229 CÂNCER DAS VIAS BILIARES Dr. Izandro R. Brito Dos Santos No estudo dessas neoplasias costuma-se separar aquelas que acometem os ductos biliares intra e extrahepáticos (colangiocarcinoma) daquelas que atingem a vesícula biliar (câncer da vesícula biliar). O câncer do ducto biliar é um tumor raro, encontrado principalmente em homens de meia-idade. Verifica-se uma grande associação com colangite esclerosante primária (CEP), mas também ocorre com a doença biliar cística, retocolite ulcerativa e infestação hepática crônica por trematódeos. O câncer da vesícula biliar representa a neoplasia mais comum do trato biliar, sendo um distúrbio predominantemente encontrado nas mulheres de idade avançada. Até 80% delas apresentam uma história de cálculos biliares. CÂNCER DOS DUCTOS BILIARES (COLANGIOCARCINOMA) Acometem mais freqüentemente as vias biliares extrahepáticas, sendo que o tumor da confluência dos ductos hepáticos (tumor de Klatskin) é apontado como o mais incidente em algumas séries. Cerca de 98% são adenocarcinomas. Os tumores papilíferos apresentam evolução mais favorável. Não há predominância por sexo FATORES DE RISCO Processos inflamatórios crônicos. Portadores de colangite esclerosante primária (CEP) apresentam risco de 7 a 10 vezes maior que a população controle para desenvolver a doença. Hepatite C relacionada à cirrose (esta relação é menos freqüente que a observada entre hepatite C e hepatocarcinoma) Retocolite ulcerativa, pois se associa a CEP. Infestação parasitária do fígado, comum em países da Ásia (p.ex., Clonorchis sinensis, Opistorchis) Exposição a tabaco, dioxina, nitrosaminas. 230 SINTOMAS Raramente tornam-se sintomáticos até que sejam grandes o suficiente para provocarem obstrução do trato biliar. Icterícia indolor em 90% dos casos Perda ponderal (cerca de 50% dos casos) Náuseas, vômitos, intolerância a alimentos gordurosos Sintomas relacionados à colangite DIAGNÓSTICO POR IMAGEM 1. Ultra-Som: menos oneroso, porém menos sensível. Sugere câncer em 25 a 50% dos casos. Papel mais importante na análise inicial do paciente ictérico. 2. Tomografia Computadorizada: apresenta-se na maioria das vezes como lesão hipoatenuante em relação ao parênquima hepático. Sensibilidade de 70%. 3. Colangiografia Transparietohepática: sensibilidade elevada, porém não tão específica (62%), pois não distingue estenose benigna de maligna. Pode fornecer informações adicionais sobre a anatomia ductal e permitir passagem de “stent”. Imagem de estenose em “rat tail” (cauda de rato) é altamente sugestiva de câncer. Pode ser diagnóstica e terapêutica. Este exame e a colangiografia endoscópica retrógrada (CPRE) são complementares. 4.Ressonância Nuclear (colangiorressonância): Magnética permite Associada informação mais a Colangiografia precisa sobre a extensão tumoral e envolvimento vascular. Define bem nível de obstrução. Não é invasiva. 5. Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER): é um método bastante útil na avaliação dessas lesões. Pode ser diagnóstica e terapêutica, através da colocação de próteses endoscópicas. Permite a realização de citologia esfoliativa e biópsias da via biliar. O inconveniente desse método resulta da impossibilidade do estudo da via biliar à 231 montante obstrução e da injeção de contraste, com risco de contaminação da via biliar, podendo resultar em colangite aguda. ESTADIAMENTO (TNM 2002) TUMOR Tis – “carcinoma in situ” T1 – tumor confinado ao ducto biliar T2 – invade além da parede do ducto T3 – invade o fígado, vesícula biliar, pâncreas, ou ramos da v. porta ou a. hepática T4 – invade tronco portal, a. hepática, colon, estômago, duodeno ou parede abdominal LINFONODOS N0 – ausência de linfonodos comprometidos N1 – linfonodos regionais comprometidos METÁSTASES M0 – ausência de metástases à distância M1 – metástases à distância ESTADIAMENTO POR GRUPOS Estádio 0 Tis N0 M0 Estádio IA T1 N0 M0 Estádio IB T2 N0 M0 Estádio IIA T3 N0 M0 Estádio IIB T1/2/3 N1 M0 Estádio III T4 Qq N M0 Estádio IV Qq T Qq N M1 Estadiamento modificado de Bismuth-Corlette Outro método de estadiamento (preferido pela maioria dos cirurgiões) é aquele proposto por Bismuth-Corlette, considerado por alguns como clinicamente mais relevante. Este sistema foi desenvolvido inicialmente para a classificaçâo das lesões iatrogênicas da via biliar. No entanto, mostrou tão útil na prática clínica que foi incorporado aos tumores da via biliar. Ele classifica os colangiocarcinomas de acordo com a localização e extensão de acometimento dos ductos biliares hilares. 232 Fig. 1. Classificação modificada de Bismuth-Corlette para colangiocarcinomas hilares. Tipo I: acometimento que preserva a confluência Tipo II: acometimento da confluência Tipo IIIa- acometimento da confluência e do canal biliar direito Tipo IIIb- acometimento da confluência e do canal biliar esquerdo Tipo IV- acometimento da confluência e dos dois canais TRATAMENTO A ressecção radical é o único tratamento que oferece chances de cura. Apesar do arsenal de exames de imagem, cerca de 20 a 30% dos pacientes candidatos à ressecção são considerados irressecáveis durante a exploração (sobrevida nesses casos, de 6 meses a 1 ano). A extensão da ressecção depende da localização do tumor, podendo variar de hepatectomias (tumores intrahepáticos) até gastroduodenopancreatectomias (tumores do colédoco distal), sendo fundamental que as margens estejam livres. Apesar de ressecções extensas, a presença de margens positivas pode ser observada em 30 a 50% dos casos. A capacidade de crescimento do tumor ao longo do ducto sob mucosa normal pode tornar difícil definir limites exatos de ressecção. Os tumores de maior ressecabilidade são aqueles da via biliar extrahepática distal. Tumores da junção dos hepáticos ou do ducto hepático comum podem ser irressecáveis (comprometimento da veia porta e artéria hepática). Quando a ressecção da neoplasia for possível, é importante realizar “toalete” ganglionar do hilo hepático para evitar a recidiva ganglionar precoce. A reconstrução biliar preferida é a anastomose hepático-jejunal ou colangio-jejunal 233 em alça longa de Y de Roux. Quando a lesão é considerada inoperável ou o paciente não possui condições clínicas para cirurgia, o tratamento incruento com colocação de próteses autoexpansíveis (realizadas por via endoscópica ou transparietal) oferecem uma boa alternativa para alívio da icterícia e da colangite. Próteses endoscópicas podem ser colocadas de maneira transtumoral para alívio da icterícia, a fim de otimizar as condições clínicas antes de uma cirurgia radical. Quando a lesão é considerada irressecável no intra-operatório, alternativas de derivação biliar como a anastomose hepático-jejunal de Hepp-Coinaud no ducto hepático esquerdo podem oferecer paliação efetiva. Devido aos maus resultados e escassez de órgãos em nosso meio, o transplante ortotópico de fígado não é realizado como conduta de rotina. CÂNCER DA VESÍCULA BILIAR EPIDEMIOLOGIA E PATOGENIA Duas vezes mais comum que o colangiocarcinoma. Alta incidência na América do Sul (Chile com > incidência), Japão e NE da Europa. Duas vezes mais freqüente em mulheres. Incidência aumenta a partir dos 50 anos. Processos inflamatórios crônicos parecem desempenhar papel importante. Entre 50 e 100% dos pacientes têm cálculos. A presença de vesícula em porcelana aumenta muito o risco de aparecimento de neoplasia. 80% são adenocarcinomas. SINTOMAS Também não são específicos de câncer, levando na maioria das vezes a retardo no diagnóstico. Dor no hipocôndrio direito (simulando colelitíase) é o sintoma mais comum. Icterícia quando presente sugere doença avançada. Febre e perda ponderal presentes em 33% dos casos. 234 DIAGNÓSTICO POR IMAGEM 1. Ultra-som e Tomografia: apresentam sensibilidade que varia de 40 a 60% dos casos. A presença de exame ultrassonográfico normal diminui bastante a probabilidade de câncer. No entanto, ultra-som evidenciando alterações não sugestivas de neoplasia não afasta a possibilidade de câncer (cálculos podem mascarar lesão neoplásica). 2. Ressonância Nuclear Magnética: permite informações sobre extensão do tumor e relação com estruturas vizinhas. ESTADIAMENTO (TNM - 2002) TUMOR T1A - invade até lâmina própria T1B - invade camada muscular T2 - invade tecido conectivo perimuscular, não se estendendo além da serosa T3 - perfura serosa ou invade diretamente orgãos vizinhos (fígado, colon, etc) T4 – invade veia porta ou art. hepática ou duas ou mais estruturas adjacentes LINFONODOS N0 – ausência de envolvimento de linfonodos N1 – linfonodos regionais comprometidos METÁSTASES M0 – ausência de metástases à distância M1 – presença de metástases à distância ESTADIAMENTO POR GRUPOS Estádio 0 Tis N0 M0 Estádio IA T1 N0 M0 Estádio IB T2 N0 M0 Estádio IIA T3 N0 M0 Estádio IIB T1/2/3 N1 M0 Estádio III T4 Qq N M0 Estádio IV Qq T Qq N M1 235 Sobrevida em 5 anos conforme estadiamento O estadiamento I é achado em exames anatomopatológicos de vesículas ressecadas por doença benigna. A sobrevida em cinco anos varia de 60 a 100% dos casos. Os pacientes estádio II apresentam sobrevida de 10 a 20% ao passo que, os estádios III e IV, apresentam 5% e 0%, respectivamente, de no mesmo período. (o estádio IV é o mais freqüente). Nevin et al (1976) classificaram o câncer de vesícula biliar em cinco estágios, que servem de orientação à extensão da cirurgia: Para os estágios I e II (acometimento submucoso/transmural) está indicada a colecistectomia simples; Ressecção radical com linfadenectomia e ressecção dos segmentos IV e V do fígado está indicada quando houver acometimento seroso e/ou invasão à distância (estágios III e IV). Estadiamento de Nevin para carcinoma primário de vesícula biliar Estágio I II III IV V Extensão da lesão Apenas mucosa; Acometimento transmural; Mucosa, camada muscular e subserosa; Linfonodo cístico e toda a parede da vesícula Lesão à distância (fígado e orgãos adjacentes) TRATAMENTO Como no colangiocarcinoma, o único tratamento curativo é o cirúrgico. Visto que a maioria apresenta estádio avançado ao diagnóstico, a cirurgia curativa é realizada apenas em casos selecionados. Este fato levou à tentativa de identificar grupos de risco que possam se beneficiar da cirurgia "profilática" (sobretudo depois do advento da cirurgia videolaparoscópica). Estudos retrospectivos mostram que pacientes com determinadas características como: cálculos maiores que 3 cm (são encontrados em 35% dos casos de câncer da vesícula, comparado a 10% de pacientes com doença benigna - aumento do risco relativo em 10 vezes), vesícula em porcelana (câncer presente em 20 a 30% dos casos), pólipos maiores que 1 cm, sobretudo quando sésseis, solitários e ecogênicos ao ultra-som, poderiam se beneficiar de tal procedimento. 236 Extensão da Cirurgia A estratégia de tratamento envolve, a princípio, o reconhecimento de pacientes que não se beneficiarão da ressecção radical. Dois critérios são universalmente aceitos como evidência de irressecabilidade da neoplasia, que são invasão vascular e metástases à distância. É essencial o conhecimento do plexo linfonodal relacionado à vesícula biliar para o planejamento cirúrgico: a vesícula biliar possui numerosos gânglios linfáticos que drenam, em última análise, para o gânglio cístico e linfonodos do ducto cístico; a drenagem venosa segue posteriormente até o parênquima hepático, mais especificamente ao segmento V do fígado. Baseado na anatomia, o planejamento cirúrgico proposto para o carcinoma de vesícula biliar inclui: (1) Apenas colecistectomia; (2) Colecistectomia com linfadenectomia (ressecção em bloco dos linfonodos hilares, linfonodos pancreáticos anterior e posterior mais linfonodos da superfície pancreática); (3) colecistectomia com linfadenectomia radical e ressecção dos segmentos IV e V do fígado; (4) Hepatectomia com linfadenectomia, em pacientes onde o envolvimento hepático é extenso e a remoção da lesão não é possível apenas pela segmentectomia hepática. Após todas as cirurgias de colecistectomia, sejam laparoscópicas ou por via aberta, antes do encerramento do procedimento a vesícula deve ser aberta e sua mucosa examinada pelo cirurgião. Nos casos onde existe suspeita de neoplasia de vesícula biliar, a biópsia de congelação torna-se essencial, pois permite o diagnóstico e a identificação do grau de acometimento da parede do órgão. A conduta a ser seguida dependerá dessas informações. No caso de confirmação do diagnóstico de câncer da vesícula biliar, se a equipe for treinada e dispuser de equipamento necessário, a cirurgia definitiva deverá ser realizado no mesmo tempo operatório. Caso contrário, o procedimento deve ser concluído e o paciente encaminhado a um centro de referência para tratamento definitivo. Nos casos suspeitos, onde a colecistectomia videolaparoscópica foi indicada, são necessárias algumas precauções. Cuidado extra deve ser tomado para que não haja rompimento da vesícula e extravasamento de seu conteúdo, posto que o pneumoperitônio pode ser causa de disseminação peritoneal. A retirada do espécime envolto em saco plástico protegido parece proteger a parede de 237 disseminação local. A conversão para laparotomia pode ser necessária se esses preceitos oncológicos não puderem ser observadas por via laparoscópica. Tratamento Adjuvante e Paliativo no Câncer das Vias Biliares Quimioterapia Não há estudos prospectivos e randomizados com quimioterapia adjuvante em colangiocarcinomas. A monoterapia tem sido usada com drogas como 5-FU, mitomicina C e capecitabina, mas com baixo índice de resposta parcial (cerca de 10%). Radioterapia Estes tumores são claramente radiossensíveis. Tem sido usada a radioterapia pré e pós operatória bem como a intra-operatória mas, sem diferenças claras de sobrevida deste ou daquele método. Derivações Biliares As derivações internas podem ser realizadas em pacientes selecionados para alívio da icterícia e melhora da qualidade de vida. A técnica varia de acordo com a localização do tumor e experiência do cirurgião. A colocação de cateter (“stent”) por endoscopia é uma opção pouco invasiva e eficaz em pacientes portadores de tumores irressecáveis e obstrutivos da via biliar distal, sobretudo quando se prevê uma sobrevida bastante limitada. Problemas como migração ou obstrução da prótese podem ocorrer, sobretudo no médio ou longo prazo. Para tumores de localização mais proximal, as derivações com alça exclusa em “Y de Roux”, aproveitando ductos biliares do lobo hepático direito ou esquerdo são opções mais seguras. As derivações biliares internas realizadas por punção transparietal hepática podem constituir em boa conduta para paliação da icterícia e do prurido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Gores GJ. Cholangiocarcinoma: current concepts and insights. Hepatology. v37(5), p961-9, 2003. 2. Bismuth H, Nakache R, Diamond T. Management strategies in resection for hilar. Cholangiocarcinoma. Ann. Surg., v215, p31-8, 2002. 238 3. Yeed, Sheppard BC, Domreis J, Blanke CD. Cancers of the galbladder and biliary ducts. Oncology, v16(7); p939-46; 2002. 4. Burke EC, Jarnagin WR, Hochwald SN. Hilar cholangiocarcinoma. Patterns of spread, the importance of hepatic resection for curative operation, and a presurgical clinical staging review. Ann. Surg., v228, p385-94, 1998. 5. Shirai Y, Yoshida K, Tsukada K, et al.. Inapparent carcinoma of the galbladder. An appraisal of radical second operation after simple cholecistectomy. Ann. Surg., v215, p326-31, 1992. RESUMO ESQUEMÁTICO DE CONDUTA fcaaaa Admissão de paciente Icterícia Vômitos Intolerância a alimentos gordurosos Perda ponderal Afastar Diagnósticos diferenciais Solicitar: Hemograma TGO, TGP, Gama GT, Fosfatase Alcalina, bilirrubinas; Marcadores tumorais USG abdômen Total TC Abdomen Confirmação Não Sim Duodenoscopia para avaliar papila Reavaliar CPER CTPH CRNM CTPH = COLANGIOGRAFIA TRANSPARIETOHEPÁTICA CPRE = COLANGIOPANCREATOGRAFIA ENDOSCÓPICA RETRÓGRADA CRNM = COLANGIORRESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA Tratamento adequado Cirúrgico Percutâneo Endoscópico