29.494
Indonésia
77.305
2,7
Catar
27.992
Turquia
26.572
Arábia Saudita
69.500
2,4
EUA
22.288
Países Baixos
23.025
TOTAL
1.914.769
66,7
682.337
587.739
Fonte: Key World Energy Statistics, AIE, 2006.
A análise das tabelas evidencia os Estados Unidos como maior importador tanto de
petróleo como de gás natural. Contudo, presencia-se nos últimos anos a China como grande
rival norte-americano. Para fazer uma comparação simples a nível continental, cita-se um
trecho de António Costa Silva:
“A Ásia é hoje responsável por 41% do crescimento da procura mundial. Em 1970 a
América do Norte consumia o dobro do petróleo da Ásia, mas em 2005, pela
30
primeira vez na história, o consumo da Ásia ultrapassou o da América do Norte.”
Vê-se que a China tem os Estados Unidos como seu forte rival na manutenção de sua
segurança energética:
30
COSTA SILVA, António, A Segurança Energética da Europa. In. Nação e defesa, Lisboa, n. 116, p. 31-72,
mar./jun. 2007.
“Eles crêem que os estadunidenses estão desconfortáveis com o crescimento chinês
e suspeitam que eles possam tentar constranger a emergência da China como um
potencial rival e que a mudança chinesa de exportadora para importadora de petróleo
possa ser uma nova área que os Estados Unidos podem explorar para pressionar a
China. (...) Ásia Central e Rússia são regiões menos vulneráveis à força dos EUA do
que o Golfo Pérsico e as áreas marítimas que o ligam até o sul do Mar da China
(região com controle marítimo dos EUA) A falta de presença militar estadunidense
na Ásia Central têm entusiasmado a China na construção do oleoduto até o
Cazaquistão o que evitaria a rota marítima.” (MENDES, 2004. p. 2)31
Partindo para a Europa, vê-se sua grande dependência pelo gás natural russo,
frequentemente usado pela Rússia para a obtenção de vantagens políticas e econômicas. Em
números, 88% do gás russo é exportado para a Europa, bem como 75% da sua produção de
petróleo32. A exceção a essa regra, segundo Schwarz (2010), seria a dos países ibéricos, cujos
abastecimentos se dão por países do norte africano, do Oriente Médio e do Golfo da Guiné.
Nem por isso a sua situação é mais segura: Portugal tem a marca impressionante de
85% de petróleo e gás natural importado, o que significa uma forte dependência energética do
estado lusitano.
2.3 Riscos
O petróleo, bem como o gás natural, como fonte energética não renovável tende a se
exaurir com o tempo. A atual conjuntura já demonstra óbices na obtenção de novas jazidas e
da prospecção das antigas. Como dito anteriormente, a segurança energética é um fator crucial
para a construção da paz mundial. Portanto, a escassez desses recursos energéticos possibilita
o surgimento de conflitos, como lecionado por Schwarz33. Estes podem ser de três tipos:
 1º
– Confrontos
políticos e militares
entre potências
consumidoras e países produtores;
 2º – Guerras civis entre grupos ou facções, que no interior das
nações produtoras competem pela partilha dos rendimentos da
venda dos combustíveis fósseis;
31
MENDES,
Daniel
Ferreira.
A
crise
energética
na
China.
Disponível
em:
<http://www.pucminas.br/imagedb/conjuntura/CNO_ARQ_NOTIC20060525163515.pdf?PHPSESSID=b77ed96
1956405b83e1ca00e42811a2d >. Acesso em : 06 jan. 2011.
32
Disponível em: <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue1/portuguese/debate.html>. Acesso em: 26 jan,
2011.
33
2007, p. 22
 3º – Conflitos de interesses entre grandes países consumidores,
que tendem a agravar-se à medida que a energia fóssil
disponível se torna menos capaz enfrentar uma procura em
expansão imparável.
A título exemplificativo, pode-se citar o corte ao fornecimento de gás a Ucrânia, em
34
2006 . Nesse episódio, a Rússia, fornecedora de quase 80% do gás, cortou o abastecimento
da Ucrânia quando esta não aceitou o aumento do preço do gás natural. Posteriormente, outro
corte da mesma natureza ocorreu em 200935, causando prejuízos também a países europeus
como Hungria, Áustria, Sérvia e Bósnia. Tais países tiveram seus fornecimentos cortados em
sua totalidade, em pleno inverno europeu, instaurando um verdadeiro caos, ainda que as
obrigações contratuais com o fornecedor estivessem em dia. Todavia, Moscou alegou
diminuição do seu potencial como justificativa para o corte no fornecimento. A despeito desse
problema, o bloco europeu evitou responsabilizar o país russo, haja vista a sua grande
dependência.
Outro caso é o do corte à Bielorrússia, em 200736. Em virtude do imposto sobre o
trânsito de petróleo pela região, a estatal russa Transneft interrompeu sua provisão de petróleo
para o país, território estratégico para transporte do petróleo até a Europa, sem consulta prévia
aos países destinatários do produto. Tudo se resolveu com o acordo que anulou o referido
imposto, normalizando o seu abastecimento.
Todavia, os acontecimentos do início desse século tendem a uma nova faceta,
silenciosa e muitas vezes eficiente, resultando em graves prejuízos ao Estado consumidor: o
terrorismo energético.
34
Ver mais em <http://economia.publico.pt/Noticia/gazprom-corta-fornecimento-de-gas-natural-a-ucrania_1243
399 >. Acesso em: 27 mar. 2011 .
35
Vide em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090107/not_imp303468,0.php.> Acesso em: 27 mar.
2011.
36
Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2007/01/070110_russiapetroleoacordofn.sht
ml>. Acesso em: 27 mar. 2011.
2.3.1 Terrorismo energético
A definição de terrorismo energético consiste em qualquer tentativa de interrupção do
fornecimento de recursos energéticos por meio de violência e terror com a finalidade de
alcançar determinados objetivos políticos, econômicos, religiosos ou culturais.37
Um exemplo desse tipo de terrorismo ocorreu em 2008, na Turquia38. No dia 6 de
agosto, um incêndio no oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC) acarretou na interrupção do
fornecimento de petróleo, sendo este duto uma das principais fontes de alimentação de óleo
para o Ocidente, com capacidade de bombear um bilhão de barris de petróleo bruto por dia39.
Esse petróleo vinha do mar Cáspio, no Arzebaijão, passando pela Rússia e o Irã. A autoria do
ataque foi assumido pelo PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), conhecido também
por ataques a instalações elétricas. Entretanto, não houve maiores prejuízos ao fornecimento
de petróleo porque havia reservas existentes no porto de Ceyhan (também na Turquia), onde
termina o oleoduto.
A guerra também utiliza o terrorismo energético como tática, tanto para quem ataca,
impossibilitando que o inimigo utilize esses suprimentos, bem como pelo atacado, de modo
que tal reserva não venha a ser utilizado por pessoas adversárias a ela. Nesse caso, pode-se
dar como exemplo a guerra do Iraque em 200340. Logo no começo esse conflito, os soldados
americanos alegavam que o exército iraquiano tinha colocado explosivos nos poços de
petróleo locais e os detonaram, provocando grandes incêndios. Tendo em vista o clima
desértico e a escassez de recursos hídricos, mesmo depois de doze dias o fogo não conseguiu
ser controlado. Há de se salientar também que na guerra do Iraque de 1991 41, os iraquianos ao
serem expulsos do Kuwait pelos Estados Unidos, também explodiram os poços de petróleo
localizados ao norte, de modo a serem inutilizados.
37
Conceito baseados em: ALEXANDER, David. Bulgaria, Russia, Energy Terrorism, and Energy
Liberation. Disponível em: <http://www.planetthoughts.org/?pg=pt/Whole&qid=2699&tagi=2215&taga=nucle
ar%20energy>. Acesso em: 27. Mar. 2011 e <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue1/portuguese/d
ebate.html>. Acesso em: 26 jan, 2011.
38
Ver mais detalhes em: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL715429-5602,00.html> e <http://g1.g
lobo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL713748-5602,00-INCENDIO+INTERROMPE+FLUXO+ EM+OLEODUTO
+NA+TURQUIA.html>. Acesso em: 15 fev. 2011.
39
Tal valor corresponde a 1% da produção mundial.
40
Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2003/030401_gazirlmp.shtml>. Acesso em : 15
fev. 2011
41
idem
2.4 Manipulação política
Por parte dos países exportadores, as jazidas de petróleo e gás tendem a servir como
instrumento de pressão política, e por essa razão frequentemente posta em prática por países
como Rússia e Irã.
António Costa Silva42,comenta um pouco sobre a manipulação russa em relação ao
abastecimento de gás na Ucrânia em 2006, in verbis:
“Quando a Rússia cortou o abastecimento de gás à Ucrânia no dia 1º de Janeiro de
2006, o mercado energético europeu mostrou todas as suas fragilidades. A Rússia
tinha uma pretensão legítima: aumentar o preço do gás que vendia à Ucrânia, pois
nos últimos dois anos o preço do gás triplicou nos mercados internacionais. Mas, ao
adoptar (sic) um comportamento irresponsável e cortar o abastecimento, a Rússia
mostrou que é um fornecedor não fiável e que não hesita em utilizar os seus recursos
energéticos como uma arma geopolítica. Este foi um aviso sério para a Europa.”
A manipulação política pode, aparentemente, demonstrar uma via de mão dupla, pois
ao mesmo tempo em que o país produtor tem a condição de poder requerer benefícios sob o
risco de o país consumidor ter seu fornecimento suspenso, por outro lado, aquele terá, em
tese, desprestígio e queda de credibilidade perante a comunidade internacional. Na prática, a
42
2007, p. 55
escassez desse recurso tende a fazer com que o país produtor tenha seus pedidos aceitos, haja
vista não haver, por parte dos países consumidores, outro fornecedor viável para suprir as suas
necessidades.
Por fim, há de se ressaltar a importância de outros meios de negociação, afim de que
o desgaste entre os Estados não seja maior:
“Há a necessidade de revalorizar a diplomacia, as sanções, as coligações múltiplas, a
integração económica (sic) e o uso mais eficaz da força e da contenção. Talvez seja
mais actual (sic) do que nunca o pensamento de Catarina, a Grande, quando disse:
„A única forma de defendermos as nossas fronteiras é alargá-las‟. Hoje isto não deve
funcionar no sentido físico do termo, mas no sentido econômico (sic), cultural,
político, diplomático e essa é uma via importante para redefinir um conceito de
segurança para o século XXI.” (SILVA, 2007, p. 44)
Assim, os países precisam buscar maior viabilidade para negociar os recursos
energéticos. Não basta somente cortar o fornecimento de combustível como meio coercitivo
para aumento dos seus preços. É necessário buscar meios pacíficos, como através das
organizações internacionais para que haja a solução desses conflitos e a normalidade do
fornecimento de energia aos colaboradores.
3 ÁSIA CENTRAL43
Devido à sua importância geopolítica, a Ásia Central, atualmente, é objeto de uma
intensa disputa que envolve as grandes potências mundiais desejosas por recursos energéticos.
Historicamente, por ser um território de difícil colonização em razão de sua aridez, o espaço
centro-asiático foi palco de inúmeras batalhas entre povos nômades que se sucederam no
domínio da região, influenciando sua atual diversidade étnica.
Além
de
ser
alvo
de
grandes disputas no mundo antigo, a Ásia Central também fez parte da Rota da Seda,
importante via que fazia efervescer o comércio da região. Na verdade, não apenas uma via,
mas uma vasta rede de conexões que tinha o seu destino final na Europa e África.
Consoante com a ebulição comercial da região, o interesse de potências regionais
como China e Rússia era evidente, pois dominar tal região significava a verdadeira
consolidação de seus antigos impérios. E, para isso, não mediram esforços. Assim, é
importante lembrar que o Império Chinês deteve controle sobre a região por um longo
43
Disponível em: <http://www.brasilescola.com/geografia/asia-central.htm>. Acesso em: 8 abr. 2011.
período, principalmente durante a Dinastia Qing, que executou campanhas militares,
anexando territórios centro-asiáticos ao Império Chinês.
No entanto, devido à revoltas internas, principalmente na região de Xinjiang, o
controle chinês ficou enfraquecido perante a força do Império Russo, que, a partir do início do
século XIX, já não enxergava mais óbices para estender seu domínio ao sul e participar do
comércio marítimo do Pacífico através da Índia. Entretanto, o vastíssimo Império Russo foi
justamente de encontro à outra potência maior da época, o Império Britânico, detentor de uma
vasta região de influência ao sul do continente asiático. A disputa territorial entre esses dois
impérios ganhou o nome “Grande Jogo”
44
, e teve seu período de maior intensidade entre
1880 e a primeira década do século XX.
Em razão desta corrida imperialista ocorreram três guerras Anglo-afegãs, tentativas
frustradas em que a Coroa Britânica tentou tomar para si o território afegão. Assim, ficou
evidente que não seria mais possível a expansão da influência inglesa pela região,
44
"O termo "O Grande Jogo" é habitualmente atribuído a Arthur Conolly, um agente dos serviços de
informações e oficial da Sexta Cavalaria Ligeira de Bengala, da Companhia Britânica das Índias Orientais. Foi
introduzido junto do grande público pelo escritor Rudyard Kipling na sua novela Kim (1901)". Disponível
também em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/caucaso.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011.
circunstância que culminou no Tratado de Rawalpindi
45
, reconhecendo a independência do
Afeganistão. Não obstante, a Coroa Britânica ainda resistiu e somente na Segunda Guerra
Mundial, quando os objetivos de Rússia e Inglaterra estavam temporariamente alinhados, o
“Grande Jogo” chegou ao fim definitivo.
Após a Revolução Russa e a ascensão dos bolcheviques, a Ásia Central Soviética
experimentou uma onda de reorganização administrativa, período em que foi definida boa
parte das fronteiras das repúblicas socialistas surgidas na época
46
. Depois de algumas
décadas, ficaram definidas as Repúblicas do Cazaquistão, Uzbequistão, Tajiquistão,
Turcomenistão e Quirguistão, fronteiras que nada tinham a ver com a composição étnica
desses lugares, mas sim com o receio de movimentos panturquistas e islâmicos na região.
Vale salientar que a ONU não possui definição precisa em relação à Ásia Central, colocandoos no bloco de países “Centro-Sul asiáticos”, que engloba em seu rol, além dos cinco
comumente aceitos, Índia, Afeganistão e Irã.47
Na década de 40, sob o comando de Stálin, o governo soviético promoveu um
programa de reassentamento de agricultores em razão das necessidades da produção agrícola.
Foram deslocadas aproximadamente trezentas mil pessoas para as terras férteis do
Cazaquistão, acentuando ainda mais a diversidade cultural deste país. É importante lembrar
que nesse espaço de tempo a União Soviética possuía uma população de aproximadamente
190 milhões de pessoas48, boa parte delas famintas e com frio. Desse modo, por integrarem
parte do território soviético, os países centro-asiáticos experimentaram um momento de
relativo crescimento regional em razão da construção e transferência de instalações industriais
que conferiram dinamicidade à economia local. Nesse tempo, água e eletricidade eram bem
menos escassos devido ao auxílio de Moscou. Contudo, a agricultura irrigada implantada em
prol do cultivo de algodão e do arroz atingiu patamares insustentáveis, o que causou um
colapso na agricultura regional já no final da Guerra Fria.
Após a queda da URSS em 1991, as nações satélites da Rússia Soviética se
transformaram em repúblicas independentes com governos autônomos. Todavia, a transição
não foi totalmente bem sucedida. Isso porque os governos herdados por esses países tinham
como líderes grandes autoridades comunistas do período soviético. Com efeito, apesar de não
podermos exaltar tais nações pela paz constante, democracia e respeito aos direitos
45
Disponível em: <http://www.theepochtimes.com/n2/world/timelines-the-treaty-of-rawalpindi-gave-whatcountry-independence-from-britain-on-aug-8-1919-60103.html>
46
Disponível em: <http://www.clubemundo.com.br/revistapangea/show_news.asp?n=246&ed=4>.
47
Disponível em: <http://esa.un.org/unpd/wup/CD-ROM_2009/WPP2009_DEFINITION_OF_MAJOR_A
REAS_AND_REGIONS.pdf>.Acesso em: 27 jun. 2011.
48
Disponível em: <http://www.tacitus.nu/historical-atlas/population/russia.htm>. Acesso em: 20 fev. 2011.
humanos49, a região gozava de certa estabilidade, como parte do esforço que essas nações
tinham feito para participar de forma competitiva do cenário internacional.
Geograficamente,
a
região
centro-asiática é bastante definida. Suas
características principais são grandes
planícies áridas, vegetação de estepe
esparsa
e
algumas
cadeias
de
montanhas. O cenário seco deve-se à
continentalização desses países que se
encontram especialmente distantes dos
oceanos. Parte dessa escassez de água também pode ser atribuída à União Soviética que
contribuiu de forma majoritária, para o esgotamento do Mar de Aral, destino final dos dois
mais importantes rios da região (Amu Darya e Syr Darya) e fonte de riqueza para a indústria
pesqueira.50
A falência do Mar de Aral hoje tenta ser revertida pelo governo do Cazaquistão sem
muito sucesso. Em consequência desse evento, que alguns consideram uma das piores
tragédias naturais da história, a indústria da pesca foi sensivelmente abalada e tem poucas
perspectivas para uma nova ascensão.
A população da Ásia Central é de origem bastante diversa, fato que se explica através
da história de dominações, influência russa e conflitos étnico-religiosos. Os russos, apesar de
não constituírem maioria, estão presentes em todas as cinco repúblicas da Ásia Central. Os
cinco países reúnem uma população de aproximadamente 60 milhões de habitantes sendo o
Uzbequistão e o Cazaquistão aqueles que detêm as maiores populações. O maior território é o
do Cazaquistão (9º maior do mundo) com cerca de 2.7 milhões quilômetros quadrados.51
No que diz respeito às relações exteriores, os países centro-asiáticos tem um perfil
bastante parecido. Com o fim da URSS, essas nações procuraram diversificar seus mercados
para depender menos economicamente da sua vizinha maior Rússia. Dessa maneira, tiveram a
oportunidade de abrir conversações com o mundo ocidental e ainda puderam estreitar relações
49
Guerra Civil do Tadjiquistão. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/media/hdr04_po_chapter_4.pdf>. p. 78.
Acesso em: 4 mar. 2011. Referente também ao massacre em Andijan no Uzbequistão em 2005:
<http://www.hrw.org/en/video/2011/03/11/2005-exposing-andijan-massacre>. Acesso em: 5 fev. 2011.
50
Disponível em <http://www.institutodeengenharia.org.br/site/noticia.php?id_sessao=4&id_noticia=3760>.
Acesso em: 23 fev. 2011.
51
Disponível em <http://www.aneki.com/countries2.php?t=Largest_Countries_in_the_World table=fb5&place
s=*=*&order=desc&orderby=fb5.value&decimals=--&dependency=independent&number=all &cntdn=asc&r=209-210-211-212-213-214-215-216-217-218-219-220-103-222-223-224-225-226-227-228&c=
&measures=C
ountry--Total%20Area%20%28sq%20km%29&units=--&file=largest>. Acesso em: 17 fev. 2011.
com a China, grande potência do mundo atual. Bom exemplo dessa estratégia política é o
Cazaquistão, que mantêm uma diplomacia multivetorial, tendo os Estados Unidos como um
de seus principais investidores, ao mesmo tempo em que divide a bacia do Mar Cáspio com a
Rússia e mantém relações competitivas com seu rival regional, Uzbequistão.
Em geral, a produção industrial desses países ainda é modesta frente às outras
potências emergentes como Brasil e Índia. No entanto, a produção petrolífera dos países da
Ásia Central vem crescendo geometricamente, figurando entre as maiores do mundo, o que
exige a revisão diária das políticas de países investidores no intuito de criar estratégias de
inserção neste mercado ascendente. Para tal, é imperativo que se observe a geografia do
mercado, definindo onde e como os recursos serão distribuídos. Essa movimentação políticoeconômica acerca das vias de transmissão dos recursos energéticos, nomeadamente o petróleo
e o gás, têm um nome muito e específico: “Geopolítica dos Oleodutos”.52
Também chamada de “Diplomacia dos Oleodutos”
53
, esse cerco ao redor das fontes
de energia tem por principal objeto de discussão o posicionamento dos canais que levam
petróleo e gás aos mais variados destinos. Trata-se de um conjunto de investidas de perfil
econômico, político, diplomático e militar que
visa, em regra, a autossuficiência energética.
Dito isso, é necessário que se comente quais são
os atores envolvidos nessa disputa que já vem
sendo alcunhada de “O Novo Grande Jogo” 54.
De fato, as grandes potências como os
Estados Unidos, China e Rússia são os
principais jogadores dentro da “Geopolítica dos
Oleodutos”. Contudo, o foco de discussões sobre recursos energéticos está voltado para a
região centro-asiática, riquíssima em hidrocarbonetos. Dessa forma, o palco ganha novos
protagonistas com capacidade de intervir e mudar radicalmente o cenário internacional.
O Cazaquistão, país de maior extensão territorial da Ásia Central, é o ícone da região
na questão “segurança energética”. Uma das razões para o destaque está no fato de que os
cazaques dividem com a Rússia, Irã, Azerbaijão, Turcomenistão e Geórgia no domínio do
Mar Cáspio, local onde foi encontrado um dos maiores campos petrolíferos de todo o globo
52
Disponível em <http://geopoliticadopetroleo.wordpress.com/geopolitica-dos-oleodutos/>. Acesso em: 4 mar.
2011.
53
Tradução livre para “Pipeline Diplomacy” disponível em: <http://www.thenew atlantis.com/publications/pipeli
ne-diplomacy>. Acesso em: 20 jul. 2011
54
Tradução livre para “The New Great Game” disponível em: <http://www.newgreatgame.com/>. Acesso em:
20 jul. 2011.
com estimativa mínima de nove bilhões de barris de petróleo. É o campo de Kashagan, uma
das maiores descobertas dos últimos trinta anos. Segundo o Instituto Francês de Relações
Internacionais o número de barris de petróleo recuperáveis pode chegar a treze bilhões de
barris. Esta variação das estimativas decorre do fato de existirem dificuldades geológicas para
a extração, o que exige o uso de técnicas avançadas para a maximização do aproveitamento
do campo. É importante ainda ressaltar que o campo de Kashagan não é o único dessa região
e por isso espera-se que até 2020 a produção de petróleo e gás ainda esteja em franca
ascensão. A extração do Campo de Kashagan é feita através de um consórcio de
megaempresas lideradas pela Eni (Itália), EXXON-MOBIL (Estados Unidos) e Shell (Reino
Unido e Holanda).55
No entanto, para transportar esses valiosos fluidos, é necessária uma moderníssima
rede de conexões que funcione adequadamente. Como mencionado acima, a localização
dessas tubulações é fundamental para que os governos desenvolvam suas estratégias políticocomerciais. Para a exportação do petróleo do Mar Cáspio, que está locado principalmente no
mar territorial do Cazaquistão, estão dispostos dois oleodutos sendo o primeiro o AtyrauSamara que, apesar dos planos de expansão56, não constitui vantagem para os planos
cazaques.
O segundo é o Caspian Pipeline Consortium, que parte de Tenguiz, adentra o território
Russo e termina no porto de Novorossiysk na costa do Mar Negro. O benefício do uso deste
oleoduto está na divisão de sua administração de maneira a fugir parcialmente do monopólio
das empresas russas. O Cazaquistão tem aberto de maneira significativa as portas para a
conversação com países da União Europeia e, nesse sentido, estão em curso algumas
iniciativas que atuam em prol do fortalecimento dos países europeus e também centroasiáticos. Uma dessas medidas de proteção é o Baku Initiative57, política externa que pretende
aumentar a integração entre os mercados de energia dos países europeus, utilizando, entre
outras, fontes energéticas centro-asiáticas.
Tais políticas começaram a surtir resultados e em 2006 foi concluída a construção do
South Caucasus Pipeline (Baku-Tbilisi-Erzurum – BTE)58, duto que transporta os produtos da
extração do campo de gás de Shah-Deniz, no Azerbaijão. Correndo ao lado do BTE, outro
55
Disponível em: <http://www.ifri.org/files/Energie/Kashaganbis.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2011.
Disponível em: <http://silkroadintelligencer.com/2008/07/10/kaztransoil-and-transneft-to-expand-the-atyrausamara-pipeline/>. Acesso em: 17 fev. 2011.
57
O Baku Initiative será melhor estudado em capítulo posterior.
58
Disponível em: <http://www.bpgeorgia.ge/go/doc/1339/150568/South-Caucasus-Pipeline-SCP-> Acesso em:
23 fev. 2011.
56
exemplo da “Geopolítica dos Oleodutos” é a construção do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyan, que
passa também pela Geórgia, fiel aliada dos Estados Unidos.
Não obstante, nesse sentido não é apenas a questão da Ásia Central que deve ser
evidenciada, pois em janeiro de 2011 foi inaugurado o oleoduto entre Rússia e China59,
evento que mexeu com as bases da economia petrolífera internacional. A situação é bastante
simbólica devido ao fato de que o maior exportador de petróleo e maior consumidor de
energia do mundo, antigos rivais regionais, agora se sentam à mesa para fazer negócios.
3.1 Geopolítica na Ásia Central
3.1.1 Cazaquistão
O Cazaquistão é o maior país da Ásia Central, e dentre eles o mais próspero. Desde o
fim da União Soviética os cazaques gozam de forte proximidade com a Rússia, refletida na
considerável presença de migrantes russos em seu território60. Ainda que distante do ideal de
transparência institucional e com considerável déficit democrático, comparativamente aos
demais países da região é aquele com maior abertura política e econômica, transformando-se
no principal receptor de investimentos estrangeiros entre os cinco países.61
O sucesso das diretrizes da política internacional cazaque se deve em parte à
habilidade diplomática do presidente Nursultan Nazarbayev, que nas últimas duas décadas
vem trabalhando em acordos e negociações multilaterais, incluindo aí países como EUA,
Rússia e China, que beneficiaram o Cazaquistão em termos de vantagem política e
econômica, auxiliado obviamente pela maciça presença de recursos minerais em seu
território.62
Tais recursos são facilmente demonstrados com a existência dos campos de Tengiz,
Karachaganak e Kashagan, que, entre outros, colocam o Cazaquistão como um dos maiores
produtores e fornecedores de petróleo do mundo. Juntamente com as reservas de gás natural,
carvão e urânio, é consenso que o país terá cada vez mais relevância no mercado energético
mundial nos próximos anos.63
59
Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/01/110102_russia_china_oleoduto_fn.shtml>.
Acesso em: 15 fev. 2011.
60
OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International
Peace, 2005. p. 30.
61
Ibid. pp. 138-141.
62
Ibid. pp. 143-147.
63
Disponível em: <http://www.eia.gov/countries/country-data.cfm?fips=KZ>. Acesso em: 27 jun. 2011.
O Cazaquistão, além de fazer parte do PP e da Organização para Cooperação de
Xangai (OCX)64, também é parceiro do programa energético Transporte de Óleo e Gás
Interestatal para a Europa (Interstate Oil and Gas Transportation to Europe - INOGATE)65,
patrocinado pela União Europeia, que será tratado com maior especialidade no tópico infra
4.2.
3.1.2 Uzbequistão
O Uzbequistão aderiu ao PP em 1994, e desde então tem se tornado parceiro
estratégico no combate contra o terrorismo na região e proximidades, em especial na guerra
do Afeganistão e Iraque. A base aérea de Karshi-Khanabad serviu como reduto militar
americano de apoio no embate contra a Al-Qaeda de 2001 a 2005, representando a cooperação
militar entre Estados Unidos e Uzbequistão.66
Contudo, em 2005, o governo uzbeque reprimiu violentamente uma revolta contra o
governo, episódio que ficou conhecido como o Massacre de Andijan67. Alegando que a
revolta foi planejada pelo grupo radical religioso Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU),
o presidente uzbeque Islam Karimov reprimiu com força os manifestantes, alegando que
supostamente contavam também com a ajuda do grupo religioso pacífico Hizb-ut-Tahrir.68
Esse massacre foi enfaticamente condenado pelo Ocidente, principalmente pela
patente violação de direitos humanos. Os Estados Unidos, que contavam até então com uma
base no país, foram forçados a se retirar por terem se oposto à repressão de Karimov, o que
suscitou uma delicada crise político-diplomática69. Após o acontecimento, os uzbeques
acabaram por se aproximar da China, embora não tenha se desvinculado do PP nem de seus
programas de financiamento bélico e treinamento militar.70
O Uzbequistão também é membro da OCX, além de parceiro do INOGATE.
64
A OCX será tratada com maior qualidade no tópico infra 4.1.
Site oficial disponível em: <http://www.inogate.org/>.
66
OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International
Peace, 2005. pp. 176-180.
67
Disponível em: < http://news.bbc.co.uk/2/hi/4550845.stm>. Acesso em: 27 jun. 2011.
68
Disponível em: < http://reliefweb.int/node/174699>. Acesso em: 27 jun. 2011.
69
Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2005/07/29/AR200507290203
8.html>. Acesso em: 27 jun. 2011.
70
OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International
Peace, 2005. pp. 177-178.
65
3.1.3 Turcomenistão
O Turcomenistão, sob a tutela rígida do presidente Saparmurat Niyazov, sempre foi
caracteristicamente arredio às tentativas do Ocidente (em especial Europa e EUA) de se
envolver na exploração de seus recursos minerais, principalmente os energéticos. Ricos em
petróleo e gás natural, os turcomenos viram-se desde a sua independência fadados entre a
abertura econômica, mesmo que tímida, e o exclusivismo da exploração de seus recursos.
Contudo, em vista do sucateamento da infraestrutura de seu país, Niyazov se viu obrigado a
ceder para as empresas estrangeiras a fim de que pudesse se beneficiar de suas riquezas, ainda
que tal permissão tenha sido garantida com uma série de restrições.71
O regime totalitário, aliado à consequente repressão da liberdade de expressão,
corrupção institucional generalizada e forte culto ao líder, afetou mesmo a presença de
organizações não-governamentais humanitárias e educacionais no país, que tiveram sua
atuação limitada72. Assim, não é difícil concluir a razão pela qual o Turcomenistão, dentre os
países da Ásia Central, seja aquele que menos recebe investimentos estrangeiros. Desde então
os turcomenos vêm buscando parceria junto à Turquia, com quem compartilham a etnia; Irã,
principal parceiro e investidor do duto Korpeje-Kordkuy construído em 199773; e Rússia,
parceira natural em virtude ainda do fisiologismo político remanescente da extinção da União
Soviética. Contudo, desde a década de 90 o Turcomenistão vem mantendo diálogos instáveis
com os russos, especialmente no que diz respeito ao escoamento de sua produção energética e
tentativa da Rússia de se beneficiar do patrimônio mineral dos turcomenos a um custo abaixo
daquele praticado no mercado. Agrava ainda a situação turcomena o fato de sua infraestrutura, além de defasada, não possuir meios ideais de escoamento para os mercados
consumidores.74
Relativamente recluso à influência externa, em grande parte em razão das falhas de
planejamento político-econômico do governo e seus aliados, o Turcomenistão viu na morte de
Niyazov em 2006 a brecha para a abertura da economia e sistema político, ainda que
71
Ibid. pp. 37-41.
OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International
Peace, 2005. pp. 157-165.
73
Disponível em:< http://www.turkmenistan.ru/?page_id=3&lang_id=en&elem_id=7108&type=event&s
ort=date_desc>. Acesso em: 27 jun. 2011.
74
OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International
Peace, 2005. pp. 37-39.
72
incipientes, sendo assim ainda cedo para distinguir se os turcomenos seguirão inclinados à
política do presidente predecessor ou se seguirão rumo à integração regional e internacional.75
O Turcomenistão é membro do PP desde 1994, e membro-convidado da OCX.
3.1.4 Quirguistão
Inicialmente o mais flexível dos países da Ásia Central, o Quirguistão do presidente
Askar Akayev se mostrou o mais inclinado ao Ocidente para a abertura política e econômica
de sua sociedade. Contudo, apesar dos crescentes programas financeiros, cooperação para
democratização e assistência social das organizações internacionais e ONGs, e em parte
devido ao sentimento de rivalidade entre os países da região, que mantinham barreiras
alfandegárias pouco amigáveis para a nação quirguiz, o crescimento do Quirguistão não
aconteceu como esperado.76
Somando-se a isso, ocorreu nas nações vizinhas uma série de reformas políticas que
vieram a centralizar o poder do Estado nas mãos dos chefes do executivo, o que levou Akayev
a acreditar que estava em posição de desvantagem na região e a retroceder em diversas
questões referentes à abertura para democracia nacional e liberdades civis. Contudo, em face
da implementação de tais reformas veio à tona o descontentamento do povo, que resultou na
Revolução das Tulipas e consequente deposição de Akayev, em 2005.77
O Quirguistão, além de parte do PP, é membro da OCX. Em 2001, como parte da
política de Guerra ao Terror, os EUA operacionalizaram a base aérea de Manas, que ganhou
novo fôlego após a expulsão dos americanos do Uzbequistão em 2005.78
3.1.5 Tajiquistão
O Tajiquistão é o país menos desenvolvido da região, bem como o mais vulnerável em
termos de segurança interna e estabilidade social. Marcado por uma guerra civil logo nos
75
Disponível em: < http://news.bbc.co.uk/2/hi/6198983.stm> . Acesso em: 27 jun. 2011.
OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International
Peace, 2005. pp. 41-44.
77
Disponível em: < http://www.carnegieendowment.org/2005/03/28/kyrgyzstan-s-tulip-revolution/597>. Acesso
em: 27 jun. 2011.
78
Disponível em: < http://www.fas.org/sgp/crs/row/R40564.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2011.
76
primeiros anos de independência, o Tajiquistão, desde 1997, com o fim do conflito, passou
por um lento processo de reconstrução.79
Contudo, a maior ameaça à reestruturação do país rumo ao fortalecimento republicano
das instituições e democratização é, além da corrupção política endêmica, o nível de pobreza
fatal de seus habitantes, que buscam na indústria e tráfico ilegal de entorpecentes seu principal
meio de sustento80. Com o financiamento inclusive de grupos radicais religiosos, como o
Talibã do Afeganistão, e graças ao território poroso, repleto de montanhas, o tráfico ilegal de
armas e entorpecentes acaba por se tornar extremamente difícil de controlar, afetando também
os demais países da Ásia Central, Rússia e Europa Oriental.81
Desde 2001 tropas francesas permanecem estacionadas em Dushanbe, capital do país,
como suporte para operações aéreas do ISAF – OTAN82. Membro do PP desde 2002,
periodicamente recebe dos EUA treinamento militar junto ao exército americano em seu
território, enquanto que as fronteiras próximas ao Afeganistão são resguardadas pelos
russos.83
4 GEOPOLÍTICA NA ÁSIA CENTRAL NA PERSPECTIVA DOS RECURSOS
ENERGÉTICOS
Com a queda da União Soviética e sua fragmentação política, diversos países se
formaram na região da Ásia Central, permitindo que as relações regionais, internacionais e
econômicas se tornassem invariavelmente mais complexas. Ainda que a força da Rússia
estivesse sempre presente, como se poderia esperar, reabriu-se espaço para o interesse mais
intenso de potências que buscavam ampliar sua área de influência sobre as recém-destacadas
nações, incluindo tanto países ocidentais, como os Estados Unidos, e orientais, como a
China.84
79
OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International
Peace, 2005. pp. 44-47.
80
Ibid. pp. 113-117.
81
Ibid. pp. 212-220.
82
Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insightb/articles/eav051809.shtml>. Acesso em: 27
jun. 2011.
83
Disponível em: < http://www.globalsecurity.org/military/world/russia/ogrv-tajikistan.htm>. Acesso em: 27
jun. 2011.
84
HU, Liyan, e CHENG, Ter-Shing. China’s Energy Security and Geo-Economic Interests in Central Asia.
Disponível em: <http://www.silkroadstudies.org/new/docs/CEF/Quarterly/November_2006/Liao.pdf>. Acesso
em: 7 nov. 2010. p. 48.
Nesse escopo, e recordando a importância histórica da região, adveio uma questão de
força peculiar quando se trata da geopolítica na Ásia Central, a partir do momento em que
entra em jogo a sua relevância estratégica como terra rica em recursos naturais passíveis de
serem explorados para finalidade energética.
A dependência crescente de recursos energéticos, diretamente interligada à viabilidade
do crescimento econômico dos países, faz com que as atenções à Ásia Central se voltem com
ainda mais rigor85. Por essa razão, considera-se também que é uma região particularmente
propícia a instabilidades que poderiam acarretar sérias consequências para o fornecimento
energético não apenas regional, mas também internacional.
Por essa razão, a região atrai interesses diversos, não apenas de seus vizinhos, mas
também da comunidade internacional e dos grupos econômicos, formando uma teia de
necessidades e criando um cenário de forte potencial para quaisquer questões envolvendo a
exploração de recursos energéticos, como o petróleo e o gás natural. Tais questões podem ser
positivas, como aquelas referentes à parceira econômica, ou negativas, como a preocupação
quanto à presença de células terroristas nos países que compõem esse vasto território.86
Reconhecer a Ásia Central em sua importância, não apenas geopolítica, mas também
geoestratégica, é o primeiro passo para se estabelecer um entendimento mais adequado às
85
LIAO, Xuanli. Central Asia and China's Energy Security. Disponível em: <http://www.cejiss.org/sites/defa
ult/files/l.hu_chinas_energy_security.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2011. pp. 61– 2.
86
NATO Parliamentary Assembly. 170 ESC 06 E - ENERGY SECURITY. Disponível em: <http://www.natopa.int/default.asp?SHORTCUT=1000>. Acesso em: 7 nov. 2010.
necessidades da discussão da segurança energética na região. Além disso, é natural buscar
distinguir os elementos que estão envolvidos nesse cenário asiático, especialmente quando se
está em destaque a convergência de interesses e influências diversas que paulatinamente se
destinam a interferir no modo como os recursos energéticos na região são aproveitados, e de
cujo domínio depende o desenvolvimento econômico dos muitos países que necessitam de
importações de recursos naturais para a geração de energia.
Para clarear o entendimento sobre os diferentes interesses sobre a Ásia Central,
elenca-se a seguir organizações e países que estão envolvidos de perto com questões de
segurança energética no centro asiático.
4.1 Organização para Cooperação de Xangai (OCX)87
A OCX é formada predominantemente por países da Ásia Central, em conjunto com a
China e Rússia, para discussão de questões de cooperação econômica, política e militar. Em
outras palavras, poder-se-ia dizer que no contexto asiático a OCX desempenha funções
semelhantes às da OTAN no ocidente, além de outras atribuições.
A questão da segurança energética destaca-se no painel de diálogo da organização,
principalmente quando se leva em conta um peculiar desenvolvimento mais recente de seus
objetivos fundamentais que demonstram o interesse no estreitamento das relações entre seus
membros com a intenção de se formar um verdadeiro Clube da Energia na Ásia.88
De fato, a estruturação de um mercado energético entre os países-membros iria
facilitar a formação de um comércio privilegiado que fomentaria a competitividade da
organização frente ao cenário econômico mundial, principalmente quando se vê a presença de
países emergentes em seu âmbito. O quadro da Organização conta com países como Rússia,
Cazaquistão e Uzbequistão, os quais possuem vastos recursos energéticos e combustíveis de
hidrocarbonetos, sendo aliados ao Tajiquistão e Quirguistão e seus imensos potenciais
hidrelétricos. Nessa perspectiva, tem-se que uma exploração conjunta e um uso racional
desses recursos melhoraria tangivelmente a segurança dos países da região no que se refere à
energia. Além disso, a própria intenção da OCX em instituir um Clube da Energia expressa a
priorização da questão energética em seus acordos e decisões.
87
Site oficial disponível em: <http://www.sectsco.org/EN/>.
PANNIER, Bruce. Central Asia: SCO Leaders Focus On Energy, Security, Cooperation. Disponível em: <htt
p://www.rferl.org/content/article/1078178.html>. Acesso em: 14 jan. 2011.
88
A pauta de segurança da OCX é vasta, todavia é evidente em várias de suas
declarações o desejo – primariamente da China e Rússia – de reduzir a influência dos Estados
Unidos na Ásia Central. Apesar de rejeitados pela OCX, os EUA não necessitam de
participação na Organização para lidar de perto com os países centro-asiáticos. Até mesmo
uma maior aproximação da OTAN com a Rússia tem sido observada, com destaque para a
reunião do Conselho OTAN-Rússia ocorrida em Lisboa em novembro de 2010.89
4.1.1 Rússia
A Rússia desempenha papel crucial
na geopolítica da Ásia Central, em parte
porque herdou a máquina soviética e, assim,
projeta sua sombra sobre todos os países que
um dia foram parte da URSS. Apresenta-se
como uma superpotência energética, estando
em seu território a maior reserva de gás
natural possuída por um único país, assim
como uma das maiores reservas de carvão e petróleo do mundo.90
Seu carro-chefe no mercado energético é a Gazprom, maior empresa da Federação
Russa e que engloba partes de diversas outras companhias. Por sofrer um forte controle
estatal, a Gazprom recebe muitas críticas, inclusive questionando sua eficiência econômica
diante das ações políticas91. Dentre essas ações, encontram-se, por exemplo, ofertas de
investimentos espantosos no arriscado projeto do gasoduto Turcomenistão-AfeganistãoPaquistão-Índia (TAPI), pois atravessa território Talibã.
Outros projetos de criação e ampliação de meios de transporte de recursos energéticos
(gasodutos Blue Stream92 e South Stream93) são apoiados pela Rússia, principalmente para
tornar outros projetos, como o gasoduto Nabucco, apoiados por potências ocidentais,
inviáveis94. Ainda, outro projeto digno de nota, que transparece a dependência e o interesse de
89
Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/news_68871.htm?selectedLocale=en> Acesso em: 7 jan.
2011.
90
Disponível em: <http://www.thomaswhite.com/explore-the-world/russia.aspx#recent> Acesso em: 3 jan. 2011.
91
Disponível em: <http://www.petersoninstitute.org/publications/papers/aslund0508.pdf> Acesso em: 11 abr.
2011.
92
Disponível em: <http://www.offshore-technology.com/projects/blue_stream/>. Acesso em: 31 mar. 2011.
93
Disponível em: <http://south-stream.info/?L=1>. Acesso em: 31 de mar. 2011.
94
Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insightb/articles/eav051509c.shtml>. Acesso em: 12
mar. 2011.
alguns países europeus nos planos russos, é o oleoduto Burgas-Alexandroupolis, o qual seria
uma via alternativa às que passam pela Turquia, pelo estreito de Bósforo, reduzindo o
controle turco do fluxo através da região e o perigo de alguma catástrofe nas vizinhanças de
Istambul.95
A política russa é predominantemente de contenção da influência ocidental na Ásia
Central, instituindo, por exemplo, diálogos incisivos com o Cazaquistão a fim de assegurar
um monopólio gradual do trânsito de petróleo e gás do Mar Cáspio para o Ocidente96. Para
tanto, a Rússia não poupa meios, sendo a OCX um instrumento importante a seu favor.
Além disso, sabe-se que a Rússia caminha para a implementação de uma estratégia
político-econômico-militar regional a fim assegurar o status quo contra qualquer ameaça
estrangeira. Isso revela uma polarização incipiente dos blocos regionais em um só eixo, como
maneira de assegurar seus interesses frente a fenômeno semelhante na Europa. Exemplo
disso, a comunidade representada pela União Europeia e a coalizão militar que é a OTAN.
A própria ideia da formação de um Clube da Energia entre os países da Ásia Central
reforça o interesse russo em assegurar sua influência na região, não só em face dos grupos e
interesses ocidentais, mas também da outra grande potência asiática – a China.97
4.1.2 China
A China vem, nas duas últimas décadas, promovendo um ritmo de desenvolvimento
acelerado que exige a priorização da produção de energia a fim de sustentar o crescimento
econômico98. Historicamente, o país teve forte influência nos acontecimentos envolvendo a
Ásia Central, embora desde o seu período de unificação tenha se voltado mais para si, o que
não mudou com o advento do comunismo em seu território. A queda da União Soviética e a
influência maciça da Rússia sobre os ex-países membros na década de 90, aliada à busca da
China por mercados e aliados econômicos, fez com que o país passasse a adotar uma postura
de maior interação com a Ásia Central. Sendo assim, veio a assegurar possíveis alianças que
pudessem lhe beneficiar tanto no sentido econômico quanto militar, como foi o caso com a
criação da OCX.
95
Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav032707a.shtml>. Acesso em: 12
mar. 2011.
96
HU, Liyan, e CHENG, Ter-Shing. Op. cit. p. 50.
97
LIAO, Xuanli. Op. cit. p. 67.
98
HU, Liyan, e CHENG, Ter-Shing. Op. cit. pp. 43-46.
Como reflexo desse panorama, e com especial relevância frente às necessidades da
garantia do acesso à energia rentável, a política chinesa é de aproximação com os países da
Ásia Central, em especial quanto a acordos bilaterais com o Cazaquistão para ingresso de suas
empresas de petróleo e gás com crescente e inegável influência sobre a exploração de seus
recursos energéticos.99
Apesar de existir a proposta liderada pela Rússia para o estabelecimento de um Clube
da Energia na Ásia Central, não houve manifestação chinesa de comprometimento100. O que
há, entretanto, é uma crescente colaboração da China com seus parceiros centro-asiáticos,
com destaque para a Rússia, que tem demonstrado interesse em saciar a fome chinesa por
energia. Um exemplo disso é o oleoduto inaugurado em 2010 que sai da Sibéria Oriental para
alimentar o território chinês.101
É crucial para ambos os países que não haja conflitos de esferas de influência sobre a
região da Ásia Central, pois acarretariam graves prejuízos tanto à China quanto à Rússia. A
despeito de também reter dependência aos russos no campo energético, a China mantém
reservas quanto à política controladora e monopolista da Rússia, não se abstendo de trilhar
caminhos alternativos para seu comércio de energia, inclusive estreitando laços com
companhias norte-americanas.102
4.2 União Europeia
A União Europeia certamente tem grandes interesses em uma parceria diplomática
cada vez mais estreita com os países da região, e vem empenhando esforços para que isso seja
realidade, principalmente em face da forte influência russa e chinesa. A dependência
energética da União Europeia pode de fato ser considerada um fator muito relevante para a
adoção de uma postura estratégica frente ao vasto potencial natural da Ásia Central.
Dessa forma, sob um olhar mais especulativo, é possível distinguir a preocupação da
União Europeia como legítima frente à intensa influência da Rússia sobre os ex-membros da
União Soviética, tradicional e historicamente incluídos em sua esfera de domínio. De forma
natural, e como consequência, é possível que a União Europeia tema a cartelização do preço
99
LIAO, Xuanli. Op. cit. p. 64-67.
Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav110707a.shtml>. Acesso em: 12
mar. 2011.
101
Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/01/110102_russia_china_oleoduto_fn.sht
ml>. Acesso em: 13 mar.2011.
102
Disponível em: <http://wikileaks.ch/cable/2009/06/09ASTANA982.html>. Acesso em: 10 fev. 2011.
100
dos combustíveis fósseis entre a Rússia e a Ásia Central, que, por sua vez, implique em
complicações severas no mercado energético Ásia-Europa.103
Mapa que mostra algumas linhas de transmissão de gás e petróleo retrospectivamente. Fonte: INOGATE104.
Nesse contexto, é possível exemplificar com a existência do Baku Initiative, uma
iniciativa liderada pela União Europeia como espaço de diálogos políticos sobre energia e
cooperação em transportes entre a União Europeia e os países fronteiriços ao Mar Negro, Mar
Cáspio e vizinhos105. A iniciativa também enreda em sua formação dois programas já
previamente em atividade: o INOGATE, programa de cooperação energética internacional
entre a União Europeia, Turquia e países da extinta União Soviética (com exceção da Rússia e
países bálticos); e o TRACECA (Transport Corridor Europe-Caucasus-Asia)106, programa de
transporte internacional envolvendo a União Europeia e catorze países do Leste Europeu,
Cáucaso e Ásia Central.
De modo geral, os objetivos do Baku Initative envolvem o melhoramento dos aspectos
referentes à segurança energética na região, como homogeneizar os mercados energéticos dos
países membros baseado nos princípios do mercado energético interno europeu, apoiar o
desenvolvimento de energia sustentável, bem como atrair investimentos para projetos
energéticos de interesse comum e regional. Além disso, o Baku Initiative, através do
103
CRS Report For Congress. NATO and Energy Security. Disponível em: <http://www.fas.org/sgp/crs/ro
w/RS22409.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2010.
104
Disponível em: <http://www1.inogate.org/inogate_programme/inogate_resource_center/maps> Acesso em: 1
mar. 2011.
105
European Union - Directorate-General Energy and Transport: Energy & Transport International
Relations: Baku Initiative. Disponível em: <http://ec.europa.eu/dgs/energy_transport/international/regiona
l/caspian/energy_en.htm>. Acesso em 2 fev. 2011.
106
Site oficial disponível em: < http://www.traceca-org.org/en/home/>.
INOGATE, também procura integrar os mercados energéticos dos países participantes com o
mercado da União Europeia para criar mercados energéticos mais transparentes, capazes de
atrair investimentos e aperfeiçoar a segurança no suprimento de energia, e, através do
TRACECA, discutir melhoramentos na infraestrutura no setor de transportes envolvendo
recursos energéticos.
4.3 OTAN
A OTAN provou em diversas ocasiões sua capacidade de intervir em regiões
normalmente fora do território estabelecido por seus membros caso julgasse necessária para
confrontar possível ameaça ou risco envolvendo seus integrantes ou em requisição de países
parceiros. No contexto das imediações da Ásia Central, por exemplo, observa-se atualmente
ação da OTAN ao oeste da Romênia e Bulgária e a leste dos Balcãs, ambas a fim de assegurar
a passagem de dutos com a Turquia e o Mar Cáspio, respectivamente.107
Em se tratando de segurança energética, é factível que a OTAN busque a estabilidade
no suprimento de petróleo para seus membros, em face de perigos envolvendo questões de
segurança internacional. A Ásia Central, em especial, é área em relação a qual se
desenvolvem múltiplos interesses que, associada à sua importância energética, favorecem o
surgimento de disputas e situações que ferem diretamente as pretensões de diversas entidades.
Para ilustrar a magnitude de sua importância, pode-se observar os ocorridos em julho
de 2001, quando houve a expulsão do British Petroleum do Azerbaijão pelos iranianos108; em
2001/2002, quando ocorreu intimidação naval da Rússia sobre países cáspios a fim de
dissuadir o Cazaquistão de se unir ao projeto trans-Cáspio de dutos submarinos, apoiado pelos
EUA, conectando-se ao oleoduto Baku-Ceyhan109; e por fim, em 2006, quando a Rússia
propôs à OCX e ao Irã o amalgamento dos dutos de gás na tentativa de prevenir os Estados da
Ásia Central de comercializarem gás natural no mercado internacional aberto.110
107
ADAMIA, Revaz. NATO: Caucasus in the context of Partnership for Peace. Disponível em: <http://www.
sam.gov.tr/perceptions/Volume4/March-May1999/adamia.PDF>. Acesso em: 17 fev. 2011.
108
COHEN, Ariel. Iran's Claims Over Caspian Sea Resources Threaten Energy Security. Disponível em:
<http://s3.amazonaws.com/thf_media/2002/pdf/bg1582.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2011.
109
Journal of Energy Security. The Caspian's Unsettled Legal Framework: Energy Security Implications.
Disponível em: <http://www.ensec.org/index.php?option=com_content&view=article&id=244:the-caspiansunsettled-legal-framework-energy-security-implications&catid=106:energysecuritycontent0510&Itemid=361>.
Acesso em 17 fev. 2011.
110
HU, Liyan, e CHENG, Ter-Shing. China’s Energy Security and Geo-Economic Interests in Central Asia.
Disponível em: <http://www.cejiss.org/sites/default/files/l.hu_chinas_energy_security.pdf>. Acesso em: 14 jan.
2011. pp. 49 – 50.
Diante dos fatos, o acesso direto aos recursos energéticos através de dutos e corredores
comerciais, bem como a criação de bases para operações aliadas contra grupos terroristas que
possam ameaçar o fornecimento energético acabaram por se integrar ao escopo da OTAN,
como discutido anteriormente. Com a consideração da Ásia Central como área
estrategicamente relevante do ponto de vista do potencial energético, pode-se deduzir que a
OTAN encontre em seu melhor interesse a aproximação dos países da região a fim de
assegurar acordos bilaterais de segurança e garantias quanto ao fornecimento estável de
recursos energéticos.
Tal iniciativa pode ser atualmente vislumbrada com o diálogo crescente da OTAN
com o Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão e Cazaquistão, através de acordos que permitem
a presença militar na região, ainda que a contragosto da vizinha Rússia.111
O apoio político regional em relação à atuação da OTAN, por essa razão, parece estar
aos poucos se cristalizando como um meio de influência importante do Ocidente nas relações
com a Ásia Central, principalmente do ponto de vista da segurança energética e o
beneficiamento de ambas as partes.
Por fim, saliente-se a pertinência da atuação da OTAN na Ásia Central, exposta nos
pontos a seguir:
 Necessidade do trânsito de dutos;
 Necessidade de criação de rotas comerciais diretas;
 O desafio do terrorismo internacional e a sua potencial ameaça regional, incluindo aí o
terrorismo energético;
 Necessidade militar de assegurar permanentemente os corredores de infraestrutura
logística para facilitar o acesso da OTAN ao palco de operações antiterroristas na Ásia
Central.
Em contrapartida, é crescente no Oriente – na Ásia Central em especial – a atuação da
OCX e seus membros. Um engajamento mais vigoroso da OTAN com este grupo regional
asiático pode se mostrar como a melhor forma de contenção de sua influência e de evitar
prováveis e iminentes conflitos de interesses. Embates seriam debilitantes para ambas as
organizações, enquanto uma cooperação reforçaria a capacidade dessas instituições de
administrar os complexos desafios transnacionais da Eurásia como um todo.112
111
NATO Parliamentary Assembly. 069 PCNP 06 E - CENTRAL ASIAN SECURITY: THE ROLE OF
NATO. Disponível em: <http://natopa.ibicenter.net/default.asp?SHORTCUT=902>. Acesso em: 13 abr. 2011.
112
Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav110707a.shtml>. Acesso em: 12
mar. 2011.
Entretanto, um choque de políticas quanto à região centro-asiática por certo dividirá
alguns membros da OTAN, considerando-se que o impasse seja com a política russa, maior
antagonista na área em questão. Alguns dos países da Aliança possuem relevantes laços
econômicos em termos energéticos com a Rússia. Para exemplificar, Bélgica, Alemanha,
França e Itália não enxergam com bons olhos um confronto direto com os interesses russos,
uma quebra do status quo.113
Para os Estados Unidos da América, a Ásia Central é uma grande preocupação – assim
como as ações russas. Segurança, energia e democracia resumem a essência do interesse
norte-americano na região114. Suas empreitadas de caráter variado e a presença de suas forças
os tornaram símbolo da manifestação ocidental no Oriente, o que incomoda alguns e agrada
outros – principalmente aqueles que buscam parcerias alternativas àquelas dos maiores
poderes vizinhos. Um maior refinamento da sua política regional, um diálogo formal com a
OCX, representa o meio mais promissor para os EUA diversificarem seus suprimentos
energéticos, promoverem os valores democráticos e liberais que tanto prezam, e defenderem
seus interesses de segurança.
A importância estratégica da Ásia Central para a OTAN só aumentará nos anos
vindouros. Assim como desafios, a região fornece à Aliança oportunidades de ampliação de
colaborações que podem auxiliar na determinação das ameaças à segurança do século XXI.
4.3.1 Parcerias entre OTAN e países da Ásia Central
Como já exposto, a OTAN nasce após a Segunda-Guerra Mundial, na formação de
uma aliança entre países europeus e da América do Norte, com o objetivo de garantir a
segurança de seus membros através de meios políticos e militares. O período da Guerra Fria
marcou a história da humanidade como uma era de tensões, tanto regionais como globais, e
legou aos países envolvidos um arsenal atômico com capacidade para destruir o globo
terrestre diversas vezes.
Felizmente, desde então numerosas modificações têm ocorrido. A OTAN, portanto,
teve de se reinventar na perspectiva de garantir a segurança em maior amplitude, não se
restringindo apenas aos seus países-membros. Dentro de tais mudanças no modo de pensar e
113
Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav032707a.shtml>. Acesso em: 12
mar. 2011.
114
Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav120606a.shtml>. Acesso em: 12
mar. 2011.
participar das relações internacionais se deve destacar a recente entrada de países do Leste
Europeu na OTAN115. O fato de algumas destas nações terem feito parte do Pacto de Varsóvia
deixa claro o novo perfil adotado, onde se optou pela soma de esforços e pelo diálogo regional
em prol da paz em face da manutenção dos conflitos e tensões na Europa.
Na verdade, sabe-se que desde o fim da Guerra Fria, os membros da OTAN têm em
mente a intenção de ir mais além, diversificando seu campo de ação. Isto se deve ao fato de
que, obviamente, o continente europeu não sofre apenas com influências endógenas, mas
também com implicações externas. Não há dúvida de que o tema da segurança energética é
essencial quando tocamos na palavra “influência”, e a ampla cooperação é, sem hesitação, a
melhor resposta no sentido de garantir a utilização organizada dos recursos energéticos
disponíveis.
Partindo deste princípio, as políticas de cooperação se tornam cada dia mais presentes
em vários setores como o de infra-estrutura, defesa e ciência, e para que estes novos laços se
consolidem a Organização do Tratado do Atlântico Norte vêm implantando uma série de
programas junto a Estados não-membros, no intuito de oferecer-lhes maior possibilidade de
desenvolvimento e consolidação de uma governança democrática estável.
Para que estes programas atingissem sucesso e ganhassem profundidade dentro dos
115
Em consonância ao Art. 10 do Tratado de Washington.
países, no início dos anos 90 foi implantado no quadro da OTAN um órgão destinado a
coordenar as ações de cooperação. O objetivo desse órgão era proporcionar um fórum de
diálogo que aproximasse os representantes estatais para a consubstanciação de vontades e o
entrelaçamento de pontos de vista.116
4.3.1.1 Conselho de Parceria Euro-Atlântica (CPEA)
O Conselho de Cooperação do Atlântico Norte (CCAN) foi o primeiro órgão da
OTAN destinado ao fortalecimento da cooperação no continente Europeu no período sucessor
à queda do Muro de Berlim. Tinha como principal preocupação a situação da Ex-Iugoslávia,
que apresentava recorrentes infrações aos Direitos Humanos e perspectivas desanimadoras
quanto às intenções de progresso pacífico e segurança no continente. Sua reunião inaugural
ocorreu em 20 de Dezembro de 1991, mesma época em que a União Soviética deixava de
existir.117
Pouco mais de dois anos depois, no início de 1994, a Aliança lança seu mais eficiente
programa de cooperação chamado Parceria para a Paz (PP). Com o objetivo de forjar
verdadeiras parcerias que ultrapassavam o diálogo e a cooperação pontual, este programa foi
proposto com escopo nomeadamente prático, proporcionando o treinamento e acúmulo de
experiências através de reuniões, atividades e exercícios envolvendo os parceiros da OTAN.
A sua efetividade reside no fato de que este programa é desenvolvido diferentemente
em cada nação. Apesar de obedecer a diretrizes gerais e perseguir os mesmos objetivos, o PP
é desenhado especialmente de acordo com as ambições, necessidades e possibilidades de cada
país, progredindo de maneira supervisionada pelos governos118. Isto significa que a integração
e a cooperação não ultrapassa nenhum ponto que não seja aprovado e supervisionado pelo
governo, respeitando assim o princípio da soberania dos Estados. Dessa maneira, os parceiros
escolhem dentro de um rol extensivo de atividades aquelas as quais tenham interesse para
desenvolver num programa de cooperação de dois anos chamado Programa de Parceria
Individual (Individual Partnership Programme - IPP).119
116
Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. p. 1.
Disponível em: Chapter 2: The Transformation of the Alliance. New Institutions. The North Atlantic
Cooperation Council. Disponível em: <www.nato.int/docu/handbook/2001/hb020201.htm>. Acesso em: 12 jul.
2011.
118
Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007.
119
Ibid.
117
Até 1997 os resultados derivados dos esforços do CCAN, especialmente do PP, foram
reconhecidamente positivos. Assim, com benefícios efetivos tanto para OTAN quanto para os
países participantes, decidiu-se por uma reestruturação deste órgão no escopo de ampliar os
programas de cooperação e sua gama de atividades.
A partir deste momento, o CCAN passou a chamar-se Conselho de Parceria EuroAtlântica, nome que detém até hoje. Não obstante, continua a receber as orientações do CAN,
órgão máximo da Aliança.
Fica claro neste momento que os projetos de aproximação e cooperação entre a
OTAN e os países do Leste Europeu foram bastante positivos, e por isso, renovados. Não
obstante, este plano de ação não tinha como objetivo somente os já mencionados
representantes europeus.
Demonstrando sua preocupação com a democracia e com o fortalecimento da paz,
além de enxergar o enorme potencial da região, o CPEA e o PP logo estenderam o convite aos
países da Ásia Central.120 Procurando expandir seus horizontes diplomáticos e econômicos,
tais nações logo aderiram à proposta e se tornaram participantes do CPEA e apenas o
Tajiquistão não se integrou aos exercícios do PP imediatamente.121
A importância de se desenvolver uma política de cooperação nesta região está no
aumento do número de países estáveis e colaboradores para a Aliança, mas principalmente
pela proximidade destes países com o Afeganistão, tendo em vista o aumento das ações da
OTAN na região.
A operação no Afeganistão foi feita através do ISAF e ainda encontra-se operante.
Tem como objetivo auxiliar as autoridades afegãs a construir uma paz constante no país, após
anos de guerra civil, e atua também na tentativa de prevenir o surgimento e crescimento de
novas organizações terroristas. Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão dividem fronteiras
com o território afegão o que torna o desenvolvimento de fortes parcerias essencial para a
manutenção do ISAF.122
Como dito, as parcerias se desenvolvem de acordo com as vontades estatais e é fato
que até agora, os países da Ásia Central apresentam diferentes níveis de desenvolvimento.
Nesse sentido, seus avanços na cooperação com a OTAN também são diferenciados e
merecem uma breve consideração.
120
Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007.
O Tajiquistão juntou-se ao Partnership for Peace em 2002. - 121 Backgrounder – Partners in Central Asia.
Novembro de 2007.
122
Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. p. 2.
121
O Cazaquistão, maior país da Ásia Central, é aquele que demonstra o maior nível de
envolvimento dentre os cinco. Costuma sediar uma série de exercícios de defesa e preparação
para catástrofes. Além disso, em 2006, o referido país iniciou sua participação no Programa
de Ação para Parcerias Individuais (Individual Partnership Action Programme - IPAP). Este
programa, lançado em 2002, tem como objetivo a facilitação dos projetos de reforma de cada
país. Desse modo, o programa se desenvolve num período de dois anos, podendo ser
renovado, baseado no aconselhamento e na coordenação de esforços em prol de atualizações e
melhorias nas estruturas governamentais.123
O Quirguistão vem mostrando crescente interesse em aprofundar as atividades de
parceria e recentemente (2007) concordou em fazer parte do Processo para Revisão e
Planejamento (Planning and Review Process - PARP). Este programa foi lançado em 1995 e
promove uma base estruturada para avaliação da força e da capacidade de cada parceiro na
sua participação em exercícios e operações. Em outras palavras, é um programa inicial de
cooperação, que avalia as possibilidades de cada parceiro para realizar operações lideradas
pela OTAN. Além disso, o PARP estabelece metas para que se possa averiguar continuamente
o progresso realizado.124
O Tajiquistão, em 2002, foi o último país da Ásia Central a incorporar o PP e tem
expandido gradualmente suas atividades desde então. Atualmente, o país participa do IPP com
foco nas questões da cooperação anti-terrorista, controle de fronteiras, administração de crises
e planejamento emergencial civil.125
A cooperação com o Turcomenistão, no entanto, se mostra bastante limitada. Apesar
deste país participar do PP desde 1994, sua política de neutralidade até agora não permite a
concessão de unidades militares ou de infra-estrutura para o uso da Aliança. Assim, sua
participação mais significativa fica restrita às áreas de pesquisa científica sobre questões
ambientais, planejamento civil e controle de fronteiras.126
Pode-se dizer que as perspectivas iniciais em relação ao Uzbequistão, foram
frustradas. O país se mostrou promissor nas questões de cooperação e chegou a participar do
IPAP em certo tempo. No entanto, o progresso diminuiu significativamente desde os eventos
controversos de Andijan em maio de 2005. Tais acontecimentos levaram aos membros da
Aliança a solicitar uma investigação internacional, tamanha a importância e gravidade do
123
Ibid. p. 4.
Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. p. 4.
125
Ibid. ibidem.
126
Ibid. ibidem.
124
fato127. Nada obstante, a cooperação continua de forma limitada e os canais de comunicação
continuaram abertos. Mais recentemente, mostraram-se sinais de que a cooperação e a boa
relação entre Uzbequistão e OTAN tem um futuro promissor.128
Nesse sentido, os programas de parceria da OTAN se apresentam cada vez mais
efetivos para os países da Ásia Central. Segundo as perspectivas, a cooperação que visa o
desenvolvimento e a segurança deve continuar aprofundando-se nos anos seguintes legando
aos próximos Chefes de Estado e Governo a estrutura necessária para manter a democracia e a
paz na região.
5 ASPECTOS JURÍDICOS
A geopolítica do fornecimento energético europeu, especialmente no que diz respeito
à grande contribuição central asiática, acarretou naturalmente inúmeras providências por parte
dos países e entidades envolvidos. As aclamadas políticas de desenvolvimento econômico se
deparam com a forte necessidade de implementação de mecanismos os quais possibilitem a
sua efetiva concretização.
Neste sentido, inúmeras discussões foram abertas pela comunidade internacional,
cujos debates em conferências e encontros buscaram originar uma produção de documentos
que possuíssem valor jurídico-normativo.129
A segurança energética, como desafio de atuação da OTAN, tange, portanto, um
leque de multifacetados mecanismos do Direito Internacional. Desde o âmbito interno da
instituição, até os princípios da Carta das Nações Unidas (CNU), são observados instrumentos
jurídicos que podem vir a ser aplicáveis no contexto vigente da Ásia Central.
O ato constitutivo da OTAN, conhecido também por Tratado de Washington, possui
em seu corpo normativo os Artigos 4º e 5º, que constituem verdadeiras cláusulas genéricas de
proteção e assistência mútua entre os países aliados130. Tais cláusulas, que normalmente
127
Conferir nota de rodapé nº 34.
Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. p. 4.
129
Disponível em: <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue1/portuguese/debate.html>. Acesso em: 19 Nov.
2010.
130
“Artigo 5º: As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na
América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal
ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva,
reconhecido pelo artigo 51.° da Carta dias Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas,
128
atuam na esfera relacionada à segurança física dos membros, poderiam ser também aplicadas
no contexto de segurança energética.
A primeira proposição de tal aplicação fora feita pelo senador Richard Lugar, na
Cúpula de Riga em 2006131. O Senador Lugar sugerira a extensão da cláusula de defesa mútua
– Artigo 5º do Tratado de Washington – para os casos de segurança energética. Assim, nas
situações em que as fontes de energia fossem utilizadas “como arma (...) de manipulação
política”132, tal fato, segundo o entendimento do Senador, compreenderia em verdadeiro
“ataque” à Aliança, levando por consequência à alusão ao compromisso evocado pelo referido
Artigo 5º.
A tese de Lugar foi acolhida e ratificada pela OTAN em seus pronunciamentos
oficiais na citada Cúpula de 2006133. Nos anos seguintes, a Declaração final da Cúpula de
Bucareste (2008)134, especificou as medidas e recomendações quanto ao cerne da segurança
do fornecimento energético, estabelecendo os princípios de fusão e compartilhamento de
informação e inteligência,projeção de estabilidade, promoção da cooperação internacional e
regional, suporte à gestão de efeitos e proteção de infraestruturas em estado crítico 135. Além
das recomendações supracitadas, a Declaração requereu do Conselho em Sessão Permanente
da OTAN (NATO Council in Permanent Session) que produzisse um relatório acerca dos
avanços de implementação dos tais princípios, e que o apresentasse na subsequente Cúpula
em 2009.136
praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária,
inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.
“Qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em consequência desse ataque são
imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança.
“Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as medidas necessárias para
restaurar e manter a paz e a segurança internacionais.”
131
Cúpula da OTAN em Riga, 2006, Declaração Final. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/pr/2006/p06150e.htm>. Acesso em: 10 fev. 2011.
132
Discurso do Senador Richard Lugar, Conferência no German Marshall Fund, Riga, 2006. Disponível em:
<http://lugar.senate.gov/energy/press/speech/riga.cfp>. Acesso em: 10 fev. 2011.
133
Chifu, Iulian. Energy Security Strategies in the Wider Black Sea Region: NATO and Energy Security.
Disponível em: <http://www.adevarul.ro/international/foreign_policy/web_exclusive/NATO_si_Securit atea_E
nergetica_ADVFIL20101214_0005.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2011.
134
Cúpula da OTAN em Bucareste, 2008, Declaração Final. Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natol
ive/official_text_8443.htm>. Acesso em: 25 jan. 2011.
135
Tradução livre do inglês: “Based on these principles, NATO will engage in the following fields:
- information and intelligence fusion and sharing;
- projecting stability;
- advancing international and regional cooperation;
- supporting consequence management;
- and supporting the protection of critical energy infrastructure.”
136
Cúpula da OTAN em Bucareste, 2008, Declaração Final. Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natoliv
e/official_text_8443.htm>. Acesso em: 6 jan. 2011.
A cúpula de Estrasburgo e Kehl
(2009), que ocorreu no período pós-guerra
entre Rússia e Geórgia e no pós-crise russoucraniana do gás, não correspondeu às
expectativas quanto ao progresso no discurso
da segurança energética. Houve uma sensível
atenuação das medidas de segurança da
OTAN: se por um lado permaneceu a
proclamação de proteção das infraestruturas,
o discurso evocando a cláusula de mútua defesa não foi reforçado, levando a um
entendimento de uma adoção de postura abstensiva acerca do assunto. Não obstante, ao fim
da Cúpula, os Chefes de Estado adotaram a Declaração de Segurança da Aliança, documento
que definiu as bases para o próximo Conceito de Segurança da OTAN (NATO Security
Concept). Segundo tal declaração:
“(...) nossa nação e o mundo estão enfrentando novas e crescentes ameaças globais,
como o terrorismo, a proliferação dos meios de fornecimento de armas de destruição
em massa, e ataques cibernéticos. Outros desafios como a segurança energética,
mudanças climáticas, bem como a instabilidade proveniente de Estados frágeis,
também podem provocar um impacto negativo aos Aliados e à segurança
internacional. Nossa segurança está cada vez mais ligada à de outras regiões.”137
Sendo assim, em 2010 na Cúpula de Lisboa, tal norteamento veio se verificar no
Novo Conceito Estratégico. Citada oito vezes, a expressão “segurança energética” fora
claramente relacionada à aplicação do Artigo 5º e aos mecanismos do Artigo 4º do Tratado de
Washington. Os peritos que desenvolveram esse documento também incluíram o assunto da
segurança energética como parte da agenda dos perigos enfrentados pela Aliança,
especialmente no que diz respeito à sabotagem do fornecimento por meio dos dutos e à
interrupção das rotas de fornecimento marítimo, ou seja, àqueles aspectos condizentes à
infraestrutura.
Contudo, ao final da Cúpula de 2010, a Declaração Final, em seus parágrafos 24 e
41, reafirmou a postura abstensiva da OTAN. Assim, o trato da energia como uma efetiva
“arma” de deliberada agressão contra a segurança da Aliança, que acarretaria assim no
acionamento dos Artigos 4º e 5º, foi assunto adiado mais uma vez pelos seus Chefes de
137
CHIFU, Iulian; MEDAR, Sergiu. NATO and Energy Security. Disponível em: <http://www.ade
varul.ro/international/foreign_policy/web_exclusive/NATO_si_Securitatea_Energetica_ADVFIL20101214_005.
pdf>. Acesso em: 6 jan. 2011. Tradução livre.
Estado. Segundo o entendimento de alguns estudiosos, tal fato se deve aos interesses políticos
diversos entre os países membros e às suas diferentes dependências do fornecimento
energético proveniente de potências externas à Aliança. Concluíram também, os referidos
estudiosos, que tal ação representou ponto de fraqueza interna na OTAN, abalando, em certo
ponto, as aclamadas cláusulas de “indivisibilidade” e “solidariedade”.138
No âmbito regional, os mecanismos jurídicos que podem ser aplicáveis ao assunto
em questão são os tratados relacionados à União Europeia. O Tratado de Lisboa (2007) que
veio a alterar e reformar os tratados sobre o Funcionamento da União Europeia (Tratado de
Maastricht, 1992) e o Tratado que institui a Comunidade Europeia (Tratado de Roma, 1957),
aborda a segurança energética de modo indireto, apenas elegendo o caráter das
responsabilidades dos países membros quanto ao assunto da energia.139
Os Artigos 2º-C e 100º do Tratado de Lisboa140 citam o termo “energia”
genericamente, de modo a defini-lo como objeto de solidariedade e competência econômicas
comuns aos estados membros da União Europeia.
O título XX141, ou Artigo 176º- A, do mesmo tratado supracitado, aborda
exclusivamente o tema energético, citando como objetivos da União:

a) Assegurar o funcionamento do mercado da energia;

b) Assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União;

c) Promover a eficiência energética e as economias de energia, bem como o desenvolvimento de
energias novas e renováveis; e

d) Promover a interconexão das redes de energia.142
Apesar de o Tratado dispor do assunto e fazer expressa referência à questão das redes
de energia, de sua preservação e segurança, a competência da União Europeia permeia
primordialmente o assunto apenas no âmbito econômico.
138 138
CHIFU, Iulian; MEDAR, Sergiu. NATO and Energy Security. Disponível em: <http://www.adevarul
.ro/international/foreign_policy/web_exclusive/NATO_si_Securitatea_Energetica_ADVFIL20101214_0005.pdf
>. Acesso em: 6 jan. 2011. Tradução livre.
139
Segundo o Tratado de Lisboa: “Artigo 2º-C: (...) 2. As competências partilhadas entre a União e os EstadosMembros aplicam-se aos principais domínios a seguir enunciados: (...) i) Energia”.
140
Ou respectivamente os Artigos 4º e 122º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Tratado de
Maastricht).
141
Na nova numeração do Tratado de Funcionamento da União Europeia corresponde ao “Título XXI – A
Energia”.
142
Tratado de Lisboa. Jornal Oficial da União Europeia C 306, 17 de Dezembro de 2007. ISSN 1725-2482.
Sendo assim, conclui-se que a ação conjunta e complementar entre União Europeia e
OTAN é a solução mais efetiva e coerente às regras de competências específicas de cada
organismo.143
Os mecanismos de relação e ação conjunta entre União Europeia e OTAN,
principalmente no que diz respeito ao assunto de Gestão de Crise, estão formalizados pelo
documento Declaração UE-OTAN para a Política de Defesa e Segurança Europeia (EUNATO Declaration on European Security and Defence Policy)144 de 2002, também conhecido
por “Berlin-Plus package”145.
Os mecanismos político-jurídicos citados no plano interno da Aliança, bem como no
âmbito regional da União Europeia, permitem a introdução daqueles de caráter global, qual
sejam, os Tratados Internacionais.
Eis que no contexto europeu do início dos anos 90, ao fim da Guerra Fria, surge a
necessidade de uma iniciativa voltada para a reintegração econômica entre os envolvidos no
referido conflito. Nota-se, a partir da conjuntura da época, que o setor energético representava
o mais claro componente, se não a maior prerrogativa, para um estabelecimento de laços de
cooperação que pudessem trazer mútuo benefício às partes. A partir dessas considerações
143
De acordo com os estudos de Häly Laasme. Nato Review, „the long and winding… Road to the 21 st century
security”, 2010. Disponível em: < http://www.nato.int/review>. Acesso em: 28 dez. 2010.
144
Nova nomenclatura: Commom Security and Defense Policy (CSDP).
145
NATO BRIEFING: CrisisManagment, Setembro de 2005. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/bri
efing/crisis_management2/html_en/crisis06.html>. Acesso em: 19 nov. 2010.
nasce a chamada Carta da Energia (Energy Charter Treaty), com o intuito de estabelecer a
cooperação energética, principalmente entre os países euro-asiáticos.
Frente ao quadro de crescente interdependência entre os importadores e
exportadores, a vigência de um instrumento de caráter vinculante o qual venha a substituir os
acordos bilaterais e não-jurídicos, se torna essencial para a manutenção de uma cooperação
internacional mais equilibrada e eficiente quanto à matéria da segurança energética, baseandose nos princípios do Mercado Aberto e Competitivo e do Desenvolvimento Sustentável.146
O Tratado da Carta da Energia foi assinado por cinqüenta e três Estados147 na cidade
de Lisboa em Dezembro de 1994, passando a ter sua vigência a partir da promulgação em
Abril de 1998. Dentre os países participantes148 do processo de produção da Carta, estão
incluídos os da União Européia, da Europa Central e Ocidental, da Federação Russa, Ásia
Central e Cáucaso, Japão, Austrália e Mongólia.149
Vale ressaltar que muito embora tal Tratado tenha tido significativa abrangência no
cenário internacional, muitos dos Estados que o assinaram em 1994 não chegaram a participar
da ratificação em 1998150. Tais países, como por exemplo a Rússia, sofreram profundas
críticas, principalmente da União Europeia, devido a esta ausência de ratificação151. Em
2004, a Carta Energética passou por sua mais recente reforma 152, a qual objetivou, dentre
outras atualizações, a promoção e estímulo à ratificação por parte dos países que ainda não
146
Tradução livre do inglês: “the principles of open, competitive markets and sustainable development”. In:
SMITH, Keith C. Russian Energy Pressure Fails to Unite Europe. 2007. Disponível em:
<http://www.harvard-bssp.org/files/2006/publications/eurofocus_v13n01.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2011.
147
Países que assinaram em 1994: Albânia, Armênia, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Bielorrússia, Bélgica,
Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Chipre, República Checa, Dinamarca, Comunidades Europeias,
Estônia, Finlândia, França, Geórgia, Alemanha,
Grécia,
Hungria, Islândia,
Irlanda, Itália, Japão, Cazaquistão, Quirguistão,
Letônia,
Liechtenstein,
Lituânia,
Luxemburgo,
Malta, Moldávia, Mongólia,
Holanda, Noruega,
Polônia, Portugal, Romênia, Federação Russa,
Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça,
Tajiquistão, antiga
República
iugoslava
da
República da Macedónia, Turquia, Turcomenistão, Ucrânia, Reino Unido, Uzbequistão.
148
A Carta da Energia conta também com países observadores: Argélia, Bahrein, República Popular
da China, Canadá, Islâmica do
Irã, República
da Coréia, Kuwait,
Marrocos, Nigéria,
Omã, Qatar,
Arábia Saudita, Sérvia e Montenegro, Tunísia, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos da América,
Venezuela. Dentre tais, os que assinaram em 1991 a Carta foram: Canadá, Sérvia e Montenegro e Estados
Unidos da América.
149
The Energy Charter Treaty and Related Documents. Disponível em: <http://www.encharter.org/
fileadmin/user_upload/document/EN.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2011
150
Países que não participaram da ratificação em 1998 e não o fizeram na mais recente revisão do Tratado em
2004: Austrália, Bielorrússia, Hungria, Holanda e Federação Russa.
151
“Moscou se recusou a aplicar a Carta da Energia, e em particular o projeto de Protocolo sobre Trânsito,
que faz parte do Tratado. Execução russa deste acordo teria resultado em uma maior concorrência no setor de
transporte energético da Rússia. Nos termos do Artigo 45 da Carta da Energia, a Rússia foi obrigada a colocar
o tratado em vigor no momento de sua assinatura, entretanto, Moscou alegou que a maioria dos Estados
signatários eram livres para ignorar o Tratado, salvo se for ratificado pela Duma”. Tradução livre do inglês.
Smith, Keith C. Russian Energy Policy and its Challenge to Western Policy Makers, 2008. Disponível em:
<http://csis.org/files/media/csis/pubs/080407_helsinki.pdf>. Acesso em: 06 jan. 2011.
152
2004 Review. Disponível em: <http://www.encharter.org/index.php?id=22>. Acesso em: 28 jan. 2011
haviam entrado efetivamente no regime jurídico do Tratado. Tal iniciativa não teve sucesso,
pois a Rússia e os demais países que não fizeram a ratificação permaneceram inertes, e,
consequentemente, mantiveram seu quadro de não sujeição às obrigações emanadas pelo
instrumento jurídico.
O Artigo 45 da Carta Energética dita que o início de sua vinculação a um Estado
signatário ocorre no próprio ato da assinatura do Tratado, e não apenas após sua ratificação.
Partindo desta premissa, a União Europeia mune-se de fortes argumentos para pressionar cada
vez mais o Kremlin, uma vez que, devido à Rússia ter assinado a Carta em 1994, tal fato
poderia já atrelar em si o compromisso russo quanto ao teor obrigacional ao documento.153
Materialmente falando, seu teor baseia-se primordialmente nos aspectos da
cooperação industrial entre os entes envolvidos. As áreas abrangidas no dispositivo são
essencialmente quanto à proteção aos investimentos, o trânsito e comércio da energia154 à luz
dos princípios do direito internacional.155
5.1 A legitimidade para atuação da OTAN156
A participação da OTAN em operações militares fora do território dos Estadosmembros e a cláusula de defesa coletiva contra um ataque agressor geram uma série de
controvérsias para o cenário da segurança internacional. Tal fato é evidenciado quando a
Aliança deixa de se submeter à autorização do CSNU para iniciar operações, mesmo que seja
alegando o caráter humanitário.
A partir do momento que os Chefes de Estado passam a solicitar intervenções
diretamente à OTAN, cria-se um precedente nas relações internacionais, no qual se questiona
o critério regional ou subsidiário reservado às organizações regionais de segurança na ordem
pública internacional. A União Europeia, por exemplo, já assumiu este novo padrão de
comportamento da OTAN.
Segundo Albane Geslin, o problema da legitimidade deve-se tanto à atitude das
organizações internacionais de segurança, quanto do próprio Conselho de Segurança. Na
153
SMITH, Keith C. Russian Energy Policy and its Challenge to Western Policy Makers. 2008. Disponível
em: <http://csis.org/files/media/csis/pubs/080407_helsinki.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2011.
154
SMITH, Keith C. Russian Energy Pressure Fails to Unite Europe. 2007. Disponível em:
<http://www.harvard-bssp.org/files/2006/publications/eurofocus_v13n01.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2011.
155
HARKS, Enno. Wider Europe, Deeper Integration? The Conundrum of Energy Security .
Gas in Eastern and Western Europe. Disponível em: <http://www.eu-consent.net/library/delive
rables/D82_Harks.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2010.
156
Disponível em: <http://publique.rdc.puc-rio.br/contextointernacional/media/v32n1a03.pdf>. Acesso em: 30
jan. 2011.
CNU é elencado em seu Artigo 53 que as organizações regionais de segurança devem
requerer autorização prévia ao Conselho de Segurança antes de adotar medidas coercitivas,
embora não seja um procedimento necessariamente seguido157. Vale evidenciar o Artigo 54 da
Carta de São Francisco, o qual reforça a questão de que o Conselho deve ser informado de
toda ação tomada pelos acordos ou entidades regionais. O Conselho evita que as suas
resoluções recorram, de alguma forma, à organização regional de segurança em relação a
ações militares.158
A possibilidade de intervenção militar da OTAN em países da Ásia Central pode ser
considerada caso venha a atender requisições de nações parceiras a fim de solucionar questões
que suscitem graves efeitos regionais ou globais. Nessa hipótese, uma vez que o Estado tenha
dialogado com a OTAN sob a forma de acordo bilateral, a princípio não haverá óbices para
atuação da Aliança dentro de seu território. Como exemplo, pode-se indicar a base aérea da
OTAN no Quirguistão159 e no Uzbequistão160, esta extinta em 2005, embora atualmente os
uzbeques tenham acenado para um novo apoio logístico à Aliança através da disponibilização
de sua própria base161.
Na moderna conjuntura política internacional, é possível observar também outros
exemplos nessa perspectiva. Na intervenção internacional no Afeganistão, em 2001, a OTAN
age como uma coalizão multilateral a partir de um mandato da ONU. A OTAN só passou a
assumir o controle operacional dois anos após o início da atuação da ISAF. Isso abre lacunas
tanto para ações ilegais das organizações quanto para a perda da autoridade do Conselho de
Segurança. Na tentativa de legitimar suas ações, as organizações recorrem às “habilitações
implícitas”, geralmente atinentes aos membros da ONU, que são estendidas às organizações
em virtude de suas próprias interpretações do texto de resolução utilizadas pelo Conselho.
157
1. O Conselho de Segurança utilizará, quando for caso, tais acordos e organizações regionais para uma ação
coercitiva sob a sua própria autoridade. Nenhuma ação coercitiva será, no entanto, levada a efeito em
conformidade com acordos ou organizações regionais sem autorização do Conselho de Segurança, com exceção
das medidas contra um Estado inimigo, como está definido no nº 2 deste artigo, que forem determinadas em
consequência do Artº. 107 ou em acordos regionais destinados a impedir a renovação de uma política agressiva
por parte de qualquer desses Estados, até ao momento em que a Organização possa, a pedido dos Governos
interessados, ser incumbida de impedir qualquer nova agressão por parte de tal Estado.
2. O termo "Estado inimigo", usado no nº 1 deste artigo, aplica-se a qualquer Estado que, durante a 2ª Guerra
Mundial, tenha sido inimigo de qualquer signatário da presente Carta.
158
O Conselho de Segurança será sempre informado de toda a ação empreendida ou projetada em conformidade
com os acordos ou organizações regionais para a manutenção da paz e da segurança internacionais.
159
Disponível em: <http://enews.fergananews.com/article.php?id=2543>. Acesso em: 27 Jun. 2011.
160
Disponível em: <http://reliefweb.int/node/192962>. Acesso em: 27 Jun. 2011.
161
Disponível em: <http://iwpr.net/report-news/uzbekistan-opens-airbase-nato-freight>. Acesso em: 27 Jun.
2011.
Já quanto à intervenção da OTAN em Kosovo, a tentativa de legitimação supracitada
não obteve êxito, uma vez que na Resolução 1203 (1998)162, elencada pelo Conselho de
Segurança, a questão não havia autorização para o recurso da força. Entretanto, na atuação da
OTAN, derivada de uma solicitação direta de um Chefe de Estado para a realização de uma
operação militar (como aconteceu no caso do Paquistão163), a legitimidade advém do
consentimento.
Em suma, pode-se avaliar duas maneiras de legitimação de atuação da OTAN em
Estados não-membros desta Aliança. Primeiramente, no que concerne à autorização por parte
do Conselho de Segurança através de uma Resolução para a atuação da Organização em
determinado país. Outra maneira seria através do consentimento do Estado para que a OTAN
atue nele. Desta forma, essa organização não estaria interferindo na soberania estatal, uma vez
que o mesmo permitiu tal ato.
162
Disponível em: <http://www.un.org/peace/kosovo/98sc1203.htm>. Acesso em: 10 Abr. 2011.
A parceria Paquistão OTAN teve seu início em 2005, quando a Aliança monta uma operação de assistência ao
país em razão do terremoto ocorrido na região fronteiriça do Hindu Kush. A referida ajuda encarregou-se de
promover o transporte de produtos de primeira necessidade e de conceder pessoal especializado. Tendo neste
caso, como prerrogativa inicial o fornecimento de ajuda humanitária, a ação extra-territorial da OTAN acabou
posteriormente confirmando sua permanência com novo caráter, qual seja, o militar. Desde então, portanto, a
negociação entre o governo paquistanês e a OTAN tem ocorrido no sentido da Aliança fornecer treino aos
militares nacionais e promover a segurança regional em troca de sua permanência no território do Paquistão.
163
Vale salientar que a OTAN, mesmo sem ter um mandato específico do Conselho de
Segurança e autorização do Estado para intervir nele, atua da maneira em que os seus
interesses incidirem. Se for decidido por todos os membros que a Aliança deve intervir em
determinado país, com o objetivo de defender seus Estados-membros caso haja ataque de
agente externo, a Organização agirá de acordo com a cláusula de defesa coletiva contra um
ataque agressor.
Além disso, é possível também que a OTAN possa atuar em decorrência do princípio
da especialidade, em que a organização internacional mais específica para resolução de
determinada questão é a mais adequada em relação à outra de escopo mais genérico 164. Nesse
âmbito, a OTAN como organização político-militar, dispõe de recursos que porventura podem
ser mais congruentes com a consecução de determinados objetivos, auxiliando outras
organizações internacionais em suas atividades, como a própria ONU. Exemplo disso ocorreu
em 2011, quando a ONU delegou a competência para preservação da segurança internacional
na Líbia para a OTAN.165
164
NGUYEN, Quoc Dinh; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª Ed. Lisboa:
Fundação Callouste Gulbekian, 2003. pp. 616-617.
165
Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/61769.htm>. Acesso em: 1º abr. 2011.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a densidade de seu potencial energético e a crescente importância dos
oleodutos e gasodutos que atravessam a Ásia Central, rumo aos pontos de escoamento do Mar
Mediterrâneo e Europa Oriental para o mundo, a relevância e emergência da discussão da
segurança energética pela OTAN são claras, ressaltando a competência do órgão para a
implementação de políticas de cooperação a fim de assegurar a manutenção do fornecimento
energético, e assim evitar possível instabilidade generalizada em face de uma crise energética
de proporções globais. Assim, a simulação trará à discussão não apenas os países membros
da OTAN, mas terá também a participação da Rússia, país estrategicamente relevante para a
discussão de questões de segurança energética na Ásia Central, além de eminente produtor de
gás e petróleo, bem como forte interessado no desenvolvimento da exploração energética na
região.
Dessa maneira, este comitê poderá lidar com maior abrangência os desafios inerentes
às questões de segurança energética, não apenas no âmbito restrito da Ásia Central e
arredores, mas também providenciando meios de preservar a integridade dos territórios da
Aliança e estabelecer uma relação de cooperação político-militar mais forte e unida a fim de
que seja possível combater ameaças comuns e promover a paz internacional.
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