O Que a Genética e a Astrologia têm em Comum?

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JEE
Volume 1 – 2013
Jornal de Estudos Espíritas 1, 010305 (2013) - (5 pgs.)
O Que a Genética e a Astrologia têm em Comum?
A. Xavier1,2,a
1
2
eradoespirito.blogspot.com - Campinas, SP
Editor JEE - https://sites.google.com/site/jeespiritas/
e-mail: a [email protected]
(Republicado em 22 de Setembro de 2013)
Artigo reproduzido do Boletim do GEAE n. 448 (2003)
R ESUMO
Fazemos aqui uma comparação entre as consequências e extrapolações não científicas da genética e da antiga astrologia e analisamos as semelhanças segundo a visão espírita, apontando as causas subjacentes. Interessantemente,
ainda que estejam distantes no tempo, essas duas doutrinas compartilham a propriedade comum de limitar ou
restringir o livre arbítrio, de forma que estão em profundo desacordo com a visão espiritualista para a qual o livre
arbítrio é uma propriedade inerente do ser.
Palavras-Chave: Astrologia; genética; livre arbítrio; bagagem genética; determinismo biológico.
I
I NTRODUÇÃO
É muito comum encontrarmos hoje em dia discussões
sobre as questões da consciência, sobre como a mente se
estabelece e opera. Esse renovado debate (encontradas
em respeitadas revistas de divulgação científica) reflete o
grau crescente de interesse de alguns ramos do conhecimento científico com relação às questões do espírito. O
ponto de vista subjacente que orienta as discussões ainda
é materialista, apoiado principalmente por um grande
contingente de biologistas (evolucionistas, fisiologistas,
zoólogos, geneticistas etc). A crença geral desses grupos
sustenta que a mente humana – e, como conseqüência,
toda individualidade humana – é o resultado de interações e conexões de entidades moleculares componentes
da parte material, visível ou mensurável pelas técnicas
de diagnóstico moderno, o cérebro. Não discutiremos
aqui as difíceis propostas de modificação dessa concepção materialista, que têm sido levantadas mesmo dentro
de círculos acadêmicos1 . Tomemos apenas a idéia materialista descrita acima e analisemos suas conseqüências
para o homem, dentro do âmbito de algumas especulações a partir de partes da biologia, em particular a que
trata dos mecanismos de perpetuação das espécies.
Esse posicionamento adquire grande interesse popular diante das aventadas extrapolações e implicações da
genética. Através de seus princípios, a genética teve
grande importância no esclarecimento dos mecanismos
de aparecimento e desenvolvimento das espécies, fatos
que não estavam tão claros na obra revolucionária de
Charles Darwin de 1859, “Sobre a origem das espécies
por meio da evolução natural”. Na verdade a comunidade científica da época dobrou-se às evidências práticas
fornecidas por Darwin a favor da seleção natural que ele
conseguiu junto à paleontologia e a biogeografia. Em
contrapartida, o desenvolvimento posterior da teoria de
Darwin, dinamizada pela genética, deu origem a diversas
especulações em torno da natureza do homem (e das espécies humanas), de seu mecanismo de desenvolvimento e
até mesmo de suas conseqüências éticas. Nasceu a idéia
de que os genes (entidades no limite entre o muito pequeno e o atômico) seriam responsáveis não só pelos caracteres morfológicos de um ser vivo – que é princípio
na genética – mas também de toda sua bagagem comportamental. Aplicada ao homem, essa forma radical de
interpretação genética adquiriu enorme força na forma da
“sociobiologia” ou “darwinismo social”. Foram lançados
então os fundamentos para o desenvolvimento de uma
doutrina dentro das disciplinas consideradas científicas,
que seria capaz de explicar completamente o indivíduo.
A base de tal proposta seria a lei de perpetuação de um
determinado gene como determinante de uma certa característica – seja morfológica ou comportamental, mas,
principalmente, essa última quando trouxesse vantagens
claramente desejáveis a toda espécie. A perpetuação do
gene favoreceria diretamente a perpetuação da própria
espécie. Como corolário desse princípio (que é válido
para os caracteres morfológicos), seria possível alterar o
comportamento dos indivíduos pela manipulação genética. Em seus fundamentos, a sociobiologia admite explicitamente que os genes contêm todo o código que descreve o indivíduo, mesmo em sua mais íntima psicologia,
a saber: sobre como ele se posiciona diante de determinadas circunstâncias, de suas tendências inatas (inteligência, afetividade, relacionamento social), de seus gostos
pessoais etc. É bastante óbvio ao leitor que tal doutrina
está em franco desacordo com o Espiritismo. Reduzido a
sua última expressão, para os sociobiólogos, o homem seria apenas um repositório para a sobrevivência dos genes
que carregariam para a eternidade nossos sentimentos e
modos de ser.
1 Considere o leitor o aparecimento de recentes especulações envolvendo conceitos de mecânica quântica e física estatística de sistemas
fora do equilíbrio.
Seção 03: Artigos Reproduzidos
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Autor(es)
O Que a Genética e a Astrologia tem em Comum?
A sociobiologia está envolvida em uma ampla gama
de debates recentes em torno das questões éticas relacionadas à genética. Tomemos também como exemplo,
o ápice de algumas extrapolações que estão na raiz da
sociobiologia, tal como a doutrina da eugenia fundada
por Francis Galton. Segundo ela, seria possível ao Estado gerar uma elite genética pelo controle rigoroso da
reprodução humana, favorecendo a perpetuação dos indivíduos desejáveis (na verdade caracteres de comportamento desejáveis) e eliminando os indesejáveis. Sabemos
que alguns Estados totalitários do século XX chegaram a
flertar com a eugenia como programa de desenvolvimento
social com trágicas conseqüências.
Nosso objetivo aqui é chamar a atenção para os fundamentos que diferenciam a posição espírita das especulações advindas principalmente da genética. O principal
fundamento que colide diretamente com essas recentes
propostas é a noção de livre-arbítrio, facilmente reconhecida mesmo entre outras doutrinas espiritualistas. Não
será difícil ao leitor nesse ponto reconhecer de imediato
que as duas disciplinas enunciadas no título deste texto
depõem contra essa noção. Além disso, esses fundamentos se somam a observações mais acuradas a partir de
pesquisas biológicas recentes que atingem seriamente o
darwinismo social como uma ciência. Para conhecimento
dessas críticas, o leitor deve consultar Os herdeiros de
Darwin” por Marcel Blanc [1].
II
U M PARALELO
Chamamos mais uma vez a atenção ao fato de que
não estamos a criticar a genética como ciência bem estabelecida, mas sim muitas interpretações nascidas de
extrapolações de estudos genéticos. Assim, a “genética”
do título deste texto refere-se propriamente a tais interpretações que, como vimos, tomaram a forma seja da
sociobiologia ou da eugenia. Para motivar nosso estudo,
vamos construir um paralelo que se apresenta à mente
moderna diante das propostas de descrição da personalidade humana pelos estudos genéticos. Tal paralelo é bastante motivador dentro do contexto da história e filosofia
da ciência, pois revela aspectos correlatos entre diferentes doutrinas científicas aparentemente distantes entre si
no tempo.
O que, de fato, pode haver em comum entre tais propostas e as velhas proposições astrológicas? No passado,
o estudo da posição e movimento dos corpos celestes, a
seu turno, desempenhou um papel fundamental na predisposição e destino de tudo o que ocorria na Terra. Em
seus estudos, os astrólogos descobriram fenômenos celestes de grande importância. Aprenderam como antecipar
em anos os eclipses solares a lunares e contribuíram para
o desenvolvimento dos calendários, aumentando assim a
riqueza de suas sociedades pela introdução de um rigo-
roso controle de tempo na agricultura. Não se tem dúvida de que a astronomia (considerada uma das mães da
filosofia natural e, portanto, de toda ciência moderna)
nasceu a partir de antigos estudos de natureza astrológica.
Vejamos agora o caso da genética, que se inicia com os
estudos de Mendel no século XIX. Constituindo um dos
campos mais avançados de pesquisa na atualidade (no
que diz respeito à aplicação de técnicas de pesquisa empírica e a julgar pelas enormes fortunas que os governos
têm gasto em seu desenvolvimento), a genética tem sido
responsável por uma enorme variedade de contribuições
práticas em biologia, medicina, veterinária, agricultura
etc. Em seus estudos, os geneticistas têm desvendado o
mecanismo oculto dos genes, tornando possível a cura de
muitas doenças e a produção de substâncias que melhoram consideravelmente o desempenho fisiológico de muitos seres vivos. Ao mesmo tempo, a genética projeta sistemas biológicos nunca imaginados anteriormente. Digamos que, de uma perspectiva histórica, as modernas descobertas práticas da genética não devem em nada àquelas
derivadas da astrologia.
Entretanto, a astrologia não foi praticada apenas de
olho em possíveis aplicações práticas. Seu objetivo primordial era a revelação de fatos desconhecidos, o futuro
das pessoas. Seu princípio básico2 era o de que uma
pessoa nasce sob o signo de uma determinada “estrela”.
Especificamente, o futuro de um indivíduo estaria, de
certa forma, ligado à posição dos planetas no zodíaco3 .
Essa idéia assume de uma forma explícita que a individualidade do ser humano (suas tendências, sentimentos
etc) está fixada pelos planetas no momento de seu nascimento. Implicitamente isso representa uma limitação ao
livre-arbítrio do homem, já que este não está tão livre no
momento da tomada de decisões, ou seja, alguma coisa
além de si próprio intervém, tornando possível uma escolha em detrimento de outra. Ainda que se possa dizer,
no contexto moderno, que os astros não influenciam diretamente uma determinada decisão particular, eles certamente fazem parte da imagem final do ser humano por
terem moldado suas predisposições. Fundamentalmente,
isso contrasta abertamente com a tese espiritualista do
ser que tem todos seu comportamento resultante de propriedades de sua essência última, o seu Espírito.
Substituamos agora “posição dos planetas” por “arranjos especiais dos genes” e teremos quase que a mesma
coisa nas modernas interpretações do papel dos genes no
comportamento humano. A predisposição celeste foi apenas substituída pela molecular, possivelmente quantomecânica em natureza4 , ainda que por meio de obscuras interrelações. Assim, tanto de acordo com a velha
astrologia como por algumas interpretações da natureza
humana nos estudos da moderna genética, no que diz
respeito à individualidade humana e quanto ela pode
2 Talvez
fundamentado em antiqüíssimas tradições religiosas.
é a região da esfera celeste por onde passa o sol em seu movimento relativo ao longo do ano. Contém as chamadas 12 “constelações zodiacais”. Do ponto de vista da astronomia moderna estas seriam na verdade 13, o “Ofíuco” ou serpentário não é considerado na
tradição astrológica ocidental.
4 Note ainda o leitor que, tanto quanto se pode compreender dos fundamentos da genética, essa determinação obedece a leis “cegas”,
sendo obras do acaso.
3 Zodíaco
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ser fixada em seu destino, fomos inexoravelmente préprogramados desde a hora de nosso nascimento. A comparação se estende até no momento de se evitar este ou
aquele comportamento: enquanto a astrologia pode sugerir a programação baseada na hora do nascimento – segundo a posição dos planetas no céu – na impossibilidade
de se alterar essa posição, as extrapolações baseadas na
genética sugerem a modificação no conteúdo hereditário
das células mães em um esforço para alterar o comportamento. Ambas doutrinas também conferem ao ambiente
um papel modelador importante, podendo alterar consideravelmente o script pré-programado.
Em um referencial histórico mais amplo, as semelhanças são igualmente compreensíveis. No passado, a astrologia inseria-se no contexto de doutrinas religiosas poli-
Origem histórica
Fundamentos
Mecanismos
Prescrição
corretiva
Consequências
III
Genética
Extrapolações de estudos em genética
aplicada.
A personalidade é função de sua bagagem genética.
Genes e herança. O ambiente tem papel
importante.
A personalidade pode ser programada geneticamente pela alteração nas células mães.
O destino da criatura é moldado independentemente dela.
V ISÃO ESPÍRITA
Não é consolador e belo poder dizer: sou uma inteligência e uma vontade livre; a mim mesmo me fiz,
inconscientemente, através das idades; edifiquei lentamente minha individualidade e liberdade, e agora
conheço a grandeza e a força que há em mim. Leon
Denis (Ref. [2], p. 219).
Algumas idéias expostas acima como parte integrante
do Darwinismo social aplicada à natureza humana parecem fortemente limitar uma das mais misteriosas propriedades do ser humano: o livre-arbítrio. Podemos descrever o livre-arbítrio como a capacidade do ser decidir
entre duas alternativas ou entre um conjunto de opções
por uma introspecção interna. O livre arbítrio prendese logicamente a razão de ser da personalidade humana,
diz-se que a criatura humana age de acordo com suas
pendências pessoais, e toma a decisão segundo seus interesses e inclinações quando o livre-arbítrio tem papel
preponderante. Para nós, Espíritos encarnados, estamos
absolutamente convencidos de que nada externo a nós
influencia tal escolha, não estamos “pré-programados” ou
somos controlados “remotamente” para decidir entre isso
e aquilo.
Do ponto de vista espírita, assim, as semelhanças entre as extrapolações genéticas e a astrologia também têm
sua razão de ser. Elas provêm de uma compreensão parcial da natureza humana. Os Espíritos foram bastante
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teístas. Tendo a ciência tomado o lugar da religião na
sociedade moderna, é natural que as perspectivas genéticas modernas do ser humano tomassem o lugar das velhas
doutrinas astrológicas que tinham igualmente algo a dizer sobre o destino e a razão de agir dos indivíduos. Não
se pode, porém, deixar de atentar para uma diferença: a
de que, enquanto a astrologia tinha como objetivo fundamental prever o futuro – tanto no que dizia respeito
a acontecimentos terrenos e seus principais atores, os seres humanos, a sociobiologia que discutimos aqui é uma
extrapolação de conclusões específicas e restritas de um
ramo da biologia, a genética, cujo principal objetivo é
compreender melhor o mecanismo temporais de geração,
perpetuação e morfologia dos seres vivos. Um quadro geral comparando essas duas visões pode ser visto abaixo.
Astrologia
Tradições antigas. Crença no destino traçado
pelos deuses.
A personalidade é função do signo astrológico.
Posição dos planetas no momento do nascimento. O ambiente tem papel importante.
A personalidade pode ser programada pelo
instante do nascimento.
O destino da criatura é moldado independentemente dela.
claros quanto à inexistência de scripts pré-programados
determinando a personalidade humana. Na Parte 2 do
Capítulo 1 de “O Livro dos Espíritos” citekardec, Kardec
dirige-se aos Espíritos nos termos:
121. Por que é que alguns Espíritos seguiram o caminho do bem e outros do mal?
“Não têm eles o livre-arbítrio? Deus não os criou
maus; criou-os simples e ignorantes, isto é, tendo
tanta aptidão para o bem quanto para o mal. Os que
são maus, assim se tornam por vontade própria.”
A resposta dada contém em si um princípio. Os Espíritos são dotados de uma capacidade própria (como no
caso da inteligência), o de julgarem as coisas livremente.
Compreende-se que, se não fosse assim, Deus certamente
seria o responsável pela escolha “errada” e, portanto, por
todo o mal que parece se originar dessa escolha. Em outras palavras, sem o livre-arbítrio, os Espíritos não passariam de meros autômatas previamente programados. A
resposta, como de costume, parece não ter sido suficiente
a Kardec. Ele volta ao ponto da escolha entre as duas
opções possíveis com a questão 122.
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122. Como podem os Espíritos, em sua origem,
quando ainda não têm consciência de si mesmos, gozar da liberdade de escolha entre o bem e o mal? Há
neles algum princípio, qualquer tendência que os encaminhe para uma senda de preferência a outra?
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O Que a Genética e a Astrologia tem em Comum?
“O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria liberdade, desde que a escolha fosse determinada
por uma causa independente da vontade do Espírito.
A causa não está nele, está fora dele, nas influências
a que cede em virtude de sua livre vontade. É o que
contém a grande figura emblemática da queda do homem e do pecado original; uns cederam à tentação,
outros resistiram.”
“As influências a que cede em virtude de sua livre
vontade” constituem todas as influências externas ao Espírito que atuam durante sua vida espiritual e que lhe são
impostas, a fim de que consiga progredir. A decisão de
qual caminho tomar diante de tais influências pertence
somente ao Espírito, durante sua jornada evolutiva. Por
tais fatores externos compreendemos não somente os inumeráveis fatos que o Espírito encontra na encarnação5
(prazeres fictícios, pessoas as quais ele tem afeto ou não,
circunstâncias felizes ou de desgraça), mas também todas as condições especiais criadas pelo corpo físico no período da reencarnação. Assim, o papel da hereditariedade
não é definir o comportamento humano (com exclusão do
livre-arbítrio que seria função dessa programação), mas
sim libertar ou limitar as capacidades já adquiridas pelo
Espírito por meio de arranjos especiais ou vínculos físicos no corpo material, entendido como uma ferramenta
de trabalho desse Espírito.
Considerações mais específicas ao assunto que aqui
tratamos são tecidas nas questões 845 e 846. Destacamos a primeira:
princípios da Doutrina Espírita é a única capaz de explicar o ser humano, ou de ao menos trazer a sensação
consoladora de que não somos joguetes da sorte. Para
os abusos de interpretação oriundos da genética ou da
astrologia, o ser humano é uma criatura incompleta, inconsistente em si mesmo porque, para vir a ser, necessita
do jogo aleatório, seja das disposições genéticas ou da
posição dos astros.
Entretanto, já comentamos sobre a influência da matéria. Esta é naturalmente função do grau de adiantamento do Espírito, tanto intelectual como moral. Essa
influência foi inúmeras vezes reafirmada pelos Espíritos,
e pode ser encontrada em diversas respostas do “Livro
dos Espíritos”. Nos estágios iniciais de evolução, é natural que os Espíritos estejam fortemente sujeitos aos ditames da matéria. A matéria não determina a decisão
do Espírito, mas atua vigorosamente como vínculos que
o incitam a uma ou outra direção. À medida que o Espírito evolui, os laços materiais tornam-se mais fracos,
liberando-o cada vez mais para decisões independentes
ou para a manifestação de capacidades em desacordo com
os arranjos materiais ou leis naturais. Alguns exemplos
práticos dessa liberdade relativa da matéria podem ser
encontradas mesmo em nossa sociedade:
845. Não constituem obstáculos ao exercício do livrearbítrio as predisposições instintivas que o homem já
traz consigo ao nascer?
“As predisposições instintivas são as do Espírito antes de reencarnar. Conforme seja este mais ou menos adiantado, elas podem arrastá-lo à prática de atos
repreensíveis, no que será secundado pelos Espíritos
que simpatizam com essas disposições. Não há, porém, arrastamento irresistível, uma vez que se tenha
a vontade de resistir. Lembrai-vos de que querer é
poder. (361)”
No final da resposta, há uma referência direta à questão 361, onde os Espíritos reafirmam que as qualidades
morais que caracterizam a índole do ser humano têm
origem em seu Espírito. Poder-se-ia argumentar que as
predisposições instintivas fossem determinadas geneticamente ou, no caso da astrologia, pela posição dos astros
no firmamento. A Doutrina Espírita afirma que as predisposições instintivas são patrimônio do Espírito, a bagagem ou herança espiritual criada e carregada por ele
mesmo através dos séculos. Isso porque a lei moral que
regula a distribuição eqüitativa da justiça só é um conceito válido se o Espírito for o único responsável por seu
sucesso ou fracasso. Tal é o conteúdo de perfectibilidade
da lei, assentado sobre um princípio que se liga diretamente à origem do Espírito e a sua mais íntima natureza.
Essa conclusão magistralmente integrada ao conteúdo de
I – A liberdade de escolha de seres humanos em ter
ou não filhos. Como se sabe, a reprodução é uma
lei natural através da qual os genes são transmitidos
a futuras gerações de uma certa espécie, por meio
de um processo que é o próprio núcleo da evolução
natural. Se não há reprodução dentro da espécie,
esta inexoravelmente morre, tanto fisicamente como
para a Natureza como um todo, já que seu conteúdo
hereditário deixa de existir. Os seres humanos, que
são Espíritos encarnados, podem surpreendentemente
“refutar” essa lei biológica e decidir por não se reproduzir. Se admitirmos que os animais e os humanos
guardam origem e natureza comuns (são seres encarnados em diferentes graus da escala evolutiva), tal
escolha bizarra só pode ser compreendida dentro da
relativa liberdade de decisão adquirida pelo Espírito
com essa evolução. Naturalmente, devemos diferenciar aqui a decisão de não se reproduzir tomada como
uma opção de vida, onde o sexo ainda é ingrediente,
corrente daquela inerente ao próprio Espírito na abstinência sexual a que se dedica, as vezes durante toda
a vida, por ter atingido uma relativa independência
das necessidades sexuais. No caso desse seres, cuja
número nossa sociedade guarda muito poucos, existe
uma clara libertação de uma lei que é muito forte para
o imenso contingente de encarnados.
II – Os inumeráveis e não ortodoxos comportamentos sexuais humanos. Entendemos que homossexualismo, bisexualismo e transsexualismo são fenômenos
que surgem naturalmente, no sentido exposto acima,
da liberdade adquirida pelo Espírito dos laços e leis
materiais ou da força de seus instintos internos – originados em sua própria natureza espiritual – que re-
5 Não podemos nos esquecer ainda das influências espirituais, já que os Espíritos influenciam-se uns aos outros incessantemente. A
respeito disso ver as sub-questões complementares a 122.
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Xavier, A.
futam a escolha biológica herdada. Muitas teorias
têm sido desenvolvidas para explicar tais comportamentos, partindo-se de diferentes hipóteses. Algumas
delas tendem a enfatizar a “bagagem hereditária”,
enquanto que outras o ambiente. Nenhuma explicação adequada e convergente tem sido encontrada.
O ponto crucial parece ser a falta de uma imagem
coerente do ser humano, que pode ser plenamente encontrada através da aplicação dos princípios espíritas.
De fato, a reencarnação é o ponto de partida para se
compreender muitos desses fenômenos, sendo o transsexualismo apenas um dos exemplos notáveis.
As aparentes similaridades entre a astrologia e a genética (tanto quanto podemos inferir do conhecimento
comum dessas disciplinas) estão conclusivamente estabelecidas sobre uma visão parcial da natureza humana.
Embora sejam consideradas muito diferentemente pela
sociedade moderna, tanto uma como a outra limitam, de
certa forma, o livre-arbítrio humano, que sofre a interferência de fatores externos no momento do nascimento.
Os Espíritos, entretanto, deixaram claro que não existe
uma programação de comportamento, antes, o Espírito é
livre para tomar as decisões que julgar conveniente. Para
isso, o Espírito utiliza os recursos materiais colocados a
sua disposição, sendo ele o responsável pela escolha correta ou errada, se caiu sob esse ou aquele arrastamento.
À medida que o Espírito progride, torna-se menos vulnerável à influência material, porque já demonstrou em si
mesmo que está livre dela.
Há ainda a questão da escolha dos fatores materiais,
que são mais ou menos estabelecidos no momento da reencarnação. Para a Doutrina Espírita, mesmo nesse instante, não existe propriamente uma “imposição externa”,
mormente se o Espírito já desfruta de um certo nível
evolutivo. No início de sua jornada, é razoável admitir
que o Plano Maior se responsabilize pelo estabelecimento
dos recursos materiais apropriados ao ser ainda em estágio embrionário, nascido “simples e ignorante”. Assim
sendo, podemos dizer que a origem de todas as disposições externas durante a existência material do Espírito
está fundamentalmente estabelecida nele mesmo.
Acrescentamos além disso que, mesmo se houver espaço para o livre-arbítrio dentro de certas teses (como
é o caso da astrologia e do darwinismo social ou sociobiologia) esse sofre injustamente com a ação de fatores
externos que não têm nenhuma relação, ainda que indiretamente, com o próprio Espírito. De certa forma,
isso responde a possíveis questionamentos da astrologia
e da genética aplicada ao comportamento quanto a minhas colocações anteriores sobre o livre-arbítrio nos seres
e sua não determinação absoluta (determinismo comportamental fraco) pelos mecanismos externos propostos por
essas teses. Em resumo, para o Espiritismo, o Espírito
é o artífice do seu destino – através da simbiose entre
ação e reação ligadas aos seus atos – enquanto que, para
outras teses não espíritas, o destino é alterado por mecanismos alheios à vontade do ser. Para completar, lembramos que, no caso das religiões cristãs mais antigas, –
seja o Catolicismo ou Protestantismo – a alma é criada
por Deus no instante do nascimento. Como ela não existe
anteriormente a esse evento, todas as suas predisposições
naturais só podem ter origem naquele que as criou. Assim, Deus é o grande responsável por seu destino. Nesse
caso extremado de determinismo comportamental, que
valor pode ter o livre-arbítrio?
A GRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer ao Andrei Melnikov por importantes discussões na conclusão deste texto.
R EFERÊNCIAS
[1] Marcel Blanc. Os herdeiros de Darwin. 1a Ed. pela Editora
Página Aberta (1994).
[2] Leon Denis. O problema do ser, do destino e da dor. Editora
FEB, 16a Ed., Rio de Janeiro (1991).
[3] Allan Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 71a Ed.,
Rio de Janeiro (1991).
Title and Abstract in English
What do genetics and astrology have in common?
Abstract: We make a comparison between the consequences and non scientific extrapolations of genetics and ancient astrology
and analyse their commonalities according to the spiritist point of view by the identification of the underlying causes. Interestingly enough, although both doctrines are distant in time, both share the property of limiting or restricting free will so that
they are both in deep disagreement with the spiritualist view of the human being for which free will is a fundamental property
of that being.
KeyWords: Astrology; genetics; free will; genetic heritage; biological determinism.
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J. Est. Esp. 1, 010305 (2013).
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