GUIA DE ESTUDOS – ORGANIZAÇÃO DO TRATADO DO ATLÂNTICO NORTE 2011 Apresentação Nobres Delegados, É com enorme satisfação que vos apresentamos o guia de estudos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) da SOI 2011, trazendo a perspectiva da segurança energética na Ásia Central. Esperamos que apreciem a substancial e agradável leitura destas linhas, especialmente dedicadas aos senhores(as). Iniciamos o guia abordando o aspecto institucional da OTAN, destrinchando seus principais órgãos e respectivas atribuições, assim como uma visão geral acerca da região da Ásia Central e do tema a ser simulado, tanto sob um paradigma político, quanto socioeconômico, militar, cultural e jurídico. Para que este guia de estudos viesse a se tornar o que é hoje, seis inefáveis1 pessoas passaram um ano de suas vidas se reunindo, pesquisando, escrevendo, discutindo, discutindo mais um pouco, perdendo/ganhando noites e fins de semanas construindo esta preciosa compilação acadêmica. Eis os vossos heróis: @amandamottag (Amanda Motta Ganem), diretora-geral, teoricamente cursa o 6º período de Direito da UFRN e acaba de ter uma crise de meia idade ao ouvir estas palavras. Ostentando o título de drama queen do comitê e poderosos dotes culinários, objetiva chegar ao Itamaraty e realizar o sonho de ser diplomata. Com uma prolixidade inversamente proporcional à estatura padrão do comitê, participará da sua quarta SOI, sendo a segunda no staff. @rafaela_romana (Rafaela Romana de Carvalho Costa), diretora-geral, estudante fantasma do 5º período de Direito da UFRN e conquistadora-mor de corações, garante que irá atrair centenas de delegados para a SOI. Diretora mais responsável do comitê, é dotada de dislexia aguda e capaz de criar os nomes mais mirabolantes para as pessoas2. Quando terminar o curso, vai abrir edital para seu casamento e fazer concurso público. A SOI 2011 será sua terceira, segunda no staff. 1 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: adj 1. Que não se pode exprimir pela palavra; 2. [Figurado] Encantador, delicioso, inebriantes. 2 Vide XÁSSIO e HÁÇIS. @Cassio_Passos (Cássio de Oliveira Meirelles dos Passos), o famigerado Xássio, diretorassistente, há 5 períodos dorme nas salas do curso de Direito da UFRN. Diretor mais tranquilo do comitê, quando acordar, pretende ingressar na carreira diplomática. Essa será sua segunda SOI, primeira no staff. É o carioca flamenguista mais querido do comitzzZZZZZzzZZZzzz... @VanDerance (Derance Amaral Rolim Filho), diretor-assistente, por falta de opção conseguiu sobreviver ao curso de Direito da UFRN, sem se desvirtuar do mundo das celebridades e showbusiness. Magro de ruim, costuma trocar o dia pela noite, além de ser uma rica fonte de perversões. Almeja seguir a carreira diplomática, embora seja também tarólogo nas horas vagas e mantenha um sex shop. Esta é a sua segunda SOI e primeira estrelando no staff. @Halisianismo (Hális Alves do Nascimento França), diretor-assistente in memoriam, era também conhecido como Háçis. Autor da célebre frase “Nem todo negão é igual”, foi para as terras nipônicas além-mar para fazer um mestrado em Direito Internacional. Seus poderes especiais são “Discurso Infinito” e “Divergência Eterna” que importuna a todos. É o control freak do comitê, participará da sua quarta SOI (três de corpo presente), sendo a terceira vez no staff. @PedroVRE (Pedro Vítor da Rocha Eufrásio), diretor-assistente, há 5 semestres que tuíta no curso de Direito da UFRN. Ainda que amante de Coca-Cola, costuma chegar de ressaca nas reuniões, embora suas contribuições pareçam sóbrias. No futuro, planeja ser juiz de alguma coisa, se possível de direito. Esta é a sua terceira SOI, sendo sua primeira no staff. Esperamos que os Senhores Delegados possam aproveitar ao máximo este comitê, enriquecê-lo da melhor maneira possível e que a experiência de participar da SOI 2011 seja memorável. Cordialmente, Amanda Motta, Rafaela Romana, Cássio Passos, Derance Amaral, Hális França e Pedro Vítor da Rocha. ÍNDICE Apresentação .............................................................................................................................. 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .................................................................................................. 6 1 SOBRE A OTAN .................................................................................................................... 8 1.1 Parte Institucional ............................................................................................................. 8 1.2 Estrutura Civil ................................................................................................................. 10 1.2.1 Conselho do Atlântico do Norte (CAN) ...................................................................... 11 1.2.2 O Secretário-Geral e o Secretário Internacional .......................................................... 12 1.2.3 Conselho de Parceria Euro-Atlântica (CPEA) ............................................................. 13 1.3 Estrutura Militar .............................................................................................................. 13 1.3.1 Comitê Militar.............................................................................................................. 14 1.3.2 Estratégia e Arsenal ..................................................................................................... 15 1.3.3 Atuações da OTAN no século XXI ............................................................................. 16 1.3.3.1 Afeganistão ............................................................................................................... 16 1.3.3.2 Líbia .......................................................................................................................... 17 1.4 OTAN e União Europeia ................................................................................................ 17 2 SEGURANÇA ENERGÉTICA ............................................................................................. 18 2.1 Evolução histórica do conceito de segurança energética ................................................ 18 2.2 Conjuntura internacional e relevância estratégica .......................................................... 20 Tabela 01: O Petróleo no mundo .......................................................................................... 20 Tabela 02: O Gás Natural no mundo .................................................................................... 21 2.3 Riscos ................................................................................................................................. 22 2.3.1 Terrorismo energético .................................................................................................. 24 2.4 Manipulação política ....................................................................................................... 25 3 ÁSIA CENTRAL .................................................................................................................. 26 3.1 Geopolítica na Ásia Central ............................................................................................ 32 3.1.1 Cazaquistão .................................................................................................................. 32 3.1.2 Uzbequistão ................................................................................................................. 33 3.1.3 Turcomenistão ............................................................................................................. 34 3.1.4 Quirguistão ................................................................................................................... 35 3.1.5 Tajiquistão ................................................................................................................... 35 4 GEOPOLÍTICA NA ÁSIA CENTRAL NA PERSPECTIVA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS ....................................................................................................................... 36 4.1 Organização para Cooperação de Xangai (OCX) ........................................................... 38 4.1.1 Rússia ........................................................................................................................... 39 4.1.2 China ............................................................................................................................ 40 4.2 União Europeia ............................................................................................................... 41 4.3 OTAN ............................................................................................................................. 43 4.3.1 Parcerias entre OTAN e países da Ásia Central .......................................................... 45 4.3.1.1 Conselho de Parceria Euro-Atlântica (CPEA) .......................................................... 47 5 ASPECTOS JURÍDICOS ...................................................................................................... 50 5.1 A legitimidade para atuação da OTAN........................................................................... 56 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 60 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 61 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Os recursos energéticos sempre foram elementos-chave no que se refere à geopolítica e posicionamento estratégico no desenvolvimento das nações, inclusive quanto à sua extrema relevância para o progresso econômico e social. O sucesso das atividades econômicas, dessa maneira, está diretamente relacionado ao modo como tais recursos são explorados e distribuídos, dominados e garantidos do ponto de vista da sociedade internacional. Por essa razão, surgiu o conceito de segurança energética 3, evocando consigo a necessidade de se preservar e manter o fornecimento e exploração dos recursos energéticos em face de ameaças com potencial para provocar efeitos catastróficos no próprio funcionamento essencial dos países e suas instituições. Nesse sentido, a manipulação arbitrária de fontes energéticas, bloqueio dos meios de escoamento energético e ataques a pontos primordiais de infraestrutura, incluindo nesse ponto a questão do terrorismo energético, são alguns exemplos de atos que podem provocar uma situação de conflito internacional. Nesse contexto, a Ásia Central é considerada região de grande valor geoestratégico na discussão da segurança energética em virtude do seu alto potencial para exploração de recursos minerais, representado pela existência de vastas jazidas de petróleo e gás natural, como o campo petrolífero de Kashagan, um dos maiores já descobertos nos últimos 30 anos. Ainda, goza de localização geopolítica incisiva, situada entre União Europeia, Oriente Médio, Rússia e China, fator evidenciado pela existência das redes de dutos (oleodutos e gasodutos) Central Asia Center e South Caucasus Pipeline. Ademais, essa região possui um passado de exploração e domínio por parte de potências que historicamente disputaram o local, contribuindo para um cenário favorável ao aparecimento de situações instáveis e proliferação de conflitos. A busca pela estabilidade e segurança na região é primordial para o próprio presente e futuro do fornecimento de energia em dimensão global. Caso contrário, a civilização poderá enfrentar graves conflitos referentes ao domínio dos recursos minerais e uma possível crise energética mundial. Ao voltar sua atenção para o Oriente, mais especificamente a Ásia Central, os Estadosmembros buscam dialogar rumo a um posicionamento frente às dificuldades e possíveis ameaças representadas pela fragilidade da distribuição e fornecimento dos recursos 3 O conceito de segurança energética será abordado no ponto 2 desse guia. energéticos presentes naquela região, essenciais à manutenção energética de dezenas de países. Dessa forma, a OTAN, como organismo de competências político-militares, dispõe de recursos e meios ideais para a concretização e implementação de políticas voltadas para a preservação da segurança energética como componente estratégico no desenvolvimento de seus países-membros, considerando que tal temática é, naturalmente, um aspecto da própria segurança internacional. Esses assuntos serão tratados nesta simulação através da reunião do Conselho do Atlântico Norte (CAN), sendo norteada pela missão de cumprir com os princípios e valores democráticos liberais elencados no Tratado de Washington. 1 SOBRE A OTAN 1.1 Parte Institucional Após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1949, foi criada a Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança de assistência mútua cujo principal objetivo era garantir a liberdade e a segurança de seus membros, tanto por meios políticos como militares.4 A OTAN foi fundada com base no Tratado de Washington, assinado no dia 4 de abril de 1949, no qual os Estados se comprometeram a defender-se mutuamente no caso de uma possível agressão militar contra qualquer integrante da organização5. Deste modo, um ataque armado contra uma ou várias das partes constituintes, seja na Europa ou na América do Norte, seria considerado um ataque à Aliança como um todo. Além disso, tal Tratado vincula a obrigação na qual seus membros não deverão participar de nenhum outro compromisso internacional que possa contradizer suas disposições.6 Tendo em vista que na época da sua assinatura o Tratado de Washington tinha como propósito imediato a defesa de seus membros contra uma ameaça potencial resultante da crescente influência da União Soviética (URSS), quando ocorreu a fragmentação da mesma e a dissolução do Pacto de Varsóvia, iniciou-se uma discussão sobre qual seria o verdadeiro papel desta Aliança, chegando a se cogitar a ideia de que a OTAN teria deixado de ter qualquer tipo de utilidade. Porém, em 1991, fora apresentada uma nova agenda, expressa pela publicação do New Strategic Concept (Novo Conceito Estratégico)7, no qual a OTAN passou a ter novos objetivos, tais como a reunificação da Alemanha e a sua reintegração às organizações internacionais, o relacionamento da Aliança com os Estados que faziam parte do Pacto de 4 Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/what_is_nato.htm>. Acesso em: 05 fev. 2011. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/other/po/treaty-po.htm>. Acesso: 10 mar. 2011. 6 Artigo 8º do Tratado de Washington: Cada uma das Partes declara que nenhum dos compromissos internacionais atualmente em vigor entre Estados está em contradição com as disposições do presente Tratado, e assume a obrigação de não subscrever qualquer compromisso internacional que o contradiga. 7 Disponível em: <http://www.nato.int/strategic-concept/index.html>. Acesso em: 10 fev. 2011. 5 Varsóvia, assim como a relação daqueles com a própria Rússia e os países que surgiram com a desintegração da URSS. Além disso, criou-se um vácuo de poder na antiga área de influencia soviética, o que desencadeou instabilidades na região da antiga Iugoslávia e em certas regiões da antiga URSS. Tais localidades tornaram-se, portanto, pontos de diversos conflitos regionais, por motivos de natureza étnica e em função da instabilidade política, econômica e social que enfrentavam. A partir de então, a perpetuação da Aliança era a melhor alternativa para a preservação da segurança na Europa, quando se reafirmou o instrumento de cooperação entre seus membros e ao assegurar o contínuo comprometimento dos Estados Unidos da América (EUA) com a segurança europeia. Diante dessa nova realidade, fez-se necessária a instituição de novas formas de cooperação militar e política, de maneira que os conflitos regionais fossem resolvidos, e, consequentemente, preservadas a paz e a estabilidade na Europa. Assim, a Aliança assumiu novas tarefas como as operações de gestão de crise, de manutenção e preservação da paz, de combate ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa, além da adesão de novos Estados membros, previsto no Artigo 10 do Tratado de Washington.8 Em novembro de 2010, os Chefes de Estado e de Governo que participavam da reunião do Conselho do Atlântico Norte em Lisboa elaboraram um documento intitulado de “Declaração da Cúpula de Lisboa”9, no qual foi adotado um Novo Conceito Estratégico. Esse documento definiu novas diretrizes políticas da Aliança para a década atual em prol da defesa de seus membros contra toda a gama de ameaças, gerenciamento de crises cada vez mais difíceis e melhoramento as condições de trabalho com outras organizações internacionais e nações com o intuito de promover a estabilidade internacional. Desta forma, a Aliança seria mais ágil, mais capacitada e rentável, continuando a servir como um instrumento essencial para a paz. Dentre as novas acepções da OTAN, acordadas na Declaração, podem-se elucidar as seguintes: Reforçar a contribuição da OTAN no que tange à gestão de crises como parte do esforço da comunidade internacional para melhorar a sua capacidade em 8 O Artigo 10 do Tratado de Washington dita que “As partes podem, por acordo unânime, convidar a aderir a este Tratado qualquer outro Estado Europeu capaz de favorecer o desenvolvimento dos princípios do presente Tratado e de contribuir para a segurança da área do Atlântico Norte. Qualquer Estado convidado nesta conformidade pode torna-se Parte no Tratado mediante o depósito dos respectivos instrumentos de adesão junto do Governo dos Estados Unidos da América. Este último informará caso uma das Partes do depósito de cada instrumento de adesão.” 9 Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/official_texts_68828.htm?mode=pressrelease>. Acesso em: 14 jun. 2011. proporcionar a estabilização e os efeitos de reconstrução de sociedades póscrise; Encorajar o Secretário-Geral a continuar a trabalhar com o Alto Representante da União Europeia, apresentando um relatório ao CAN sobre os esforços em curso para os ministros das relações internacionais da OTAN; Convidar a Rússia para aprofundar a sua cooperação com o CAN sobre as áreas de interesses comuns; Fortalecer as parcerias existentes e desenvolver novas com outros países e organizações interessadas; Continuar com a revisão global de defesa da OTAN e da sua postura de dissuasão; Instar para que os Aliados, com base no Conceito Estratégico e nos seus compromissos no âmbito dos tratados existentes sobre o controle de armas, continuem a apoiá-los, também no que concerne ao desarmamento e esforços para a não-proliferação; O desenvolvimento de uma capacidade de defesa antimíssil para proteger todas as populações europeias da OTAN, seus territórios e forças, além de convidar a Rússia para cooperar nesse quesito; Reforçar a capacidade de defesa cibernética; Instituição de um Plano de Ação para executar a resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) sobre Mulheres, Paz e Segurança em operações lideradas pela OTAN e suas missões; Desenvolver orientações políticas para o aperfeiçoamento das capacidades de defesa e implementação militar do Novo Conceito Estratégico. 1.2 Estrutura Civil10 O Conselho do Atlântico Norte (CAN) é o órgão máximo da organização civil da OTAN, a qual é composta também pelo Secretariado Geral e o Secretariado Internacional, além de outros comitês diversos, entre os quais vale ressaltar o Conselho de Cooperação do Atlântico Norte. 10 Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_49763.htm>. Acesso em: 24 jan. 2011. 1.2.1 Conselho do Atlântico do Norte (CAN) O CAN é o principal órgão político de tomada de decisões no âmbito da OTAN. Nele se reúnem representantes de cada país membro com o intuito de discutir questões políticas e operacionais que exigem decisões coletivas. Em suma, é uma reunião que fornece um fórum para uma ampla consulta entre os países membros nas diversas questões que afetam a paz e a segurança internacional. Todos os membros desse Conselho têm o mesmo direito de expressar suas opiniões e compartilhar o consenso sobre como as decisões são baseadas. As decisões são acordadas de maneira unânime, ou seja, não existe nenhuma votação em que a decisão seja da maioria. Isto significa que todas as políticas decididas no CAN são a expressão da vontade coletiva de todos os Estados soberanos que são membros da Aliança e aceitas por todos eles. O CAN tem autoridade política efetiva e poderes de decisão. É o único órgão que foi criado pelo Tratado do Atlântico do Norte, nos termos do Artigo 9º do Tratado de Washington, que traz em sua redação: “Artigo 9º As Partes estabelecem pela presente disposição um Conselho, no qual cada uma delas estará representada para examinar as questões relativas à aplicação do Tratado. O Conselho será organizado de forma que possa reunir rapidamente em qualquer momento. O Conselho criará os organismos subsidiários que possam ser necessários; em particular, estabelecerá imediatamente uma comissão de defesa que recomendará as providências a tomar para aplicação dos Artigos 3° e 5°.”11 Como o CAN é o principal órgão político de tomada de decisões, ele supervisiona o processo político e militar sobre as questões de segurança que afetam toda a Aliança. Os assuntos discutidos e as decisões tomadas nas reuniões deste Conselho abrangem os aspectos das atividades da Organização como um todo, e são baseadas em relatórios e recomendações elaboradas por comissões subordinadas ao seu pedido. Da mesma forma, os representantes dos Estados podem consultar tanto o Secretário-Geral como quaisquer outros representantes, conforme os termos do Artigo 4º do Tratado de Washington: 11 Disponível em: <http://www.nato.int/docu/other/po/treaty-po.htm>. Acesso em: 14 fev. 2011. “Artigo 4º As Partes consultar-se-ão sempre que, na opinião de qualquer delas, estiver ameaçada a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das Partes.”12 As reuniões do CAN são presididas pelo Secretário-Geral e, quando ausente, pelo Secretário-Geral Adjunto. O CAN reúne-se uma vez por semana, sendo prevista uma reunião duas vezes ao ano. Os Aliados são representados por seus Ministros de Relações Exteriores e de Defesa e, se necessário, nas reuniões extraordinárias pelos respectivos Chefes de Estado. Os embaixadores ou representantes permanentes devem agir informando e explicando os pontos de vista e as decisões políticas dos seus governos aos outros presentes. Além disso, eles têm o dever de informar às autoridades nacionais sobre os novos desenvolvimentos e mantê-los informados sobre de que forma o consenso está sendo conduzido nas discussões de questões essenciais em áreas importantes, nas quais as posições nacionais divergem. 1.2.2 O Secretário-Geral e o Secretário Internacional O Secretário-Geral, um estadista internacional de um dos países membros, exerce um mandato de quatro anos, sendo eleito por voto consensual de todos os membros do CAN e é o responsável por presidir suas reuniões. Além disso, compete a ele a busca pela formação de consenso entre os países membros, promover e dirigir os processos de consulta dentro da Aliança, suprimir os conflitos entre os membros do Tratado, exibir possíveis temas para discussão, realizar inquéritos, propor e apoiar ações de mediação, conciliação e arbitragem. Atualmente, este cargo é ocupado por Anders Fogh Rasmussen. No que concerne às atividades de caráter ordinário, o SecretárioGeral recebe Secretariado o apoio de Internacional. um Este último é formado por funcionários e peritos advindos de todos os países membros da OTAN. Entre suas atribuições pode-se enumerar a documentação interna, o 12 Disponível em: <http://www.nato.int/docu/other/po/treaty-po.htm>. Acesso em: 10 jan. 2011. planejamento de emergências civis e de resposta a desastres, a administração, planejamento e controle do investimento dos recursos financeiros da Aliança, como também a publicidade e divulgação de suas atividades para a sociedade. Em outras palavras, a estrutura do Secretariado Internacional é dividida em cinco estruturas: Assuntos Políticos, Planos e Política de Defesa, Infraestrutura, Logística e Operações do Conselho e Assuntos Científicos. 1.2.3 Conselho de Parceria Euro-Atlântica (CPEA) O CPEA13, antes denominado Conselho para Cooperação do Atlântico Norte (CCAN), foi criado em 1991 e, apesar de não ter sido constituído como uma instância de decisão, serviu para a realização de consultas entre os até então 16 ministros da OTAN e os 20 países parceiros, como os antigos membros do Pacto de Varsóvia, da antiga União Soviética, acrescido da Eslováquia e República Tcheca. Desta forma, o CPEA surgiu como uma alternativa da Aliança para confrontar os novos padrões evidenciados com a queda do bloco socialista. O CPEA é uma instituição de diálogo, consulta e cooperação prática sobre questões de segurança e políticas. Em suma, ele é uma reunião dos membros do CAN em adição aos países do Leste Europeu que ainda não fazem parte da estrutura da CPEA. O CPEA será melhor detalhado no tópico infra, 4.3.1.1. 1.3 Estrutura Militar14 A estrutura militar da OTAN é composta pelo Comitê Militar, o Estado-Maior Militar Internacional (EMI) e os Altos Comandos. Essa estrutura militar representa o elemento diferenciador da OTAN em relação às outras alianças que visam à segurança e à defesa. Foi através dessa estrutura, constituída por comandos, forças e capacidades militares, representando a contribuição, voluntária das suas nações membros, que a Aliança materializou um conceito estratégico militar que servisse como uma estratégia definida por consenso entre norte-americanos e europeus para a defesa de valores considerados comuns ao mundo euro-atlântico. 13 14 Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_49276.htm>. Acesso em 20 de fevereiro de 2011. Disponível em: <http://www.revistamilitar.pt/modules/articles/article.php?id=465>. Acesso em: 10 mar. 2011. 1.3.1 Comitê Militar O Comitê Militar constitui o órgão máximo da OTAN em sua esfera militar. De forma análoga ao CAN, esse Comitê tem como competência fazer recomendações sobre as medidas necessárias para a manutenção da segurança na área de atuação da Aliança. Além disso, ele atende às consultas do CAN e do Comitê dos Planos de Defesa e coordena a atuação dos Altos Comandos e dos Comandos Subordinados15 através do esboço de diretrizes para esses órgãos. O Comitê Militar é composto pelos Chefes de Estado-Maior dos países membros, exceto a França, que tem como representante o Chefe da Missão Militar do país na OTAN, e a Islândia, que não possui forças armadas no quadro da Aliança, sendo assim representada por um civil. Suas reuniões ocorrem semanalmente, sendo porém convocadas quando o CAN julgar necessário. Diariamente, o trabalho do Comitê Militar é realizado pelos representantes militares que agem em nome dos seus Chefes de Estado-Maior. Estes trabalham numa capacidade a nível nacional, representando os interesses de suas nações, embora permanecendo aberto a negociações e discussões de maneira que o consenso possa ser alcançado. Assim, os representantes militares têm autoridade suficiente para permitir que o Comitê Militar cumpra com as suas tarefas coletivas e chegue a decisões importantes de maneira eficaz. Além disso, ele é responsável por recomendar às autoridades políticas da OTAN medidas necessárias para a defesa de sua área comum. Sua principal função é fornecer orientação e aconselhamento sobre a política de estratégia militar. Ademais, ele fornece diretrizes sobre a questão militar para os Comandos Estratégicos da OTAN (NATO Strategic Commanders), cujos representantes participam de suas reuniões, sendo responsáveis pela condução geral dos assuntos militares da Aliança sob a autoridade do Conselho, bem como o funcionamento das Agências Militares.16 O Comitê Militar contribui para um desenvolvimento de conceitos globais estratégicos para a Aliança, preparando uma avaliação em longo prazo acerca da força e da capacidade dos 15 Os Comandos Subordinados são subdivisões dos Altos Comandos, tendo como função a defesa de determinada área implantada em seu respectivo Comando ou a concretização de tarefas simples, podendo ser criados temporariamente para a realização de uma atividade específica. 16 As Agências militares são direta ou indiretamente subordinadas ao Comitê Militar, equivalendo a verdadeiros ministérios daquele órgão, ou seja, são organismos especializados que serve como base às autoridades, prestando serviços para os militares supremos da organização. países e regiões que representem um risco para os interesses da OTAN. Em tempos de crise, tensão e guerra, esse Comitê tem responsabilidades adicionais, as quais assessoram o Comitê de Planejamento e Defesa (Defence Planning Committee) na situação militar e fazem recomendações sobre o uso da força militar, a implementação de planos de contingência e o desenvolvimento de normas adequadas de combate. 1.3.2 Estratégia e Arsenal Em consonância com o Novo Conceito Estratégico expresso em 2010, a OTAN se compromete a agir de forma a prevenir crises, administrar conflitos e, ao fim destes, estabilizar a situação. Enlaçada pelos princípios comuns da liberdade individual, democracia, direitos humanos e respeito à lei, a Aliança incorpora o compromisso com os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas e do Tratado de Washington, devendo, portanto, sua postura – seja ela política ou militar – se pautar de acordo com estes paradigmas. No âmbito pragmático, ações preventivas de caráter político, civil ou militar são recomendadas, quando possíveis, com atenção também para suas implicações. Quando uma situação de crise já ocorre de fato, a OTAN mobiliza seus comitês políticos e militares em busca de conselhos para uma melhor abordagem da situação com vistas à segurança da Aliança. Não necessariamente, diante de uma crise, a resposta da OTAN será por meios militares, pois existem também as providências diplomáticas e civis. Com a orientação do Comitê Militar, e aprovação e autorização do Conselho do Atlântico Norte, as operações passam enfim a serem executadas. Definidos os parâmetros e objetivos, os membros e parceiros a participarem – a princípio – da operação, assim como outros países não relacionados à Aliança, inicia-se a mobilização das forças da OTAN. Ao contrário do que ocorria até as últimas décadas, quando forças enormes e fortemente armadas treinadas se concentravam em quartéis para defesa contra exércitos invasores (postura típica da Guerra Fria), a tendência nos anos recentes tem sido a ênfase em forças menores com maior mobilidade e flexibilidade quanto às tarefas militares, de maneira a se moverem com rapidez para as zonas de conflito e serem capazes de, mesmo distantes de suas bases, cumprir suas missões. As forças militares da OTAN e o arsenal à sua disposição são providos pelos países membros, na medida de sua concordância na participação das operações. Não há um arsenal individual da Aliança, nem forças militares, sendo sempre cedidos pelos membros da organização. 1.3.3 Atuações da OTAN no século XXI Embora o ápice da Organização tenha se dado na segunda metade do século XX, hoje possui ainda grandes atuações na preservação da democracia e da estabilidade política dos países que o requisitam. Cabe aqui a análise de duas missões da OTAN em andamento que ocorrem no Afeganistão e na Líbia. 1.3.3.1 Afeganistão Em 11 de agosto de 2003 a OTAN assume o comando da Força Internacional de Assistência em Segurança (International Security Assistance Force - ISAF) atendendo à Resolução 1510 do CSNU17, ficando responsável pela liderança, coordenação e planejamento, além de se responsabilizar pela manutenção de um quartel-general no Afeganistão. A ISAF, contudo, foi implantada desde 2001 através do CSNU, o qual autorizou a criação de uma força para ajudar o governo afegão na manutenção da segurança em Cabul e seus arredores, sendo comandado pelas nações envolvidas na missão de modo rotativo, até a liderança da OTAN, a pedido do governo afegão, com a anuência da ONU. O ISAF possui o objeto de auxiliar o governo afegão em sua reestruturação política, bem como manter a sua autonomia militar. Possui como prioridades a proteção do povo afegão, desenvolvimento das capacidades de forças de segurança do Afeganistão, de modo que eles próprios assumam a segurança de seu país, além de combater à insurgência de grupos terroristas e permitir que o governo afegão atue de forma autônoma. Desde o inicio da liderança pela OTAN, o ISAF expandiu sua área de atuação, que era limitado apenas a Cabul, bem como aumentou seu efetivo militar: de 5.000 para 130.000 topas, de 48 países incluindo todos os países da Organização18. Além disso, a missão liderada pela Aliança auxilia o exército afegão, de modo a formá-lo, orientá-lo, bem como dar apoio operacional ao exército. 17 Disponível em: < http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N03/555/55/PDF/N0355555.pdf?OpenEl ement>. Acesso em: 18 jul. 2011. 18 Dados disponíveis em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/topics_69366.htm?>. Acesso em: 27 jun. 2011. 1.3.3.2 Líbia No dia 23 de março de 2011, a OTAN assume toda a operação na Líbia nos termos da Resolução 1973 do CSNU19, tendo o objetivo de proteger civis e suas áreas habitacionais, além de impor um embargo de armas e uma zona de exclusão aérea (No-fly zone) no território líbio. A OTAN entra no contexto dos protestos pela derrubada do ditador uma semana após Kadafi ganhar terreno, em uma ofensiva que retomou diversas cidades do oeste da Líbia das mãos da oposição e chegou às portas de Benghazi, a capital rebelde. As negociações estavam sobre o comando da França, Líbano e do Reino Unido, tendo os Estados Unidos entrado após o apoio da Liga Árabe e da União Africana em montar uma zona de exclusão aérea na Líbia. As estimativas20 apontam que a operação conta com 14 países-membros da OTAN (Estados Unidos, França, Reino Unido, Espanha, Canadá, Itália, Holanda, Bélgica, Dinamarca, Noruega, Turquia, Grécia, Romênia e Bulgária), com a utilização de 205 aviões (de combate, de reconhecimento e de abastecimento em voo) e 21 navios. 1.4 OTAN e União Europeia Pode-se observar que a União Europeia tenta intensificar cada vez mais a cooperação com a OTAN, uma vez que ao mesmo tempo vem tentando desenvolver uma estrutura de defesa coletiva. Com relação à consolidação dessa cooperação, estudiosos, como Adrian Pop21, acreditam que tanto a União Europeia como a OTAN deveriam concentrar-se no fortalecimento das suas capacidades mais importantes, aumentando a interoperabilidade, o planejamento, a tecnologia, o equipamento, a formação, bem como coordenando diretrizes. No que concerne à segurança energética, afirma-se que essa é uma área de enfoque para cooperação entre a OTAN e a União Europeia22. Para diversos países europeus, uma dependência significativa nas fontes energéticas estrangeiras é há muito uma realidade. 19 Disponível em: <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N11/268/39/PDF/N1126839.pdf?OpenEl ement> . Acesso em: 18 jul. 2011. 20 Dados fornecidos no site http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/efe/2011/03/31/operacao-da-otan-na-libiaenvolve-14-paises-ate-o-momento.jhtm 21 Disponível em: <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue2/portuguese/art6.html>. Acesso em: 22 jan. 2011. 22 Disponível em: <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue2/portuguese/art6.html>. Acesso: 07 fev. 2011. Certamente a OTAN e a União Europeia compartilham desafios fundamentais à segurança. Portanto, muitos acreditam que seria pertinente uma maior cooperação nestas áreas, tendo resultados favoráveis para ambas instituições. Deste modo, a OTAN e a União Europeia devem trabalhar para aumentar a cooperação prática e continuar a reconciliar a ordem de trabalhos transatlântica. 2 SEGURANÇA ENERGÉTICA 2.1 Evolução histórica do conceito de segurança energética Pode-se afirmar que o início da procura por bens energéticos de maior potencial deuse no século XVIII, com a Revolução Industrial inglesa. Do surgimento do motor a vapor fezse a necessidade de outros meios energéticos, como o carvão. Antes desse período, as fontes energéticas advinham da tração humana e animal, da força das águas e do vento, sendo a madeira utilizada para aquecimento e outros fins domésticos. Com o surgimento da chamada 2ª Revolução Industrial, houve a substituição do motor a vapor pelo motor a combustão interna, provocando assim a maior necessidade de combustíveis fósseis. Daí inicia-se uma era de maior exploração de petróleo e seu grande leque de utilidades, bem como o uso para a produção de combustíveis. De fato, a facilidade de prospecção do petróleo no início dessa fase, somado ao seu baixo preço, não acarretou a preocupação dos entes estatais na segurança energética, fato esse que somente teria início com a primeira crise do petróleo em 1973. Contudo, segundo Queiroz (2010), os primórdios da preocupação com a segurança energética se vislumbram com o bloqueio do Canal de Suez na década de 5023. Em virtude desse ser o principal meio de transações mercantis entre Europa e Ásia, seu fechamento ocasionou instabilidade na oferta de petróleo e, consequentemente, na elevação de seus preços. A própria criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) no final da década de 60 proporcionou a formação de um cartel que controlasse os preços e as exportações do petróleo. 23 QUEIROZ, Renato. Segurança energética. Disponível em: <http://infopetro.wordpress.com/2010/04/05/se guranca-energetica/ 03-01-11>. Acesso em: 06 jan. 2011. A primeira crise do petróleo em 1973, como mencionado, adquiriu caráter essencial, em face da guerra Árabe-Israelense de Yom Kippur. O apoio dos EUA a Israel resultou na suspensão do fornecimento de petróleo bruto por parte dos árabes, causando alta elevação dos preços e diminuição do fornecimento de petróleo. Ademais, mais três fatos pós-crise de 1973 merecem destaque na influência da segurança energética: a crise política do Irã em 1979, também conhecida como a Segunda Crise do Petróleo, que elevou mais uma vez os preços do barril; a guerra do Golfo em 1991; e, mais recentemente, em 2008, quando houve um aumento de 100% no preço do barril do petróleo, devido ao mercado especulativo global. Feita essa pequena introdução, percebe-se que a segurança energética está intimamente ligada ao petróleo e seus derivados, bem como ao gás natural. Assim, a partir dos ensinamentos de Renato Queiroz24, António Costa e Silva25 e Henrique Schwarz26, podemos definir a segurança energética, dentro do contexto internacional, como o estado de segurança na produção, fornecimento e distribuição de petróleo e gás ao seu usuário (Estado), necessário ao desenvolvimento contínuo do poder nacional, a fim de evitar possíveis rupturas. Faz-se mister também ressaltar a importância desse conceito. Segundo Schwarz 27: “A segurança energética deixa (...) de ser vista como uma mera vertente, entre muitas outras, das políticas de segurança nacional para ser encarada como uma questão central de segurança global a longo prazo, o que, ao fim e ao cabo, significa compreendê-la como um factor (sic) crucial da construção da paz mundial, através do estabelecimento de relações internacionais de benefício mútuo, denominadas de cooperação compulsiva(...).” Desse modo, observa-se que a segurança energética passou a ser prioridade para muitos países, principalmente para aqueles carentes de recursos, atuando de forma a defenderem as suas fontes minerais a qualquer custo. 24 Idem. COSTA SILVA, António, A Segurança Energética da Europa. In. Nação e defesa, Lisboa, n. 116, p. 31-72, mar./jun. 2007. 26 SCHWARZ, Henrique. Energia, Geopolítica e a Política da Biosfera. In. Nação e defesa, Lisboa, n. 116, p. 730, mar./jun. 2007. 27 Idem.p. 27. 25 2.2 Conjuntura internacional e relevância estratégica Em virtude das constantes mutações das sociedades, os conceitos e conjunturas sofrem mudanças no decorrer dos tempos. Tem-se observado uma mudança nos rumos da segurança energética durante o século XX: “A preocupação com a segurança energética tornou-se central em qualquer planejamento, levando governantes e estrategistas a desenvolverem análises acerca dos riscos de paralisia da economia ou de violações da soberania, com considerações inclusive de logística militar.” (OLIVEIRA, 2007, p. 111)28 “No contexto das políticas energéticas, os países buscam suprir suas sociedades de energia a preços estáveis sem riscos de descontinuidade e de dependência externa. De fato, as nações, através de seus diversos governos, buscam continuamente uma situação de independência política. Contudo se tal nação não estiver sob um cenário de segurança energética a vulnerabilidade política aumenta. É sabido que a energia ocupa um papel de destaque nas sociedades em função da sua forte relação com a economia, a tecnologia, o meio ambiente e com o quadro social.” (QUEIROZ, 2010)29 Dessa forma, percebe-se que a segurança energética está em pauta no cenário internacional, principalmente no eixo euroasiático, onde a falta de recursos incita a procura em outras regiões. Para tanto, a título de ilustração, observa-se a seguir duas tabelas sobre petróleo e gás natural. Tabela 01: O Petróleo no mundo Petróleo (Milhões de toneladas anuais - Mt) Produtores Mt (2005) % total Exportadores mundial (2004) Mt Importadores Mt (2004) Arábia Saudita 519 13,2 Arábia Saudita 346 EUA 577 Rússia 470 12 Rússia 258 Japão 206 EUA 307 7,8 Noruega 132 China 123 Irã 205 5,2 Nigéria 123 Coreia 114 México 188 4,8 Irã 122 Alemanha 110 China 183 4,7 México 105 Índia 96 Venezuela 162 4,1 Emirados Árabes 95 Itália 93 28 OLIVEIRA, L. K. Petróleo e segurança internacional: aspectos globais e regionais das disputas por petróleo na África Subsaariana. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. 29 QUEIROZ, Renato. Segurança energética. Disponível em: <http://infopetro.wordpress.com/2010/04/05/se guranca-energetica/ 03-01-11>. Acesso em: 06 jan. 2011. Canadá 143 3,6 Venezuela 94 França 85 Noruega 139 3,5 Canadá 87 Reino Unido 63 Nigéria 133 3,4 Iraque 75 Países Baixos 60 TOTAL 2.449 62,3 1.437 1.527 Fonte: Key World Energy Statistics, AIE, 2006. Tabela 02: O Gás Natural no mundo Petróleo (Milhões de metros cúbicos anuais – Mm³) Produtores Mm³ (2005) % total Exportadores mundial (2005) Mm³ Importadores Mm³ (2005) Rússia 627.446 21,8 Rússia 203.727 EUA 121.348 EUA 516.614 18 Canadá 106.353 Alemanha 90.700 Canadá 187.164 6,5 Noruega 82.801 Japão 80.915 Argélia 97.797 3,2 Argélia 62.638 Itália 73.460 Reino Unido 92.045 3,2 Países Baixos 52.355 Ucrânia 62.132 Noruega 89.559 3,1 Turcomenistão 49.423 França 46.975 Irã 83.535 2,9 Indonésia 26.146 Espanha 33.118 Países Baixos 78.804 2,7 Malásia 32.614 Coreia 29.494 Indonésia 77.305 2,7 Catar 27.992 Turquia 26.572 Arábia Saudita 69.500 2,4 EUA 22.288 Países Baixos 23.025 TOTAL 1.914.769 66,7 682.337 587.739 Fonte: Key World Energy Statistics, AIE, 2006. A análise das tabelas evidencia os Estados Unidos como maior importador tanto de petróleo como de gás natural. Contudo, presencia-se nos últimos anos a China como grande rival norte-americano. Para fazer uma comparação simples a nível continental, cita-se um trecho de António Costa Silva: “A Ásia é hoje responsável por 41% do crescimento da procura mundial. Em 1970 a América do Norte consumia o dobro do petróleo da Ásia, mas em 2005, pela 30 primeira vez na história, o consumo da Ásia ultrapassou o da América do Norte.” Vê-se que a China tem os Estados Unidos como seu forte rival na manutenção de sua segurança energética: 30 COSTA SILVA, António, A Segurança Energética da Europa. In. Nação e defesa, Lisboa, n. 116, p. 31-72, mar./jun. 2007. “Eles crêem que os estadunidenses estão desconfortáveis com o crescimento chinês e suspeitam que eles possam tentar constranger a emergência da China como um potencial rival e que a mudança chinesa de exportadora para importadora de petróleo possa ser uma nova área que os Estados Unidos podem explorar para pressionar a China. (...) Ásia Central e Rússia são regiões menos vulneráveis à força dos EUA do que o Golfo Pérsico e as áreas marítimas que o ligam até o sul do Mar da China (região com controle marítimo dos EUA) A falta de presença militar estadunidense na Ásia Central têm entusiasmado a China na construção do oleoduto até o Cazaquistão o que evitaria a rota marítima.” (MENDES, 2004. p. 2)31 Partindo para a Europa, vê-se sua grande dependência pelo gás natural russo, frequentemente usado pela Rússia para a obtenção de vantagens políticas e econômicas. Em números, 88% do gás russo é exportado para a Europa, bem como 75% da sua produção de petróleo32. A exceção a essa regra, segundo Schwarz (2010), seria a dos países ibéricos, cujos abastecimentos se dão por países do norte africano, do Oriente Médio e do Golfo da Guiné. Nem por isso a sua situação é mais segura: Portugal tem a marca impressionante de 85% de petróleo e gás natural importado, o que significa uma forte dependência energética do estado lusitano. 2.3 Riscos O petróleo, bem como o gás natural, como fonte energética não renovável tende a se exaurir com o tempo. A atual conjuntura já demonstra óbices na obtenção de novas jazidas e da prospecção das antigas. Como dito anteriormente, a segurança energética é um fator crucial para a construção da paz mundial. Portanto, a escassez desses recursos energéticos possibilita o surgimento de conflitos, como lecionado por Schwarz33. Estes podem ser de três tipos: 1º – Confrontos políticos e militares entre potências consumidoras e países produtores; 2º – Guerras civis entre grupos ou facções, que no interior das nações produtoras competem pela partilha dos rendimentos da venda dos combustíveis fósseis; 31 MENDES, Daniel Ferreira. A crise energética na China. Disponível em: <http://www.pucminas.br/imagedb/conjuntura/CNO_ARQ_NOTIC20060525163515.pdf?PHPSESSID=b77ed96 1956405b83e1ca00e42811a2d >. Acesso em : 06 jan. 2011. 32 Disponível em: <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue1/portuguese/debate.html>. Acesso em: 26 jan, 2011. 33 2007, p. 22 3º – Conflitos de interesses entre grandes países consumidores, que tendem a agravar-se à medida que a energia fóssil disponível se torna menos capaz enfrentar uma procura em expansão imparável. A título exemplificativo, pode-se citar o corte ao fornecimento de gás a Ucrânia, em 34 2006 . Nesse episódio, a Rússia, fornecedora de quase 80% do gás, cortou o abastecimento da Ucrânia quando esta não aceitou o aumento do preço do gás natural. Posteriormente, outro corte da mesma natureza ocorreu em 200935, causando prejuízos também a países europeus como Hungria, Áustria, Sérvia e Bósnia. Tais países tiveram seus fornecimentos cortados em sua totalidade, em pleno inverno europeu, instaurando um verdadeiro caos, ainda que as obrigações contratuais com o fornecedor estivessem em dia. Todavia, Moscou alegou diminuição do seu potencial como justificativa para o corte no fornecimento. A despeito desse problema, o bloco europeu evitou responsabilizar o país russo, haja vista a sua grande dependência. Outro caso é o do corte à Bielorrússia, em 200736. Em virtude do imposto sobre o trânsito de petróleo pela região, a estatal russa Transneft interrompeu sua provisão de petróleo para o país, território estratégico para transporte do petróleo até a Europa, sem consulta prévia aos países destinatários do produto. Tudo se resolveu com o acordo que anulou o referido imposto, normalizando o seu abastecimento. Todavia, os acontecimentos do início desse século tendem a uma nova faceta, silenciosa e muitas vezes eficiente, resultando em graves prejuízos ao Estado consumidor: o terrorismo energético. 34 Ver mais em <http://economia.publico.pt/Noticia/gazprom-corta-fornecimento-de-gas-natural-a-ucrania_1243 399 >. Acesso em: 27 mar. 2011 . 35 Vide em: <http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090107/not_imp303468,0.php.> Acesso em: 27 mar. 2011. 36 Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/story/2007/01/070110_russiapetroleoacordofn.sht ml>. Acesso em: 27 mar. 2011. 2.3.1 Terrorismo energético A definição de terrorismo energético consiste em qualquer tentativa de interrupção do fornecimento de recursos energéticos por meio de violência e terror com a finalidade de alcançar determinados objetivos políticos, econômicos, religiosos ou culturais.37 Um exemplo desse tipo de terrorismo ocorreu em 2008, na Turquia38. No dia 6 de agosto, um incêndio no oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC) acarretou na interrupção do fornecimento de petróleo, sendo este duto uma das principais fontes de alimentação de óleo para o Ocidente, com capacidade de bombear um bilhão de barris de petróleo bruto por dia39. Esse petróleo vinha do mar Cáspio, no Arzebaijão, passando pela Rússia e o Irã. A autoria do ataque foi assumido pelo PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), conhecido também por ataques a instalações elétricas. Entretanto, não houve maiores prejuízos ao fornecimento de petróleo porque havia reservas existentes no porto de Ceyhan (também na Turquia), onde termina o oleoduto. A guerra também utiliza o terrorismo energético como tática, tanto para quem ataca, impossibilitando que o inimigo utilize esses suprimentos, bem como pelo atacado, de modo que tal reserva não venha a ser utilizado por pessoas adversárias a ela. Nesse caso, pode-se dar como exemplo a guerra do Iraque em 200340. Logo no começo esse conflito, os soldados americanos alegavam que o exército iraquiano tinha colocado explosivos nos poços de petróleo locais e os detonaram, provocando grandes incêndios. Tendo em vista o clima desértico e a escassez de recursos hídricos, mesmo depois de doze dias o fogo não conseguiu ser controlado. Há de se salientar também que na guerra do Iraque de 1991 41, os iraquianos ao serem expulsos do Kuwait pelos Estados Unidos, também explodiram os poços de petróleo localizados ao norte, de modo a serem inutilizados. 37 Conceito baseados em: ALEXANDER, David. Bulgaria, Russia, Energy Terrorism, and Energy Liberation. Disponível em: <http://www.planetthoughts.org/?pg=pt/Whole&qid=2699&tagi=2215&taga=nucle ar%20energy>. Acesso em: 27. Mar. 2011 e <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue1/portuguese/d ebate.html>. Acesso em: 26 jan, 2011. 38 Ver mais detalhes em: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL715429-5602,00.html> e <http://g1.g lobo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL713748-5602,00-INCENDIO+INTERROMPE+FLUXO+ EM+OLEODUTO +NA+TURQUIA.html>. Acesso em: 15 fev. 2011. 39 Tal valor corresponde a 1% da produção mundial. 40 Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2003/030401_gazirlmp.shtml>. Acesso em : 15 fev. 2011 41 idem 2.4 Manipulação política Por parte dos países exportadores, as jazidas de petróleo e gás tendem a servir como instrumento de pressão política, e por essa razão frequentemente posta em prática por países como Rússia e Irã. António Costa Silva42,comenta um pouco sobre a manipulação russa em relação ao abastecimento de gás na Ucrânia em 2006, in verbis: “Quando a Rússia cortou o abastecimento de gás à Ucrânia no dia 1º de Janeiro de 2006, o mercado energético europeu mostrou todas as suas fragilidades. A Rússia tinha uma pretensão legítima: aumentar o preço do gás que vendia à Ucrânia, pois nos últimos dois anos o preço do gás triplicou nos mercados internacionais. Mas, ao adoptar (sic) um comportamento irresponsável e cortar o abastecimento, a Rússia mostrou que é um fornecedor não fiável e que não hesita em utilizar os seus recursos energéticos como uma arma geopolítica. Este foi um aviso sério para a Europa.” A manipulação política pode, aparentemente, demonstrar uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que o país produtor tem a condição de poder requerer benefícios sob o risco de o país consumidor ter seu fornecimento suspenso, por outro lado, aquele terá, em tese, desprestígio e queda de credibilidade perante a comunidade internacional. Na prática, a 42 2007, p. 55 escassez desse recurso tende a fazer com que o país produtor tenha seus pedidos aceitos, haja vista não haver, por parte dos países consumidores, outro fornecedor viável para suprir as suas necessidades. Por fim, há de se ressaltar a importância de outros meios de negociação, afim de que o desgaste entre os Estados não seja maior: “Há a necessidade de revalorizar a diplomacia, as sanções, as coligações múltiplas, a integração económica (sic) e o uso mais eficaz da força e da contenção. Talvez seja mais actual (sic) do que nunca o pensamento de Catarina, a Grande, quando disse: „A única forma de defendermos as nossas fronteiras é alargá-las‟. Hoje isto não deve funcionar no sentido físico do termo, mas no sentido econômico (sic), cultural, político, diplomático e essa é uma via importante para redefinir um conceito de segurança para o século XXI.” (SILVA, 2007, p. 44) Assim, os países precisam buscar maior viabilidade para negociar os recursos energéticos. Não basta somente cortar o fornecimento de combustível como meio coercitivo para aumento dos seus preços. É necessário buscar meios pacíficos, como através das organizações internacionais para que haja a solução desses conflitos e a normalidade do fornecimento de energia aos colaboradores. 3 ÁSIA CENTRAL43 Devido à sua importância geopolítica, a Ásia Central, atualmente, é objeto de uma intensa disputa que envolve as grandes potências mundiais desejosas por recursos energéticos. Historicamente, por ser um território de difícil colonização em razão de sua aridez, o espaço centro-asiático foi palco de inúmeras batalhas entre povos nômades que se sucederam no domínio da região, influenciando sua atual diversidade étnica. Além de ser alvo de grandes disputas no mundo antigo, a Ásia Central também fez parte da Rota da Seda, importante via que fazia efervescer o comércio da região. Na verdade, não apenas uma via, mas uma vasta rede de conexões que tinha o seu destino final na Europa e África. Consoante com a ebulição comercial da região, o interesse de potências regionais como China e Rússia era evidente, pois dominar tal região significava a verdadeira consolidação de seus antigos impérios. E, para isso, não mediram esforços. Assim, é importante lembrar que o Império Chinês deteve controle sobre a região por um longo 43 Disponível em: <http://www.brasilescola.com/geografia/asia-central.htm>. Acesso em: 8 abr. 2011. período, principalmente durante a Dinastia Qing, que executou campanhas militares, anexando territórios centro-asiáticos ao Império Chinês. No entanto, devido à revoltas internas, principalmente na região de Xinjiang, o controle chinês ficou enfraquecido perante a força do Império Russo, que, a partir do início do século XIX, já não enxergava mais óbices para estender seu domínio ao sul e participar do comércio marítimo do Pacífico através da Índia. Entretanto, o vastíssimo Império Russo foi justamente de encontro à outra potência maior da época, o Império Britânico, detentor de uma vasta região de influência ao sul do continente asiático. A disputa territorial entre esses dois impérios ganhou o nome “Grande Jogo” 44 , e teve seu período de maior intensidade entre 1880 e a primeira década do século XX. Em razão desta corrida imperialista ocorreram três guerras Anglo-afegãs, tentativas frustradas em que a Coroa Britânica tentou tomar para si o território afegão. Assim, ficou evidente que não seria mais possível a expansão da influência inglesa pela região, 44 "O termo "O Grande Jogo" é habitualmente atribuído a Arthur Conolly, um agente dos serviços de informações e oficial da Sexta Cavalaria Ligeira de Bengala, da Companhia Britânica das Índias Orientais. Foi introduzido junto do grande público pelo escritor Rudyard Kipling na sua novela Kim (1901)". Disponível também em: <http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/caucaso.htm>. Acesso em: 25 fev. 2011. circunstância que culminou no Tratado de Rawalpindi 45 , reconhecendo a independência do Afeganistão. Não obstante, a Coroa Britânica ainda resistiu e somente na Segunda Guerra Mundial, quando os objetivos de Rússia e Inglaterra estavam temporariamente alinhados, o “Grande Jogo” chegou ao fim definitivo. Após a Revolução Russa e a ascensão dos bolcheviques, a Ásia Central Soviética experimentou uma onda de reorganização administrativa, período em que foi definida boa parte das fronteiras das repúblicas socialistas surgidas na época 46 . Depois de algumas décadas, ficaram definidas as Repúblicas do Cazaquistão, Uzbequistão, Tajiquistão, Turcomenistão e Quirguistão, fronteiras que nada tinham a ver com a composição étnica desses lugares, mas sim com o receio de movimentos panturquistas e islâmicos na região. Vale salientar que a ONU não possui definição precisa em relação à Ásia Central, colocandoos no bloco de países “Centro-Sul asiáticos”, que engloba em seu rol, além dos cinco comumente aceitos, Índia, Afeganistão e Irã.47 Na década de 40, sob o comando de Stálin, o governo soviético promoveu um programa de reassentamento de agricultores em razão das necessidades da produção agrícola. Foram deslocadas aproximadamente trezentas mil pessoas para as terras férteis do Cazaquistão, acentuando ainda mais a diversidade cultural deste país. É importante lembrar que nesse espaço de tempo a União Soviética possuía uma população de aproximadamente 190 milhões de pessoas48, boa parte delas famintas e com frio. Desse modo, por integrarem parte do território soviético, os países centro-asiáticos experimentaram um momento de relativo crescimento regional em razão da construção e transferência de instalações industriais que conferiram dinamicidade à economia local. Nesse tempo, água e eletricidade eram bem menos escassos devido ao auxílio de Moscou. Contudo, a agricultura irrigada implantada em prol do cultivo de algodão e do arroz atingiu patamares insustentáveis, o que causou um colapso na agricultura regional já no final da Guerra Fria. Após a queda da URSS em 1991, as nações satélites da Rússia Soviética se transformaram em repúblicas independentes com governos autônomos. Todavia, a transição não foi totalmente bem sucedida. Isso porque os governos herdados por esses países tinham como líderes grandes autoridades comunistas do período soviético. Com efeito, apesar de não podermos exaltar tais nações pela paz constante, democracia e respeito aos direitos 45 Disponível em: <http://www.theepochtimes.com/n2/world/timelines-the-treaty-of-rawalpindi-gave-whatcountry-independence-from-britain-on-aug-8-1919-60103.html> 46 Disponível em: <http://www.clubemundo.com.br/revistapangea/show_news.asp?n=246&ed=4>. 47 Disponível em: <http://esa.un.org/unpd/wup/CD-ROM_2009/WPP2009_DEFINITION_OF_MAJOR_A REAS_AND_REGIONS.pdf>.Acesso em: 27 jun. 2011. 48 Disponível em: <http://www.tacitus.nu/historical-atlas/population/russia.htm>. Acesso em: 20 fev. 2011. humanos49, a região gozava de certa estabilidade, como parte do esforço que essas nações tinham feito para participar de forma competitiva do cenário internacional. Geograficamente, a região centro-asiática é bastante definida. Suas características principais são grandes planícies áridas, vegetação de estepe esparsa e algumas cadeias de montanhas. O cenário seco deve-se à continentalização desses países que se encontram especialmente distantes dos oceanos. Parte dessa escassez de água também pode ser atribuída à União Soviética que contribuiu de forma majoritária, para o esgotamento do Mar de Aral, destino final dos dois mais importantes rios da região (Amu Darya e Syr Darya) e fonte de riqueza para a indústria pesqueira.50 A falência do Mar de Aral hoje tenta ser revertida pelo governo do Cazaquistão sem muito sucesso. Em consequência desse evento, que alguns consideram uma das piores tragédias naturais da história, a indústria da pesca foi sensivelmente abalada e tem poucas perspectivas para uma nova ascensão. A população da Ásia Central é de origem bastante diversa, fato que se explica através da história de dominações, influência russa e conflitos étnico-religiosos. Os russos, apesar de não constituírem maioria, estão presentes em todas as cinco repúblicas da Ásia Central. Os cinco países reúnem uma população de aproximadamente 60 milhões de habitantes sendo o Uzbequistão e o Cazaquistão aqueles que detêm as maiores populações. O maior território é o do Cazaquistão (9º maior do mundo) com cerca de 2.7 milhões quilômetros quadrados.51 No que diz respeito às relações exteriores, os países centro-asiáticos tem um perfil bastante parecido. Com o fim da URSS, essas nações procuraram diversificar seus mercados para depender menos economicamente da sua vizinha maior Rússia. Dessa maneira, tiveram a oportunidade de abrir conversações com o mundo ocidental e ainda puderam estreitar relações 49 Guerra Civil do Tadjiquistão. Disponível em: <http://hdr.undp.org/en/media/hdr04_po_chapter_4.pdf>. p. 78. Acesso em: 4 mar. 2011. Referente também ao massacre em Andijan no Uzbequistão em 2005: <http://www.hrw.org/en/video/2011/03/11/2005-exposing-andijan-massacre>. Acesso em: 5 fev. 2011. 50 Disponível em <http://www.institutodeengenharia.org.br/site/noticia.php?id_sessao=4&id_noticia=3760>. Acesso em: 23 fev. 2011. 51 Disponível em <http://www.aneki.com/countries2.php?t=Largest_Countries_in_the_World table=fb5&place s=*=*&order=desc&orderby=fb5.value&decimals=--&dependency=independent&number=all &cntdn=asc&r=209-210-211-212-213-214-215-216-217-218-219-220-103-222-223-224-225-226-227-228&c= &measures=C ountry--Total%20Area%20%28sq%20km%29&units=--&file=largest>. Acesso em: 17 fev. 2011. com a China, grande potência do mundo atual. Bom exemplo dessa estratégia política é o Cazaquistão, que mantêm uma diplomacia multivetorial, tendo os Estados Unidos como um de seus principais investidores, ao mesmo tempo em que divide a bacia do Mar Cáspio com a Rússia e mantém relações competitivas com seu rival regional, Uzbequistão. Em geral, a produção industrial desses países ainda é modesta frente às outras potências emergentes como Brasil e Índia. No entanto, a produção petrolífera dos países da Ásia Central vem crescendo geometricamente, figurando entre as maiores do mundo, o que exige a revisão diária das políticas de países investidores no intuito de criar estratégias de inserção neste mercado ascendente. Para tal, é imperativo que se observe a geografia do mercado, definindo onde e como os recursos serão distribuídos. Essa movimentação políticoeconômica acerca das vias de transmissão dos recursos energéticos, nomeadamente o petróleo e o gás, têm um nome muito e específico: “Geopolítica dos Oleodutos”.52 Também chamada de “Diplomacia dos Oleodutos” 53 , esse cerco ao redor das fontes de energia tem por principal objeto de discussão o posicionamento dos canais que levam petróleo e gás aos mais variados destinos. Trata-se de um conjunto de investidas de perfil econômico, político, diplomático e militar que visa, em regra, a autossuficiência energética. Dito isso, é necessário que se comente quais são os atores envolvidos nessa disputa que já vem sendo alcunhada de “O Novo Grande Jogo” 54. De fato, as grandes potências como os Estados Unidos, China e Rússia são os principais jogadores dentro da “Geopolítica dos Oleodutos”. Contudo, o foco de discussões sobre recursos energéticos está voltado para a região centro-asiática, riquíssima em hidrocarbonetos. Dessa forma, o palco ganha novos protagonistas com capacidade de intervir e mudar radicalmente o cenário internacional. O Cazaquistão, país de maior extensão territorial da Ásia Central, é o ícone da região na questão “segurança energética”. Uma das razões para o destaque está no fato de que os cazaques dividem com a Rússia, Irã, Azerbaijão, Turcomenistão e Geórgia no domínio do Mar Cáspio, local onde foi encontrado um dos maiores campos petrolíferos de todo o globo 52 Disponível em <http://geopoliticadopetroleo.wordpress.com/geopolitica-dos-oleodutos/>. Acesso em: 4 mar. 2011. 53 Tradução livre para “Pipeline Diplomacy” disponível em: <http://www.thenew atlantis.com/publications/pipeli ne-diplomacy>. Acesso em: 20 jul. 2011 54 Tradução livre para “The New Great Game” disponível em: <http://www.newgreatgame.com/>. Acesso em: 20 jul. 2011. com estimativa mínima de nove bilhões de barris de petróleo. É o campo de Kashagan, uma das maiores descobertas dos últimos trinta anos. Segundo o Instituto Francês de Relações Internacionais o número de barris de petróleo recuperáveis pode chegar a treze bilhões de barris. Esta variação das estimativas decorre do fato de existirem dificuldades geológicas para a extração, o que exige o uso de técnicas avançadas para a maximização do aproveitamento do campo. É importante ainda ressaltar que o campo de Kashagan não é o único dessa região e por isso espera-se que até 2020 a produção de petróleo e gás ainda esteja em franca ascensão. A extração do Campo de Kashagan é feita através de um consórcio de megaempresas lideradas pela Eni (Itália), EXXON-MOBIL (Estados Unidos) e Shell (Reino Unido e Holanda).55 No entanto, para transportar esses valiosos fluidos, é necessária uma moderníssima rede de conexões que funcione adequadamente. Como mencionado acima, a localização dessas tubulações é fundamental para que os governos desenvolvam suas estratégias políticocomerciais. Para a exportação do petróleo do Mar Cáspio, que está locado principalmente no mar territorial do Cazaquistão, estão dispostos dois oleodutos sendo o primeiro o AtyrauSamara que, apesar dos planos de expansão56, não constitui vantagem para os planos cazaques. O segundo é o Caspian Pipeline Consortium, que parte de Tenguiz, adentra o território Russo e termina no porto de Novorossiysk na costa do Mar Negro. O benefício do uso deste oleoduto está na divisão de sua administração de maneira a fugir parcialmente do monopólio das empresas russas. O Cazaquistão tem aberto de maneira significativa as portas para a conversação com países da União Europeia e, nesse sentido, estão em curso algumas iniciativas que atuam em prol do fortalecimento dos países europeus e também centroasiáticos. Uma dessas medidas de proteção é o Baku Initiative57, política externa que pretende aumentar a integração entre os mercados de energia dos países europeus, utilizando, entre outras, fontes energéticas centro-asiáticas. Tais políticas começaram a surtir resultados e em 2006 foi concluída a construção do South Caucasus Pipeline (Baku-Tbilisi-Erzurum – BTE)58, duto que transporta os produtos da extração do campo de gás de Shah-Deniz, no Azerbaijão. Correndo ao lado do BTE, outro 55 Disponível em: <http://www.ifri.org/files/Energie/Kashaganbis.pdf>. Acesso em: 13 fev. 2011. Disponível em: <http://silkroadintelligencer.com/2008/07/10/kaztransoil-and-transneft-to-expand-the-atyrausamara-pipeline/>. Acesso em: 17 fev. 2011. 57 O Baku Initiative será melhor estudado em capítulo posterior. 58 Disponível em: <http://www.bpgeorgia.ge/go/doc/1339/150568/South-Caucasus-Pipeline-SCP-> Acesso em: 23 fev. 2011. 56 exemplo da “Geopolítica dos Oleodutos” é a construção do oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyan, que passa também pela Geórgia, fiel aliada dos Estados Unidos. Não obstante, nesse sentido não é apenas a questão da Ásia Central que deve ser evidenciada, pois em janeiro de 2011 foi inaugurado o oleoduto entre Rússia e China59, evento que mexeu com as bases da economia petrolífera internacional. A situação é bastante simbólica devido ao fato de que o maior exportador de petróleo e maior consumidor de energia do mundo, antigos rivais regionais, agora se sentam à mesa para fazer negócios. 3.1 Geopolítica na Ásia Central 3.1.1 Cazaquistão O Cazaquistão é o maior país da Ásia Central, e dentre eles o mais próspero. Desde o fim da União Soviética os cazaques gozam de forte proximidade com a Rússia, refletida na considerável presença de migrantes russos em seu território60. Ainda que distante do ideal de transparência institucional e com considerável déficit democrático, comparativamente aos demais países da região é aquele com maior abertura política e econômica, transformando-se no principal receptor de investimentos estrangeiros entre os cinco países.61 O sucesso das diretrizes da política internacional cazaque se deve em parte à habilidade diplomática do presidente Nursultan Nazarbayev, que nas últimas duas décadas vem trabalhando em acordos e negociações multilaterais, incluindo aí países como EUA, Rússia e China, que beneficiaram o Cazaquistão em termos de vantagem política e econômica, auxiliado obviamente pela maciça presença de recursos minerais em seu território.62 Tais recursos são facilmente demonstrados com a existência dos campos de Tengiz, Karachaganak e Kashagan, que, entre outros, colocam o Cazaquistão como um dos maiores produtores e fornecedores de petróleo do mundo. Juntamente com as reservas de gás natural, carvão e urânio, é consenso que o país terá cada vez mais relevância no mercado energético mundial nos próximos anos.63 59 Disponível em <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/01/110102_russia_china_oleoduto_fn.shtml>. Acesso em: 15 fev. 2011. 60 OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005. p. 30. 61 Ibid. pp. 138-141. 62 Ibid. pp. 143-147. 63 Disponível em: <http://www.eia.gov/countries/country-data.cfm?fips=KZ>. Acesso em: 27 jun. 2011. O Cazaquistão, além de fazer parte do PP e da Organização para Cooperação de Xangai (OCX)64, também é parceiro do programa energético Transporte de Óleo e Gás Interestatal para a Europa (Interstate Oil and Gas Transportation to Europe - INOGATE)65, patrocinado pela União Europeia, que será tratado com maior especialidade no tópico infra 4.2. 3.1.2 Uzbequistão O Uzbequistão aderiu ao PP em 1994, e desde então tem se tornado parceiro estratégico no combate contra o terrorismo na região e proximidades, em especial na guerra do Afeganistão e Iraque. A base aérea de Karshi-Khanabad serviu como reduto militar americano de apoio no embate contra a Al-Qaeda de 2001 a 2005, representando a cooperação militar entre Estados Unidos e Uzbequistão.66 Contudo, em 2005, o governo uzbeque reprimiu violentamente uma revolta contra o governo, episódio que ficou conhecido como o Massacre de Andijan67. Alegando que a revolta foi planejada pelo grupo radical religioso Movimento Islâmico do Uzbequistão (IMU), o presidente uzbeque Islam Karimov reprimiu com força os manifestantes, alegando que supostamente contavam também com a ajuda do grupo religioso pacífico Hizb-ut-Tahrir.68 Esse massacre foi enfaticamente condenado pelo Ocidente, principalmente pela patente violação de direitos humanos. Os Estados Unidos, que contavam até então com uma base no país, foram forçados a se retirar por terem se oposto à repressão de Karimov, o que suscitou uma delicada crise político-diplomática69. Após o acontecimento, os uzbeques acabaram por se aproximar da China, embora não tenha se desvinculado do PP nem de seus programas de financiamento bélico e treinamento militar.70 O Uzbequistão também é membro da OCX, além de parceiro do INOGATE. 64 A OCX será tratada com maior qualidade no tópico infra 4.1. Site oficial disponível em: <http://www.inogate.org/>. 66 OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005. pp. 176-180. 67 Disponível em: < http://news.bbc.co.uk/2/hi/4550845.stm>. Acesso em: 27 jun. 2011. 68 Disponível em: < http://reliefweb.int/node/174699>. Acesso em: 27 jun. 2011. 69 Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2005/07/29/AR200507290203 8.html>. Acesso em: 27 jun. 2011. 70 OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005. pp. 177-178. 65 3.1.3 Turcomenistão O Turcomenistão, sob a tutela rígida do presidente Saparmurat Niyazov, sempre foi caracteristicamente arredio às tentativas do Ocidente (em especial Europa e EUA) de se envolver na exploração de seus recursos minerais, principalmente os energéticos. Ricos em petróleo e gás natural, os turcomenos viram-se desde a sua independência fadados entre a abertura econômica, mesmo que tímida, e o exclusivismo da exploração de seus recursos. Contudo, em vista do sucateamento da infraestrutura de seu país, Niyazov se viu obrigado a ceder para as empresas estrangeiras a fim de que pudesse se beneficiar de suas riquezas, ainda que tal permissão tenha sido garantida com uma série de restrições.71 O regime totalitário, aliado à consequente repressão da liberdade de expressão, corrupção institucional generalizada e forte culto ao líder, afetou mesmo a presença de organizações não-governamentais humanitárias e educacionais no país, que tiveram sua atuação limitada72. Assim, não é difícil concluir a razão pela qual o Turcomenistão, dentre os países da Ásia Central, seja aquele que menos recebe investimentos estrangeiros. Desde então os turcomenos vêm buscando parceria junto à Turquia, com quem compartilham a etnia; Irã, principal parceiro e investidor do duto Korpeje-Kordkuy construído em 199773; e Rússia, parceira natural em virtude ainda do fisiologismo político remanescente da extinção da União Soviética. Contudo, desde a década de 90 o Turcomenistão vem mantendo diálogos instáveis com os russos, especialmente no que diz respeito ao escoamento de sua produção energética e tentativa da Rússia de se beneficiar do patrimônio mineral dos turcomenos a um custo abaixo daquele praticado no mercado. Agrava ainda a situação turcomena o fato de sua infraestrutura, além de defasada, não possuir meios ideais de escoamento para os mercados consumidores.74 Relativamente recluso à influência externa, em grande parte em razão das falhas de planejamento político-econômico do governo e seus aliados, o Turcomenistão viu na morte de Niyazov em 2006 a brecha para a abertura da economia e sistema político, ainda que 71 Ibid. pp. 37-41. OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005. pp. 157-165. 73 Disponível em:< http://www.turkmenistan.ru/?page_id=3&lang_id=en&elem_id=7108&type=event&s ort=date_desc>. Acesso em: 27 jun. 2011. 74 OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005. pp. 37-39. 72 incipientes, sendo assim ainda cedo para distinguir se os turcomenos seguirão inclinados à política do presidente predecessor ou se seguirão rumo à integração regional e internacional.75 O Turcomenistão é membro do PP desde 1994, e membro-convidado da OCX. 3.1.4 Quirguistão Inicialmente o mais flexível dos países da Ásia Central, o Quirguistão do presidente Askar Akayev se mostrou o mais inclinado ao Ocidente para a abertura política e econômica de sua sociedade. Contudo, apesar dos crescentes programas financeiros, cooperação para democratização e assistência social das organizações internacionais e ONGs, e em parte devido ao sentimento de rivalidade entre os países da região, que mantinham barreiras alfandegárias pouco amigáveis para a nação quirguiz, o crescimento do Quirguistão não aconteceu como esperado.76 Somando-se a isso, ocorreu nas nações vizinhas uma série de reformas políticas que vieram a centralizar o poder do Estado nas mãos dos chefes do executivo, o que levou Akayev a acreditar que estava em posição de desvantagem na região e a retroceder em diversas questões referentes à abertura para democracia nacional e liberdades civis. Contudo, em face da implementação de tais reformas veio à tona o descontentamento do povo, que resultou na Revolução das Tulipas e consequente deposição de Akayev, em 2005.77 O Quirguistão, além de parte do PP, é membro da OCX. Em 2001, como parte da política de Guerra ao Terror, os EUA operacionalizaram a base aérea de Manas, que ganhou novo fôlego após a expulsão dos americanos do Uzbequistão em 2005.78 3.1.5 Tajiquistão O Tajiquistão é o país menos desenvolvido da região, bem como o mais vulnerável em termos de segurança interna e estabilidade social. Marcado por uma guerra civil logo nos 75 Disponível em: < http://news.bbc.co.uk/2/hi/6198983.stm> . Acesso em: 27 jun. 2011. OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005. pp. 41-44. 77 Disponível em: < http://www.carnegieendowment.org/2005/03/28/kyrgyzstan-s-tulip-revolution/597>. Acesso em: 27 jun. 2011. 78 Disponível em: < http://www.fas.org/sgp/crs/row/R40564.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2011. 76 primeiros anos de independência, o Tajiquistão, desde 1997, com o fim do conflito, passou por um lento processo de reconstrução.79 Contudo, a maior ameaça à reestruturação do país rumo ao fortalecimento republicano das instituições e democratização é, além da corrupção política endêmica, o nível de pobreza fatal de seus habitantes, que buscam na indústria e tráfico ilegal de entorpecentes seu principal meio de sustento80. Com o financiamento inclusive de grupos radicais religiosos, como o Talibã do Afeganistão, e graças ao território poroso, repleto de montanhas, o tráfico ilegal de armas e entorpecentes acaba por se tornar extremamente difícil de controlar, afetando também os demais países da Ásia Central, Rússia e Europa Oriental.81 Desde 2001 tropas francesas permanecem estacionadas em Dushanbe, capital do país, como suporte para operações aéreas do ISAF – OTAN82. Membro do PP desde 2002, periodicamente recebe dos EUA treinamento militar junto ao exército americano em seu território, enquanto que as fronteiras próximas ao Afeganistão são resguardadas pelos russos.83 4 GEOPOLÍTICA NA ÁSIA CENTRAL NA PERSPECTIVA DOS RECURSOS ENERGÉTICOS Com a queda da União Soviética e sua fragmentação política, diversos países se formaram na região da Ásia Central, permitindo que as relações regionais, internacionais e econômicas se tornassem invariavelmente mais complexas. Ainda que a força da Rússia estivesse sempre presente, como se poderia esperar, reabriu-se espaço para o interesse mais intenso de potências que buscavam ampliar sua área de influência sobre as recém-destacadas nações, incluindo tanto países ocidentais, como os Estados Unidos, e orientais, como a China.84 79 OLCOTT, Martha Brill. Central Asia‟s Second Chance. Washington: Carnegie Endowment for International Peace, 2005. pp. 44-47. 80 Ibid. pp. 113-117. 81 Ibid. pp. 212-220. 82 Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insightb/articles/eav051809.shtml>. Acesso em: 27 jun. 2011. 83 Disponível em: < http://www.globalsecurity.org/military/world/russia/ogrv-tajikistan.htm>. Acesso em: 27 jun. 2011. 84 HU, Liyan, e CHENG, Ter-Shing. China’s Energy Security and Geo-Economic Interests in Central Asia. Disponível em: <http://www.silkroadstudies.org/new/docs/CEF/Quarterly/November_2006/Liao.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2010. p. 48. Nesse escopo, e recordando a importância histórica da região, adveio uma questão de força peculiar quando se trata da geopolítica na Ásia Central, a partir do momento em que entra em jogo a sua relevância estratégica como terra rica em recursos naturais passíveis de serem explorados para finalidade energética. A dependência crescente de recursos energéticos, diretamente interligada à viabilidade do crescimento econômico dos países, faz com que as atenções à Ásia Central se voltem com ainda mais rigor85. Por essa razão, considera-se também que é uma região particularmente propícia a instabilidades que poderiam acarretar sérias consequências para o fornecimento energético não apenas regional, mas também internacional. Por essa razão, a região atrai interesses diversos, não apenas de seus vizinhos, mas também da comunidade internacional e dos grupos econômicos, formando uma teia de necessidades e criando um cenário de forte potencial para quaisquer questões envolvendo a exploração de recursos energéticos, como o petróleo e o gás natural. Tais questões podem ser positivas, como aquelas referentes à parceira econômica, ou negativas, como a preocupação quanto à presença de células terroristas nos países que compõem esse vasto território.86 Reconhecer a Ásia Central em sua importância, não apenas geopolítica, mas também geoestratégica, é o primeiro passo para se estabelecer um entendimento mais adequado às 85 LIAO, Xuanli. Central Asia and China's Energy Security. Disponível em: <http://www.cejiss.org/sites/defa ult/files/l.hu_chinas_energy_security.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2011. pp. 61– 2. 86 NATO Parliamentary Assembly. 170 ESC 06 E - ENERGY SECURITY. Disponível em: <http://www.natopa.int/default.asp?SHORTCUT=1000>. Acesso em: 7 nov. 2010. necessidades da discussão da segurança energética na região. Além disso, é natural buscar distinguir os elementos que estão envolvidos nesse cenário asiático, especialmente quando se está em destaque a convergência de interesses e influências diversas que paulatinamente se destinam a interferir no modo como os recursos energéticos na região são aproveitados, e de cujo domínio depende o desenvolvimento econômico dos muitos países que necessitam de importações de recursos naturais para a geração de energia. Para clarear o entendimento sobre os diferentes interesses sobre a Ásia Central, elenca-se a seguir organizações e países que estão envolvidos de perto com questões de segurança energética no centro asiático. 4.1 Organização para Cooperação de Xangai (OCX)87 A OCX é formada predominantemente por países da Ásia Central, em conjunto com a China e Rússia, para discussão de questões de cooperação econômica, política e militar. Em outras palavras, poder-se-ia dizer que no contexto asiático a OCX desempenha funções semelhantes às da OTAN no ocidente, além de outras atribuições. A questão da segurança energética destaca-se no painel de diálogo da organização, principalmente quando se leva em conta um peculiar desenvolvimento mais recente de seus objetivos fundamentais que demonstram o interesse no estreitamento das relações entre seus membros com a intenção de se formar um verdadeiro Clube da Energia na Ásia.88 De fato, a estruturação de um mercado energético entre os países-membros iria facilitar a formação de um comércio privilegiado que fomentaria a competitividade da organização frente ao cenário econômico mundial, principalmente quando se vê a presença de países emergentes em seu âmbito. O quadro da Organização conta com países como Rússia, Cazaquistão e Uzbequistão, os quais possuem vastos recursos energéticos e combustíveis de hidrocarbonetos, sendo aliados ao Tajiquistão e Quirguistão e seus imensos potenciais hidrelétricos. Nessa perspectiva, tem-se que uma exploração conjunta e um uso racional desses recursos melhoraria tangivelmente a segurança dos países da região no que se refere à energia. Além disso, a própria intenção da OCX em instituir um Clube da Energia expressa a priorização da questão energética em seus acordos e decisões. 87 Site oficial disponível em: <http://www.sectsco.org/EN/>. PANNIER, Bruce. Central Asia: SCO Leaders Focus On Energy, Security, Cooperation. Disponível em: <htt p://www.rferl.org/content/article/1078178.html>. Acesso em: 14 jan. 2011. 88 A pauta de segurança da OCX é vasta, todavia é evidente em várias de suas declarações o desejo – primariamente da China e Rússia – de reduzir a influência dos Estados Unidos na Ásia Central. Apesar de rejeitados pela OCX, os EUA não necessitam de participação na Organização para lidar de perto com os países centro-asiáticos. Até mesmo uma maior aproximação da OTAN com a Rússia tem sido observada, com destaque para a reunião do Conselho OTAN-Rússia ocorrida em Lisboa em novembro de 2010.89 4.1.1 Rússia A Rússia desempenha papel crucial na geopolítica da Ásia Central, em parte porque herdou a máquina soviética e, assim, projeta sua sombra sobre todos os países que um dia foram parte da URSS. Apresenta-se como uma superpotência energética, estando em seu território a maior reserva de gás natural possuída por um único país, assim como uma das maiores reservas de carvão e petróleo do mundo.90 Seu carro-chefe no mercado energético é a Gazprom, maior empresa da Federação Russa e que engloba partes de diversas outras companhias. Por sofrer um forte controle estatal, a Gazprom recebe muitas críticas, inclusive questionando sua eficiência econômica diante das ações políticas91. Dentre essas ações, encontram-se, por exemplo, ofertas de investimentos espantosos no arriscado projeto do gasoduto Turcomenistão-AfeganistãoPaquistão-Índia (TAPI), pois atravessa território Talibã. Outros projetos de criação e ampliação de meios de transporte de recursos energéticos (gasodutos Blue Stream92 e South Stream93) são apoiados pela Rússia, principalmente para tornar outros projetos, como o gasoduto Nabucco, apoiados por potências ocidentais, inviáveis94. Ainda, outro projeto digno de nota, que transparece a dependência e o interesse de 89 Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/news_68871.htm?selectedLocale=en> Acesso em: 7 jan. 2011. 90 Disponível em: <http://www.thomaswhite.com/explore-the-world/russia.aspx#recent> Acesso em: 3 jan. 2011. 91 Disponível em: <http://www.petersoninstitute.org/publications/papers/aslund0508.pdf> Acesso em: 11 abr. 2011. 92 Disponível em: <http://www.offshore-technology.com/projects/blue_stream/>. Acesso em: 31 mar. 2011. 93 Disponível em: <http://south-stream.info/?L=1>. Acesso em: 31 de mar. 2011. 94 Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insightb/articles/eav051509c.shtml>. Acesso em: 12 mar. 2011. alguns países europeus nos planos russos, é o oleoduto Burgas-Alexandroupolis, o qual seria uma via alternativa às que passam pela Turquia, pelo estreito de Bósforo, reduzindo o controle turco do fluxo através da região e o perigo de alguma catástrofe nas vizinhanças de Istambul.95 A política russa é predominantemente de contenção da influência ocidental na Ásia Central, instituindo, por exemplo, diálogos incisivos com o Cazaquistão a fim de assegurar um monopólio gradual do trânsito de petróleo e gás do Mar Cáspio para o Ocidente96. Para tanto, a Rússia não poupa meios, sendo a OCX um instrumento importante a seu favor. Além disso, sabe-se que a Rússia caminha para a implementação de uma estratégia político-econômico-militar regional a fim assegurar o status quo contra qualquer ameaça estrangeira. Isso revela uma polarização incipiente dos blocos regionais em um só eixo, como maneira de assegurar seus interesses frente a fenômeno semelhante na Europa. Exemplo disso, a comunidade representada pela União Europeia e a coalizão militar que é a OTAN. A própria ideia da formação de um Clube da Energia entre os países da Ásia Central reforça o interesse russo em assegurar sua influência na região, não só em face dos grupos e interesses ocidentais, mas também da outra grande potência asiática – a China.97 4.1.2 China A China vem, nas duas últimas décadas, promovendo um ritmo de desenvolvimento acelerado que exige a priorização da produção de energia a fim de sustentar o crescimento econômico98. Historicamente, o país teve forte influência nos acontecimentos envolvendo a Ásia Central, embora desde o seu período de unificação tenha se voltado mais para si, o que não mudou com o advento do comunismo em seu território. A queda da União Soviética e a influência maciça da Rússia sobre os ex-países membros na década de 90, aliada à busca da China por mercados e aliados econômicos, fez com que o país passasse a adotar uma postura de maior interação com a Ásia Central. Sendo assim, veio a assegurar possíveis alianças que pudessem lhe beneficiar tanto no sentido econômico quanto militar, como foi o caso com a criação da OCX. 95 Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav032707a.shtml>. Acesso em: 12 mar. 2011. 96 HU, Liyan, e CHENG, Ter-Shing. Op. cit. p. 50. 97 LIAO, Xuanli. Op. cit. p. 67. 98 HU, Liyan, e CHENG, Ter-Shing. Op. cit. pp. 43-46. Como reflexo desse panorama, e com especial relevância frente às necessidades da garantia do acesso à energia rentável, a política chinesa é de aproximação com os países da Ásia Central, em especial quanto a acordos bilaterais com o Cazaquistão para ingresso de suas empresas de petróleo e gás com crescente e inegável influência sobre a exploração de seus recursos energéticos.99 Apesar de existir a proposta liderada pela Rússia para o estabelecimento de um Clube da Energia na Ásia Central, não houve manifestação chinesa de comprometimento100. O que há, entretanto, é uma crescente colaboração da China com seus parceiros centro-asiáticos, com destaque para a Rússia, que tem demonstrado interesse em saciar a fome chinesa por energia. Um exemplo disso é o oleoduto inaugurado em 2010 que sai da Sibéria Oriental para alimentar o território chinês.101 É crucial para ambos os países que não haja conflitos de esferas de influência sobre a região da Ásia Central, pois acarretariam graves prejuízos tanto à China quanto à Rússia. A despeito de também reter dependência aos russos no campo energético, a China mantém reservas quanto à política controladora e monopolista da Rússia, não se abstendo de trilhar caminhos alternativos para seu comércio de energia, inclusive estreitando laços com companhias norte-americanas.102 4.2 União Europeia A União Europeia certamente tem grandes interesses em uma parceria diplomática cada vez mais estreita com os países da região, e vem empenhando esforços para que isso seja realidade, principalmente em face da forte influência russa e chinesa. A dependência energética da União Europeia pode de fato ser considerada um fator muito relevante para a adoção de uma postura estratégica frente ao vasto potencial natural da Ásia Central. Dessa forma, sob um olhar mais especulativo, é possível distinguir a preocupação da União Europeia como legítima frente à intensa influência da Rússia sobre os ex-membros da União Soviética, tradicional e historicamente incluídos em sua esfera de domínio. De forma natural, e como consequência, é possível que a União Europeia tema a cartelização do preço 99 LIAO, Xuanli. Op. cit. p. 64-67. Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav110707a.shtml>. Acesso em: 12 mar. 2011. 101 Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/01/110102_russia_china_oleoduto_fn.sht ml>. Acesso em: 13 mar.2011. 102 Disponível em: <http://wikileaks.ch/cable/2009/06/09ASTANA982.html>. Acesso em: 10 fev. 2011. 100 dos combustíveis fósseis entre a Rússia e a Ásia Central, que, por sua vez, implique em complicações severas no mercado energético Ásia-Europa.103 Mapa que mostra algumas linhas de transmissão de gás e petróleo retrospectivamente. Fonte: INOGATE104. Nesse contexto, é possível exemplificar com a existência do Baku Initiative, uma iniciativa liderada pela União Europeia como espaço de diálogos políticos sobre energia e cooperação em transportes entre a União Europeia e os países fronteiriços ao Mar Negro, Mar Cáspio e vizinhos105. A iniciativa também enreda em sua formação dois programas já previamente em atividade: o INOGATE, programa de cooperação energética internacional entre a União Europeia, Turquia e países da extinta União Soviética (com exceção da Rússia e países bálticos); e o TRACECA (Transport Corridor Europe-Caucasus-Asia)106, programa de transporte internacional envolvendo a União Europeia e catorze países do Leste Europeu, Cáucaso e Ásia Central. De modo geral, os objetivos do Baku Initative envolvem o melhoramento dos aspectos referentes à segurança energética na região, como homogeneizar os mercados energéticos dos países membros baseado nos princípios do mercado energético interno europeu, apoiar o desenvolvimento de energia sustentável, bem como atrair investimentos para projetos energéticos de interesse comum e regional. Além disso, o Baku Initiative, através do 103 CRS Report For Congress. NATO and Energy Security. Disponível em: <http://www.fas.org/sgp/crs/ro w/RS22409.pdf>. Acesso em: 7 nov. 2010. 104 Disponível em: <http://www1.inogate.org/inogate_programme/inogate_resource_center/maps> Acesso em: 1 mar. 2011. 105 European Union - Directorate-General Energy and Transport: Energy & Transport International Relations: Baku Initiative. Disponível em: <http://ec.europa.eu/dgs/energy_transport/international/regiona l/caspian/energy_en.htm>. Acesso em 2 fev. 2011. 106 Site oficial disponível em: < http://www.traceca-org.org/en/home/>. INOGATE, também procura integrar os mercados energéticos dos países participantes com o mercado da União Europeia para criar mercados energéticos mais transparentes, capazes de atrair investimentos e aperfeiçoar a segurança no suprimento de energia, e, através do TRACECA, discutir melhoramentos na infraestrutura no setor de transportes envolvendo recursos energéticos. 4.3 OTAN A OTAN provou em diversas ocasiões sua capacidade de intervir em regiões normalmente fora do território estabelecido por seus membros caso julgasse necessária para confrontar possível ameaça ou risco envolvendo seus integrantes ou em requisição de países parceiros. No contexto das imediações da Ásia Central, por exemplo, observa-se atualmente ação da OTAN ao oeste da Romênia e Bulgária e a leste dos Balcãs, ambas a fim de assegurar a passagem de dutos com a Turquia e o Mar Cáspio, respectivamente.107 Em se tratando de segurança energética, é factível que a OTAN busque a estabilidade no suprimento de petróleo para seus membros, em face de perigos envolvendo questões de segurança internacional. A Ásia Central, em especial, é área em relação a qual se desenvolvem múltiplos interesses que, associada à sua importância energética, favorecem o surgimento de disputas e situações que ferem diretamente as pretensões de diversas entidades. Para ilustrar a magnitude de sua importância, pode-se observar os ocorridos em julho de 2001, quando houve a expulsão do British Petroleum do Azerbaijão pelos iranianos108; em 2001/2002, quando ocorreu intimidação naval da Rússia sobre países cáspios a fim de dissuadir o Cazaquistão de se unir ao projeto trans-Cáspio de dutos submarinos, apoiado pelos EUA, conectando-se ao oleoduto Baku-Ceyhan109; e por fim, em 2006, quando a Rússia propôs à OCX e ao Irã o amalgamento dos dutos de gás na tentativa de prevenir os Estados da Ásia Central de comercializarem gás natural no mercado internacional aberto.110 107 ADAMIA, Revaz. NATO: Caucasus in the context of Partnership for Peace. Disponível em: <http://www. sam.gov.tr/perceptions/Volume4/March-May1999/adamia.PDF>. Acesso em: 17 fev. 2011. 108 COHEN, Ariel. Iran's Claims Over Caspian Sea Resources Threaten Energy Security. Disponível em: <http://s3.amazonaws.com/thf_media/2002/pdf/bg1582.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2011. 109 Journal of Energy Security. The Caspian's Unsettled Legal Framework: Energy Security Implications. Disponível em: <http://www.ensec.org/index.php?option=com_content&view=article&id=244:the-caspiansunsettled-legal-framework-energy-security-implications&catid=106:energysecuritycontent0510&Itemid=361>. Acesso em 17 fev. 2011. 110 HU, Liyan, e CHENG, Ter-Shing. China’s Energy Security and Geo-Economic Interests in Central Asia. Disponível em: <http://www.cejiss.org/sites/default/files/l.hu_chinas_energy_security.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2011. pp. 49 – 50. Diante dos fatos, o acesso direto aos recursos energéticos através de dutos e corredores comerciais, bem como a criação de bases para operações aliadas contra grupos terroristas que possam ameaçar o fornecimento energético acabaram por se integrar ao escopo da OTAN, como discutido anteriormente. Com a consideração da Ásia Central como área estrategicamente relevante do ponto de vista do potencial energético, pode-se deduzir que a OTAN encontre em seu melhor interesse a aproximação dos países da região a fim de assegurar acordos bilaterais de segurança e garantias quanto ao fornecimento estável de recursos energéticos. Tal iniciativa pode ser atualmente vislumbrada com o diálogo crescente da OTAN com o Uzbequistão, Quirguistão, Tajiquistão e Cazaquistão, através de acordos que permitem a presença militar na região, ainda que a contragosto da vizinha Rússia.111 O apoio político regional em relação à atuação da OTAN, por essa razão, parece estar aos poucos se cristalizando como um meio de influência importante do Ocidente nas relações com a Ásia Central, principalmente do ponto de vista da segurança energética e o beneficiamento de ambas as partes. Por fim, saliente-se a pertinência da atuação da OTAN na Ásia Central, exposta nos pontos a seguir: Necessidade do trânsito de dutos; Necessidade de criação de rotas comerciais diretas; O desafio do terrorismo internacional e a sua potencial ameaça regional, incluindo aí o terrorismo energético; Necessidade militar de assegurar permanentemente os corredores de infraestrutura logística para facilitar o acesso da OTAN ao palco de operações antiterroristas na Ásia Central. Em contrapartida, é crescente no Oriente – na Ásia Central em especial – a atuação da OCX e seus membros. Um engajamento mais vigoroso da OTAN com este grupo regional asiático pode se mostrar como a melhor forma de contenção de sua influência e de evitar prováveis e iminentes conflitos de interesses. Embates seriam debilitantes para ambas as organizações, enquanto uma cooperação reforçaria a capacidade dessas instituições de administrar os complexos desafios transnacionais da Eurásia como um todo.112 111 NATO Parliamentary Assembly. 069 PCNP 06 E - CENTRAL ASIAN SECURITY: THE ROLE OF NATO. Disponível em: <http://natopa.ibicenter.net/default.asp?SHORTCUT=902>. Acesso em: 13 abr. 2011. 112 Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav110707a.shtml>. Acesso em: 12 mar. 2011. Entretanto, um choque de políticas quanto à região centro-asiática por certo dividirá alguns membros da OTAN, considerando-se que o impasse seja com a política russa, maior antagonista na área em questão. Alguns dos países da Aliança possuem relevantes laços econômicos em termos energéticos com a Rússia. Para exemplificar, Bélgica, Alemanha, França e Itália não enxergam com bons olhos um confronto direto com os interesses russos, uma quebra do status quo.113 Para os Estados Unidos da América, a Ásia Central é uma grande preocupação – assim como as ações russas. Segurança, energia e democracia resumem a essência do interesse norte-americano na região114. Suas empreitadas de caráter variado e a presença de suas forças os tornaram símbolo da manifestação ocidental no Oriente, o que incomoda alguns e agrada outros – principalmente aqueles que buscam parcerias alternativas àquelas dos maiores poderes vizinhos. Um maior refinamento da sua política regional, um diálogo formal com a OCX, representa o meio mais promissor para os EUA diversificarem seus suprimentos energéticos, promoverem os valores democráticos e liberais que tanto prezam, e defenderem seus interesses de segurança. A importância estratégica da Ásia Central para a OTAN só aumentará nos anos vindouros. Assim como desafios, a região fornece à Aliança oportunidades de ampliação de colaborações que podem auxiliar na determinação das ameaças à segurança do século XXI. 4.3.1 Parcerias entre OTAN e países da Ásia Central Como já exposto, a OTAN nasce após a Segunda-Guerra Mundial, na formação de uma aliança entre países europeus e da América do Norte, com o objetivo de garantir a segurança de seus membros através de meios políticos e militares. O período da Guerra Fria marcou a história da humanidade como uma era de tensões, tanto regionais como globais, e legou aos países envolvidos um arsenal atômico com capacidade para destruir o globo terrestre diversas vezes. Felizmente, desde então numerosas modificações têm ocorrido. A OTAN, portanto, teve de se reinventar na perspectiva de garantir a segurança em maior amplitude, não se restringindo apenas aos seus países-membros. Dentro de tais mudanças no modo de pensar e 113 Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav032707a.shtml>. Acesso em: 12 mar. 2011. 114 Disponível em: <http://www.eurasianet.org/departments/insight/articles/eav120606a.shtml>. Acesso em: 12 mar. 2011. participar das relações internacionais se deve destacar a recente entrada de países do Leste Europeu na OTAN115. O fato de algumas destas nações terem feito parte do Pacto de Varsóvia deixa claro o novo perfil adotado, onde se optou pela soma de esforços e pelo diálogo regional em prol da paz em face da manutenção dos conflitos e tensões na Europa. Na verdade, sabe-se que desde o fim da Guerra Fria, os membros da OTAN têm em mente a intenção de ir mais além, diversificando seu campo de ação. Isto se deve ao fato de que, obviamente, o continente europeu não sofre apenas com influências endógenas, mas também com implicações externas. Não há dúvida de que o tema da segurança energética é essencial quando tocamos na palavra “influência”, e a ampla cooperação é, sem hesitação, a melhor resposta no sentido de garantir a utilização organizada dos recursos energéticos disponíveis. Partindo deste princípio, as políticas de cooperação se tornam cada dia mais presentes em vários setores como o de infra-estrutura, defesa e ciência, e para que estes novos laços se consolidem a Organização do Tratado do Atlântico Norte vêm implantando uma série de programas junto a Estados não-membros, no intuito de oferecer-lhes maior possibilidade de desenvolvimento e consolidação de uma governança democrática estável. Para que estes programas atingissem sucesso e ganhassem profundidade dentro dos 115 Em consonância ao Art. 10 do Tratado de Washington. países, no início dos anos 90 foi implantado no quadro da OTAN um órgão destinado a coordenar as ações de cooperação. O objetivo desse órgão era proporcionar um fórum de diálogo que aproximasse os representantes estatais para a consubstanciação de vontades e o entrelaçamento de pontos de vista.116 4.3.1.1 Conselho de Parceria Euro-Atlântica (CPEA) O Conselho de Cooperação do Atlântico Norte (CCAN) foi o primeiro órgão da OTAN destinado ao fortalecimento da cooperação no continente Europeu no período sucessor à queda do Muro de Berlim. Tinha como principal preocupação a situação da Ex-Iugoslávia, que apresentava recorrentes infrações aos Direitos Humanos e perspectivas desanimadoras quanto às intenções de progresso pacífico e segurança no continente. Sua reunião inaugural ocorreu em 20 de Dezembro de 1991, mesma época em que a União Soviética deixava de existir.117 Pouco mais de dois anos depois, no início de 1994, a Aliança lança seu mais eficiente programa de cooperação chamado Parceria para a Paz (PP). Com o objetivo de forjar verdadeiras parcerias que ultrapassavam o diálogo e a cooperação pontual, este programa foi proposto com escopo nomeadamente prático, proporcionando o treinamento e acúmulo de experiências através de reuniões, atividades e exercícios envolvendo os parceiros da OTAN. A sua efetividade reside no fato de que este programa é desenvolvido diferentemente em cada nação. Apesar de obedecer a diretrizes gerais e perseguir os mesmos objetivos, o PP é desenhado especialmente de acordo com as ambições, necessidades e possibilidades de cada país, progredindo de maneira supervisionada pelos governos118. Isto significa que a integração e a cooperação não ultrapassa nenhum ponto que não seja aprovado e supervisionado pelo governo, respeitando assim o princípio da soberania dos Estados. Dessa maneira, os parceiros escolhem dentro de um rol extensivo de atividades aquelas as quais tenham interesse para desenvolver num programa de cooperação de dois anos chamado Programa de Parceria Individual (Individual Partnership Programme - IPP).119 116 Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. p. 1. Disponível em: Chapter 2: The Transformation of the Alliance. New Institutions. The North Atlantic Cooperation Council. Disponível em: <www.nato.int/docu/handbook/2001/hb020201.htm>. Acesso em: 12 jul. 2011. 118 Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. 119 Ibid. 117 Até 1997 os resultados derivados dos esforços do CCAN, especialmente do PP, foram reconhecidamente positivos. Assim, com benefícios efetivos tanto para OTAN quanto para os países participantes, decidiu-se por uma reestruturação deste órgão no escopo de ampliar os programas de cooperação e sua gama de atividades. A partir deste momento, o CCAN passou a chamar-se Conselho de Parceria EuroAtlântica, nome que detém até hoje. Não obstante, continua a receber as orientações do CAN, órgão máximo da Aliança. Fica claro neste momento que os projetos de aproximação e cooperação entre a OTAN e os países do Leste Europeu foram bastante positivos, e por isso, renovados. Não obstante, este plano de ação não tinha como objetivo somente os já mencionados representantes europeus. Demonstrando sua preocupação com a democracia e com o fortalecimento da paz, além de enxergar o enorme potencial da região, o CPEA e o PP logo estenderam o convite aos países da Ásia Central.120 Procurando expandir seus horizontes diplomáticos e econômicos, tais nações logo aderiram à proposta e se tornaram participantes do CPEA e apenas o Tajiquistão não se integrou aos exercícios do PP imediatamente.121 A importância de se desenvolver uma política de cooperação nesta região está no aumento do número de países estáveis e colaboradores para a Aliança, mas principalmente pela proximidade destes países com o Afeganistão, tendo em vista o aumento das ações da OTAN na região. A operação no Afeganistão foi feita através do ISAF e ainda encontra-se operante. Tem como objetivo auxiliar as autoridades afegãs a construir uma paz constante no país, após anos de guerra civil, e atua também na tentativa de prevenir o surgimento e crescimento de novas organizações terroristas. Tajiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão dividem fronteiras com o território afegão o que torna o desenvolvimento de fortes parcerias essencial para a manutenção do ISAF.122 Como dito, as parcerias se desenvolvem de acordo com as vontades estatais e é fato que até agora, os países da Ásia Central apresentam diferentes níveis de desenvolvimento. Nesse sentido, seus avanços na cooperação com a OTAN também são diferenciados e merecem uma breve consideração. 120 Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. O Tajiquistão juntou-se ao Partnership for Peace em 2002. - 121 Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. 122 Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. p. 2. 121 O Cazaquistão, maior país da Ásia Central, é aquele que demonstra o maior nível de envolvimento dentre os cinco. Costuma sediar uma série de exercícios de defesa e preparação para catástrofes. Além disso, em 2006, o referido país iniciou sua participação no Programa de Ação para Parcerias Individuais (Individual Partnership Action Programme - IPAP). Este programa, lançado em 2002, tem como objetivo a facilitação dos projetos de reforma de cada país. Desse modo, o programa se desenvolve num período de dois anos, podendo ser renovado, baseado no aconselhamento e na coordenação de esforços em prol de atualizações e melhorias nas estruturas governamentais.123 O Quirguistão vem mostrando crescente interesse em aprofundar as atividades de parceria e recentemente (2007) concordou em fazer parte do Processo para Revisão e Planejamento (Planning and Review Process - PARP). Este programa foi lançado em 1995 e promove uma base estruturada para avaliação da força e da capacidade de cada parceiro na sua participação em exercícios e operações. Em outras palavras, é um programa inicial de cooperação, que avalia as possibilidades de cada parceiro para realizar operações lideradas pela OTAN. Além disso, o PARP estabelece metas para que se possa averiguar continuamente o progresso realizado.124 O Tajiquistão, em 2002, foi o último país da Ásia Central a incorporar o PP e tem expandido gradualmente suas atividades desde então. Atualmente, o país participa do IPP com foco nas questões da cooperação anti-terrorista, controle de fronteiras, administração de crises e planejamento emergencial civil.125 A cooperação com o Turcomenistão, no entanto, se mostra bastante limitada. Apesar deste país participar do PP desde 1994, sua política de neutralidade até agora não permite a concessão de unidades militares ou de infra-estrutura para o uso da Aliança. Assim, sua participação mais significativa fica restrita às áreas de pesquisa científica sobre questões ambientais, planejamento civil e controle de fronteiras.126 Pode-se dizer que as perspectivas iniciais em relação ao Uzbequistão, foram frustradas. O país se mostrou promissor nas questões de cooperação e chegou a participar do IPAP em certo tempo. No entanto, o progresso diminuiu significativamente desde os eventos controversos de Andijan em maio de 2005. Tais acontecimentos levaram aos membros da Aliança a solicitar uma investigação internacional, tamanha a importância e gravidade do 123 Ibid. p. 4. Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. p. 4. 125 Ibid. ibidem. 126 Ibid. ibidem. 124 fato127. Nada obstante, a cooperação continua de forma limitada e os canais de comunicação continuaram abertos. Mais recentemente, mostraram-se sinais de que a cooperação e a boa relação entre Uzbequistão e OTAN tem um futuro promissor.128 Nesse sentido, os programas de parceria da OTAN se apresentam cada vez mais efetivos para os países da Ásia Central. Segundo as perspectivas, a cooperação que visa o desenvolvimento e a segurança deve continuar aprofundando-se nos anos seguintes legando aos próximos Chefes de Estado e Governo a estrutura necessária para manter a democracia e a paz na região. 5 ASPECTOS JURÍDICOS A geopolítica do fornecimento energético europeu, especialmente no que diz respeito à grande contribuição central asiática, acarretou naturalmente inúmeras providências por parte dos países e entidades envolvidos. As aclamadas políticas de desenvolvimento econômico se deparam com a forte necessidade de implementação de mecanismos os quais possibilitem a sua efetiva concretização. Neste sentido, inúmeras discussões foram abertas pela comunidade internacional, cujos debates em conferências e encontros buscaram originar uma produção de documentos que possuíssem valor jurídico-normativo.129 A segurança energética, como desafio de atuação da OTAN, tange, portanto, um leque de multifacetados mecanismos do Direito Internacional. Desde o âmbito interno da instituição, até os princípios da Carta das Nações Unidas (CNU), são observados instrumentos jurídicos que podem vir a ser aplicáveis no contexto vigente da Ásia Central. O ato constitutivo da OTAN, conhecido também por Tratado de Washington, possui em seu corpo normativo os Artigos 4º e 5º, que constituem verdadeiras cláusulas genéricas de proteção e assistência mútua entre os países aliados130. Tais cláusulas, que normalmente 127 Conferir nota de rodapé nº 34. Backgrounder – Partners in Central Asia. Novembro de 2007. p. 4. 129 Disponível em: <http://www.nato.int/docu/review/2007/issue1/portuguese/debate.html>. Acesso em: 19 Nov. 2010. 130 “Artigo 5º: As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta dias Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, 128 atuam na esfera relacionada à segurança física dos membros, poderiam ser também aplicadas no contexto de segurança energética. A primeira proposição de tal aplicação fora feita pelo senador Richard Lugar, na Cúpula de Riga em 2006131. O Senador Lugar sugerira a extensão da cláusula de defesa mútua – Artigo 5º do Tratado de Washington – para os casos de segurança energética. Assim, nas situações em que as fontes de energia fossem utilizadas “como arma (...) de manipulação política”132, tal fato, segundo o entendimento do Senador, compreenderia em verdadeiro “ataque” à Aliança, levando por consequência à alusão ao compromisso evocado pelo referido Artigo 5º. A tese de Lugar foi acolhida e ratificada pela OTAN em seus pronunciamentos oficiais na citada Cúpula de 2006133. Nos anos seguintes, a Declaração final da Cúpula de Bucareste (2008)134, especificou as medidas e recomendações quanto ao cerne da segurança do fornecimento energético, estabelecendo os princípios de fusão e compartilhamento de informação e inteligência,projeção de estabilidade, promoção da cooperação internacional e regional, suporte à gestão de efeitos e proteção de infraestruturas em estado crítico 135. Além das recomendações supracitadas, a Declaração requereu do Conselho em Sessão Permanente da OTAN (NATO Council in Permanent Session) que produzisse um relatório acerca dos avanços de implementação dos tais princípios, e que o apresentasse na subsequente Cúpula em 2009.136 praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte. “Qualquer ataque armado desta natureza e todas as providências tomadas em consequência desse ataque são imediatamente comunicados ao Conselho de Segurança. “Essas providências terminarão logo que o Conselho de Segurança tiver tomado as medidas necessárias para restaurar e manter a paz e a segurança internacionais.” 131 Cúpula da OTAN em Riga, 2006, Declaração Final. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/pr/2006/p06150e.htm>. Acesso em: 10 fev. 2011. 132 Discurso do Senador Richard Lugar, Conferência no German Marshall Fund, Riga, 2006. Disponível em: <http://lugar.senate.gov/energy/press/speech/riga.cfp>. Acesso em: 10 fev. 2011. 133 Chifu, Iulian. Energy Security Strategies in the Wider Black Sea Region: NATO and Energy Security. Disponível em: <http://www.adevarul.ro/international/foreign_policy/web_exclusive/NATO_si_Securit atea_E nergetica_ADVFIL20101214_0005.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2011. 134 Cúpula da OTAN em Bucareste, 2008, Declaração Final. Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natol ive/official_text_8443.htm>. Acesso em: 25 jan. 2011. 135 Tradução livre do inglês: “Based on these principles, NATO will engage in the following fields: - information and intelligence fusion and sharing; - projecting stability; - advancing international and regional cooperation; - supporting consequence management; - and supporting the protection of critical energy infrastructure.” 136 Cúpula da OTAN em Bucareste, 2008, Declaração Final. Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natoliv e/official_text_8443.htm>. Acesso em: 6 jan. 2011. A cúpula de Estrasburgo e Kehl (2009), que ocorreu no período pós-guerra entre Rússia e Geórgia e no pós-crise russoucraniana do gás, não correspondeu às expectativas quanto ao progresso no discurso da segurança energética. Houve uma sensível atenuação das medidas de segurança da OTAN: se por um lado permaneceu a proclamação de proteção das infraestruturas, o discurso evocando a cláusula de mútua defesa não foi reforçado, levando a um entendimento de uma adoção de postura abstensiva acerca do assunto. Não obstante, ao fim da Cúpula, os Chefes de Estado adotaram a Declaração de Segurança da Aliança, documento que definiu as bases para o próximo Conceito de Segurança da OTAN (NATO Security Concept). Segundo tal declaração: “(...) nossa nação e o mundo estão enfrentando novas e crescentes ameaças globais, como o terrorismo, a proliferação dos meios de fornecimento de armas de destruição em massa, e ataques cibernéticos. Outros desafios como a segurança energética, mudanças climáticas, bem como a instabilidade proveniente de Estados frágeis, também podem provocar um impacto negativo aos Aliados e à segurança internacional. Nossa segurança está cada vez mais ligada à de outras regiões.”137 Sendo assim, em 2010 na Cúpula de Lisboa, tal norteamento veio se verificar no Novo Conceito Estratégico. Citada oito vezes, a expressão “segurança energética” fora claramente relacionada à aplicação do Artigo 5º e aos mecanismos do Artigo 4º do Tratado de Washington. Os peritos que desenvolveram esse documento também incluíram o assunto da segurança energética como parte da agenda dos perigos enfrentados pela Aliança, especialmente no que diz respeito à sabotagem do fornecimento por meio dos dutos e à interrupção das rotas de fornecimento marítimo, ou seja, àqueles aspectos condizentes à infraestrutura. Contudo, ao final da Cúpula de 2010, a Declaração Final, em seus parágrafos 24 e 41, reafirmou a postura abstensiva da OTAN. Assim, o trato da energia como uma efetiva “arma” de deliberada agressão contra a segurança da Aliança, que acarretaria assim no acionamento dos Artigos 4º e 5º, foi assunto adiado mais uma vez pelos seus Chefes de 137 CHIFU, Iulian; MEDAR, Sergiu. NATO and Energy Security. Disponível em: <http://www.ade varul.ro/international/foreign_policy/web_exclusive/NATO_si_Securitatea_Energetica_ADVFIL20101214_005. pdf>. Acesso em: 6 jan. 2011. Tradução livre. Estado. Segundo o entendimento de alguns estudiosos, tal fato se deve aos interesses políticos diversos entre os países membros e às suas diferentes dependências do fornecimento energético proveniente de potências externas à Aliança. Concluíram também, os referidos estudiosos, que tal ação representou ponto de fraqueza interna na OTAN, abalando, em certo ponto, as aclamadas cláusulas de “indivisibilidade” e “solidariedade”.138 No âmbito regional, os mecanismos jurídicos que podem ser aplicáveis ao assunto em questão são os tratados relacionados à União Europeia. O Tratado de Lisboa (2007) que veio a alterar e reformar os tratados sobre o Funcionamento da União Europeia (Tratado de Maastricht, 1992) e o Tratado que institui a Comunidade Europeia (Tratado de Roma, 1957), aborda a segurança energética de modo indireto, apenas elegendo o caráter das responsabilidades dos países membros quanto ao assunto da energia.139 Os Artigos 2º-C e 100º do Tratado de Lisboa140 citam o termo “energia” genericamente, de modo a defini-lo como objeto de solidariedade e competência econômicas comuns aos estados membros da União Europeia. O título XX141, ou Artigo 176º- A, do mesmo tratado supracitado, aborda exclusivamente o tema energético, citando como objetivos da União: a) Assegurar o funcionamento do mercado da energia; b) Assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União; c) Promover a eficiência energética e as economias de energia, bem como o desenvolvimento de energias novas e renováveis; e d) Promover a interconexão das redes de energia.142 Apesar de o Tratado dispor do assunto e fazer expressa referência à questão das redes de energia, de sua preservação e segurança, a competência da União Europeia permeia primordialmente o assunto apenas no âmbito econômico. 138 138 CHIFU, Iulian; MEDAR, Sergiu. NATO and Energy Security. Disponível em: <http://www.adevarul .ro/international/foreign_policy/web_exclusive/NATO_si_Securitatea_Energetica_ADVFIL20101214_0005.pdf >. Acesso em: 6 jan. 2011. Tradução livre. 139 Segundo o Tratado de Lisboa: “Artigo 2º-C: (...) 2. As competências partilhadas entre a União e os EstadosMembros aplicam-se aos principais domínios a seguir enunciados: (...) i) Energia”. 140 Ou respectivamente os Artigos 4º e 122º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Tratado de Maastricht). 141 Na nova numeração do Tratado de Funcionamento da União Europeia corresponde ao “Título XXI – A Energia”. 142 Tratado de Lisboa. Jornal Oficial da União Europeia C 306, 17 de Dezembro de 2007. ISSN 1725-2482. Sendo assim, conclui-se que a ação conjunta e complementar entre União Europeia e OTAN é a solução mais efetiva e coerente às regras de competências específicas de cada organismo.143 Os mecanismos de relação e ação conjunta entre União Europeia e OTAN, principalmente no que diz respeito ao assunto de Gestão de Crise, estão formalizados pelo documento Declaração UE-OTAN para a Política de Defesa e Segurança Europeia (EUNATO Declaration on European Security and Defence Policy)144 de 2002, também conhecido por “Berlin-Plus package”145. Os mecanismos político-jurídicos citados no plano interno da Aliança, bem como no âmbito regional da União Europeia, permitem a introdução daqueles de caráter global, qual sejam, os Tratados Internacionais. Eis que no contexto europeu do início dos anos 90, ao fim da Guerra Fria, surge a necessidade de uma iniciativa voltada para a reintegração econômica entre os envolvidos no referido conflito. Nota-se, a partir da conjuntura da época, que o setor energético representava o mais claro componente, se não a maior prerrogativa, para um estabelecimento de laços de cooperação que pudessem trazer mútuo benefício às partes. A partir dessas considerações 143 De acordo com os estudos de Häly Laasme. Nato Review, „the long and winding… Road to the 21 st century security”, 2010. Disponível em: < http://www.nato.int/review>. Acesso em: 28 dez. 2010. 144 Nova nomenclatura: Commom Security and Defense Policy (CSDP). 145 NATO BRIEFING: CrisisManagment, Setembro de 2005. Disponível em: <http://www.nato.int/docu/bri efing/crisis_management2/html_en/crisis06.html>. Acesso em: 19 nov. 2010. nasce a chamada Carta da Energia (Energy Charter Treaty), com o intuito de estabelecer a cooperação energética, principalmente entre os países euro-asiáticos. Frente ao quadro de crescente interdependência entre os importadores e exportadores, a vigência de um instrumento de caráter vinculante o qual venha a substituir os acordos bilaterais e não-jurídicos, se torna essencial para a manutenção de uma cooperação internacional mais equilibrada e eficiente quanto à matéria da segurança energética, baseandose nos princípios do Mercado Aberto e Competitivo e do Desenvolvimento Sustentável.146 O Tratado da Carta da Energia foi assinado por cinqüenta e três Estados147 na cidade de Lisboa em Dezembro de 1994, passando a ter sua vigência a partir da promulgação em Abril de 1998. Dentre os países participantes148 do processo de produção da Carta, estão incluídos os da União Européia, da Europa Central e Ocidental, da Federação Russa, Ásia Central e Cáucaso, Japão, Austrália e Mongólia.149 Vale ressaltar que muito embora tal Tratado tenha tido significativa abrangência no cenário internacional, muitos dos Estados que o assinaram em 1994 não chegaram a participar da ratificação em 1998150. Tais países, como por exemplo a Rússia, sofreram profundas críticas, principalmente da União Europeia, devido a esta ausência de ratificação151. Em 2004, a Carta Energética passou por sua mais recente reforma 152, a qual objetivou, dentre outras atualizações, a promoção e estímulo à ratificação por parte dos países que ainda não 146 Tradução livre do inglês: “the principles of open, competitive markets and sustainable development”. In: SMITH, Keith C. Russian Energy Pressure Fails to Unite Europe. 2007. Disponível em: <http://www.harvard-bssp.org/files/2006/publications/eurofocus_v13n01.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2011. 147 Países que assinaram em 1994: Albânia, Armênia, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Bielorrússia, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Chipre, República Checa, Dinamarca, Comunidades Europeias, Estônia, Finlândia, França, Geórgia, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Moldávia, Mongólia, Holanda, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia, Federação Russa, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Suíça, Tajiquistão, antiga República iugoslava da República da Macedónia, Turquia, Turcomenistão, Ucrânia, Reino Unido, Uzbequistão. 148 A Carta da Energia conta também com países observadores: Argélia, Bahrein, República Popular da China, Canadá, Islâmica do Irã, República da Coréia, Kuwait, Marrocos, Nigéria, Omã, Qatar, Arábia Saudita, Sérvia e Montenegro, Tunísia, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos da América, Venezuela. Dentre tais, os que assinaram em 1991 a Carta foram: Canadá, Sérvia e Montenegro e Estados Unidos da América. 149 The Energy Charter Treaty and Related Documents. Disponível em: <http://www.encharter.org/ fileadmin/user_upload/document/EN.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2011 150 Países que não participaram da ratificação em 1998 e não o fizeram na mais recente revisão do Tratado em 2004: Austrália, Bielorrússia, Hungria, Holanda e Federação Russa. 151 “Moscou se recusou a aplicar a Carta da Energia, e em particular o projeto de Protocolo sobre Trânsito, que faz parte do Tratado. Execução russa deste acordo teria resultado em uma maior concorrência no setor de transporte energético da Rússia. Nos termos do Artigo 45 da Carta da Energia, a Rússia foi obrigada a colocar o tratado em vigor no momento de sua assinatura, entretanto, Moscou alegou que a maioria dos Estados signatários eram livres para ignorar o Tratado, salvo se for ratificado pela Duma”. Tradução livre do inglês. Smith, Keith C. Russian Energy Policy and its Challenge to Western Policy Makers, 2008. Disponível em: <http://csis.org/files/media/csis/pubs/080407_helsinki.pdf>. Acesso em: 06 jan. 2011. 152 2004 Review. Disponível em: <http://www.encharter.org/index.php?id=22>. Acesso em: 28 jan. 2011 haviam entrado efetivamente no regime jurídico do Tratado. Tal iniciativa não teve sucesso, pois a Rússia e os demais países que não fizeram a ratificação permaneceram inertes, e, consequentemente, mantiveram seu quadro de não sujeição às obrigações emanadas pelo instrumento jurídico. O Artigo 45 da Carta Energética dita que o início de sua vinculação a um Estado signatário ocorre no próprio ato da assinatura do Tratado, e não apenas após sua ratificação. Partindo desta premissa, a União Europeia mune-se de fortes argumentos para pressionar cada vez mais o Kremlin, uma vez que, devido à Rússia ter assinado a Carta em 1994, tal fato poderia já atrelar em si o compromisso russo quanto ao teor obrigacional ao documento.153 Materialmente falando, seu teor baseia-se primordialmente nos aspectos da cooperação industrial entre os entes envolvidos. As áreas abrangidas no dispositivo são essencialmente quanto à proteção aos investimentos, o trânsito e comércio da energia154 à luz dos princípios do direito internacional.155 5.1 A legitimidade para atuação da OTAN156 A participação da OTAN em operações militares fora do território dos Estadosmembros e a cláusula de defesa coletiva contra um ataque agressor geram uma série de controvérsias para o cenário da segurança internacional. Tal fato é evidenciado quando a Aliança deixa de se submeter à autorização do CSNU para iniciar operações, mesmo que seja alegando o caráter humanitário. A partir do momento que os Chefes de Estado passam a solicitar intervenções diretamente à OTAN, cria-se um precedente nas relações internacionais, no qual se questiona o critério regional ou subsidiário reservado às organizações regionais de segurança na ordem pública internacional. A União Europeia, por exemplo, já assumiu este novo padrão de comportamento da OTAN. Segundo Albane Geslin, o problema da legitimidade deve-se tanto à atitude das organizações internacionais de segurança, quanto do próprio Conselho de Segurança. Na 153 SMITH, Keith C. Russian Energy Policy and its Challenge to Western Policy Makers. 2008. Disponível em: <http://csis.org/files/media/csis/pubs/080407_helsinki.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2011. 154 SMITH, Keith C. Russian Energy Pressure Fails to Unite Europe. 2007. Disponível em: <http://www.harvard-bssp.org/files/2006/publications/eurofocus_v13n01.pdf>. Acesso em: 27 fev. 2011. 155 HARKS, Enno. Wider Europe, Deeper Integration? The Conundrum of Energy Security . Gas in Eastern and Western Europe. Disponível em: <http://www.eu-consent.net/library/delive rables/D82_Harks.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2010. 156 Disponível em: <http://publique.rdc.puc-rio.br/contextointernacional/media/v32n1a03.pdf>. Acesso em: 30 jan. 2011. CNU é elencado em seu Artigo 53 que as organizações regionais de segurança devem requerer autorização prévia ao Conselho de Segurança antes de adotar medidas coercitivas, embora não seja um procedimento necessariamente seguido157. Vale evidenciar o Artigo 54 da Carta de São Francisco, o qual reforça a questão de que o Conselho deve ser informado de toda ação tomada pelos acordos ou entidades regionais. O Conselho evita que as suas resoluções recorram, de alguma forma, à organização regional de segurança em relação a ações militares.158 A possibilidade de intervenção militar da OTAN em países da Ásia Central pode ser considerada caso venha a atender requisições de nações parceiras a fim de solucionar questões que suscitem graves efeitos regionais ou globais. Nessa hipótese, uma vez que o Estado tenha dialogado com a OTAN sob a forma de acordo bilateral, a princípio não haverá óbices para atuação da Aliança dentro de seu território. Como exemplo, pode-se indicar a base aérea da OTAN no Quirguistão159 e no Uzbequistão160, esta extinta em 2005, embora atualmente os uzbeques tenham acenado para um novo apoio logístico à Aliança através da disponibilização de sua própria base161. Na moderna conjuntura política internacional, é possível observar também outros exemplos nessa perspectiva. Na intervenção internacional no Afeganistão, em 2001, a OTAN age como uma coalizão multilateral a partir de um mandato da ONU. A OTAN só passou a assumir o controle operacional dois anos após o início da atuação da ISAF. Isso abre lacunas tanto para ações ilegais das organizações quanto para a perda da autoridade do Conselho de Segurança. Na tentativa de legitimar suas ações, as organizações recorrem às “habilitações implícitas”, geralmente atinentes aos membros da ONU, que são estendidas às organizações em virtude de suas próprias interpretações do texto de resolução utilizadas pelo Conselho. 157 1. O Conselho de Segurança utilizará, quando for caso, tais acordos e organizações regionais para uma ação coercitiva sob a sua própria autoridade. Nenhuma ação coercitiva será, no entanto, levada a efeito em conformidade com acordos ou organizações regionais sem autorização do Conselho de Segurança, com exceção das medidas contra um Estado inimigo, como está definido no nº 2 deste artigo, que forem determinadas em consequência do Artº. 107 ou em acordos regionais destinados a impedir a renovação de uma política agressiva por parte de qualquer desses Estados, até ao momento em que a Organização possa, a pedido dos Governos interessados, ser incumbida de impedir qualquer nova agressão por parte de tal Estado. 2. O termo "Estado inimigo", usado no nº 1 deste artigo, aplica-se a qualquer Estado que, durante a 2ª Guerra Mundial, tenha sido inimigo de qualquer signatário da presente Carta. 158 O Conselho de Segurança será sempre informado de toda a ação empreendida ou projetada em conformidade com os acordos ou organizações regionais para a manutenção da paz e da segurança internacionais. 159 Disponível em: <http://enews.fergananews.com/article.php?id=2543>. Acesso em: 27 Jun. 2011. 160 Disponível em: <http://reliefweb.int/node/192962>. Acesso em: 27 Jun. 2011. 161 Disponível em: <http://iwpr.net/report-news/uzbekistan-opens-airbase-nato-freight>. Acesso em: 27 Jun. 2011. Já quanto à intervenção da OTAN em Kosovo, a tentativa de legitimação supracitada não obteve êxito, uma vez que na Resolução 1203 (1998)162, elencada pelo Conselho de Segurança, a questão não havia autorização para o recurso da força. Entretanto, na atuação da OTAN, derivada de uma solicitação direta de um Chefe de Estado para a realização de uma operação militar (como aconteceu no caso do Paquistão163), a legitimidade advém do consentimento. Em suma, pode-se avaliar duas maneiras de legitimação de atuação da OTAN em Estados não-membros desta Aliança. Primeiramente, no que concerne à autorização por parte do Conselho de Segurança através de uma Resolução para a atuação da Organização em determinado país. Outra maneira seria através do consentimento do Estado para que a OTAN atue nele. Desta forma, essa organização não estaria interferindo na soberania estatal, uma vez que o mesmo permitiu tal ato. 162 Disponível em: <http://www.un.org/peace/kosovo/98sc1203.htm>. Acesso em: 10 Abr. 2011. A parceria Paquistão OTAN teve seu início em 2005, quando a Aliança monta uma operação de assistência ao país em razão do terremoto ocorrido na região fronteiriça do Hindu Kush. A referida ajuda encarregou-se de promover o transporte de produtos de primeira necessidade e de conceder pessoal especializado. Tendo neste caso, como prerrogativa inicial o fornecimento de ajuda humanitária, a ação extra-territorial da OTAN acabou posteriormente confirmando sua permanência com novo caráter, qual seja, o militar. Desde então, portanto, a negociação entre o governo paquistanês e a OTAN tem ocorrido no sentido da Aliança fornecer treino aos militares nacionais e promover a segurança regional em troca de sua permanência no território do Paquistão. 163 Vale salientar que a OTAN, mesmo sem ter um mandato específico do Conselho de Segurança e autorização do Estado para intervir nele, atua da maneira em que os seus interesses incidirem. Se for decidido por todos os membros que a Aliança deve intervir em determinado país, com o objetivo de defender seus Estados-membros caso haja ataque de agente externo, a Organização agirá de acordo com a cláusula de defesa coletiva contra um ataque agressor. Além disso, é possível também que a OTAN possa atuar em decorrência do princípio da especialidade, em que a organização internacional mais específica para resolução de determinada questão é a mais adequada em relação à outra de escopo mais genérico 164. Nesse âmbito, a OTAN como organização político-militar, dispõe de recursos que porventura podem ser mais congruentes com a consecução de determinados objetivos, auxiliando outras organizações internacionais em suas atividades, como a própria ONU. Exemplo disso ocorreu em 2011, quando a ONU delegou a competência para preservação da segurança internacional na Líbia para a OTAN.165 164 NGUYEN, Quoc Dinh; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª Ed. Lisboa: Fundação Callouste Gulbekian, 2003. pp. 616-617. 165 Disponível em: <http://www.nato.int/cps/en/natolive/61769.htm>. Acesso em: 1º abr. 2011. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando a densidade de seu potencial energético e a crescente importância dos oleodutos e gasodutos que atravessam a Ásia Central, rumo aos pontos de escoamento do Mar Mediterrâneo e Europa Oriental para o mundo, a relevância e emergência da discussão da segurança energética pela OTAN são claras, ressaltando a competência do órgão para a implementação de políticas de cooperação a fim de assegurar a manutenção do fornecimento energético, e assim evitar possível instabilidade generalizada em face de uma crise energética de proporções globais. Assim, a simulação trará à discussão não apenas os países membros da OTAN, mas terá também a participação da Rússia, país estrategicamente relevante para a discussão de questões de segurança energética na Ásia Central, além de eminente produtor de gás e petróleo, bem como forte interessado no desenvolvimento da exploração energética na região. Dessa maneira, este comitê poderá lidar com maior abrangência os desafios inerentes às questões de segurança energética, não apenas no âmbito restrito da Ásia Central e arredores, mas também providenciando meios de preservar a integridade dos territórios da Aliança e estabelecer uma relação de cooperação político-militar mais forte e unida a fim de que seja possível combater ameaças comuns e promover a paz internacional. REFERÊNCIAS ADAMIA, Revaz. NATO: Caucasus in the context of Partnership for Peace. Disponível em: <http://www.sam.gov.tr/perceptions/Volume4/March-May1999/adamia.PDF>. Acesso em: 17 fev. 2011. ALEXANDER, David. 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