XI CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 1 A 5 DE SETEMBRO DE 2003 UNICAMP CAMPINAS – SP SOCIÓLOGOS DO FUTURO “SOCIETÀ ITALIANA DI MUTUO SOCCORSO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-SOCIOLÓGICA” GUSTAVO FRANCISCO CELLA SOCIETÀ ITALIANA DE MUTUO SOCCORSO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-SOCIOLÓGICA 1 Introdução Por muito tempo a historiografia italiana analisou a questão da emigração dentro de uma perspectiva que envolveu fatores que contribuíram para a expulsão de uma massa camponesa da Itália e outros que, por sua vez, atraíram essa população para o Brasil, principalmente devido à eminência da abolição dos escravos. Porém, é importante lembrarmos que o processo de emigração em massa, ocorrida na Europa entre 1850 e 1920, deve ser analisado levando-se em consideração o processo de maior amplitude que se delineava nesse período: o crescimento do capitalismo. As razões pelas quais os camponeses deixaram suas regiões de origem para chegar à América são de ordem demográfica e econômica. Com a extinção do feudalismo e a introdução do sistema capitalista de produção durante o século XIX, a Itália sofreu graves desequilíbrios socioeconômicos decorrentes da explosão demográfica. A expansão do capitalismo gerou a concentração de terras nas mãos de uma pequena parcela da população que era beneficiada pelas facilidades econômicas oferecidas pelo governo, e eliminou a concorrência dos pequenos produtores, que eram obrigados a pagar altas taxas de impostos. Como conseqüência, o endividamento e a falência desses camponeses, por não ter como concorrerem aos preços baixos dos grandes produtores, fizeram muitos deles deixar o campesinato e integrar a mão-de-obra que acabara de se formar para trabalhar na indústria nascente naquele país. A indústria italiana, no entanto, em um primeiro momento, não tinha condições de absorver tamanha quantidade de trabalhadores. A saída encontrada foi a emigração. Mas foi sobretudo a impossibilidade, para os camponeses de conseguirem dinheiro vivo, o qual lhes era cada vez mais necessário e, até indispensável, que impulsionou massas inteiras a atravessar o oceano (TRENTO, 1989, p.31). O processo emigratório cessou em meados do século XX, quando a indústria italiana foi capaz de absorver o excedente de mão-de-obra. 2 Contexto Sócio-Político Europeu Muito se diz a respeito dos motivos pelos quais um grande número de italianos deixou sua terra natal a fim de buscar novos horizontes, novas oportunidades, novas terras. Mas para partirmos desse ponto adiante, precisamos antes entender os motivos pelo qual essa saída do país foi a única opção para essas pessoas. Assim, é necessário refletir sobre três grandes acontecimentos históricos que resultaram na expulsão de milhares de italianos de sua pátria para as mais diversas regiões do mundo, inclusive o Brasil. São eles: Revolução Industrial, Revolução Francesa e a Unificação da Itália. 2.1 A Revolução Industrial A Revolução Industrial, processo que ocorreu a partir da segunda metade do século XVIII na Europa, foi uma das mais importantes revoluções que se deu no decorrer da história mundial. Advém como conseqüência da revolução inglesa do século XVII, iniciada em 1640, com a Revolução Puritana1 e terminada com a Revolução Gloriosa2, em 1688; ela deu os parâmetros necessários para o nascimento do maquinismo, já no final do século XVIII. A Revolução Industrial é parte de um processo de transformação: da queda e extinção do modo de produção feudal e posterior implantação e desenvolvimento do modo de produção capitalista. Uma das condições fundamentais dessa revolução foi a substituição do trabalho artesanal – baseado na utilização de ferramentas – pelo trabalho assalariado, pautado na utilização de máquinas. Para alguns historiadores e economistas (ARRUDA, 1991, p.13), a revolução industrial é vista como um processo, uma evolução lenta que surge em fins da Idade Média, no século XV, quando o então modo de produção feudal encontrava-se em fase de extinção e se instaura por completo no final do século XIX. Para Marx (ARRUDA, 1991, p.16), a revolução marcou a separação entre o trabalho e a propriedade, e o surgimento de novas relações sociais em função do novo processo de produção capitalista. Destacamos dentro desse processo a transição da manufatura à maquinofatura, que trouxe consigo uma série de transformações dentro do processo produtivo, e de maneira ainda 1 O Puritanismo foi um movimento que surgiu na Igreja Anglicana na segunda metade do século XVI e tentou levar a reforma desta Igreja além das normas estabelecidas durante o período elizabetano (1559). O puritanismo pretendeu estabelecer um entendimento entre o catolicismo e as idéias dos reformistas protestantes. 2 A Revolução Gloriosa ocorreu entre 1688 e 1689, na Grã-Bretanha, na qual foi deposto o rei Jaime II, em favor de sua filha Maria II e seu marido Guilherme III, príncipe de Orange. A revolução transformou a monarquia absoluta dos Stuart numa monarquia constitucional e parlamentar. mais acentuada dentro da esfera do trabalho. Essa mudança fundamental se deu através da substituição das ferramentas pelas máquinas. Na manufatura, o ponto de partida para revolucionar o modo de produção é a força de trabalho, na industria moderna, o instrumental de trabalho (MARX, 1996, p.424). Basicamente, podemos dizer que a mudança se deu através da substituição da força humana na operação das ferramentas por uma força diversa desta, seja o vento, água, animais, entre outros, uma vez que essa força pode operar diversas ferramentas concomitantemente. A essas ferramentas operadas por uma força que não a humana é o que se chamava de máquina. Se foi necessária uma outra forma de energia para operar as máquinas, houve também a necessidade de se repensar nas formas de produção de energia; surge então, a máquina a vapor (ARRUDA, 1991). Percebemos que houve uma grande revolução na produção, pois se antes o artesão a detinha em todas as suas etapas, utilizando-se de suas ferramentas e técnicas próprias, na produção mecanizada a mesma foi segmentada, e cada máquina foi responsável por uma fase do processo produtivo, sendo que, posteriormente, os operários precisaram se especializar somente em determinada área do processo, deixando de ter o conhecimento do processo no seu todo. Nesse contexto de modernização da produção, o trabalhador passou a ocupar um papel secundário no processo, subordinando-se ao funcionamento da máquina. O trabalhador, então, desqualificou-se, pois o saber fazer não era mais necessário. Na manufatura e na indústria manual, o operário serve-se da ferramenta; na fábrica serve à máquina. Ali os movimentos dos instrumentos de trabalho partem dele; aqui é ele quem tem que servir seus movimentos (ARRUDA, 1991, p.52). Podemos dizer, então, que a nova divisão do capital abriu um abismo, permanecendo de um lado os ricos, donos dos meios de produção; e de outro, distante dos meios de produção, os pobres, cada vez mais pobres e sujeitos às imposições do mundo do trabalho. Suas vidas agora passavam a ser definidas segundo o ritmo da produção de bens, da produção de mais-valia. “A mais-valia origina-se apenas da parte variável do capital, e vimos que a quantidade da mais-valia é determinada por dois fatores, a taxa de mais valia e o número de trabalhadores empregados ao mesmo tempo” (MARX, 1996, p.464). A partir dessa nova configuração social, o novo cenário em questão passa a ser a fábrica. Desapareceram os artesãos, pois já não tinham mais meios para concorrer com a produção em larga escala, realizada pelas máquinas nas fábricas. Miseráveis, nada mais lhes restava senão se submeter à exploração de sua mão-de-obra para sobreviver. Assim, enquanto a máquina trazia facilidades aos trabalhadores, tornando mais fácil o trabalho, em outro extremo estes deveriam trabalhar incessantemente para que a produção atingisse números cada vez mais altos, visto que as máquinas, com o tempo, poderiam ser superadas por novas invenções e a cada instante se renovavam. Nesse período, observamos um emprego extremamente grande do trabalho infantil e feminino, quando a força humana é algo dispensável no novo mundo do trabalho. Crianças se submeteram ao trabalho, principalmente nas indústrias de tecelagens, pois seus dedos finos eram extremamente hábeis para unir fios que se quebravam em meio à produção dos tecidos. Para desempenhar tais funções, recebiam em torno de 30% a 60% do que se pagava a um trabalhador adulto, sem contar que muitas delas recebiam apenas hospedagem e refeições. Geralmente eram contratadas por um período de sete anos, e em troca, obtinham promessas de educação profissional, moral e religiosa por parte de seus patrões. Suas contratações se davam nas paróquias, através de instituições assistenciais. Muitos pais eram contrários a essa forma de exploração direta de seus filhos, mas a necessidade de ganhos fazia com que deixassem de lado essa forma de pensar (ARRUDA, 1991). As jornadas de trabalho destes pequenos trabalhadores chegavam a margem de dezoito horas por dia, vigiadas em sua totalidade por um capataz, uma espécie de chefe de produção, que controlava o trabalho de todos de forma impiedosa. Seu salário provinha da produção dos seus subordinados. Como conseqüência, inúmeros e infindáveis acidentes de trabalho, decorrentes das precárias condições a que eram submetidos. Não se pode esquecer do papel fundamental das mulheres nas fábricas, que chegaram a representar 50% do total de mão-de-obra na indústria têxtil do algodão em 1835. Isso fazia com que elas deixassem as tarefas em suas casas e não possuíssem tempo para cuidar de seus filhos e de sua educação. Notamos que a classe trabalhadora passou por inúmeras dificuldades, como por exemplo: a obrigação de compra dos produtos do patrão, o recebimento de salários em mercadorias, a moradia em lugares designados pela empresa a preços altíssimos, os salários baixos, a falta de seguros de trabalho, entre outros. O progresso da tecnologia foi cada vez mais intenso, a produção multiplicava-se. Como conseqüência, ocorreu a diminuição dos salários já baixos dos funcionários. Se a produção aumentava e os salários diminuíam, aumentava-se ainda mais os lucros do dono dos meios de produção e do capital. Os trabalhadores, sem saída, estavam à margem da produção; não encontravam saídas para as suas vidas: ascender socialmente era algo impossível, só lhes restava então submeter-se à dominação dos patrões. Muitas lutas e revoltas marcaram esse período. Percebemos que a Revolução Industrial inglesa foi um marco histórico mundial, e em especial, europeu. As transformações, decorrentes desse processo, modificaram todo o pensamento sobre produção até então existente na época. É parte do processo de evolução do modo de produção capitalista, que tem como seu objetivo principal a obtenção de lucros através da produção em larga escala advinda das máquinas e da exploração da mão-de-obra. Podemos considerar que a Revolução Industrial foi o acontecimento que findou a transição feudalismo-capitalismo, e que ela mudou o modo pelo qual vemos a transformação do mundo, pois a partir daí é necessário analisar as transformações técnicas e sociais como um todo, responsáveis pelo processo de construção da sociedade capitalista contemporânea. 2.2 A Revolução Francesa A Revolução Francesa, considerada um processo político-social, ocorreu na França, na segunda metade do século XVIII, entre os anos de 1789 e 1799. A Revolução Francesa é, inegavelmente, o maior acontecimento político do período. Ela não só marcou profundamente a configuração geral da França dos séculos XVIII e XIX como também a de toda Europa do mesmo período (ANDERY, 2000, p.269). Entre as principais causas desse processo, destacamos a incapacidade das classes sociais dominantes da época – nobreza, clero e burguesia – de enfrentar os problemas do Estado francês, o empobrecimento progressivo dos trabalhadores, os altíssimos impostos cobrados dos camponeses, a grande mudança intelectual provocada pelo Século das Luzes 3 e a participação da França na guerra de Independência dos Estados Unidos. A Revolução Francesa é assim a revolução do seu tempo, e não apenas uma revolução, embora a mais proeminente de sua espécie. E suas origens devem, portanto, ser procuradas não meramente nas condições gerais da Europa, mas sim na situação específica da França (HOBSBAWN, 2000, p.11). 3 O Século das Luzes ou Iluminismo são termos usados para descrever as formas de pensamento e literatura da Europa e da América no decorrer do século XVIII, antecedentes à Revolução Francesa. Os próprios autores desse período assim o nomearam, certos de que saíram de uma era de escuridão e ignorância para um novo tempo, iluminado pela razão, pela ciência e pelo respeito à humanidade (Enciclopédia Digital Microsoft Encarta 2002). A França, no final do século XVIII era um país essencialmente agrário, ao contrário da Inglaterra, que estava vivendo a sua Revolução Industrial e caminhava para se tornar a maior nação capitalista do mundo. Para os burgueses da França, era importante e necessário desenvolver a indústria do país, para que pudessem se tornar um país industrialmente competitivo. Para tanto, entendemos que era necessário abolir os obstáculos que impediam o crescimento e a modernização da França, como o absolutismo monárquico e o mercantilismo, caracterizado pelo controle da economia pelo Estado e por leis que restringiam a liberdade de comércio internacional e impediam o crescimento da produção industrial. A burguesia francesa foi influenciada pelas idéias do Iluminismo e pregava o liberalismo econômico, além do fim do absolutismo monárquico e sua própria ascensão ao poder político, como forma de desenvolver o capitalismo na França. Na década em que ocorreu a revolução, grande parte da renda do Estado era proveniente da agricultura e essa, por sua vez, nem sempre conseguia atender as necessidades do mercado consumidor, pois era praticada com técnicas de cultivo ultrapassadas. A maioria da população francesa era composta por camponeses, submetidos em sua grande parte a um regime de trabalho servil, semelhante ao do sistema feudal, sujeitos a obrigações, como a talha4, corvéia5, banalidades6 e mais a dízima7, destinadas à Igreja. É importante lembrarmos também que a situação se agravava mais quando os efeitos climáticos, como inundações e secas, arruinavam as colheitas e elevavam o preço dos produtos, aumentando a fome e a miséria da maioria do povo francês. Pois só a minoria dos camponeses que tinha um constante excedente para vendas se beneficiava dos preços crescentes; o resto, de uma maneira ou de outra, sofria, especialmente em tempos de má colheita, quando dominavam os preços de fome (HOBSBAWN, 2000, p.16). Mais de um século antes da ascensão de Luís XVI ao poder, em 1774, a França já havia sofrido diversas crises em sua economia, decorrentes das más administrações de Luís XIV e Luís XV. Em 1786, França assinou um tratado comercial com a Inglaterra, onde exportaria seu vinho e importaria tecidos ingleses, isentos da cobrança de impostos. Isso prejudicou sobremaneira as manufaturas francesas, que não suportaram a concorrência dos tecidos ingleses. 4 Antigo tributo pago durante o modo de produção feudal, ocorrido durante a alta Idade Média. Trabalho que, durante o feudalismo, o camponês era obrigado a prestar ao seu senhor ou ao Estado, de forma gratuita, como forma de pagamento ao uso e cultivo da terra. 6 Tributo pago pelo vassalo, para utilizar os pertences do senhor feudal. 7 Décima parte do que se produzia. 5 Em 1789 foram convocados os Estados Gerais, compostos pelos três estados: clero, nobreza e povo. A última vez que estes estados tinham sido convocados foi em 1614. Uma das reivindicações da burguesia era que o terceiro estado fosse representado na mesma quantidade de deputados que a soma do primeiro e do segundo, além de exigir que a votação fosse individual, e não consensual. Dessa forma eles conseguiriam aprovar as suas reivindicações, apoiados por alguns deputados dos outros dois estados. Dada a situação geral e o fato de contar com o apoio popular, o terceiro estado conseguiu não só aumentar o número de seus deputados, como alterar o sistema de votação para um outro, no qual o voto de dava por indivíduo (não por ordem), conseguindo, dessa forma, transformar a instituição em Assembléia Constituinte (ANDERY, 2000, p.272). No dia 5 de maio de 1789, os Estados Gerais se reuniram no palácio de Versalhes, e estavam ansiosos por mudanças políticas. Em 17 de junho de 1789, o terceiro estado, apoiado por alguns membros do baixo clero e da nobreza, declarou a Assembléia Nacional, que tinha como objetivo criar uma nova constituição para a França. A reação imediata do rei foi fechar o local onde se reuniam os membros da Assembléia Nacional. Mas estes juraram permanecer unidos até que a Constituição Francesa estivesse pronta. O rei tentou por várias vezes derrubar as decisões da Assembléia Nacional, mas em virtude das agitações políticas, ele ordenou que os outros dois Estados e unissem ao terceiro, para que juntos, elaborassem uma constituição para a França. Preocupado com o seu futuro político, preparou tropas que deveriam reprimir as manifestações do povo e da burguesia. Mas as tropas reais foram derrotadas pelas tropas financiadas pela burguesia. No dia 14 de julho de 1789, a população de Paris tomou a Bastilha, uma prisão política que simbolizava o autoritarismo as arbitrariedades cometidas pelo governo francês. Podemos destacar três principais ideais revolucionários que emergiram: igualdade, liberdade e fraternidade. Com isso, a agitação revolucionária disseminou-se por toda a França. “A queda da Bastilha, que fez do 14 de julho a festa nacional francesa, ratificou a queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como o marco inicial de libertação” (HOBSBAWN, 2000, p.24). Em agosto de 1789, a Assembléia Constituinte criou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, baseada nas idéias dos filósofos liberais iluministas. As principais diretrizes desse documento eram a liberdade, inclusive de pensamento e opinião, o direito à propriedade, direito de resistência à opressão política e o respeito, por parte do Estado, à dignidade da pessoa humana. Já em 1790, tomou muitas terras da Igreja e estabeleceu a Constituição Civil do Clero, subordinando o clero à autoridade do Estado francês. Em 1791, foi criada uma Constituição que tornava a França uma monarquia constitucional. Os poderes pertencentes ao Estado foram divididos em três, segundo a teoria de Montesquieu: poder executivo, legislativo e judiciário. Através dessa nova Constituição, todos seriam iguais perante a lei, e estava abolida a divisão da sociedade em estamentos. Luís XVI foi obrigado a declarar guerra contra a Áustria e a Prússia, visto que estas queriam restabelecer a monarquia absolutista da França. Em 1791, fugiu da França buscando articular com forças contra-revolucionárias que se organizaram fora do país. Foi preso em Verennes e levado à capital francesa, onde foi mantido sob vigilância. O exército austroprussiano invadiu a França, mas foi detido pelas tropas francesas. Com força moral para garantir os rumos da revolução, os principais líderes políticos da burguesia francesa proclamaram a República em 22 de setembro de 1792. A partir daí, a assembléia foi substituída por uma Convenção Nacional, cujo objetivo era elaborar uma nova constituição para a França. Nesse contexto, surgiram novos grupos políticos no país: os jacobinos, os girondinos e a planície, representados, respectivamente, pela alta burguesia, média burguesia e a burguesia financeira. Luís XVI foi julgado por traição à pátria e condenado pelos jacobinos, sendo decapitado em 21 de janeiro de 1793. A partir daí foi instaurada, sob a liderança de Robespierre, uma ditadura jacobinista, que procurava aliar as tendências políticas da alta burguesia com as das camadas mais populares. Salvos das ameaças de ataques estrangeiros, os girondinos e a planície uniram-se para derrubar Robespierre, que foi preso em 27 de julho de 1794 e posteriormente decapitado. A Convenção Nacional passou então a ser controlada por políticos que colocavam em primeiro plano os interesses da alta burguesia, que elaboraram uma nova Constituição para a França. Estando concluída em 1795, estabeleceu a continuidade do regime republicano, e este seria controlado por um diretório composto de cinco membros eleitos pelo poder legislativo. O governo de diretório durou até 1799, quando Napoleão Bonaparte se destacou e adquiriu prestígio pelo seu desempenho como militar. Em 9 de novembro de 1799, no calendário da Revolução, Napoleão Bonaparte, apoiado por influentes políticos burgueses, dissolveu o diretório e estabeleceu um novo governo denominado Consulado, que seria exercido por 3 cônsules. Esse golpe recebeu o nome de 18 Brumário, e foi através dele que Napoleão Bonaparte consolidou as conquistas da burguesia, findando esse ciclo revolucionário, e marcou o início de sua ascensão política. Podemos dizer que a revolução ocorreu devido ao conflito de interesses entre as diferentes camadas sociais e às mudanças nos paradigmas de desenvolvimento e vida da sociedade francesa. Na Revolução Francesa, os ideais das camadas menos privilegiadas tomam força e principalmente forma, através da ação; o controle monárquico perde força, os interesses das classes emergentes são deixados de lado, e o que se verificou, foi a busca de um governo mais democrático e justo. Houve, de fato, uma “revolução social de massa, diferentemente das revoluções que a precederam e a seguiram, e muito mais radical do que qualquer uma delas” (ANDERY, 2000, p.269). 2.3 A Unificação Italiana Em 1815, a Itália encontrava-se totalmente fragmentada, pois estava organizada em oito Estados distintos. Grande parte desses Estados era controlada direta ou indiretamente pela Áustria, e aqueles que não estavam subjugados eram comandados por reis conservadores e absolutistas. Somente após quarenta e cinco anos a Itália teve o seu rei e a unificação foi efetivada. Para chegar a isso, foi preciso vencer a dominação estrangeira, depor os governantes locais absolutos, e unir os diversos entusiasmos de patriotas em apoio a um Estado pequeno e conservador que ocupava apenas o extremo noroeste do país e cujas classes superiores falavam habitualmente o francês, e não o italiano (GOOCH, 1991, p.13) O Risorgimento foi o movimento que surgiu com o objetivo de unificar a Itália. “A historia do Risorgimento é o relato de como e porque esses muitos grupos lutaram, primeiro separados e fracassaram e, a seguir, lutaram juntos e conseguiram êxito” (GOOCH, 1991, p.14). Em sua primeira etapa, os membros do movimento apoiavam-se na idéia de usar as técnicas de rebelião para depor os monarcas absolutistas. Porém, os métodos empreendidos de nada adiantaram. Verificamos que essa primeira derrota não foi totalmente descartada, pois permitiu que o movimento avançasse em suas estratégias, visto que não era simples formar um grupo de ataque; convocar alguns soldados na espera de outros que viessem espontaneamente, aumentando as fileiras de combate era, de certa forma, uma utopia; através da derrota, vimos que foi possível traçar novos objetivos. Para que isso pudesse acontecer realmente era necessário conceber uma ideologia que deveria aceita por todos, e assim conseqüentemente seria possível congregar uma grande quantidade de pessoas. O fracasso trouxe para todos a consciência da identidade nacional. O movimento revolucionário italiano incorporou um forte caráter nacionalista, principalmente em virtude da atuação de Giuseppe Mazzini, o qual criou uma sociedade secreta, chamada de Jovem Itália e organizou grupos revolucionários em toda a península. O Papa Pio IX, eleito em 1846, apoiou esse ardor nacionalista, cujo apogeu se deu com as revoluções de 1848. Durante o ano de 1847 foram criados os elementos que possibilitaram a realização da revolução. Destacamos o papel do papa Pio IX, enquanto liderança que centralizou o descontentamento do povo. Através de seus discursos e palavras fez nascer o entusiasmo do movimento que desejava um governo liberal, a independência da Áustria e a unificação da Itália. Pio IX promoveu um grande programa de reformas nos Estados Pontifícios, e a idéia foi seguida pelos governantes de Lucca, Toscana e Piemonte. Destacamos, ainda, a existência de uma situação de revolução, em virtude da crise econômica do povo. O fato norteador foi a revolta da Sicília, que destronou muitos governantes absolutistas. Nesse período, a Áustria estava preocupada em finalizar suas revoluções e a França lutava pela extinção do poder da dinastia do Orléans e o posterior estabelecimento da Segunda República. Em janeiro de 1848, a população de Palermo expulsou o exército de Fernando II, o rei das duas Sicílias, e este, diante de uma eclosão de revoluções populares no continente, prometeu ao povo elaborar uma constituição. Já Leopoldo II, grão-duque da Toscana, estabeleceu uma constituição para o povo de seu ducado. Em Turim, o rei Carlos Alberto, seguindo as orientações do conde Camilo Benso di Cavour, também prometeu ao povo elaborar de uma constituição. Terminadas as guerras austro-prussiana contra a Áustria, e a Franco-Prussiana, completou-se a união no reino da Itália, sendo proclamado como rei Vítor Emanuel II, e em julho de 1871, sendo que Roma se tornou a capital da Itália unificada. Foram ideais e ambição que, em conjunto, criaram uma Itália unificada. Os ideais encontravam-se principalmente na esquerda. Os mártires que morreram diante de esquadrões de fuzilamento austríacos ou napolitanos santificaram a luta pela independência. A Jovem Itália manteve vivos os ideais com seu compromisso com a ação; e Mazzini proporcionou tanto uma ideologia política quanto uma convicção furiosamente nacional de que a Itália podia e devia passar a existir. (GOOCH, 1991, p.62-63) Depois de interferir na guerra Austro-Prussiana, em 1866, aliando-se à Prússia, a Itália conseguiu o estado de Veneza pela Paz de Viena e, com o apoio na guerra Franco-Prussiana, em 1870, ela recebeu os Estados Vaticanos. As relações com o poder papal foram restabelecidas pelos Tratados de Latrão. Podemos dizer que a Unificação Italiana foi um processo popular, visto que o povo queria mudanças, os líderes das revoluções surgiram do povo e trabalharam pelo povo, e sua participação maciça deu legitimidade ao processo; a união dos ideais e da ação possibilitou a mudança na história do país. Identificamos que a ação de grupos isolados não trouxe resultados positivos para o processo de unificação; somente após lutarem juntos foi possível chegarem ao objetivo esperado. Havia um sentimento nacionalista disseminado por toda a Europa, e foi este que fez surgir aspirações entre os povos da península itálica para torná-la um país. 2.4 Considerações acerca dos fatos históricos Pudemos perceber que as transformações pelas quais passaram a Europa no decorrer das revoluções estudadas mudaram completamente as concepções de desenvolvimento, relações de produção e relações sociais até então vigentes. A revolução industrial trouxe consigo o desenvolvimento de técnicas avançadas de produção de mercadorias, que impulsionou o capitalismo e dinamizou as relações sociais de produção, no que diz respeito à dominação dos donos dos meios de produção em relação aos detentores da força de trabalho. A indústria se desenvolveu graças à exploração dos trabalhadores nas fábricas, sejam eles homens, mulheres ou crianças, em troca de uma quantia insignificante para a subsistência. Através da Revolução Industrial, o conhecimento técnico se difundiu por toda a Europa, que posteriormente possibilitou o desenvolvimento de outras nações, inclusive a Itália. A Revolução Francesa foi cercada de ideais revolucionários, articulações políticas e fundamentalmente o desejo de se estabelecer uma nova forma de governo, mais justa e democrática. Podemos considerar que essa revolução foi a revolução das idéias, pois novos paradigmas foram estabelecidos, e o bem-estar geral era uma necessidade primordial. Os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade que tomaram forma nesse período surgiram em decorrência da situação em que França se encontrava, e foi através de manifestações populares, da atuação de grupos revolucionários que a revolução transformou o país. Aqui também podemos estabelecer uma semelhança com a Unificação italiana, pois a junção dos muitos reinos existentes na península itálica foi fruto da união dos ideais das classes menos favorecidas em favor da criação de um Estado único, envolvidas por uma forte ambição e sentimento de identidade nacional, além da motivação coletiva em busca da liberdade e da independência. Todo esse quadro transformador assistido contribuiu para o processo de expulsão de milhares de italianos para os mais diversos lugares no mundo. Com a unificação, a industrialização foi possível, mas o país já não era mais capaz de absorver toda a mão-de-obra existente. A única saída encontrada foi a emigração. E o Brasil tornou-se a pátria de muitos que buscavam uma transformação na sua vida, e mais do que isso, a continuidade de sua sobrevivência. 3 Relevância do tema Pensar em um processo migratório tão importante para a constituição social do Brasil nos remete a um estudo histórico-sociológico, que de certa forma já foi amplamente mapeado por essas duas áreas de conhecimento. Muito já foi debatido sobre a imigração italiana, mas acreditamos que, em um primeiro momento da pesquisa científica, é necessário percorrer este caminho teórico já traçado. Dentro do contexto histórico da imigração, podemos destacar um primeiro fluxo migratório de europeus para o Brasil por volta de 1850, fundamentalmente voltado para fundar colônias de povoamento, incentivado pelo governo imperial; a maior parte da população imigrante dirige-se para a região sul do país, devido às condições climáticas semelhantes aos países de origem. Nestes locais ocorreu a preservação de traços culturais trazidos pelos imigrantes, pois as famílias permaneciam unidas, vivendo em comunidades normalmente isoladas das comunidades autóctones durante muito tempo. “Portanto, não se pode esquecer que esses homens e mulheres tinham uma história anterior ao ato de emigrar e que, ao chegarem, trouxeram hábitos e anseios próprios e fortemente arraigados“ (ALVIM, 1986, p.14). Com relação ao estado de São Paulo, Zuleika Alvim (1986) considera três momentos que mais marcaram o processo migratório italiano: primeiramente, um período que vai de 1870 a 1885, foi assinalado pela chegada de mão-de-obra para trabalhar nas fazendas de café, principalmente no estado de São Paulo. Nesse período destacou-se a chegada de grandes núcleos familiares que trabalhavam basicamente na agricultura italiana e depositavam no Brasil a esperança de conseguir terras para cultivo. O segundo momento, já em 1885-1902, quando os cafeicultores subsidiam a vinda de mais imigrantes para fortalecer a massa trabalhadora. Será a partir do fim dos anos 70 que emigração italiana para o Brasil começará a assumir um aspecto mais preciso e dimensões apreciáveis, e até, a transformar-se em fenômeno de massa entre 1887 e 1902, contribuindo, de modo decisivo, para o aumento demográfico do país (TRENTO, 1989, p.18). Um terceiro momento, de 1902 a 1920, quando os cafeicultores paulistas se consolidaram no poder federal e estabeleceram uma política migratória para todo o país, baseada nos moldes paulistas. Este período caracterizou-se pela entrada de italianos do sul, que eram, em sua grande maioria, solteiros. Com uma diferença, porém, definida pela queda brusca na entrada de italianos, basicamente porque passaram a ser atraídos pelo mercado de trabalho norteamericano, e menos em decorrência das restrições determinadas pelo Decreto Prinetti, com o governo italiano, em 1902, proibiu a emigração desenfreada de seus súditos para o nosso país (ALVIM, 1986, p.21). “Miséria! Esta é a verdadeira e exclusiva causa da emigração transoceânica entre 1880 e Primeira Guerra Mundial” (TRENTO, 1989, p.30). Para a Itália, a emigração foi uma forma de “conter o pesadelo do desemprego” que assolava o país; e para o Brasil, foi uma solução para o problema da mão-de-obra livre, que surgira logo após a libertação dos escravos, em 1888. Deve-se observar que ela configurou também como uma forma de resistência à introdução do capitalismo no campo, à exploração que os camponeses sempre foram submetidos. Dentro do processo histórico vivido pelos italianos em São Paulo e no Brasil como um todo, surge em 1887, no município de Piracicaba, a Società Italiana di Mutuo Soccorso, cujo objetivo era prestar assistência aos seus associados e suas famílias, de forma a garantir o auxílio necessário para sua sobrevivência, além de orientá-los no processo de estabelecimento e adaptação no país. Em nossas primeiras pesquisas sobre o assunto, verificamos que havia uma concentração de imigrantes italianos em Piracicaba no final do século XIX. Na Itália, grande parte deles eram pequenos proprietários agrícolas ou funcionários desses proprietários, e vieram para o Brasil para trabalhar em fazendas já constituídas, e os que chegaram a se tornar proprietários agrícolas, além daqueles que exerciam outras atividades no campo ou nas cidades, ambos encontravam dificuldades em viabilizar seus projetos. Nesse momento, explica-se o caráter de ajuda mútua que a Società trouxe consigo desde sua fundação: ela surge como centro de referência para o atendimento dos italianos que se estabeleceram na cidade. Mas, temos conhecimento, através de entrevista com membros da diretoria atual 8, que a Società Italiana di Mutuo Soccorso não tinha apenas um caráter beneficente. Ela também proporcionava aos seus sócios outras atividades, de caráter cultural, e estas agregavam seus membros e famílias, promovendo a manutenção dos costumes e das tradições trazidas de seu país de origem. Assim, foi possível realizar freqüentemente grandes eventos, como reuniões, festas de casamentos, apresentação de peças de teatro, cinema, música, jogos, entre outros. Através desses encontros de caráter cultural, seus membros tinham também a possibilidade de conhecer um pouco mais do país no qual se estabeleceram, seus costumes, cultura, códigos jurídicos, entre outros. A Società deu aos seus associados um espaço que lhes era próprio, onde identificavam sua vida e sua história. Segundo informações colhidas em campo, soubemos que nos seus primeiros anos de existência, a Società organizava suas reuniões, principalmente as da diretoria, no Salão do Recreio, localizado no bairro Monte Alegre. Em 1904, em busca de suprir as necessidades da Società enquanto uma instituição voltada para um público específico, a diretoria emitiu 600 ações para serem vendidas, que posteriormente reverteram em capital necessário para a construção de um prédio próprio, que constituiria a sede oficial da instituição, mais adequada para atender a demanda dos sócios. Verificamos que o que permaneceu na atualidade sobre a história da Società Italiana de Mutuo Soccorso é baseada no senso comum, em comentários ou relatos fragmentados, o que não nos permite analisar corretamente a trajetória dessa instituição. No período que compreende o final dos anos 1930 até o final dos anos 1990, a entidade deixou de exercer suas atividades que outrora eram realizadas por ocasião da sua fundação, em virtude de legislação no governo Getúlio Vargas que proibia a existência de entidades puramente estrangeiras, transformando-se em Sociedade Ítalo-brasileira. No final dos anos 1990, um grupo de descendentes de italianos piracicabanos lutaram pela reintegração de posse do prédio, há muito abandonado, e os objetivos primeiros da entidade vem, desde então, sendo recolocados à sociedade piracicabana. Reconstruir a sua história é um desafio, uma vez que existem muitos documentos primários que serão manipulados e auxiliarão na pesquisa. Diante dessa realidade e dos contatos realizados junto a esta entidade específica, destacamos a relevância do tema, pois é necessário reconstruir sua trajetória institucional, a 8 Entrevista concedida por Bruno Fernandes Chamochumbi, agente cultural da Società Italiana di Mutuo Soccorso, em 02 de maio de 2003. qual poderá deixar de ser um conhecimento de senso comum para transformar-se em objeto de pesquisa científica de conhecimento histórico-sociológico. Este projeto será um primeiro passo para a organização, sistematização e interpretação das fontes primárias encontradas na entidade e que contribuirá para abrir novas possibilidades de reutilização daquele espaço. O objetivo desse estudo que está sendo desenvolvido é reconstruir a trajetória institucional da Società Italiana de Mutuo Soccorso, entre os anos de 1887 e 1930, período em que funcionou como um espaço político-cultural agregador para imigrantes italianos e seus descendentes. No decorrer da pesquisa, aspiramos identificar os fundadores dessa entidade e seus membros, bem como a classe social a que pertenciam, possibilitando assim entender os objetivos propostos para a criação da instituição e a quem ela servia. Dentro dessa reflexão, abordaremos a fundação da Società em 1887, que se estabeleceu no bairro Monte Alegre, e a posterior construção, em 1904, da sede oficial, na área central do município. Nessa perspectiva, poderemos verificar quais eram os interesses dos membros dessa instituição e a influência que exerciam na política da cidade. Buscaremos também nesta pesquisa, identificar os acontecimentos que culminaram na mudança de objetivos da Società Italiana di Mutuo Soccorso, em função da II Guerra Mundial e a proibição de instituições estrangeiras no Brasil, período em que tornou-se Sociedade Ítalobrasileira. 4 Referências Bibliográficas ALVIM, Zuleika M. F. Brava Gente! Os italianos em São Paulo (1870-1920). São Paulo: Brasiliense, 1986. 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