uniões homoafetivas no direito brasileiro: uma discussão à

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS
CURSO DE DIREITO
UNIÕES HOMOAFETIVAS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA
DISCUSSÃO À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
KARIN PETROPULOS NASCIMENTO
Itajaí (SC), novembro de 2008.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS
CURSO DE DIREITO
UNIÕES HOMOAFETIVAS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA
DISCUSSÃO À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
KARIN PETROPULOS NASCIMENTO
Monografia submetida à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito.
Orientador: Professora MSc Maria Fernanda Gugelmin Girardi
Itajaí (SC), novembro de 2008.
AGRADECIMENTOS:
A Deus, que sempre me abençoou com saúde,
tornando possível a realização deste trabalho.
À professora Maria Fernanda que, tão dedicada e
atenciosa me ajudou na orientação desse trabalho.
A todos os meus amigos Arthur, Ana, Camila,
Cynthia e Kath pela amizade maravilhosa que
cultivamos e pelo apoio dado em todos os
momentos.
ESTE TRABALHO DEDICO:
À minha mãe Afrodite, meu exemplo de VIDA, a quem
tudo devo, por sua renúncia, sacrifício, carinho e amor,
aos quais jamais saberei retribuir na mesma intensidade;
Ao meu pai Venícius pelo exemplo de trabalho, caráter e
pela oportunidade da realização deste sonho;
Aos meus irmãos, Alexandre, Clearcus, Marcus e
Guilherme, pela certeza do amor que nos aproxima;
Ao meu namorado Rafael, que mesmo morando longe,
sempre esteve próximo me incentivando com muito
carinho e amor.
Não somos todos iguais, somos diferentes, e
não há na vida nenhuma qualidade tão
universal como a diferença.
(Montaigne)
A busca constante por uma autenticidade
possível, confere dignidade e sentido à nossa
vida.
(Ernest Sarlet)
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC), 18 de novembro de 2008.
Karin Petropulos Nascimento
Graduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Karin Petropulos Nascimento, sob o
título "Uniões homoafetivas no direito brasileiro: uma discussão à luz do princípio
constitucional da dignidade humana", foi submetida em 18 de novembro de 2008 à
banca examinadora composta pelos seguintes professores: Maria Fernanda
Gugelmin Girardi [Orientadora e Presidente da Banca] e Ana Lúcia Pedroni
[Membro] e aprovada com a nota 10 [Dez].
Itajaí (SC), 18 de novembro de 2008.
Prof. MSc. Maria Fernanda Gugelmin Girardi
Orientadora e Presidente da Banca
Prof. MSc. Antônio Augusto Lapa
Coordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias1 que a Autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2.
Casamento
“o casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher, livres, que se unem,
segundo as formalidades legais, para obter auxílio mútuo material e espiritual de
modo que haja uma integração fisicopsíquica, e a constituição de uma família” 3.
Dignidade humana
“A dignidade humana constitui valor fundamental da ordem jurídica para a ordem
constitucional que pretenda se apresentar como Estado democrático de direito. [...] É
valor jurídico fundamental da comunidade. [...] É qualidade integrante e irrenunciável
da condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida.
Não é criada, nem concedida pelo ordenamento jurídico, motivo por que não pode
ser retirada, pois é inerente a cada ser humano” 4.
Dissolução da União Estável
“Pode-se afirmar que a dissolução das uniões de fato, sejam as mesmas sociedades
de fato ou não, opera-se tanto por vontade das partes quanto pela morte de
qualquer dos consortes. A dissolução por ato de vontade pode efetivar-se por mútuo
acordo ou por iniciativa de qualquer dos companheiros, quando não mais houver
1
“Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”;
PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador
do Direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 40.
2
“Conceito Operacional (= cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que
tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. PASOLD, César Luiz. Prática da
pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p. 56.
3
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 195-196.
4
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria d Advogado, 2007. p. 3741.
interesse na continuidade da convivência”.5
Entidade familiar
“[...] se deve entender toda e qualquer espécie de união capaz de servir de
acolhedouro das emoções e das afeições dos seres humanos” 6.
Família
“Família é o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos, e, para efeitos
limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma
economia e sob a mesma direção” 7.
Família Monoparental
“É a Família constituída quando uma pessoa, que pode ser homem ou mulher,
encontra-se sem cônjuge ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças, às
quais a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 referiu-se como
descendentes” 8.
Homossexual
“[...] a sensação de estar apaixonado, de se envolver amorosamente, ou sentir
atração erótica por pessoa de sexo semelhante[...]”9.
Homossexualidade
“[...] comportamento sexual de atração por pessoas do mesmo sexo” 10.
Parceria Civil Registrada
5
LUZ, Valdemar P. da. Manual do advogado. 15 ed. rev. e ampl. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p.
319
6
Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Entidade_familiar> Acesso em 13 de outubro de 2008.
7
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5. 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 12.
8
LEITE, Eduardo de Oliveira. Família Monoparentais. A situação jurídica de pais e mães separados
e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 22.
9
FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p.22.
10
NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual: Proteção Constitucional. Curitiba: Juruá, 2008. p.
111.
É a possibilidade de oficializar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, sendo
que não se confunde nem com o instituto casamento, nem com o da união estável. A
possibilidade de regularizar uma situação de união homossexual já existente tornará
estes relacionamentos mais estáveis, na medida em que serão solucionados
problemas práticos, legais e financeiros 11.
Proposta legislativa
“Proposição provisória de uma lei; projeto de lei” 12.
Sociedade de Fato
“[...] é aquela não constituída juridicamente mas, que, no mundo dos fatos, se
amolda ao conceito do art. 1363 do CCB: ‘Celebram contrato de sociedade as
pessoas, que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para
lograr fins comuns’. Assim, em princípio, sociedade de fato não pressupõe
relacionamento prolongado e estável; pode existir entre parceiros antes de se falar
em entidade familiar e independentemente dela. Sem família, a sociedade de fato é
questão obrigacional” 13.
União estável
“É a relação lícita entre um homem e uma mulher em constituição de família,
chamados os participes desta relação de companheiros”.14
União homoafetiva
“Entidade composta por duas pessoas do mesmo sexo, com vistas à convivência,
em conformidade de esforços e pensamentos, que interagem com seus sentimentos
11
12
DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: O preconceito & a justiça. 2. ed. ver. Atual. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 292-293.
JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas
Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 17.
à
luz
dos
Princípios
13
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. 2ª ed., 3ª tir. Curitiba: Juruá,
2003. p. 131.
14
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de familia. 38 ed. re. e atual. v
2. São Paulo. Saraiva, 2007.p 30.
e emoções [...]” 15.
Sexualidade
“[...] é uma experiência individual regida por diferentes desejos e condutas que a
tornam um processo absolutamente pessoal e natural. A forma como cada indivíduo
se percebe como um ser sexual, é intrínseca à sua natureza e não pode ser
modificada por fatores externos como a moral, a religião e a imposição de papéis
sexuais [...] 16.
15
16
JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas
Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 18.
à
luz
dos
Princípios
Disponível em < http://www.museudosexo.com.br/5_home.asp> Acesso em 13 de outubro de 2008.
SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................. XIV
INTRODUÇÃO .........................................................................................1
CAPÍTULO 1 ............................................................................................4
FAMÍLIA E HOMOSSEXUALIDADE: PANORAMA HISTÓRICO ...........4
1.1 DA FAMÍLIA .......................................................................................................... 4
1.1.1 Origem e Evolução na Visão de Friedrich Engels ....................................... 4
1.1.2 Conceito de Família no Direito Romano e Grego Antigos .......................... 8
1.1.3 Conceituação e Finalidades Atuais da Instituição Familiar...................... 11
1.1.4 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e as Espécies
de Família................................................................................................................. 14
1.2 DA HOMOSSEXUALIDADE ............................................................................... 18
1.2.1 Homossexualidade na Antigüidade Clássica ............................................. 18
1.2.2 Conceituação Atual de Homossexualidade ................................................. 23
1.2.3 Causas da Homossexualidade...................................................................... 24
CAPÍTULO 2 ..........................................................................................29
UNIÃO ESTÁVEL E HOMOSSEXUALIDADE: PANORAMA JURÍDICO
ATUAL....................................................................................................29
2.1 DA UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO BRASILEIRO ............................................ 29
2.1.1 Conceituação.................................................................................................. 29
2.1.2 Pressupostos Básicos para a Caracterização da União Estável ............... 32
2.1.3 Efeitos Jurídicos Sociais, Pessoais e Patrimoniais da União Estável....... 35
2.1.4 Dissolução da União Estável......................................................................... 38
2.2 UNIÕES HOMOAFETIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO............. 41
2.2.1 Aproximação entre União Estável e União Homoafetiva ............................ 41
2.2.2 Ação de Dissolução de Sociedade de Fato.................................................. 45
2.2.3 Direitos Sucessórios...................................................................................... 46
2.2.4 Direitos Previdenciários ................................................................................ 48
CAPÍTULO 3 ..........................................................................................50
PRINCÍPIO
DA
DIGINIDADE
DA
PESSOA
HUMANA
E
HOMOSSEXUALIDADE: PERSPECTIVAS JURÍDICAS ......................50
3.1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.................................. 50
3.2 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA APLICADO AO ART.
226 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988... 56
3.3 DO PROJETO DE LEI N° 1151 DE 1995 ........................................................... 62
3.3.1 Histórico de sua Tramitação nas Casas Legislativas Pátrias .................... 67
3.4 HOMOSSEXUALIDADE NO DIREITO ESTRANGEIRO: BREVE INCURSÃO.. 70
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................77
RESUMO
O tema proposto no presente trabalho monográfico tem como objeto o estudo sobre
os problemas atinentes à união homossexual, quanto ao reconhecimento dos seus
relacionamentos, à luz do princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana.
O tema em questão é controverso, mas pelo simples fato de existirem tais uniões
homoaetivas em nossa sociedade, possui o assunto relevância, não podendo ser
deixado sem uma solução jurídica. Verifica-se a perspectiva de recepção das uniões
homoafetivas pelo ordenamento jurídico brasileiro, com base na legislação, doutrina
e, principalmente, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Descreve a
obtenção de dados históricos sobre a instituição familiar e, paralelamente, sobre a
homossexualidade, segundo a legislação e doutrina brasileira; delinear o instituto da
união estável no vigente Direito Positivo Brasileiro com o fito de verificar sua
aproximação às uniões homoafetivas; verificar, como base no Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana, o teor e a tramitação do Projeto de Lei n°. 1151/95, que visa ao
reconhecimento das uniões homoafetivas no Brasil. Para atingir seus objetivos,
aborda-se a evolução e ainda as modificações mais recentes relativas à família.
Procura-se evidenciar os mais variados aspectos das questões relativas à
homossexualidade e a dificuldade em identificar as uniões homossexuais como
entidades familiares. Por fim, com base na afetividade existente nas uniões de
pessoas do mesmo sexo, procura-se evidenciar, através da legislação e doutrina, o
princípio da dignidade da pessoa humana. A Metodologia aplicada foi o método
indutivo.
1
INTRODUÇÃO
A
presente
Monografia
tem
como
objeto
as
uniões
homoafetivas no direito brasileiro: uma discussão à luz do princípio constitucional da
dignidade humana
O objetivo institucional é o de produzir a presente Monografia
para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do
Itajaí.
O objetivo geral é verificar a perspectiva de recepção das
uniões homoafetivas pelo ordenamento jurídico brasileiro, com base na legislação,
doutrina e, principalmente, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Os objetivos específicos são: - Obter dados históricos sobre a
instituição familiar e, paralelamente, sobre a homossexualidade, segundo a
legislação e doutrina brasileira; - Delinear o instituto da união estável no vigente
Direito Positivo Brasileiro com o fito de verificar sua aproximação às uniões
homoafetivas; - Verificar, como base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana,
o teor e a tramitação do Projeto de Lei n°. 1151/95, que visa ao reconhecimento das
uniões homoafetivas no Brasil.
Quanto à Metodologia17 empregada, registra-se que nas fases
de Investigação e do Relatório dos Resultados, foi utilizado o Método Indutivo18,
acionadas as Técnicas do Referente19, da Categoria20, do Conceito Operacional21 e
17
“Na categoria metodologia estão implícitas duas categorias diferentes entre si: método de
investigação e técnica”. Conforme PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica-idéias e
ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002, p. 87
(destaque no original).
18
Referido método se consubstancia em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e
colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.” In: PASOLD, César Luiz. Prática
da Pesquisa Jurídica-idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 104.
19
“REFERENTE é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance
temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” In:
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o
pesquisador do direito, p. 62.
20
“Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” In:
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o
2
da Pesquisa Bibliográfica.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da Família,
fazendo uma análise histórica, como a sua origem e evolução, a sua conceituação
no Direito Romano e Grego antigos, a conceituação e a finalidade atual da entidade
familiar,
e
as
espécies
de
famílias
constitucionalizadas.
Tratar-se-á
da
homossexualidade antiga e atual, bem como suas causas.
No Capítulo 2, tratar-se-á da União Estável, sua conceituação,
os seus pressupostos para caracterização, os efeitos jurídicos e a sua dissolução.
Segue-se o estudo sobre a aproximação da união estável e união homoafetiva, a
dissolução da sociedade de fato, direitos sucessórios e previdenciários nas uniões
homossexuais.
No Capítulo 3, abordar-se-á o princípio constitucional da
Dignidade da Pessoa Humana e a sua aplicação no artigo 226 da Constituição
Federal de 1988. E a descrição breve do Projeto Lei nº 1.151 de 1995 e da
homossexualidade no direito estrangeiro.
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
Com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 226, duas espécies
de família foram, expressamente, acolhidas ao lado da
consagrada família matrimonial, que são: a família oriunda da
união estável e a família monoparental.
Assim, naquela
oportunidade, as uniões homoafetivas não receberam amparo
no ordenamento jurídico pátrio.
O instituto da união estável é apontado, dentre outros
caracteres,
pela
sua
informalidade,
notoriedade
ou
pesquisador do direito, p. 31.
21
“Conceito operacional (=cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo
de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos” In: PASOLD, Cesar
Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56.
3
publicidade, estabilidade, afetividade e intenção concretizada
de
formar
família.
Tais
caracteres
começam
a
ser
identificados, também, nas uniões homoafetivas.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana comporta
muitas discussões sobre a possibilidade de positivação das
uniões homoafetivas no Brasil. Neste sentido, dentre alguns
projetos de lei que foram elaborados com base neste princípio,
destaca-se o Projeto n°. 1151/95, pelo seu conteúdo e
peculiaridades da tramitação. Neste, as uniões homoafetivas
passam a ser chamadas de parceria civil registrada,
implicando em novo estado civil e mudança de nome. Há,
também, previsão quanto aos efeitos jurídicos pessoais e
dissolução.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
e a demonstração das hipóteses da pesquisas se restaram ou não confirmadas.
Devido ao elevado número de categorias fundamentais à
compreensão deste trabalho monográfico, optou-se por listá-las em rol próprio,
contendo seus respectivos conceitos operacionais.
CAPÍTULO 1
FAMÍLIA E HOMOSSEXUALIDADE: PANORAMA HISTÓRICO
1.1 DA FAMÍLIA:
1.1.1 Origem e Evolução na Visão de Friedrich Engels
Inicialmente, é importante destacar a origem e evolução da
família. Engels 22, baseado nos estudos de Morgan sobre iroqueses, afirma que:
[...] encontrou um sistema de consanguinidade, vigente entre eles,
que entrava em contradição com seus reais vínculos de família.
Reinava ali aquela espécie de matrimônio facilmente dissolúvel por
ambas as partes, que Morgan chamava de “família sindiásmica”.
Sobre a descendência, explica Engels23, que “A descendência
de semelhante casal era patente e reconhecida por todos; nenhuma dúvida podia
surgir quanto às pessoas a quem se aplicavam os nomes de pai, mãe, filho, filha,
irmão ou irmã”.
Para Morgan apud Engels24:
A família, é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas
passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a
sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado.
Os sistemas de parentesco, elo contrário, são passivos só depois de
longos intervalos, registram os progressos feitos pela família, e não
sofrem uma modificação radical senão quando a família já se
modificou radicalmente.
Morgan apud Engels25, explica “que existiu uma época
22
ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. 17.ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 28.
23
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 28.
24
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 30.
25
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 31.
5
primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo
que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as
mulheres”.
Nos estágios pré-históricos de cultura, proporcionalmente, há
três formações de família, que originaram do estado de promiscuidade.
O primeiro estágio da família é a consangüínea, segundo
Engels26:
Nela, os grupos conjugais classificam-se por gerações: todos os
avôs e avós, nos limites da família, são maridos e mulheres entre si:
o mesmo sucede com seus filhos, quer dizer, com os pais e mães;
os filhos destes, por sua vez, constituem o terceiro círculo de
cônjuges comuns; e seus filhos, isto é, os bisnetos dos primeiros, o
quarto círculo. Nessa forma de família, os ascendentes e
descendentes, os pais e filhos, são os únicos que, reciprocamente,
estão excluídos dos direitos e deveres (poderíamos dizer) do
matrimônio. Irmãos e irmãs, primos e primas, em primeiro, segundo
e restantes graus, são todos, entre si, irmãos e irmãs, e por isso
mesmo maridos e mulheres uns dos outros. O vínculo de irmão e
irmã pressupõe, por si, nesse período, a relação carnal mútua.
O segundo estágio, que corresponde a um progresso, é da
família punaluana. Engels27 aduz “Se o primeiro progresso na organização da família
consistiu em excluir os pais e filhos das relações sexuais recíprocas, o segundo foi a
exclusão dos irmãos. Esse progresso foi infinitamente mais importante que o
primeiro e, também, mais difícil, dada a maior igualdade nas idades dos
participantes.”
Engels28 ainda acrescenta:
Esses maridos, por sua parte, não se chamavam entre si irmãos,
pois já não tinham necessidade de sê-lo, mas "punalua", quer dizer,
companheiro íntimo, como quem diz "associé". De igual modo, uma
série de irmãos uterinos ou mais afastados tinham em casamento
26
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 37-38.
27
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 39.
28
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 40-41.
6
comum certo número de mulheres, com exclusão de suas próprias
irmãs, e essas mulheres chamavam-se entre si "punalua". Este é o
tipo clássico de uma formação de família (Familien-formation) que
sofreu, mais tarde, uma série de variações, e cujo traço
característico essencial era a comunidade recíproca de maridos e
mulheres no seio de um determinado círculo familiar, do qual foram
excluídos, todavia, no princípio, os irmãos carnais e, mais tarde,
também os irmãos mais afastados das mulheres, ocorrendo o
mesmo com as irmãs dos maridos.
É a partir desse estágio de família que são instituídas as
gens, ou seja, um “círculo fechado de parentes consangüíneos por linha feminina,
que não se podem casar uns com os outros”, como explica Engels29, e assim
estabelecendo os graus de parentesco e de superior desenvolvimento.
Assim esclarece Engels30, com as proibições em relação ao
casamento, que mudam e que estão cada vez mais difíceis as uniões por grupos e
“[...] que, em geral, continua existindo, encontram-se, pois, relações exclusivistas,
uniões por casais, a prazo mais ou menos longo, e também a poligamia; de maneira
que também aqui o matrimônio por grupos vai se extinguindo [...]”.
Na terceira fase da formação de família, está à família
sindiásmica e, segundo Engels31:
Neste estágio, um homem vive com uma mulher, mas de maneira tal
que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser um
direito dos homens, embora a poligamia seja raramente observada,
por causas econômicas; ao mesmo tempo, exige-se a mais rigorosa
fidelidade das mulheres, enquanto dure a vida em comum, sendo o
adultério destas cruelmente castigado. O vínculo conjugal, todavia,
dissolve-se com facilidade por uma ou por outra parte, e depois,
como antes, os filhos pertencem exclusivamente à mãe.
Nessa fase houve uma redução do círculo de relações
sexuais, já que havia uma exclusão grande dos parentes próximos, e ressalta o
29
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 44.
30
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 47-48.
31
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 49.
7
autor Engels32 “[...] nas anteriores formas de família os homens nunca passavam por
dificuldades para encontrar mulheres, e tinham até mais do que precisavam, agora
as mulheres escasseavam e era necessário procurá-las. Por isso começam, com o
matrimônio sindiásmico, o rapto e a compra de mulheres [...]”.
De acordo com Engels33, a família sindiásmica é a fase
evolutiva que tornará possível o desenvolvimento da Família Monogâmica:
A família sindiásmica aparece no limite entre o estado selvagem e a
barbárie, no mais das vezes durante a fase superior do primeiro,
apenas em certos lugares durante a fase inferior da segunda. É a
forma de família característica da barbárie, como o matrimônio por
grupos é a do estado selvagem e a monogamia é a da civilização.
Para que a família sindiásmica evoluísse até chegar a uma
monogamia estável, foram necessárias causas diversas daquelas
cuja ação temos estudado até agora. Na família sindiásmica já o
grupo havia ficado reduzido à sua última unidade, à sua molécula
biatômica: um homem e uma mulher. A seleção natural realizara sua
obra, reduzindo cada vez mais a comunidade dos matrimônios; nada
mais havia a fazer nesse sentido. Portanto, se não tivessem entrado
em jogo novas forças impulsionadoras de ordem social, não teria
havido qualquer razão para que da família sindiásmica surgisse
outra forma de família.
A
família
monogâmica
fundamenta-se
no
predomínio
patriarcal, tem como finalidade procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível e,
exigir essa paternidade porque os filhos, na condição de herdeiros diretos, serão
partes na posse dos bens de seu pai, conforme Engels34.
Ressalta ainda Engels35, que na família monogâmica há uma
durabilidade e uma solidez muito forte no matrimônio, como regra, somente o
homem pode romper e repudiar sua mulher, modificando-a do matrimônio
sindiásmico, onde qualquer das partes poderia romper o casamento. Que ao homem
“igualmente, se concede o direito á infidelidade conjugal, sancionado ao menos pelo
costume [...]. Quando a mulher, por acaso, recorda as antigas práticas sexuais e
32
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 49-50.
33
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 55-56.
34
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 56.
35
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 66.
8
intenta renová-las, é castigada mais rigorosamente do que em qualquer outra época
anterior”.
Neste sentido assinala Engels36:
Quanto à mulher legítima, exige-se dela que tolere tudo isso e, por
sua vez, guarde uma castidade e uma fidelidade conjugal rigorosas
[...]. A existência da escravidão junto á monogamia, a presença de
jovens e belas cativas que pertencem, de corpo e alma, ao homem,
é o que imprime desde a origem um caráter específico á monogamia
que é monogamia só para a mulher, e não para o homem.
Engels37 afirma que a primeira separação do trabalho é a feita
entre o homem e a mulher para procriar os filhos. Também é onde apareceu a
primeira opressão de classes, juntamente com a opressão do sexo feminino pelo
masculino. A monogamia foi um grande progresso, mas, ao mesmo tempo deu início
a escravidão e as riquezas privadas, na qual o crescimento de uns se verifica no
sofrimento e na repressão de outros.
A monogamia, portanto, de modo algum é fruto do amor
sexual individual e não se baseia em condições naturais, mas econômicas, isto é, o
triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva, na visão de
Engels38.
Fica aqui demonstrado, com base nos estudos de Morgan
sobre os iroqueses, o estágio evolutivo e a caracterização dos sistemas de
parentesco e das formas de matrimônio que levaram à formação da família,
descrevendo as suas fases, bem como os modelos criados ao longo do processo de
desenvolvimento humano.
1.1.2 Conceito de Família no Direito Romano e Grego Antigos
A família romana tinha como modelo o patriarca, onde o
36
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 67.
37
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 70-71.
38
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 70.
9
ascendente mais velho e vivo, tinha autoridade sob os descendentes.
Para Cretella Júnior39,
Família é vocábulo que, em Roma, além de outros sentidos,
significa: 1º) conjunto de pessoas colocadas sob o poder de um
chefe – o paterfamilias ( Obs.- pater, nesta expressão, não quer
dizer pai, mas chefe, efetivo ou em potencial. Um impúbere e um
celibatário podem ser patres) e 2º) o patrimônio do paterfamilias.
Em relação à família romana, complementa Cretella Júnior40
“[...] é de base patriarcal, tudo gira em torno de um paterfamilias, ao qual,
sucessivamente, se vão subordinando os descendentes até a morte do chefe”.
Em Roma, a patria potestas não se extingue pelo casamento
dos filhos que, tenham a idade que tiverem, sejam casados ou não, continuam a
pertencer à família do chefe, por isso o grande número de membros da família
romana, aduz Cretella Júnior41.
As pessoas que eram ligadas pelo vínculo famílias tinham
parentesco entre si, e, no Direito Romano existia duas espécies de parentesco.
Assim expõe Venosa42:
O agnatício (agnatio = agnação) e o cognatício (cognatio =
cognação). O parentesco agnatício é o que se transmite apenas
pelos homens; o cognatício é o que se propaga pelo sangue e, em
consequência, tanto por via masculina, quanto por via feminina.
Já na Grécia, conforme Coulanges43, “O que unia os membros
da família antiga era algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força
física: e esse poder se encontra na religião do lar e dos antepassados. A religião fez
com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida.”
39
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Romano Moderno: introdução ao direito civil brasileiro. 12. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 74.
40
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Romano Moderno: introdução ao direito civil brasileiro. p. 74.
41
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Romano Moderno: introdução ao direito civil brasileiro. p. 74.
42
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 145.
43
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 45.
10
Para Coulanges44, a família antiga seria:
Uma associação religiosa, mais que associação natural. [...] a
mulher só será de fato levada em conta quando a cerimônia sagrada
do casamento a tiver iniciado no culto; que o filho deixa de fazer
parte da família quando renuncia ao culto ou quando se emancipa; o
filho adotado, ao contrário, se torna verdadeiro filho para a família,
quando, embora não tenha laços de sangue, passa a ter na
comunhão do culto dessa família não fará jus à sucessão; enfim,
como o parentesco e o direito à herança são regulamentados não
pelo nascimento, mas de acordo com os direitos de participação no
culto, conforme o estabeleceu a religião.
Nesse sentido, aduz Coulanges45 que “O arcabouço da família
não era tampouco o afeto natural [...]. Poderia ele existir no íntimo dos corações,
mas para o direito não representava nada. O pai podia amar sua filha, mas não lhe
podia legar os seus bens”.
Coulanges46 apresenta sua concepção acerca da continuidade
da família:
A religião, ao formar a família, exige-lhe imperiosamente a sua
continuidade. Família desaparecida é culto morto. Temos de
considerar essas famílias no contexto histórico em que as crenças
não haviam se alterado. Cada família possui uma religião e seus
deuses, valioso repositório pelo qual deve olhar. A maior desgraça
temida por sua piedade seria a interrupção de sua linhagem. Com
isso, sua religião desaparecia da terra, seu lar extinguir-se-ia e toda
a sua seqüência de ancestrais cairia no esquecimento e na miséria
eterna. O grande interesse da vida humana está em continuar a
descendência para com esta se continuar o culto.
Em relação ao casamento, que era obrigatório e sua finalidade
era de gerar filhos para continuar a família, esclarece Coulanges47 que:
O casamento era pois obrigatório. Não tinha por fim o prazer; o seu
objeto principal não estava na união de dois seres afinizados e
querendo partilhar a felicidade e as agruras da vida. O fim do
44
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. p. 45-46.
45
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. p. 45.
46
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. p. 54.
47
COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. p. 55.
11
casamento, para a religião e para as leis, estaria na união de dois
seres no mesmo culto doméstico, fazendo deles nascer um terceiro,
apto a continuar esse culto.
Apresentada a evolução e a origem da família, passa-se agora
ao estudo da conceituação e das finalidades da família atual.
1.1.3 Conceituação e Finalidades Atuais da Instituição Familiar
Para Diniz48 “família é o grupo fechado de pessoas, composto
dos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela
convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção”.
Netto Lobo49, diz que “A família é um grupo social fundado
essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família
patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e
políticas”.
“O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da
juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de
projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo”, para
Dias50.
Diz Wambier apud Dias51, “que a “cara” da família moderna
mudou. O seu principal papel é de suporte emocional do indivíduo, em que há
flexibilidade e, indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laços
afetivos”.
Nesse mesmo entendimento, complementa Dias52:
48
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5. 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 12.
49
LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: pra além do numerus
clausus. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 96.
50
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006. p.38
51
Tereza Wambier (apud Maria Berenicei Das), Manual de direito das famílias. p. 38.
52
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 39.
12
Faz–se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os
mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação
do elemento que permitia enlaçar no conceito de entidade familiar
todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade,
independentemente de sua conformação.
Albuquerque53 diz que “O novo modelo de família funda-se
sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do
eudemonismo54, impingindo a nova roupagem axiológica do direito de família”.
Complementa Estrougo55 “Agora, a tônica reside no indivíduo,
e não mais os bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição
foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o
desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e
formação da própria sociedade”.
No
dizer
de
Gama56,
“as
relações
familiares
são
funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe, e tornou-se necessário
identificar como família também as relações que se constituem sem o selo do
casamento. [...] Está ocorrendo uma verdadeira democratização dos sentimentos, na
qual o respeito mútuo e a liberdade individual vêm sendo preservados.” Pois é na a
família que se encontra o apoio e o reforço para a realização pessoal, sentimental e
educacional dos seus membros.
Nogueira57 apresenta sua concepção acerca da família:
Nova estrutura jurídica se forma em torno do conceito da família
sócio-afetiva, à qual alguns autores identificam como “família
sociológica”, onde se identificam, sobretudo, os laços afetivos,
53
ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Poder familiar nas famílias recompostas. Belo Horizonte: Del
Rey, 2004. p. 162
54
Eudemonismo: 1. Doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da
conduta humana moral, i. e., que são moralmente boas as condutas que levam à felicidade. In:
NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO - SÉCULO XXI. Autoria: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira
55
ESTROUGO, Mônica Guazelli. O princípio da igualdade aplicado à família. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2004. p. 331.
56
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de família e o novo Código Civil. 3. ed. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003.
57
NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como
valor jurídico. São Paulo: Memória jurídica, 2001. p. 5.
13
solidariedade entre os membros que a compõe, família em que os
pais assumem integralmente a educação e a proteção de uma
criança, que independe de algum vínculo jurídico ou biológico entre
eles.
Oliveira58 aduz que:
A família se relaciona e interage com a sociedade, atendendo-a em
suas principais necessidades estas identificadas como de ordem
sexual, reprodutiva, educacional, social, econômica, política,
espiritual e psicológica, abrangendo, assim todas as esferas da vida
do indivíduo na organização social.
A instituição familiar atual realiza funções relevantes, lançando
valores fundamentais para gerações novas, assim escreve o mesmo autor acima
citado:
A primeira função garante à família a transmissão de normas, papéis
e valores aos filhos, permitindo a estes sua integração numa
sociedade baseada sobre a realização pessoal. A segunda permite
aos adultos encontrar, na família e no casamento, seu equilíbrio
emocional.59
“A família adquiriu função instrumental para melhorar a
realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes”, na visão de
Gama60.
Para Lima61 não há nenhuma dúvida de que:
a família na sociedade destaca-se para o homem como o seu mais
importante elo de ligação no relacionamento social, pois é no seio
dela que ele surge, recebe a proteção indispensável para a
continuidade da vida e se prepara para os embates que o futuro lhe
reserva em termos de subsistência, evolução pessoal e material que
a humanidade busca sem cessar, como fator de seu
desenvolvimento e progresso contínuo
58
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2002.
59
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 267.
60
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 101.
61
LIMA, Alceu Amoroso. A família no mundo moderno. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1960. p. 26
14
Conforme
entende
Venosa62:
“a
família
perde
sua
característica de unidade de produção, e sua função relevante passa a ser no
âmbito espiritual. A família fica responsável pelo ensinamento de valores morais,
afetivos, espirituais e da assistência recíproca entre seus membros.”
Na expressão de Villela63, “a teoria e a prática das instituições
de família dependem, em última análise, da competência em dar e receber amor. A
família continua mais empenhada que nunca em ser feliz. A manutenção da família
visa, sobretudo, buscar a felicidade. Não é mais obrigatório manter a família - ela só
sobrevive quando vale a pena.”
Conclui Oliveira64:
[...] a família, atualmente, possui a função de garantir plena
realização pessoal dos seus membros. É ambiente onde as pessoas
encontram condições favoráveis ao desenvolvimento de suas
aptidões, livres da ingerência do mundo exterior.
Fica aqui evidente que a família é o núcleo fundamental da
sociedade, pois nela está toda a base para uma organização familiar, nela há a
proteção, o apoio moral, social, psicológico, entre outros. Mas ainda falta adequação
no conceito de família, para as relações que envolvam pessoas do mesmo sexo.
1.1.4 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e as Espécies
de Família
A Constituição Federal fez transformações e abriu novas
perspectivas para a sociedade e para o instituto da família. Viu-se a necessidade de
caracterizar e reconhecer a existência de outras entidades familiares.
Estabelece o artigo 226 da Constituição Federal de 1988, in
verbis:
62
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 3ª ed. vol.6. São Paulo: Atlas, 2003. p.
18.
63
VILLELA, João Baptista. A família em desordem. Anais da XV Conferência Nacional da OAB, Foz
do Iguaçu, set. 1994.
64
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 270.
15
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo
a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
[...]
O casamento, então, não serve mais para explicar a formação
de uma nova família, já que essa era a única forma admitida, até a introdução da
atual Constituição, por princípios constitucionais que a alteram.
Oliveira65
assevera
que
o
tratamento
diferenciado
e
preconceituoso que existia entre os cônjuges no casamento evoluiu:
A partir da Constituição de 1988, a igualdade de tratamento de
“todos” perante a lei passa a ser um direito (art. 5º, caput e inciso I,
CF66), sendo que todos os anteriores textos constitucionais eram
uníssonos em ditar a igualdade perante a lei, sem enunciá-la como
um dos direitos fundamentais.
Ligando no conceito de família, além do casamento, foram
reconhecidas mais duas espécies: a união estável e a família monoparental.
A união estável para Diniz67, “não se estabelece por um ato
único, forma-se com o tempo, [...] rompe-se com a morte de um deles, abandono ou
simples ruptura do convívio”.
Para a configuração da união estável é necessário a presença
65
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. P. 93
66
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...].
67
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 337.
16
dos seguintes elementos: 1) diversidade de sexo; 2) ausência de matrimônio civil
válido e de impedimentos matrimonial entre os conviventes; 3) notoriedade de
afeições recíprocas; 4) honorabilidade e 5) fidelidade ou lealdade entre os amantes,
conforme Diniz68.
Explica Leite69, que a família é considerada monoparental,
“quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou
companheiro, e vive com uma ou várias crianças”.
Podem desencadear famílias monoparentais: “Aquela que,
pela liberdade em se pôr fim a relacionamentos conjugais ou estáveis, havendo a
existência de prole, pode-se chegar a uma família monoparental”, explica Oliveira70.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), em
seu artigo 4271, permite a adoção por apenas uma pessoa, não podendo olvidar que
seja maior de vinte e um anos de idade (18 anos para o Código Civil) e que tenha
mais de dezesseis anos de idade em relação ao adotando (art. 42, § 3º da referida
lei72), conforme afirma Leite73. Podendo então uma pessoa por opção própria adotar
uma criança ou adolescente como seu filho, constituindo uma família monoparental.
Aduz Oliveira74 que “a família monoparental, [...] pode ter como
origens separações judiciais, divórcios, viuvez, extinções de uniões estáveis ou pura
ideologia e convicção dos interessados”.
Cabe ressaltar mais algumas modificações previstas na
Constituição Federal de 1988. No dizer de Dias75 “A supremacia da dignidade da
68
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 336 – 342.
69
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães
solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: RT, 1997.
p. 22.
70
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 216.
71
Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil.
72
Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. § 3º O
adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.
73
LEITE, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 1998. p. 61.
74
OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 218.
75
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 37
17
pessoa humana está lastreada no princípio da igualdade e da liberdade [...]. Houve o
resgate do ser humano como sujeito de direito”.
Também sobre o planejamento familiar, de acordo com Diniz76:
[...] o fez fundado nos princípios da dignidade humana e da
paternidade responsável, competindo ao Estado propiciar recursos
educacionais e científicos para o exercício desse direito. Levou,
portanto,
em
consideração
o
crescimento
populacional
desordenado, entendendo, todavia, que cabe à decisão livre do
casal a escolha dos critérios e dos modos de agir, vedada qualquer
forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou particulares.
No tocante à assistência à família, aduz Diniz77:
[...] incumbe a todos os órgãos, instituições e categorias sociais
conscientes envidar esforços e empenhar recursos na sua
efetivação.
Essas espécies de família são exemplificativas, merecendo
referência expressa, por serem mais comuns. Mas não cabe excluir os
relacionamentos de pessoas do mesmo sexo. Em relação à união homoafetiva,
destaca Dias78:
Que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto a ponto de
merecerem a denominação de uniões homoafetivas. [...] vem
permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e
marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a
sociedade à aceitação de todas as formas que as pessoas
encontram para buscar a felicidade.
Complementa Dias (2006, p. 43):
[...] a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade
somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda
que em nada se diferencie a convivência homossexual da união
estável heterossexual. A nenhuma espécie de vínculo que tenha por
base o afeto pode-se deixar de conferir status de família,
merecedora de proteção do estado, pois a Constituição consagra,
76
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 37.
77
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p.37.
78
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p.37-38.
18
em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.
No dizer de Dias79, as famílias são formadas pelo vínculo
afetivo, que estreita a ligação das pessoas com projetos de vida em comum,
gerando envolvimento e o comprometimento mútuo, e não pela realização do
casamento, nem pela diferença do sexo do parceiro. Jurisprudências estão extraindo
conseqüências jurídicas dessas relações, e as tendências jurisprudenciais nomeiam
tais vínculos como sociedade de fato. Novas posturas estão começando a surgir,
reconhecendo as uniões homoafetivas como entidades familiares.
Tem-se claro que a legislação brasileira necessita se moldar
às mudanças sociais, visto que existe uma ampliação da definição de família que,
além da relação advinda do matrimônio, passou a albergar tanto a união estável
entre um homem e uma mulher, o vínculo dos pais com seus filhos, e não se pode
deixar de mencionar, que acontecem a união estável entre pessoas do mesmo sexo,
além de outras possibilidades de cominações familiares sobrevindas das relações
familiares atuais.
1.2 DA HOMOSSEXUALIDADE:
1.2.1 Homossexualidade na Antigüidade Clássica:
A homossexualidade era livre na Grécia Antiga e fazia parte
dos ritos mantidos por mestres e pupilos em busca da sabedoria. Eles tinham toda
uma maneira de atenção ao corpo, uma dietética voltada para a gestão da saúde, e
eram considerados intelectuais, símbolos da estética corporal e da ética de
comportamento, um cuidado de si que influía nas práticas sexuais. Os gregos não
tinham instituições para fazer respeitar as interdições sexuais, na Igreja que surge
fundamentada, no século IV, pelo filósofo Santo Agostinho80.
Platão apud Foucault81 se mostra inverso à sujeição do homem
79
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 38.
80
Disponível em <http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_3014.html> Acesso em 14 de abril
de 2008.
81
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Tradução de Maria Thereza
da Costa Albuquerque; revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerqre. 8. ed. Rio de
Janeiro: Edições Graal, 1998.
19
ao domínio de Eros (prazer). “Quando Platão faz o perfil do homem tirânico, isto é,
aquele que deixa “que o tirano Eros se entronize em sua alma e governe todos os
seus movimentos”, ele o mostra sob dois aspectos equivalentes, onde se marcam da
mesma maneira o desprezo pelas obrigações mais essenciais, e a sujeição ao
domínio geral do prazer [...]”.
Os homens gregos escolhiam sem nenhum impedimento,
entre ambos os sexos, como expõe Foucault82:
Bissexualidade dos gregos? Se quisermos dizer com isso que um
grego podia, simultânea ou alternadamente, amar um rapaz ou uma
moça, que um homem casado podia ter seus paidika, que era
corrente após inclinações “para rapazes” na juventude, voltar-se de
preferência para as mulheres, então, pode-se muito bem dizer que
eles eram “bissexuais”
E ainda ressalta:
Podemos falar de sua “bissexualidade ao pensarmos na livre
escolha que eles se davam entre os dois sexos, mas essa
possibilidade não era referida por eles a uma estrutura dupla,
ambivalente e “bissexual” do desejo. A seus olhos, [...] era
unicamente o apetite que a natureza tinha implantado no coração do
homem para aqueles que são “belos”, qualquer que seja o seu sexo.
A homossexualidade era admitida pela lei e pela opinião,
existindo grande tolerância na sociedade em relação a essa preferência. Achava-se
que o homem não precisava de outra natureza para isso. Assim resume Foucault83:
“Amar os rapazes era uma prática “livre”, no sentido de que era não somente
permitida pelas leis (salvo em circunstâncias particulares), como também admitida
pela opinião [...] encontrava sólidos suportes em diferentes instituições [...]”.
E acrescenta Foucault84, “[...] temos tendência hoje em dia a
pensar que as práticas de prazer, quando ocorrem entre dois parceiros do mesmo
sexo, implicam um desejo cuja estrutura é particular; mas sustentamos [...] que isso
não constitui uma razão para submetê-la a uma moral ou, ainda menos, a uma
82
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 168.
83
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 170.
84
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 171.
20
legislação, diferente daquela que é comum a todos”.
Os gregos, conforme Foucault85, “pensavam que o mesmo
desejo se dirigia a tudo que era desejável – rapaz ou moça – com a reserva que era
mais nobre o apetite que se inclinava ao que é mais belo e mais honrado: mas
também pensavam que esse desejo devia dar lugar a uma conduta particular
quando ele se instaurava numa relação entre dois indivíduos de sexo masculino”.
Um levantamento, no entanto, permanecia em torno das
relações mantidas entre os homens de idades distintas. Foucault86 assevera que “[...]
trata-se de uma relação que se implica, entre os parceiros, uma diferença de idade
e, em relação a esta, uma certa distinção de status”.
Ainda assim diz Foucault87, “A atenção e o cuidado se
concentram sobre relações que se podem adivinhar terem sido carregadas de
múltiplas cauções: as relações que podem se estabelecer entre um homem mais
velho que terminou a sua formação – e que se supõe desempenhar o papel social,
moral e sexualmente ativo – e o mais jovem, que não atingiu seu status e que tem
necessidade de ajuda, de conselhos e de apoio”.
Costuma-se restringir o amor grego pelos rapazes à prática
de
educação
e
ao
ensino
filosófico,
para
Foucault88.
Tendo
assim
a
homossexualidade, papel na pedagogia, sendo a condução do aprendiz pelo mestre,
homem mais vivido, e consequentemente, sábio, contribuindo para valorizar e
elaborar a relação entre homens e rapazes.
O equilíbrio da conduta estava na própria relação, esclarece
Foucault89 que:
[...] entre um homem e um rapaz, que estão em posição de
independência recíproca, e entre os quais não existe constrição
institucional, mas um jogo aberto (com preferências, escolha,
85
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 171.
86
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 172.
87
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 173.
88
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 174.
89
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 179.
21
liberdade de movimento, desfecho incerto), o princípio de regulação
das condutas deve ser buscado na própria relação, na natureza do
movimento que os leva um para o outro, e da afeição que os liga
reciprocamente.
Na sociedade, a homossexualidade era vista como uma
relação aberta, “e sobretudo pelo fato de que não se pode exercer sobre o rapaz –
do momento em que ele não é de origem servil – nenhum outro poder estatutário:
ele é livre para escolher, para aquilo que aceita ou recusa, em suas preferências ou
suas decisões”, complementa Foucault90, e configurava também o amor. A
temperança é a qualidade mais exigida.
A homossexualidade grega estava ligada à corte, nesse
sentido, aduz Foucault91 que “definem o comportamento mútuo e as respectivas
estratégias que os dois parceiros devem observar para dar às suas relações uma
forma “bela”, estética e moralmente válida.” Sendo assim, na Grécia Antiga o sexo
não foi realizado somente por prazer, cedendo em prol de uma elaboração cultural.
De acordo com Foucault92, nas relações sexuais e nas
relações sociais:
Trata-se do princípio de isomorfismo, entre relação sexual e relação
social. Deve-se entender por esse princípio que a relação sexual [...]
é percebida como do mesmo tipo que a relação entre superior e
inferior, aquele que domina e aquele que é dominado, o que
submete e o que é submetido, o que vence e o que é vencido.
Na estrutura social percebe-se o uso do corpo, em razão do
status inferior da mulher e do escravo enquanto que os jovens estavam acima deles,
assim afirma Foucault93 :
Os escravos, evidentemente, estão à disposição do senhor: sua
condição faz com que sejam objetos sexuais a respeito dos quais
não há nada a questionar [...] à passividade da mulher, ela marca
muito bem uma inferioridade de natureza e de condição; [...]
90
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 176.
91
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 174.
92
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 190.
93
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 190-191.
22
Neste sentido, Foucault94 diz que os rapazes estavam acima
da mulher e do escravo:
[...] o rapaz ocupa uma posição particular [...] ele não é um objeto
proibido; [...] nada impede nem proíbe que um adolescente seja aos
olhos de todo o parceiro sexual de um homem.
Entre os romanos, a homossexualidade não era rejeitada, mas
havia determinadas regras. Era inaceitável que um senhor fosse passivo com seu
escravo. A felação95 era crime aos cidadãos romanos. Tirando as regras existentes
em qualquer cultura, a homossexualidade era muito evidente em Roma e praticada
por todos, inclusive, pelos Cesares96. Quem a admirava praticava e quem não a
admirava, não interferia.
Fernandes97 narra um exemplo do Imperador Romano Adriano,
que manifestou publicamente sua paixão por outro homem:
O Imperador Romano Adriano, um dos maiores de Roma, foi
guerreiro e grande administrador, cultor das artes, da filosofia.
Apaixonou-se por um jovem, Antinoo, e assumiu publicamente essa
relação. Antinoo morreu, prematuramente, afogado no Rio Nilo,
Adriano ordenou que Roma ficasse de luto e espalhou estátuas do
seu amado por todo o Império, divinizou-o, e mandou que fosse
cultuado. Deixou um apaixonado poema para Antinoo, que foi
traduzido do latim por Lorde Byron.
Também afirma Fernandes98 que: “No período Justiniano,
Roma posiciona-se contrária às praticas homossexuais. E, foi essa a direção
seguida durante as Idades Media e Moderna, fundamentando-se na doutrina cristã”.
Desde os povos selvagens, as antigas civilizações, os gregos
e romanos, conheciam e praticavam a homossexualidade, demonstrando que
sempre foi uma situação tolerável para a sociedade.
94
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 191-192.
95
Felação: 1. Coito bucal. NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO - SÉCULO XXI. Autoria: Aurélio Buarque
de Holanda Ferreira
96
Césares: era o soberano senhor de um vasto império e mantinha o poder com mão de ferro.
97
98
FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. São Paulo:
Método, 2004. p. 38.
FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p.38.
23
1.2.2 Conceituação Atual de Homossexualidade
A homossexualidade é definida como preferência sexual por
indivíduos do mesmo sexo. O termo preferência pode ser um pouco vago, já que
pode relacionar à tendência a escolher, optar, e se reconhecer que a
homossexualidade não é mais vista como opção, mas como orientação sexual
normal e definida na infância e, conforme estudos, até mesmo genéticos.
O vocábulo “homossexualidade” foi criado pela médica
húngara Karoly Benkert e introduzido na literatura técnica no ano de 1869. É
formado pela raiz da palavra grega homo, que quer dizer “semelhante”. E pela
palavra latina sexus, passando a significar “sexualidade semelhante”, como esplana
Uziel99.
Complementa Dias100:
Exprime tanto a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja,
homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter, como
também significa a sexualidade exercida com uma pessoa do
mesmo sexo.
Observa Uziel101:
[...] da criação do termo como sinônimo de pederastia masculina, em
meados do século XIX, passando por sua identificação como veículo
de doença, na versão do câncer gay nos anos 80, e chegando a
objeto de consumo de um recente mercado promissor, o significado
do termo homossexual vem se deslocando. O fim da década de 90
traz, assim, um mapa alterado das percepções sobre o
homoerotismo.
No dicionário de Ximenes102 encontra-se o seguinte conceito:
“que(m) pratica o ato sexual com indivíduos do mesmo sexo”.
99
UZIEL, Anna Paula. Reflexões sobre a parceria civil registrada no Brasil. In Sexualidade:
Gênero e Sociedade.
100
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2001. p. 37
101
UZIEL, Anna Paula. Reflexões sobre a parceria civil registrada no Brasil. In Sexualidade:
Gênero e Sociedade. p. 1.
102
XIMENES, Sérgio. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 501.
24
Fernandes103 esclarece que: “Pode-se além disso, definir o
sentimento homossexual como a sensação de estar apaixonado, de se envolver
amorosamente, ou sentir atração erótica por pessoa de sexo semelhante.[...]”.
1.2.3 Causas da Homossexualidade
Serão demonstrados traços distintos acerca das causas da
homossexualidade, possibilitando a compreensão de diversos pontos de vista.
Dias104 aduz que:
Os chamados desvios da sexualidade foram submetidos a
tratamentos por meio de diversas técnicas e diferentes métodos. No
que diz com a normalidade e a patologia dos distúrbios do gênero, o
tema vem sendo discutido na área da Medicina, em particular no
campo genético, e tem interessado principalmente a Psicologia, a
Psiquiatria e a Psicanálise.
Para Brito105:
Do ponto de vista psicológico e médico, a homossexualidade
configura a atração erótica por indivíduos do mesmo sexo, uma
perversão sexual que atinge os dois sexos, sendo considerado
homossexual quem pratica atos libidinosos com indivíduos do
mesmo sexo ou exibe fantasias eróticas a respeito, ou inversão
sexual que se caracteriza pela atração por pessoas do mesmo sexo,
ou, ainda, por perversão sexual que leva os indivíduos a sentirem-se
atraídos por outros do mesmo sexo, com repulsa absoluta ou
relativa para os do sexo oposto.
A medicina, na Idade Média, sob as influências religiosas,
considerou a homossexualidade uma doença, enfermidade que acarretava a
diminuição das faculdades mentais, decorrente de um defeito genético, como explica
103
FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p. 22.
104
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 37.
105
BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos.
São Paulo: LTr, 2002. p. 46-48.
25
Dias106.
Nesta temática, Costa107 expõe que:
Durante anos a medicina pesquisou o sistema nervoso central, os
hormônios, o funcionamento do aparelho genital, e nada encontrou
de diferente entre homo e heterossexuais. Tentou mudar o
comportamento humano tido como desviante usando os mais
diversos métodos, mas todos os resultados foram nulos. [...] a
medicina não estuda a sexualidade na maior amplitude, prendendose apenas ao lado fisiológico dos órgãos sexuais, desde que não
erotizados, encarando muitos fatos de ordem social ou cultural
adversos ou desconhecidos como patologias.
A homossexualidade deixou de ser tida como uma patologia,
em 1995, o Código Internacional de Doenças (CID) teve sua 10ª revisão, foi
nominada de “Transtornos Da Preferência Sexual”.
Em 1995, na última revisão, o sufixo ismo que significa
doença, foi substituído pelo sufixo idade, que designa um modo de ser, concluindo
os cientistas que a atividade não podia mais ser sustentada enquanto diagnóstico
médico, por que os transtornos derivam mais das discriminações e da repressão
social, oriundos de um preconceito do seu desvio sexual, no dizer de Cid108.
A ciência pouco explica e ainda trata a homossexualidade
como um enigma. Segundo Cid109, “As conclusões científicas têm sido sempre
cientificamente refutadas. Parece que a explicação residem alguma parte, entre o
inato e o adquirido”.
Afirma Cid110 que a busca da origem das manifestações
patológicas e comportamentais é um dos ramos mais produtivos da atual pesquisa
científica.
Agora
os
cientistas
querem
identificar
o
gene
que
atua
no
desenvolvimento da homossexualidade. Nos EUA, um estudo busca mostrar a
106
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 42.
107
COSTA, Ronaldo Pamplona da. Os onze sexos. 3.ed. São Paulo: Gente, 1994. p. 202.
108
CID, Nuno de Salter. Direitos humanos e família: quando os homossexuais querem casar. In
Revista economia e sociologia. Lisboa: Évora, nº 66, 1998. p. 199-200
109
CID, Nuno de Salter. Direitos humanos e família: quando os homossexuais querem casar. p. 199
110
CID, Nuno de Salter. Direitos humanos e família: quando os homossexuais querem casar.
26
existência de causas genéticas, com características biológicas hereditárias, não
sendo fruto do ambiente social afetivo.
O professor de Psicologia Michael Baily, em reportagem
publicada na revista VEJA (25/12/91), afirma que, “em 30 a 70% dos casos, a
homossexualidade decorre de fatores genéticos, e não somente do meio no qual as
pessoas são criadas”111.
Gradativamente, vem prevalecendo a tese de que a
homossexualidade provém de um estado da natureza, com origens biológicas, e não
culturais, ainda que não se possa dizer ser esta o papel mais importante, conforme
destaca Witelson112.
Sobre a busca de uma origem genética Fernandes113 explica:
“Uma corrente de pesquisadores pretende confirmar a existência de um gene que
predispõe a pessoa a homossexualidade, ou seja, que atua no desenvolvimento e
influencia
na
genética
do
ser
humano,
determinado-lhe
uma
orientação
homossexual”.
No século V, o médico romano Caelius Aurelianus classificou a
passividade masculina e a inversão de gêneros como perturbação mental. A partir
do final do século XIX, os desvios sexuais passaram a merecer uma abordagem no
campo da psicopatologia114.
Freud apud Dias115, afirma: “Tudo é acaso, não há uma opção,
um planejamento.” O pai da Psicanálise não considerava a “inversão sexual” uma
perversão, tampouco uma enfermidade.
Para o psicanalista gaúcho Graña116, “a cultura, e mais
precisamente a linguagem, oferece ao indivíduo, desde os primórdios da sua vida
111
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p.43.
112
WITELSON, Sandra. A evolução do direito e a realidade das uniões sexuais. Rio de Janeiro:
Lúmen júris, 1996. p.309.
113
FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p.25
114
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p. 44.
115
FREUD (apud DIAS, Maria Berenice.) Manual de direito das famílias. p.45
116
GRAÑA, Roberto B. Além do desvio sexual. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p.148
27
pós-natal, signos, símbolos e significações que lhe vão servir como referências
ambientais constituintes de sua identidade subjetiva e sexual”.
Segundo Rios117, existem nos dias de hoje, quatro concepções
básicas acerca da homossexualidade, quais sejam: “[...] a homossexualidade como
pecado, a homossexualidade como doença, a homossexualidade como critério
neutro de diferenciação e a homossexualidade como construção social”.
A concepção da homossexualidade como pecado, predomina
ainda no catolicismo – como se pode constar nas manifestações oficiais – e entre os
evangélicos de modo geral.
Declaração que demonstra a existência desta concepção nos
dias atuais é proferida pelo Deputado Severino Cavalcanti, em fundamentação do
voto contrário ao Projeto de Lei 1.151/95, conforme se depreende de um trecho de
seus comentários:
O projeto que eliminar assim uma certa vergonha, um salutar,
sentimento de culpa, que poderiam levar a uma mudança de vida, a
uma continência sexual sustentada pela graça, mesmo conservando
a tendência desviada. Pois Deus nunca falta àqueles que
sinceramente desejam cumprir sua lei e pedem o seu auxilio. O
projeto, pelo contrario, leva os culpados a uma certa tranqüilidade
dentro do pecado, eliminando assim, quase completamente, a
possibilidade de conversão.118
A homossexualidade como doença, é outra concepção muito
presente na atualidade, e na sociedade brasileira, conforme assevera Dias119:
“Posturas mais conservadoras ainda tendem a explicar a homossexualidade como
anomalia [...]”.
Há
ainda
Dicionários
Jurídicos
que
aduzem
que
a
homossexualidade segundo a medicina legal é uma disfunção sexual. Contudo, hoje
não pode mais ser aceita tal concepção, pois conforme, já exposto, a
117
RIOS, Roger Raupp. Direitos humanos, homossexualidade e uniões homossexuais. In direitos
humanos, ética e direitos reprodutivos. Porto Alegre: Themis, 1998. p. 103.
118
CAVALCANTI, Severino, apud. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de fato: de acordo
com o novo código civil, Lei n°10.406, de 10-01-2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.p.477
119
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p.174.
28
homossexualidade não é mais considerada doença pela Organização Mundial de
Saúde, e mais, não se sabendo a causa concreta da homossexualidade nenhum
tratamento pode ser proposto.
Outra
concepção
existente
na
atualidade
é
da
homossexualidade como critério neutro de diferenciação, ela tem início com os
grupos organizados de homossexuais enquanto específico grupo social. Nesta
concepção, a homossexualidade é vista como algo que não deve ser levado em
conta para qualquer tratamento desigual.
Sobre esta concepção Rios120 discorre; “[...] disto resulta a
desconsideração da orientação sexual enquanto critério capaz de legitimar
tratamentos desiguais, em raciocínio extremamente importante para a concretização
do principio jurídico da igualdade.”
A quarta e última concepção da homossexualidade como
construção social a qual Rios121 defende:
[...] a abolição das categorias homossexual/heterossexual na
identificação dos sujeitos, caminho considerado apropriado para a
superação da exclusão e discriminação dos indivíduos em função de
suas preferências sexuais.
Nesta
presente
monografia,
compreende-se
que
a
homossexualidade não é uma opção nem um desvio sexual, e sim, uma afinidade,
um gosto particular, que está no interior, no íntimo do ser humano.
Neste capítulo, foram apresentados alguns aspectos relativos
à Família e a Homossexualidade, trazendo fundamentos teóricos, juntamente com
sua origem e evolução, sua conceituação e espécies, dando alicerce para o estudo
posterior, enfocado no panorama jurídico atual. No capítulo seguinte, serão
abordados dois temas: União Estável e Homossexualidade.
120
RIOS, Roger Raupp. Direitos humanos, homossexualidade e uniões homossexuais. In direitos
humanos, ética e direitos reprodutivos. p. 120.
121
RIOS, Roger Raupp. Direitos humanos, homossexualidade e uniões homossexuais. In direitos
humanos, ética e direitos reprodutivos. p. 125-126.
29
CAPÍTULO 2
UNIÃO ESTÁVEL E HOMOSSEXUALIDADE: PANORAMA JURÍDICO
ATUAL
2.1 DA UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO BRASILEIRO:
2.1.1 Conceituação
O artigo 226 da Constituição Federal, reconheceu dois tipos de
família ao lado do casamento, que são: família oriunda da união estável e família
monoparental. Com relação à conceituação jurídica de união estável, assim
prescreve o artigo em comento:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado.
[...]
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união
estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo
a lei facilitar sua conversão em casamento.
Sobre o tema, conceitua Dias122:
Nasce a união estável da convivência, simples fato jurídico que
evolui para a constituição de ato jurídico, em face dos direitos que
brotam dessa relação. Por mais que a união estável seja o espaço
do não instituído, à medida que é regulamentada vai ganhando
contornos de casamento. Tudo que é disposto sobre as uniões
extramatrimoniais tem como referência a união matrimonializada.
Com isso, aos poucos, vai deixando de ser união livre para ser união
amarrada às regras impostas pelo Estado.
Mesmo que a união estável tenha sido inserida no Código
Civil, no livro do direito das famílias, em seu último capítulo, longe do capítulo do
casamento, inexiste hierarquia entre os dois institutos, sendo igualmente
122
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 147.
30
reconhecida como entidade familiar, no entendimento de Dias123.
Já Pereira124 aduz que há diferença entre os dois institutos (da
união estável e do casamento), pois quando o legislador indicou na norma
constitucional, que “a lei facilitará sua conversão em casamento”, deixou claro que
não existe equiparação, senão não justificaria converter institutos tão semelhantes.
Para a conversão, os critérios estão previstos no Código Civil, em seu artigo 1.726,
in verbis:
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento,
mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro
Civil.
Ressalta Czajkowski125 que a expressão união livre:
Embora não seja tão novo, ele traz consigo ainda muitas
imprecisões. Num primeiro momento, pode-se supor que uniões
livres sejam todos e quaisquer congressos carnais e (ou) afetivos
entre duas ou mais pessoas, cujas relações não se submetem aos
princípios que regem o casamento.
Melo126, define o instituto da união estável, como sendo
aqueles relacionamentos em que não houvesse impedimentos legais permanentes
para sua conversão em casamento. E assim, definindo dois tipos de união estável.
A união estável “plena”, que se constituiria pela convivência de duas pessoas, de
sexos diferentes, sem impedimentos à realização do casamento, que só não o
realizam por uma questão de opção, como por exemplo: solteiro com solteira;
solteiro com viúva; divorciado com viúva ou solteiro, etc. E as uniões estáveis
condicionais, que seriam as uniões em que um homem e uma mulher constituem
uma família de fato, sem detrimento de qualquer outra família legítima ou de outra
família de fato, havendo tão somente, impedimentos temporários à realização do
casamento. Exemplo seria o relacionamento entre uma mulher solteira e um homem
123
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 147.
124
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.
534.
125
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. 2ª ed., 3ª tir. Curitiba:
Juruá, 2003. p.59.
126
MELO, Nehemias Domingos de. União estável: Conceito, Alimentos e dissolução. Disponível em
<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=696>. Acesso em 30 de junho de 2008.
31
separado judicialmente. Neste sentido, a Lei nº 10.406/02 prescreve no art. 1.723
que não se constitui em impedimento à realização da união estável, “o caso da
pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”.
Dal Col 127, assim conceitua união estável:
[...] como forma de constituição da entidade familiar não comporta
um rito específico, como se dá com o casamento. É fruto da
constatação, ao longo do tempo, da existência de alguns requisitos
elementares, que somados, a caracterizam. Inicialmente, há que se
destacar que não é toda e qualquer união entre homem e mulher
que poderá ser reconhecida como entidade familiar. De plano, se
excluem do conceito as uniões adulterinas e aquelas que envolvem
pessoas proibidas de casar entre si, por impedimentos absolutos,
pois, a despeito de preencherem os demais requisitos legais, não
poderão ser consideradas como convivendo sob a égide da união
estável.
Azevedo128, segue o pensamento dizendo:
A convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e
contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial,
convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não,
constituindo, assim, sua família de fato.
Anota-se, também, o ensinamento de Pizzolante129:
É meio legítimo de constituição de entidade familiar, havida, nos
termos estudados, por aqueles que não tenham impedimentos
referentes à sua união, com efeito de constituição de família.
A família deve merecer a proteção estatal, independentemente
de sua formação, já que é concebida como célula natural da sociedade.
127
DAL COL, Helder Martinez. União estável e contratos de namoro no Código Civil de 2002.
Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7100>. Acesso em 30 de junho de
2008.
128
AZEVEDO, Álvaro Villaça. União Estável. Revista do advogado nº 58, AASP. São Paulo, Marco,
2000.
129
PIZZOLANTE, Francisco Eduardo Orciole Pires e Albuquerque. União Estável no sistema
jurídico brasileiro. São Paulo: Atlas, 1999. p. 150.
32
2.1.2 Pressupostos Básicos para a Caracterização da União Estável
Para que a união estável seja reconhecida e alçada à
condição de entidade familiar são exigidos alguns requisitos fundamentais, que são:
a) dispensabilidade do more uxorius; b) convivência pública, contínua e duradoura;
c) objetivo de constituição de família; d) prazo mínimo de convivência; e) a diferença
de sexo.
O entendimento mais moderno é que seja dispensável o more
uxorius130, ou seja, a convivência idêntica ao casamento, entendimento este
consagrado na Súmula 382131 do Supremo Tribunal Federal.
Pereira132 diz que não é exigível a convivência sob o mesmo
teto, mas sim que a companheira tem que ser conhecida como “esposa”, e ter o
convívio como se fossem marido e mulher, perante amigos e sociedade. Tem que
existir a publicidade do relacionamento. A utilização do nome do companheiro, pela
mulher, não é um requisito fundamental.
Nesta temática, cita Oliveira133 que:
Há de ser pública a convivência na união estável, isto é, de
conhecimento e reconhecimento no meio familiar e social onde
vivam os companheiros. Não é preciso que eles proclamem,
festejem ou solenizem a vida em comum [...] a formalização de
união se mostra dispensável na espécie.
O objetivo de constituição de família, que é um elemento
anímico, intencional, é conseqüência de todos os elementos legais antecedentes.
Não é necessário que o casal tenha prole em comum, o que se constituiria elemento
mais profundo para caracterizar a entidade familiar, conforme Venosa134.
130
More uxório: Costume de passar por esposa perante a comunidade. CALDAS, Gilberto. Novo
dicionário de latim forense. São Paulo: EUD, 1984. p. 163.
131
STF - Súmula 382 – “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à
caracterização do concubinato”.
132
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p.535.
133
OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. 6. ed. atual. e
ampl. São Paulo: Editora Método, 2003. p. 132.
134
VENOSA, Silvio de Salvo. O novo direito civil. São Paulo: Atlas, 2003. p. 55.
33
Com base nisso, aduz Dias135:
Socorre-se o legislador da idéia de família como parâmetro para
conceder-lhe efeitos jurídicos. O tratamento, no entanto, não é igual
ao casamento. Ainda que concedido direito a alimentos e
assegurada a partilha igualitária dos bens, outros direitos são
diferidos somente aos cônjuges.o convivente não está incluído na
ordem de vocação hereditária, tendo somente direito à concorrência
sucessória [...] também é subtraída do parceiro sobrevivente a
garantia da quarta parte da herança [...] prossegue quanto ao direito
real de habitação, outorgado somente ao cônjuge.
Mesmo a lei não fixando o tempo mínimo de duração de uma
união estável, a exigência para que a convivência seja duradoura tem a finalidade de
não deixar dúvida quanto aos relacionamentos passageiros, efêmeros, de curta
duração e que não estão protegidos pela Lei. Neste sentido, ressalta Dias136:
Apesar de a lei não exigir decurso de lapso temporal mínimo para a
caracterização da união estável, a relação não deve ser efêmera,
circunstancial, mas sim, prolongada no tempo e sem solução de
continuidade, residindo, nesse aspecto, a durabilidade e a
continuidade do vínculo. A unicidade do enlace afetivo é detectada
sopesando-se todos os requisitos legais de forma conjunta e, ao
mesmo tempo, maleável, sob pena de engessamento do instituto.
Alguns autores acham adequado que seja estipulado um prazo
mínimo de convivência, para evitar incertezas na caracterização da união estável.
Gama137 aduz que “seria razoável exigir-se pelo menos dois anos de vida em
comum, por analogia com as disposições constitucionais e legais relativas ao tempo
para a concessão do divórcio”.
A estabilidade da união estável exige que além da
durabilidade, os relacionamentos tenham certa continuidade. Se tem uma duração e
depois se desfazem, mais adiante retornam e novamente se desfazem, não
oferecem segurança para que a lei lhe dê o valor atribuído aos relacionamentos
135
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 148.
136
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 150.
137
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. 2. ed. Rio de Janeiro: RT, 2001. p.
200.
34
duráveis, observa Oliveira138. E ainda complementa que o “caráter contínuo da
relação atesta sua solidez, pela permanência no tempo. Lapsos temporais, muitas
vezes com repetidas idas e vindas, tornam a relação tipicamente instável,
desnaturando sua configuração jurídica”.
Caso contrário, Gama aduz139:
Haveria relações imaturas, instáveis, não construídas em terreno
sedimentado, acarretando, ainda, uma completa insegurança
jurídica na sociedade no concernente às relações jurídicas mantidas
entre os companheiros, e entre estes e terceiros, sabido que a
caracterização do companheirismo não interessa apenas aos
partícipes da relação, mas também a todos aqueles que direta ou
indiretamente mantenham contato com os companheiros.
Dentre os requisitos, pode-se destacar a necessidade da
diversidade de sexos, afinal, a própria Constituição Federal, em seu artigo que trata
a matéria, afirma que a união estável será reconhecida entre um homem e uma
mulher.
Diniz140 entende que “em uma união estável entre pessoas do
mesmo sexo haverá tão somente uma sociedade de fato, exigindo-se, além disso,
convivência e duradoura continuidade das relações sexuais que distingue da simples
união transitória”.
Para Dias141 as pessoas do mesmo sexo que estejam ligadas
por laços afetivos, sem conotação sexual, merecem ser reconhecidas como
entidades familiares, não sendo essencial à capacidade procriativa para que mereça
a proteção legal.
Há que se registrar que, para se caracterizar a união estável,
não pode haver impedimentos à realização do casamento, tais como os previstos no
artigo 1.521142 do Código Civil, não se aplicando, porém, a incidência do inciso VI do
138
OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. p. 130.
139
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. p.168.
140
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 316.
141
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 102.
142
Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural
35
referido artigo, no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou
judicialmente, conforme Pereira143.
Não basta a presença de apenas um desses requisitos. É
necessária a evidência de todos, para que seja caracterizada a união estável. A sua
formação também independe de qualquer formalidade, bastando estabelecer a vida
em comum.
2.1.3 Efeitos Jurídicos Sociais, Pessoais e Patrimoniais da União Estável
Na união estável, falar em direitos e deveres acaba levando a
uma comparação com os direitos e deveres do casamento. Os companheiros têm
acesso ao planejamento familiar tanto quanto os cônjuges, como exposto do artigo
1.565, § 2º do Código Civil, que assim prescreve:
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem
mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis
pelos encargos da família.
[...]
2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo
ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o
exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte
de instituições privadas ou públicas.
Nesse entendimento Czajkowski 144 ensina que:
É pela manifestação contínua e recíproca de manter a vinculação
que surge a convivência, e daí a entidade familiar informal,
legalmente protegida. Se demonstrada a existência de uma entidade
familiar, é esta que passa a ter um caráter institucional, sob o ponto
de vista sociológico, em nossa sociedade.
ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado
com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o
terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o
cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu
consorte.
143
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil.
144
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. p. 169.
36
Aos companheiros são estabelecidos deveres de lealdade,
respeito e assistência, explicitados no art. 1724 do Código Civil e, em comum ao
casamento, há a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos, como
ressalta Dias145.
Czajkowski146 ainda diz que não existe o dever de fidelidade
entre os parceiros, mas sim exclusividade das relações sexuais, ou uma aparente
fidelidade. E também, quanto ao nome, na união estável não acarreta qualquer
alteração no nome, para nenhum dos companheiros, nem mudança no estado civil.
A regulamentação da união estável está cada vez mais
próxima dos contornos do casamento, pois, ao mesmo tempo em que não se deseja
a intervenção do Estado em relações íntimas, busca-se a interferência para lhe dar
legitimidade e proteção à parte economicamente mais fraca, no entendimento de
Pereira147.
Mesmo não se confundindo com o casamento, a união estável
dispõe das mesmas regras patrimoniais. “Na união estável, os conviventes têm a
faculdade de firmar contrato de convivência (Código Civil 1.725), estipulando o que
quiserem. Quedando-se em silêncio, (...) a escolha é feita pela lei: incide o regime da
comunhão parcial de bens (Código Civil 1.658 a 1.666)”, assim compreende Dias148.
Pereira149 sintetiza que, a doutrina e a jurisprudência brasileiras
estabeleceram as regras patrimoniais da união estável, defendendo que as
contribuições diretas ou indiretas (suporte doméstico e emocional), são referência de
esforço comum.
Ilustrativamente, a decisão do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina abaixo, sintetiza uma postura jurisprudencial:
145
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 153.
146
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. p. 122-124.
147
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira etal. Direito de família e o novo
Código Civil. p. 270.
148
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 154.
149
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira et all. Direito de família e o novo
Código Civil. p. 271.
37
EMENTA: CIVIL. FAMÍLIA. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE
FATO. PARTILHA DE BENS. DISPENSA DO DEPOIMENTO
PESSOAL DA PARTE PELO MAGISTRADO. DESNECESSIDADE
DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO
CONFIGURADO. CONVIVÊNCIA DURADOURA, PÚBLICA E
CONTÍNUA, COM OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. UNIÃO
ESTÁVEL CARACTERIZADA. TÉRMINO DA CONVIVÊNCIA
MARITAL NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.278/96. PRESUNÇÃO DO
ESFORÇO COMUM NA AQUISIÇÃO DOS BENS. EXCLUSÃO DOS
VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE HERANÇA. DIREITO DE
PARTILHA RECONHECIDO. Não incide o juiz no pecado de afronta
à Constituição Federal, nem ao Código de Processo Civil, por
cerceio de defesa da parte, ao indeferir a colheita do depoimento
pessoal dos litigantes se eles deixaram à sua vista farta
documentação com que inspirar sua convicção. Presumem-se
comuns os bens adquiridos a título oneroso na constância da união
estável. Provada a estabilidade das relações, haverá a incidência da
Lei nº 9.278/96 a garantir o direito à partilha do patrimônio comum,
quando da dissolução da sociedade conjugal, sem necessidade de
prova da contribuição direta de um e de outro na aquisição dos
bens.150
Assim sendo, Pereira151 diz que a contribuição indireta ganha
mais força, atribuindo grande importância a um marco teórico, significando uma
revalorização do trabalho doméstico. Outro grande marco foi dado pela Constituição
Federal de 1988, ao estabelecer que as questões relativas a essa outra forma de
constituição de família (união estável) fossem tratadas no campo do Direito de
Família e não mais no Direito das Obrigações.
Contudo, arremata Dias152 que no casamento, quando um ou
ambos os nubentes tiverem mais de 60 anos, ao se casarem não gerarão efeitos
patrimoniais, impondo a lei o regime de separação obrigatória de bens (art. 1641, II,
do Código Civil). Não existe e não cabe analogia para restringir direitos na união
estável.
150
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2003.027447-2. Relator: Luiz Carlos
Freyesleben. Data da Decisão: 31/03/2005.
151
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira etal. Direito de família e o novo
Código Civil. p. 272.
152
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 154-155.
38
Em relação ao regime da comunhão parcial de bens, Dias153
presume que o companheiro é patrimonialmente comparado ao cônjuge na hipótese
de dissolução do vínculo. O bem adquirido por um, torna-se propriedade comum,
devendo meação. Mas há exceções legais de incomunicabilidade (art. 1.659 e 1.661
do Código Civil); os bens recebidos por herança, por doação ou mediante subrogação legal, estão excluídos da meação.
A partir dessa reflexão, pode-se dizer que o que predomina na
união estável, no âmbito pessoal da vida dos parceiros, é a vontade deles, só haverá
intervenção do Estado na proteção dos valores fundamentais do cidadão. Já no
âmbito patrimonial, os bens que foram adquiridos na constância da relação
pertencem a ambos os conviventes, devendo ser partilhados segundo o regime da
comunhão parcial de bens, no caso de dissolução da união estável.
2.1.4 Dissolução da União Estável
Ensina Oliveira154 que existem três causas para a dissolução da
união estável: pela morte do companheiro, pelo casamento de ambos, pelo término
da vida em comum (por mútuo acordo ou pelo abandono de um pelo outro).
Sem interferências judiciais, a união se desfaz apenas pelo fim
de convivência, não existe determinação de sanções. “(...) mesmo que um ou ambos
os conviventes descumpram os deveres impostos pela lei, tal não gera efeito
nenhum: nem impede o reconhecimento da união estável nem impõe sua
dissolução”, destaca Dias155.
Oliveira156 leciona que “se companheiros pretendem encerrar a
vida em comum, em termos amigáveis, nada impede que o façam, livremente, e sem
maiores formalidades. Preferível, no entanto, que se utilizem instrumento escrito,
153
154
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 155.
OLIVEIRA. Basílio de. Direito alimentar e sucessório do companheiro. Rio de Janeiro:
Destaque. 1998. p.64.
155
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 154.
156
OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. p. 244.
39
especial se houver bens a serem partilhados, a fim de evitar futuras pendências
judiciais.” E complementa afirmando que caso existam filhos envolvidos, a sua
guarda, a pensão alimentícia, devem ser homologadas pelo juiz, para que fique
regularizada a situação dos menores.
E ainda assim, se não houver interesse na homologação
judicial de acordo amigável, devem ingressar com o procedimento litigioso, para
impetrar a dissolução da união estável e a partilha de bens, e outras questões
referente ao direito de família e ao direito sucessório, diz Oliveira157.
Ressalta Czajkowski158, no caso de dissolução de união
estável, os bens em condomínio devem ser vendidos ou divididos, e o valor da
venda repartido. No casamento, os bens são entendidos como patrimônio, coisa
coletiva, no qual a meação só é dada no momento da dissolução do casamento. Já
na união estável, não há comunhão sobre coisa coletiva, poderá existir condomínio
sobre os bens singularmente considerados.
E ainda complementa Oliveira159:
Na petição inicial o autor (é seu o ônus de provar a existência da
união estável) deverá expor os fatos que possibilitem o
enquadramento da convivência como união estável, com os
requisitos exigidos na lei, e descrever os bens adquiridos durante a
convivência a título oneroso, exibindo provas documentais. O réu
poderá objetivar a inclusão de eventuais outros bens sujeitos a
meação.
Quanto à dissolução de união estável por vontade das partes,
consigna Varjão160 que:
Os conviventes podem extinguir a união estável por escrito,
estabelecendo as regras que passarão a vigorar a partir da
dissolução. Trata-se de resilição bilateral ou distrato, possível,
mesmo que não tenha havido escrito e independentemente de lei.
157
OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. p. 244.
158
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. p. 196-198.
159
OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. p. 244.
160
VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. União Estável. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 129.
40
A extinção também acontece por resolução, ocorre ante a
quebra de um dos requisitos da união estável, referente aos direitos dos
conviventes. Nesse sentido afirma Lisboa161 que:
Quanto a ruptura da união estável por resolução, assevera que: é o
que ocorre ante a prática de: servícias, injúria grave, abandono do
lar e homicídio tentado.
Nas dissoluções litigiosas de uniões estáveis, entra a figura
cautelar de “separação de corpos”, medida usada para afastar um dos conviventes
da morada do casal. Neste sentido, é pertinente trazer a visão de Pereira162:
É certo que não exista nas relações concubinárias o dever de
coabitação, como se reclama no casamento e como já expressou a
Súmula 382 e até mesmo o novo Código Civil mas não é somente
por isso que se busca, através de medida oficial a “separação de
corpus”. Há nestas relações direitos e deveres de outra ordem,
como respeito mútuo. Tal medida pode ser então para determinar
que uma das pessoas (geralmente o homem, se afaste
coercitivamente por motivos de violência e agressividade). Muitas
vezes a periculum in mora, e até mesmo o risco de vida, e a técnica
processual não podem desconsiderar isto.
Dissolve-se também a união estável, com a morte de um dos
companheiros, assim afirma Pereira163:
A dissolução por morte de um dos conviventes está prevista
expressamente no parágrafo único do mesmo art. 7º, instituindo o
direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união
ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da
família.
A conversão da união estável em casamento(casamnto de
ambos), conforme o artigo 226, § 3º da Constituição Federal atual, é uma forma de
dissolução da união estável, e deve ser feita mediante requerimento ao juiz de
direito da comarca onde residam os conviventes que, verificando a regularidade do
161
LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. v. 2. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 145.
162
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 133.
163
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p. 544.
41
pedido, determinará o seu processamento no Registro Civil, conforme prescreve o
Código Civil, em seu artigo 1726164.
2.2 UNIÕES HOMOAFETIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO:
2.2.1 Aproximação entre União Estável e União Homoafetiva
No direito brasileiro, a convivência entre pessoas do mesmo
sexo não tem nenhuma regulamentação, provavelmente, por causa da circulação
histórica racista e por considerar imoral essa convivência. Hoje há projetos de lei
tramitando nesse sentido, mas há uma grande resistência de parlamentares, de
representantes da Igreja e da camada conservadora da sociedade, ensina Brito165.
Definir união estável, tanto quanto a definição atual de família,
não é tão fácil. Aduzem Dias e Pereira166:
Definir união estável começa e termina por entender o que é família.
A partir do momento em que família deixou de ser o núcleo
econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor,
surgiram novas e várias representações sociais para ela. O artigo
226 da Constituição enumera três [...]. Mas há outras. [...] Por
exemplo: [...] as relações homoafetivas estáveis começam a ser
consideradas entidade familiar [...].
A magistrada gaúcha Dra. Judith dos Santos Mottecy, no
processo 01196089682, em 24 de fevereiro de 1999, aproximou o conceito de união
estável ao da relação homoafetiva, considerando que a lei é arbitrária e fere o
princípio constitucional da igualdade.
É preciso deixar claro que a homossexualidade é uma
situação real, e que deve ser objeto de normatização, afinal o Direito regula as
164
MELO, Nehemias Domingos de. União estável: Conceito, Alimentos e dissolução. Disponível em
<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=696>. Acesso em 30 de junho de 2008.
165
BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos.
p.49-50.
166
DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira etal. Direito de família e o novo
Código Civil. p. 258-259.
42
uniões que associam afeto ao interesse comum, independente da orientação sexual
do casal. Assim, ainda leciona Dias167 que, “se o convívio homoafetivo gera família e
se esta não pode ter a forma de casamento, necessariamente há de ser união
estável. [...] é forçoso reconhecer que a união estável é um gênero que admite duas
espécies: a heteroafetiva e a homoafetiva”.
Ressalta Brito168 que o “casamento” é entendido atualmente
como sendo um contrato, mas que deve ser uma carga institucional que se reflete no
interesse do Estado, na organização da família, e completa que:
A caracterização da união homossexual, como forma de casamento,
é erro resultante de uma visão excessivamente contratualísta do
matrimônio e que despreza, também, elementos essenciais da
noção de família. [...] o surgimento da família, modernamente,
justifica-se de modo primordial na realização afetiva [...] entendido o
casamento só como um contrato, puro e simples, a única objeção
contra as uniões homossexuais seria de ordem moral, seria em
nome dos bons costumes, o que é um argumento ambíguo e
subjetivo.
Ainda ensina Dias169 que a limitação constitucional ou legal:
[...] não tem condão de deixar à margem da proteção de Estado
relacionamentos afetivos outros que geram conseqüências no
âmbito do Direito. Podem e devem ser aplicadas, por analogia, as
leis reguladoras do relacionamento entre um homem e uma mulher.
As relações homossexuais constituem uma unidade familiar que em
nada se diferencia da união estável.
Neste diapasão, Louzada170 diz que:
No caso específico dos homossexuais, urge que a Justiça se mostre
capaz de assegurar a efetividade dos direitos ainda não
normatizados, eis que, muitas das vezes, a pretensa aplicação pura
e simples da Lei, sem a devida apreciação teleológica, vem a violar
167
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 68-69.
168
BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos.
p. 35
169
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 96
170
LOUZADA, Ana Maria. O reflexo dos envolvimentos afetivos nas reflexões patrimoniais.
Revista AJURIS. Porto Alegre, jun. 1997, v. 70. p. 295-304.
43
muitos dos mais fundamentais direitos humanos.
Os
magistrados
devem
buscar
soluções
jurídicas
nos
referenciais dispostos no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: a analogia, os
costumes e os princípios gerais do direito, deve ser retirada dos olhos a venda e ver
a relação como um elo de afetividade, e reconhecer os seus direitos, aduz Dias171.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul foi
pioneiro no reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, em 14 de
março de 2001, como mostra a seguir:
EMENTA:
UNIAO
HOMOSSEXUAL.
RECONHECIMENTO.
PARTILHA DO PATRIMONIO. MEACAO PARADIGMA. NAO SE
PERMITE MAIS O FARISAISMO DE DESCONHECER A
EXISTENCIA DE UNIOES ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E
A PRODUCAO DE EFEITOS JURIDICOS DERIVADOS DESSAS
RELACOES HOMOAFETIVAS. EMBORA PERMEADAS DE
PRECONCEITOS, SAO REALIDADES QUE O JUDICIARIO NAO
PODE IGNORAR, MESMO EM SUA NATURAL ATIVIDADE
RETARDATARIA. NELAS REMANESCEM CONSEQUENCIAS
SEMELHANTES AS QUE VIGORAM NAS RELACOES DE AFETO,
BUSCANDO-SE SEMPRE A APLICACAO DA ANALOGIA E DOS
PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO, RELEVADO SEMPRE OS
PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA
IGUALDADE. DESTA FORMA, O PATRIMONIO HAVIDO NA
CONSTANCIA DO RELACIONAMENTO DEVE SER PARTILHADO
COMO NA UNIAO ESTAVEL, PARADIGMA SUPLETIVO ONDE SE
DEBRUCA A MELHOR HERMENEUTICA. APELACAO PROVIDA,
EM PARTE, POR MAIORIA, PARA ASSEGURAR A DIVISAO DO
ACERVO ENTRE OS PARCEIROS.172
Abaixo, há mais um entendimento recente do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, também reconhecendo a união
homoafetiva, como entidade familiar:
APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO.
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA
IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união
171
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 98.
172
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70001388982, Sétima Câmara
Cível, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 14/03/2001.
44
homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e
ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato
social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o
Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que,
enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor
é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de
sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de
forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui
afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à
vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da
igualdade. Negado provimento ao apelo.173
Vendo a relação homoafetiva como entidade familiar, passouse a reconhecer que a competência para julgamento é da vara da família, e não
mais da área de direito das obrigações, sendo assim, o Poder Judiciário está
cumprindo de forma corajosa a sua função de transformar e de renovar a sociedade.
Nesse sentido, entende o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
EMENTA:
APELAÇÃO
CÍVEL.
UNIÃO
HOMOAFETIVA.
RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a
união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e
ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um
fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o
judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que,
enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor
é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de
gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser
e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas
entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito
à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa
humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO
ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS
GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema
não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para
suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em
consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC).174
173
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70012836755, Sétima Câmara
Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 21/12/2005.
174
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70009550070, Sétima Câmara
Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 17/11/2004.
45
Portanto, fica demonstrado que a legislação tem que
acompanhar a evolução do conceito de moralidade usando da analogia. A união
homoafetiva atende aos mesmos requisitos da união estável e se origina de um
vínculo afetivo, devendo, pois, ser reconhecida como entidade familiar.
2.2.2 Ação de Dissolução de Sociedade de Fato
Sociedade de fato é estabelecida entre pessoas que, de
alguma maneira, tenham contribuído para a formação de um patrimônio. Os
Tribunais de Justiça pátrios têm uma grande dificuldade em aceitar a união
homossexual como identidade familiar, fazendo analogia com a sociedade de fato e
a inserindo no Direito Obrigacional formando um vínculo negocial. Todavia, se forem
parceiros heterossexuais tramitará perante a Vara da Família, e que mesmo
possuindo o vínculo afetivo, os efeitos decorrentes de sua existência serão
diferentes, na visão de Dias175.
Ainda explicita Dias176 sobre as relações heterossexuais que:
Reconhecida a existência de uma convivência duradoura, pública e
contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de família,
deferem-se alimentos, partilham-se bens, entrega-se herança,
concede-se direito real de habitação e usufruto sobre metade dos
bens disponíveis, isso tudo partindo da presunção júris et de jure de
colaboração comum na formação do acervo patrimonial.
Quanto aos parceiros do mesmo sexo, ressalta Dias177 que:
Mesmo quando comprovada uma convivência duradoura, pública e
contínua, é reconhecida somente a existência de uma sociedade de
fato, sob o fundamento de ser impertinente qualquer indagação
sobre a vida íntima de um e de outro. Ao parceiro, no máximo, é
deferida a metade – às vezes nem isso – do patrimônio adquirido
durante a vida em comum e, ainda assim, mediante prova de mútua
colaboração. Nada mais.
175
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 92-93.
176
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 94.
177
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 94.
46
Quanto à tramitação do processo, já existem entendimentos
que versam sobre a competência das Varas de Famílias na união homossexual,
como exposta a seguir:
EMENTA: RELACOES HOMOSSEXUAIS. COMPETENCIA DA
VARA DE FAMILIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO EM
SOCIEDADE DE FATO. A COMPETENCIA PARA JULGAMENTO
DE SEPARACAO DE SOCIEDADE DE FATO DE CASAIS
FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO SEXO, E DAS VARAS
DE FAMILIA, CONFORME PRECEDENTES DESTA CAMARA,
POR NAO SER POSSIVEL QUALQUER DISCRIMINACAO POR SE
TRATAR DE UNIAO ENTRE HOMOSSEXUAIS, POIS E CERTO
QUE A CONSTITUICAO FEDERAL, CONSAGRANDO PRINCIPIOS
DEMOCRATICOS DE DIREITO, PROIBE DISCRIMINACAO DE
QUALQUER ESPECIE, PRINCIPALMENTE QUANTO A OPCAO
SEXUAL, SENDO INCABIVEL, ASSIM, QUANTO A SOCIEDADE
DE FATO HOMOSSEXUAL. CONFLITO DE COMPETENCIA
ACOLHIDO178.
Na dissolução da sociedade de fato (união estável) entre
parceiros heterossexuais são deferidos alimentos, partilha de bens, entrega de
herança, é concedido o direito real de habitação, presumindo a colaboração em
comum, e a demanda tramitará na Vara da Família. Já na dissolução da sociedade
de fato entre parceiros do mesmo sexo, no máximo é atribuído ao parceiro somente
a metade dos bens adquiridos durante a vida em comum, está inserida no Direito
Obrigacional, e é visualizado somente como um vínculo negocial.
2.2.3 Direitos Sucessórios
Existem
na
doutrina
e
jurisprudência
brasileira
dois
entendimentos quanto aos direitos sucessórios da união homoafetiva.
A primeira, mais conservadora, e ainda maioria, é de que a
parceira somente terá direito aos bens em que contribuiu direta ou indiretamente
178
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 70000992156, Oitava
Câmara Cível, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 29/06/2000.
47
durante a união, ainda sob prova, e não da integralidade da herança, trata-se da
sociedade de fato, no entendimento de Dias179.
Assim reconhece o Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais:
EMENTA: Comprovada a existência de um relacionamento de
ordem afetivo/sexual entre pessoas do mesmo sexo, e demonstrada
a colaboração recíproca dos parceiros para a formação do
patrimônio, numa inequívoca comunhão de esforços e recursos,
configurando participação na ordem direta e indireta, reconhece-se
como presente uma sociedade fática, com todas as conseqüências
jurídicas que lhe são inerentes, em especial o direito à partilha de
bens, em caso de vir a mesma a ser dissolvida pelo falecimento de
um dos sócios ou o rompimento espontâneo da relação que lhe deu
origem180.
Já o segundo entendimento têm se apoiado, analogicamente,
reconhecendo a sociedade de fato como união homoafetiva, conferindo então ao
parceiro homossexual sobrevivente não só direito à meação do patrimônio comum,
mas também direito à herança, nos moldes da lei civil.
E complementa Dias181 que “a Magistrada Judith dos Santos
Mottecy, declarando a existência de uma união estável, deferiu a totalidade da
herança ao parceiro, por não ter o de cujus deixado descendentes”.
A união estável teve uma grande evolução no atual Código
Civil Brasileiro, equiparando-se ao casamento, no que concerne à assistência
alimentar e ao regime de bens, porém com grandes diferenças no âmbito do direito
sucessório. Cabe então, a espera para que o Legislativo promulgue uma Lei para
proteger melhor a união estável e, a partir dela, a própria união homoafetiva, até que
esta seja, finalmente, reconhecida pelo Estado.
2.2.4 Direitos Previdenciários
179
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 153.
180
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 309.092-0. Relatora Des. Jurema Brasil
Marins. Julgado 27.02.2002.
181
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 154.
48
No âmbito da seguridade social, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ), em julgamento inédito, deu garantia a um homossexual, o direito a receber
pensão pela morte do companheiro com quem viveu por 18 anos. A decisão
considerou discriminatório pretender excluir parte da sociedade – aqueles que têm
relações homoafetivas – da tutela do Poder Judiciário sob o argumento de não haver
previsão legal para a hipótese182.
Cabe o seguinte entendimento:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR
MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL.
LEI 8.112/90. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS-DC Nº 25. 1- Não há
ausência do interesse de agir quando a Ré, na resposta, nega o
direito vindicado. 2- A alegação de impossibilidade jurídica do
pedido confunde-se com o mérito da lide. Inexistência de vedação
legal expressa à pretensão autoral, de sorte a exigir a extinção do
processo sem exame do mérito. 3- A sociedade de fato existente
entre homossexuais merece tratamento isonômico ao dispensado às
uniões heterossexuais em respeito aos princípios constitucionais da
igualdade, da dignidade da pessoa humana e da promoção do bem
de todos sem preconceito ou discriminação183.
Também é concedido auxílio reclusão, que constitui benefício
da Previdência Social, regulado pela Lei n.8.213, de 24 de junho de 1991, que visa à
proteção dos dependentes carentes do segurado preso, impossibilitado de prover a
subsistência dos mesmos em virtude de sua prisão, como aduz Dias184.
As decisões dos Tribunais de Justiça principalmente os do Rio
Grande do Sul, estão cada vez mais, deferindo conseqüências jurídicas aos
relacionamentos homoafetivos, como o reconhecimento de uma “união estável”, a
competência para a Vara da Família, a partilha de bens, a herança, dentre outros.
Apresentaram-se neste capítulo, alguns aspectos relativos à
união estável e à homossexualidade. No capítulo que segue serão apresentados os
182
Homossexual tem direito a pensão previdenciária por morte de companheiro. Disponível em
< http://www.direitonet.com.br/noticias/x/84/35/8435/> Acesso em 07 de julho de 2008.
183
RIO GRANDE DO NORTE. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. 3.ª T., Apelação Cível nº
334141-RN (2002.84.00.002275-4), Relator Des. Fed. Geraldo Apoliano, julgado. 27.07.2004.
184
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 181.
49
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e suas perspectivas
jurídicas em relação à homossexualidade.
50
CAPÍTULO 3
PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E
HOMOSSEXUALIDADE: PERSPECTIVAS JURÍDICAS
3.1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Firmado no artigo 1º da Constituição Federal, é considerado o
princípio mais importante.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
[...]
III - a dignidade da pessoa humana;
Denota-se a possibilidade de conferir a um ente, humano ou
moral, a aptidão de adquirir direitos e contrair obrigações. Há muitas opiniões entre
os autores, mas, estas podem ser demonstradas de uma forma harmônica e
complementar. Inicia-se o estudo com um breve histórico.
Conforme Martins185, as idéias de dignidade da pessoa
humana relatadas no pensamento ocidental talvez possam ter sido as mais
influentes no âmbito do direito positivo. Inicialmente, mesmo não trabalhando
diretamente com a idéia de dignidade humana, elabora a idéia de um homem com
validade universal e normativa, aduz Nogare186.
A idéia do grego ocidental é a de que a natureza opera
obedecendo às leis e princípios necessários e universais, podendo ser plenamente
conhecidos pelo nosso pensamento, permitindo-nos distinguir o verdadeiro do falso.
185
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. Curitiba: Juruá, 2008. p. 19.
186
NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e Anti- Humanismos: introdução à antropologia filosófica.
10. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 25-26.
51
Que as práticas humanas dependem da vontade livre estabelecidos pelos próprios
seres humanos. Assim, os acontecimentos humanos e naturais são necessários,
porque obedecem as leis naturais, podendo ser acidentais quando depende das
escolhas humanas. E igualmente a idéia de que os seres humanos aspiram ao
conhecimento verdadeiro, à felicidade, à justiça, aos valores que dão sentido às
suas vidas e ações, conforme Chauí187. A filosofia grega foi essencial por superar e
racionalizar o pensamento humano.
Provavelmente, com o pensamento cristão, foi a grande
ocasião para a formação da idéia de dignidade humana. Comparato188 ressalta que o
homem, por ser compreendido como imagem e semelhança de Deus, dá a idéia de
igualdade diante de todos os seres humanos. A idéia de igualdade confere respeito
à sua dignidade, pois todos merecem respeito e consideração de forma igualitária189.
Essa foi à idéia assumida pela filosofia durante mil anos.
Inclui-se com o pensamento cristão, o pensamento de Tomás
de Aquino só que mais aprofundado na capacidade de autodeterminação inerente à
natureza humana, sendo assim, por força da sua dignidade, o ser humano que é
livre por natureza, vive em função da sua própria vontade, destaca Sarlet190. Assim, a
dignidade é uma qualidade que está, por natureza, inseparavelmente a todo ser
humano, distinguindo-o dos demais seres, que é a racionalidade, diz Comparato191.
Por intermédio da racionalidade é que o homem passa a ser livre e responde por
seus próprios atos, constituindo um valor absoluto, um fim em si192.
A compreensão de dignidade humana elaborada por Kant é a
que predomina até os dias de hoje. Ele vê a dignidade como parte da autonomia
ética do ser humano, fundamentando que o ser humano não pode ser tratado como
187
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1999. p. 20-23.
188
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 1-8.
189
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p. 22-23.
190
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 5. ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria d Advogado, 2007. p. 31.
191
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 19.
192
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p. 24.
52
objeto. Comparato193, baseado no pensamento de Kant, ensina que a dignidade
humana não está apenas no fato do ser humano ser considerado como um fim e não
como um meio, mas também pelo fato de que, por sua vontade racional, só o
humano é autônomo o suficiente para guiar-se pelas próprias leis que elabora. O
autor prossegue dizendo que para Kant, temos o dever de favorecer, sempre que
possível o fim de outrem, devemos realizar a nossa própria vontade, felicidade
mediante também a felicidade e realização de outro.
Kant194 examina a idéia de dignidade humana dizendo:
[...] no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade.
Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer
outra como equivalente; mas quando uma coisa esta acima de todo
o preço e, portanto, não permite equivalente, então ela tem
dignidade.
Quanto ao ensinamento acima, prossegue Martins195 aduzindo
que como ser racional a pessoa humana é única e insubstituível, possuindo então
dignidade que está acima de qualquer preço, superior a qualquer preço não
admitindo qualquer substituto.
Para Sarlet196 a dignidade:
Independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e
qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos – mesmo o
maior dos criminosos – são iguais em dignidade, no sentido de
serem reconhecidos como pessoas – ainda que não se portem de
forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes,
inclusive consigo mesmos.
Na visão de Silva197, a dignidade como valor imputado à
pessoa humana, e como valor absoluto, não poderá ser desconsiderado, mesmo
quando estes cometem ações mais indignas ou infames.
193
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 21-22.
194
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução: Paulo Quintela.
Lisboa: Edições 70, 2000. p 77.
195
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p. 28-29.
196
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 45.
53
Larenz198, instado a pronunciar-se sobre o personalismo ético
da pessoa no Direito Privado, reconhece na dignidade pessoal a prerrogativa de
todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua
existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio.
A constitucionalização do referido princípio ateu-se pelo
pensamento de Hannah Arendt, inicialmente na Alemanha, depois em várias
constituições e mais tarde na brasileira. A razão dessa constitucionalização partiu da
observação intensa das experiências nazistas e stalinistas199.
Foi na Alemanha, na Lei Fundamental de 23 de maio de 1949,
a primeira atribuição da dignidade da pessoa humana, como princípio e como direito
fundamental, estabelecendo em seu artigo 1º, nº. 1, que: “A dignidade humana é
inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais”, afirma
Silva200.
Com relação a atual Constituição Federal de 1988, Piovesan201
assim destaca:
A Carta de 1988 destaca-se como uma das Constituições mais
avançadas do mundo no que diz respeito à matéria. [...] a influência
no constitucionalismo Brasileiro das Constituições Alemã (Lei
Fundamental – Grundgesetz, 23.5.1949), Portuguesa (2.4.1976) e
Espanhola (29.12.1978), na qualidade de Constituições que primam
pela linguagem dos direitos humanos e da proteção à dignidade
humana.
A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a instituir o
princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento, projetando-o por todo
o sistema como: o político, jurídico e social. Mas a primeira menção quanto ao
197
SILVA, Jose Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia.
Revista de direito administrativo. p. 93.
198
LARENZ, Karl. Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978. p. 46.
199
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p. 32.
200
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia.
Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 212: 89-94, abr./jun. 1998. p. 89.
201
LEITE, George Salomão, PIOVESAN, Flávia etal. Dos princípios constitucionais.
Considerações em torno das normas principiológicas da constituição. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 190.
54
referido tema foi na Constituição de 1934, na qual ela relata expressamente
“existência digna”. A Constituição de 1937 não faz qualquer alusão ao tema por ser
totalmente autoritária. Volta a aparecer na Constituição de 1946, na mesma
expressão da de 1934, “existência digna” 202.
Assim, a Dignidade Humana foi expressamente positivada
pelo constituinte de 1988, e estabelecido como valor-guia do ordenamento jurídico,
como forma principiológica203. Conforme diz Silva204, não é o citado princípio uma
criação constitucional, e sim um valor, uma atribuição jurídica de grande valor
principiológico expressando sua incorporação ao sistema constitucional.
Em nosso ordenamento jurídico, o princípio se desdobra nos
seguintes sentidos: a) reverência à igualdade entre os homens; b) impedimento à
consideração do ser humano como objeto, degradando-se a sua condição de
pessoa; c) garantia de um patamar existencial mínimo: resulta na obrigação do
Estado em garantir à pessoa humana um patamar mínimo de recursos, capaz de
prover-lhe a subsistência205.
Assim, afirma Rothenburg206 que:
Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de
manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de
sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão
exclusivamente intelectual e, como todos os outros princípios,
também é sentido e experimentado no plano dos afetos.
Pereira207 comenta que o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, é o mais universal de todos os princípios, um grande princípio dos quais
202
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p. 48-51.
203
MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional
fundamental. p. 98.
204
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia.
Revista de Direito Administrativo. p. 91.
205
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado;
Esmafe, 2001.
206
207
ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 65.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização
jurídica da família. Belo Horizonte: Del Rey: 2006. p. 68.
55
todos os outros como o da liberdade, da autonomia privada, cidadania, igualdade e
solidariedade se propagam.
Para Sarmento208, o referido princípio representa o epicentro
axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento
jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações
privadas que se desenvolvem no seio da sociedade. O Estado tem o dever de
fomentar essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo para cada
ser humano.
O princípio da dignidade da pessoa humana significa uma
orientação para a ação positiva do Estado, garantindo o mínimo de referência de
dignidade para cada ser humano em seu território, e não apenas um limite para sua
atuação, diz Sarmento209.
Sobre a aplicabilidade do princípio constitucional da dignidade
da pessoa, reflete Nunes210:
Está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir
sua atuação social pautado no princípio fundamental estampado no
Texto constitucional. Aliás, é um verdadeiro supraprincípio
constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas
constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o
Princípio da dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em
nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas
jurídicas.
E ainda ressalta o autor citado que a Constituição Federal
institui o seu cumprimento sólido, claro e definido. Devendo se somar a outros
direitos fundamentais como direito à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada, à
honra e outros211.
208
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2000. p. 60 e 71.
209
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. p. 71.
210
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana:
doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 50-51.
211
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana:
doutrina e jurisprudência. p. 51.
56
3.2 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA APLICADO AO ART.
226 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Conforme o estudo acima demonstra, o princípio da dignidade
da pessoa humana é o maior princípio da vigente Constituição Federal, pois serve
de fundamento e meio de interpretação para todos os outros direitos, ele é inerente
a todo ser humano, é valor próprio, intrínseco, irrenunciável e inalienável, não
podendo sofrer qualquer restrição ou violação. Foi superado com o referido princípio
o individualismo, conferindo especial proteção à família pelo Estado212.
Tal princípio da Dignidade da Pessoa Humana, garante o
pleno desenvolvimento dos membros familiares, especialmente às crianças e
adolescentes, afirma Diniz213.
Destaca Pereira214, que o princípio em pauta, significa igual
dignidade para todas as famílias, não podendo dar tratamento diferenciado às várias
formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família.
Gama apud Dias215, diz que a dignidade da pessoa humana
encontra na família o solo apropriado para prosperar-se, dando proteção especial,
independentemente da origem da entidade familiar, preservando e desenvolvendo
as qualidades mais salientes entre os familiares, como o afeto a solidariedade, a
união, o amor, a confiança dentre outros.
No artigo 226, caput, da Constituição Federal de 1988, a
família é caracterizada como base da sociedade, e ao Estado é conferido prover sua
proteção. Conseqüentemente, é cláusula geral de inclusão não sendo admissível
excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e
ostensibilidade216. A união estável e a monoparental expostas, respectivamente, nos
212
CINTRA, Larissa Cavalcanti. A Inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002.
Disponível em <http://www.usinadaspalavras.com/ler.php?txt_id=11855> Acesso em 07 de
outubro de 2007.
213
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 25.
214
Pereira, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização
jurídica da família. p. 72.
215
Gama (apud Maria Berenice Dias), Curso de direito civil brasileiro: direito de família.
216
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família, in Direito de Família na
57
parágrafos 3º e 4º do referido artigo, dizem respeito a novas formas de família.
A Constituição Federal, vendo a necessidade de reconhecer a
existência de uniões familiares fora do casamento, com o intuito de também exercer
um controle social, se restringiu a conferir juridicidade às relações homossexuais,
simplesmente por preconceito e por não haver a diversidade de sexos217.
A interpretação do artigo 226 da atual Constituição Federal
dominante entre os civilistas é no sentido de tutelar apenas os três tipos de
entidades familiares, explicitamente previstos, configurando numerus clausus
218
.
Tais tipos de entidades familiares explicitadas nos parágrafos do então artigo são
meramente exemplificativos para alguns autores. Assim afirma Chiletto219:
O art. 226 e seus parágrafos são meramente exemplificativos e
que, além disso, o caput do art. 226 é, conseqüentemente, norma
geral de inclusão que tem como característica regular as hipóteses
não previstas na norma, desde que semelhantes a ela, de maneira
idêntica, onde só poderia ser excepcionada se existisse outra norma
de exclusão explícita, o que não ocorre, nesse caso, no
ordenamento jurídico pátrio.
A partir do momento em que se une ao conceito de família,
além dos relacionamentos decorrentes do casamento, também as uniões estáveis e
os vínculos monoparentais, faz-se necessário ser inserida no âmbito do Direito de
Família mais um tipo de vínculo afetivo: as relações homossexuais, chamadas de
relações homoafetivas, tendo em vista que nelas também existe afetividade, destaca
Dias220.
A Constituição Federal de 1988, em momento algum, veda o
relacionamento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. Não se pode dissociar o
conceito de família das experiências de relacionamentos afetivos que, por si,
Constituição de 1988, org.: Carlos Alberto Bittar, São Paulo: Saraiva, 1989. p. 95.
217
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 95-96.
218
LOBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família, in Direito de Família na
Constituição de 1988.
219
CHILETTO, Maria Claúdia Cairo. Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/
Dissertacoes/Integra.htm> Acesso em 07 de outubro 2008.
220
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 175.
58
constituem verdadeiras células da sociedade. A tipicidade da norma deve ser aberta
de modo que se flexibilize e se adapte à entidade familiar que surgir no decorrer dos
anos. Sendo assim, as uniões homossexuais que preencherem os requisitos de
afetividade,
estabilidade
e
ostensibilidade,
seriam
entidades
familiares
constitucionalmente protegidas221.
No sentido do cumprimento de tais requisitos, ressalta
Giorgis222:
Assim, não é desarrazoado, firme nos princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana e da igualdade, por analogia e com
suporte nos princípios gerais do direito, aplicar os mesmos efeitos
patrimoniais que se deslumbra da união estável, repartindo-se o
acervo angariado por parceiros em sua vida comum, desde que
vislumbre nesta os pressupostos da notoriedade, da publicidade, da
coabitação, da fidelidade, de sinais explícitos de uma verdadeira
comunhão de afetos.
A confirmação dos direitos dos casais homoafetivos223 está,
principalmente, no texto constitucional brasileiro, que aponta como valor basilar do
Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade da pessoa humana, a
liberdade e a igualdade, sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade de
intimidade e da vida privada. Como ensina Fachin224, a orientação sexual é direito
personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa a que, assim, como direito
fundamental, é um prolongamento de direitos da personalidade, imprescindíveis
para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e solidária.
Conforme ensina Rios225:
[...] o direito de família contemporâneo ruma cada vez mais para a
valorização das uniões de pessoas em que se estabelece uma
221
222
CINTRA, Larissa Cavalcanti. A Inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002.
Disponível em <http://www.usinadaspalavras.com/ler.php?txt_id=11855> Acesso em 07 de
outubro de 2007.
GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de
Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001. p. 144.
bens.
223
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 175-176.
224
FACHIN, Luiz Edson. Aspectos jurídicos da união de pessoas do mesmo sexo. Rio de Janeiro:
Renovar, 1997.p. 144
225
RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. p. 107-108.
59
comunhão de vida voltada para o desenvolvimento da
personalidade, mediante vínculos sexuais e afetivos duradouros,
sem depender mais de vínculos formais e de finalidades
reprodutivas. O que importa [...] é o reconhecimento da conjugação
de mútuos esforços, constituída a partir do entrelaçar de sexo e
afeto, presentes na construção cotidiana da vida de cada um dos
partícipes da relação.
A ligação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e
a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada
um, sem depender da orientação sexual, promete aos indivíduos a promoção
positiva de suas liberdades, como exposto no art. 1o, inciso III, da Constituição
Federal226.
A partir dessa reflexão, pode-se dizer que as relações de
homossexualidade fundadas no afeto e na sexualidade, de maneira livre e
autônoma, sem qualquer prejuízo de terceiros, faz parte da proteção da dignidade
humana, assim como as relações heterossexuais227.
Matos228 aduz que a dignidade existente na união entre
pessoas do mesmo sexo deve ser reconhecida, afinal é envolto pelo valor da pessoa
humana, que cada pessoa pode exercer livremente sua personalidade, segundo
seus anseios de foro íntimo. “A sexualidade está dentro do campo da subjetividade,
representando
uma
fundamental
perspectiva
do
livre
desenvolvimento
da
personalidade, e partilhar a cotidianeidade da vida em parcerias estáveis e
duradouras parece ser um aspecto primordial da experiência humana”.
Complementa Moraes229:
226
CINTRA, Larissa Cavalcanti. A Inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002.
Disponível em <http://www.usinadaspalavras.com/ler.php?txt_id=11855> Acesso em 07 de
outubro de 2007.
227
MOREIRA, Elaine Cristina. Os Relacionamentos Homoafetivos e a Cidadania. Disponível em
<http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/convidados/BKP/Os_relacionamentos.
doc>
Acesso em 07 de outubro de 2008.
228
MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 148.
229
MORAES, Maria Celina Bodin de. A união entre pessoas do mesmo sexo: uma análise sob a
perspectiva civil-constitucional. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, ano 1, v. 1,
Jan/ mar 2000. p. 97.
60
Os direitos de igualdade, de liberdade, de intimidade, direitos
fundamentais consubstancia-dores da cláusula geral da dignidade
da pessoa humana, e a proibição a qualquer forma de discriminação
impõem limites bastante demarcados no que tange à
impossibilidade de tratar de modo diverso as pessoas, com base em
sua orientação sexual, opção individual que integra a esfera do
lícito, que, merece, por todas estas razões, proteção jurídica
concreta e eficaz.
“Sob esse ponto de vista, a discriminação jurídica em não se
reconhecer uma relação afetiva entre sujeitos, devido à sua orientação sexual,
mostra-se inconstitucional, pois contrária à dignidade da pessoa humana” 230.
O juiz não pode, por carência de lei, negar um direito. Não
pode se esquecer que na própria lei há o reconhecimento de lacunas, o que não o
autoriza ser omisso, de acordo com a LICC, “não pode se pronunciar com um non
liquet (não está claro), abstendo-se de julgar alegando que não encontrou na lei
solução para o litígio”
231
. Assim expõe o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil:
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Para Dias232, não tem como escapar da analogia as demais
relações que se fundamentam no afeto, devendo o aplicador do direito reconhecer a
existência de uma unidade familiar à semelhança do casamento e da união estável.
Ressalta ainda a autora que o Estado que consagra como princípio o respeito à
dignidade da pessoa humana, deve reconhecer que todos os cidadãos têm direito
individual à liberdade, o direito social de escolha e do direito humano à felicidade.
Ilustrativamente, assim entende o Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Sul, um dos Tribunais mais renovadores, quanto a união
homoafetiva:
EMENTA: UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
230
MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais.
p. 149.
231
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 178.
232
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 99.
61
Observância dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa
humana. Pela dissolução da união havida, caberá a cada convivente
a meação dos bens onerosamente amealhados durante a
convivência. Falecendo a companheira sem deixar ascendentes ou
descendentes caberá à sobrevivente a totalidade da herança.
Aplicação analógica das leis nº 8.871/94 e 9.278/96. POR MAIORIA,
NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR233.
Destaca Matos234 que o princípio da dignidade deve dar fim ao
conteúdo normativo e não se resumir apenas a um apelo ético. Sendo assim o
referido princípio instrui a necessidade de providências que o implemente, e uma
forma de concretizá-lo é através das uniões homossexuais, sendo reconhecidas pelo
Direito. Atualmente ainda é reconhecido pela denominada “sensibilidade jurídica”,
que por meios dos sentidos implementam a justiça em respeito à dignidade da
pessoa humana.
Ainda ressalta a autora que:
Para se viver em dignidade, deve ser respeitado o livre
desenvolvimento da personalidade das pessoas, segundo sua
peculiar forma de ser. Não se pode excluir uma pessoa do sistema
jurídico tutelador das conseqüências da afetividade, como é o direito
de Família, em razão de sua orientação sexual, a qual é
constituidora de sua personalidade, sendo elemento essencial do
seu ser.
Diante desses elementos verifica-se que a família atual
reencontrou-se na afetividade, e não somente no casamento. E a respeito da
dignidade da pessoa humana, é fundamental para sua afirmação, que não seja
aceitável, juridicamente, preconceitos, nem restrições de direitos, sendo assim, a
aplicação da norma deve ser menos preconceituosa e mais ampla , a fim de que
melhor promova a Justiça. Entende-se que a maneira com que crescem os valores,
deve também o Direito acompanhar essa evolução.
Será apresentado abaixo, o Projeto de Lei de autoria da ex-
233
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70006844153. Relator: Catarina
Rita Krieger Martins. Data da Decisão: 18/12/2003
234
MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais.
p. 152-153.
62
deputada Marta Suplicy (Projeto Lei nº 1151/95), no qual há tentativa de dar um
tratamento digno aos homossexuais.
3.3 DO PROJETO DE LEI N° 1.151 DE 1995:
A
convivência
homoafetiva
não
possui
nenhuma
regulamentação no Direito Brasileiro. O Poder Judiciário já ficou várias vezes, diante
de situações onde casais do mesmo sexo, frente a litígios, buscam a tutela
jurisdicional para sua solução235. “O repúdio social de que são alvo as uniões
homossexuais inibiu o legislador constituinte de enlaçá-las no conceito de entidade
familiar”, como leciona Dias236.
Desde o ano de 1995, existe no Brasil um Projeto de Lei que
disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Trata-se do Projeto Lei nº
1.151, de autoria da deputada federal Marta Suplicy, e contém o seguinte slogan:
UM LEGÍTIMO DIREITO DE CIDADANIA237. O Deputado Roberto Jefferson, Relator
do Projeto, apresentou um substitutivo, mas a resistência pela massa conservadora
ainda perseverou238.
O substitutivo adotou o princípio monogâmico ao dispor que
“[...] é nulo de pleno direito o contrato de parceria registrada feito com mais de uma
pessoa ou quando houver infração ao § 2º do artigo 2º [...]”.
Quanto aos nomes dos projetos, destaca Dias239:
Na justificativa do Projeto – nominado inicialmente de “união civil” -,
de forma explícita está dito que ele não pretende dar às parcerias
homossexuais um status igual ao do casamento. Ainda assim – e
provavelmente em face da aparente simetria com o termo “união
235
236
237
CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008.
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 137.
CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008.
238
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 138.
239
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 138.
63
estável” -, o substitutivo foi aprovado sob o cognome de “parceria
civil registrada”.
O referido Projeto de Lei possui 18 artigos que objetivam,
basicamente, o direito à herança, benefícios previdenciários, seguro saúde conjunto,
declaração conjunta do imposto de renda e o direito à nacionalidade no caso de
estrangeiros às pessoas do mesmo sexo que tiverem reconhecida a sua união
civil240.
Não propõe o projeto, conforme aduz Brito241:
Dar status de casamento ao contrato de Parceria Civil Registrada;
usar sobrenome do outro; mudar o estado civil durante a vigência do
contrato; constituir família; adoção; tutela ou guarda de crianças ou
adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos
parceiros.
No que diz respeito ao seu êxito, prossegue a mesma autora
ressaltando que devem as pessoas do mesmo sexo, solteiras, viúvas ou divorciadas
registrarem em Cartório um contrato de parceria civil. Deve o contrato tratar sobre
patrimônio, deveres, impedimentos e obrigações mútuas (artigo 3º242). Desfaz- se por
desistência de uma das partes, morte de um dos contratantes ou mediante
decretação judicial (artigos 4º e 5º243). Não pode o contrato ser assinado por mais de
uma pessoa, nem casar os contratantes durante a vigência do mesmo244. No
substitutivo, foram inseridas as proibições de quaisquer disposições sobre adoção,
240
CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008.
241
BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p.
57.
242
BRASIL. Projeto de Lei nº 1. 151/95. “Art. 3º O contrato de união civil será lavrado em Ofício de
Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres,
impedimentos
e
obrigações
mútuas”.
Disponível
em
<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de
2008.
243
BRASIL. Projeto de Lei. “Art. 4º - A extinção da união civil ocorrerá: I - pela morte de um dos
contratantes; II - mediante decretação judicial; III- de forma consensual, homologada pelo juiz. Art.
5º - Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil: I - demonstrando a infração
contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando desinteresse na sua continuidade”.
Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de
novembro de 2008.
244
BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p.
57.
64
tutela ou guarda de crianças e adolescentes, mesmo sendo filho de um dos
parceiros245.
A solenidade é pressuposto do direito de parceria civil
registrada, posto que, em conformidade com o artigo 2º, § 1º, III246 e artigo 3º, há de
haver o instrumento público lavrado em Cartório de Notas para que a parceria seja
levada a registro247.
O efeito que decorre da extinção da parceria (artigo 6º248), é a
partilha de bens dos parceiros. Tal deve obedecer às cláusulas inseridas no contrato
quanto da instituição da parceria. Aos bens adquiridos, se não houver a cota
disposta em contrato, haverá condomínio. Estipulada a proporção em contrato
escrito ou no próprio documento, estes prevalecerão249.
Dias250 discorre que sobre a disposição patrimonial dispõe a
eficácia perante terceiros, em seu artigo 8º, § 1º. É concedido proteção ao direito de
propriedade e garantido o direito a sucessão (artigo 13º251), e ainda ressalta que:
245
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 140.
246
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 2º - A união civil entre pessoas do mesmo sexo
constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais na
forma que segue. [...]III - instrumento público de contrato de parceria civil”. Disponível em <
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de
2008.
247
BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Críticas ao projeto de lei n.º 1.151/95 que institui a
parceria
civil
entre
pessoas
do
mesmo
sexo.
Disponível
em
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=194> Acesso em 13 de outubro
de 2008.
248
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 6º - A sentença que extinguir a união civil conterá a
partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no instrumento público”. Disponível
em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro
de 2008.
249
BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Críticas ao projeto de lei n.º 1.151/95 que institui a
parceria
civil
entre
pessoas
do
mesmo
sexo.
Disponível
em
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=194> Acesso em 13 de outubro
de 2008.
250
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 139.
251
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 13º - São garantidos aos contratantes de parceria civil
registrada com pessoas do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão,
nas seguintes condições: I – o parceiro sobrevivente terá direito, desde que não firme novo
contrato de parceria civil registrada, ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, se houver
filhos desde; II – o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria civil
registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não hpuver filhos, embora não
sobrevivam ascendentes; III – na falta de descendentes e asceendentes, o parceiro sbrevivente
65
Na falta de herdeiros necessários, é assegurada ao parceiro a
totalidade da herança (art. 13, inc. III). Mas, havendo descendentes
ou ascendentes, só se concederá a metade do patrimônio que
resultar da atividade em que haja a colaboração do parceiro (art. 13,
inc. IV). Enquanto não registrado outro contrato, é concedido o
usufruto da metade (art. 13, inc. II) ou de um quarto dos bens (art.
13, inc. I).
Se comprovar a condição de dependente do segurado, é
garantido o benefício previdenciário (artigo 10252), inclusive na órbita da
administração pública (artigo 12253) e todos os direitos advindos de planos de saúde
e seguro de vida em grupo, e a composição de rendas para aquisição da casa
própria (artigo 16254) 255.
Por fim, o artigo 17256, para efeito de legislação tributária, será
admitida aos parceiros a inscrição como dependentes, para fins de imposto de
renda257.
terá
direito
à
totalidade
da
herança;
[...]”.Disponível
em
<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de
2008.
252
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 10 – Registrado o contrato de parceria civil de que trata
esta Lei, o parceiro será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na
condição
de
dependente
do
segurado”.
Disponível
em
<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de
2008.
253
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “ Art. 12 – No âmbito da Administração Pública, os Estados,
os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através da legislação própria, os benefícios
previdenciários e seus servidores que mantenham parceria civil registrada com pessoa do mesmo
sexo”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em
01 de novembro de 2008.
254
255
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 16 – É reconhecido aos parceiros o direito
composição de rendas para aquisição da casa própria e todos os direitos relativos a planos
saúde
e
seguro
de
grupo”.
Disponível
em
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro
2008.
de
de
<
de
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 139-140.
256
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 17 – Será admitida aos parceiros a inscrição como
dependentes
para
efeitos
de
legislação
tributária”.
Disponível
em
<
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de
2008.
257
BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Críticas ao projeto de lei n.º 1.151/95 que institui a
parceria
civil
entre
pessoas
do
mesmo
sexo.
Disponível
em
<http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=194> Acesso em 13 de outubro
de 2008.
66
“Os dois últimos artigos, 18258 e 19259 cuidam, respectivamente,
do início de vigência na data em que for publicada a lei, e da revogação de
disposições em contrário”, conforme Brito260.
Tal projeto não diverge muito do casamento, já que os
contratantes irão viver sob o mesmo teto, declararão imposto de renda
conjuntamente, terão benefícios previdenciários e seguro saúde. Tal qual um
matrimônio. Todavia, sob o aspecto técnico-jurídico, as diferenças existentes entre o
casamento e o projeto de união civil são inúmeras261.
No casamento, os cônjuges praticamente aderem às cláusulas
existentes que irão regular toda a convivência do casal, podendo apenas escolher
qual será o regime de bens e adotar as regras pertinentes ao regime escolhido. No
projeto de lei, tais fatos serão especificados conforme a livre opinião dos
contratantes. Neste passo, a União Civil objetiva estabelecer um contrato que
assegure aos contratantes o direito de herança e sucessão, aos benefícios
previdenciários, sem ter o "status" de casamento262.
Mas há no contrato de parceria uma semelhança, uma
evidência, uma finalidade familiar, pois não cria somente efeitos patrimoniais, como
cria também efeitos pessoais, e outros dispositivos como inclusão do parceiro na
vocação hereditária, usufruto legal263.
Além da não aprovação das igrejas, das religiões, da
sociedade, há também pressão das Forças Armadas, impedindo a presença de
258
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 18 – Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>.
Acesso em 01 de novembro de 2008.
259
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 19 – Revogam-se as disposições em contrário”.
Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de
novembro de 2008.
260
BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p.
61.
261
CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id= 554> Acesso em 08 de outubro de 2008.
262
CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008.
263
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 141.
67
homossexuais em suas fileiras264.
3.3.1 Histórico de sua Tramitação nas Casas Legislativas Pátrias
Apresentar-se-ão as principais fases da tramitação do Projeto
de Lei nº 1.151/95.
Em 26 de outubro de 1995, foi o referido projeto apresentado
em plenário pela autora, Deputada Marta Suplicy, sendo em seguida encaminhado à
mesa para despacho inicial, tendo ainda tramitação pelas diversas comissões.
No dia 21/11/95 - O projeto é despachado para a Comissão de
Seguridade Social e Família, Comissão do Trabalho, Assistência Social e
Previdência e Comissões de Constituição e Justiça265;
Em 23/11/95 - É indicado como relator na Comissão de
Seguridade Social e Família, o deputado Jofran Frejat, do PFL-DF266;
Logo em seguida, em data de 04/12/95 - Não foram
apresentadas emendas ao projeto267;
No dia 14/03/96 - O projeto é redistribuído para a deputada
Rita Camata, do PMDB-ES268;
Após, dia 21/03/96 - O projeto é devolvido pela relatora,
deputada Rita Camata, sem parecer269;
264
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 141-142.
265
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
266
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
267
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
268
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
68
Em seguida, dia 27/03/96 - É deferido Requerimento da
Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, incluindo esta
comissão entre aquelas nas quais o projeto deveria tramitar. Em consequência, a
Mesa da Câmara determinou a constituição de Comissão Especial, nos termos do
artigo 34, inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados270;
Depois, em 12/06/96 - Ato da Presidência (Deputado Luís
Eduardo Magalhães) decide constituir Comissão Especial destinada a proferir
Parecer sobre o projeto de lei nº 1.151/95. É instalada a Comissão, sendo eleitos
Presidente a deputada Maria Elvira, do PMDB-MG e relator o deputado Roberto
Jefferson, do PTB-RJ271;
No dia 26/11/96 - Apresentado o parecer favorável com
substitutivo, do deputado Roberto Jefferson272;
Logo depois, dia 10/12/96 - Aprovação do parecer do relator,
Roberto Jefferson, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa e, no
mérito, pela aprovação do projeto, com substitutivo, contra os votos dos deputados
Jorge Wilson, Philemon Rodrigues, Wagner Salustiano e, em separado, dos
deputados Salvador Zimbaldi e Severino Cavalcanti273;
269
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
270
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
271
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
272
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
273
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
69
Seguidamente, no dia 11/12/96 - Plenário. Discussão em turno
único. Aprovado requerimento do deputado Odelmo Leão, líder do PPB e outros,
solicitando o adiamento da discussão por 10 sessões274;
Em Janeiro/97 - O projeto foi incluído na pauta da Convocação
Estraordinária da Câmara dos Deputados, mas não chegou a ser apreciado275;
No mesmo ano, em 25/06 - Plenário. Discussão em turno
único. Adiada, em face do término da sessão276;
No dia 04/12/97 - Última ação: Plenário. Discussão em turno
único. Rejeição do requerimento da deputada Marta Suplicy, na qualidade de líder
do bloco PT/PDT/PCdoB/, solicitando a retirada da pauta de votação da ordem do
dia. Feita a verificação e constatada a falta de quorum, a sessão foi suspensa277.
Segundo notícia, Assis diz que: “Atualmente, encontra-se o
projeto em tramitação, tendo sido levado à votação no último dia 09 de maio de
2001, sendo novamente adiado, aguardando nova designação de data para
discussão” 278.
Como se observa, o Projeto de Lei nº 1.151/95, já percorreu
um longo caminho rumo à aprovação. Todavia, muito ainda há de ser feito, discutido
e amadurecido, ou seja, há muito chão pela frente.
274
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
275
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
276
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
277
O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em
<http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de
outubro de 2008.
278
ASSIS, Reinaldo Mendes de. União entre homossexuais: aspectos gerais e patrimoniais.
Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2432> Acesso em 13 de outubro de
2008.
70
3.4 HOMOSSEXUALIDADE NO DIREITO ESTRANGEIRO: BREVE INCURSÃO
Embora o Direito pátrio ainda não tenha positivado os direitos
dos casais homoafetivos, em outros países a realidade é bem diversa da nossa.
Assim, desde 1986 a Dinamarca reconhece alguns direitos
patrimoniais entre casais homossexuais. A união civil foi legalizada em 1989279.
Conforme aduz Matos280: “Estabeleceram-s direitos e deveres às pessoas que
realizam o registro de sua união, semelhantemente aos previstos para os cônjuges,
com duas relevantes exceções concernentes à adoção e à procriação assistida”.
“A Noruega promulgou a Lei do Registro de Parcerias de
Casais Homossexuais em 30 de abril de 1993, sendo proibida a adoção. A questão
patrimonial foi resolvida segundo a meação”, afirma Jenczak281.
Em fevereiro de 1994, a Groelândia foi o terceiro país a adotar
a parceria registrada. Ministra de assuntos sociais requisitou à Rainha da Dinamarca
a extensão da lei para seu território, prossegue o mesmo autor282.
O parlamento sueco, desde o dia 1º de janeiro de 1995,
reconhece a "paternariat", que oficializa os laços entre pessoas do mesmo sexo283.
No ano de 1998, na Holanda, foram os companheiros
homossexuais beneficiados com o registro. Em julho de 1997 foi aprovado o registro
da união. Em 2001, consentiu-se aos homossexuais os mesmo direitos matrimonias
que possuem os heterossexuais. Foi o primeiro país a estender o regime de
casamento aos parceiros homossexuais284.
279
CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008.
280
MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais.
p. 92.
281
JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas à luz dos Princípios
Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 93.
282
JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas à luz dos Princípios
Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 94.
283
CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008.
284
JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas à luz dos Princípios
71
Várias cidades dos Estados Unidos, como São Francisco, em
1991, e Nova Iorque, em 1993, reconhecem aos casais homossexuais alguns
direitos patrimoniais, seguro saúde e outros285.
No Havaí, três casais de homossexuais promoveram em 1991
uma ação judicial contra o Estado por negar licença para casar. Em 1993, a
Suprema Corte reconheceu o direito ao casamento, com o fundamento de que feria
a Emenda Constitucional que consagra a isonomia a todos286.
Uma grande conquista ocorreu em 15 de maio de 2008,
quando a Suprema Corte da Califórnia declarou inconstitucionais as leis que
proíbem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Entrou em vigor no mês de
junho de 2008, quando foi aprovada a Lei de casamento entre homossexuais,
conforme reportagem extraída do site jornalístico Gazeta do Povo287 abaixo:
A partir desta segunda-feira (16), às 17h01 da Califórnia (21h01 de
Brasília), casais homossexuais poderão se casar, fazendo do
estado o segundo a permitir a união civil entre pessoas do mesmo
sexo. A decisão foi tomada pela Suprema Corte da Califórnia há
um mês e entra em vigor ainda hoje.
[...]
O estado da Califórnia já permitia a união civil entre gays, mas
agora as uniões terão todos os benefícios e os deveres de um
casamento tradicional. A proibição baseava-se em duas leis
estaduais, de 1977 e de 2000, banidas pelo Supremo. O primeiro
estado a liberar o casamento gay foi Massachusetts.
No Canadá, há cidades que concedem igualdade de direitos
aos casais heteros e homossexuais288.
Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 95.
285
286
CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008.
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 52.
287
Lei de casamento entre homossexuais começa a valer nesta segunda-feira. Disponível em
<http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/mundo/conteudo.phtml?tl=1&id=777123&tit=> Acesso em
13 de outubro de 2008.
288
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 52.
72
Em Portugal, depois da exclusão da parceria homossexual da
legislação matrimonial de 1999, o Parlamento, em 15 de março de 2001,
surpreendeu a todos. A Lei n. 7/2001 revogou a Lei n. 135/ 1999”. Estipulando que
tanto hétero como homossexuais que vivam em união de fato por mais de dois anos
possuem tutela jurídica semelhante a dos heterossexuais unidos pelo casamento289.
“Na Espanha, trinta cidades registram a união civil entre
pessoas do mesmo sexo; dentre elas, Barcelona, Córdoba, Granada, Ibiza e Toledo”
290
.
Na América Latina, a Lei no1004/2002, de Buenos Aires,
aprovada na sessão do dia 12 de dezembro de 2002, ao reconhecer como entidade
familiar “a união formada livremente por duas pessoas independentemente de seu
sexo ou orientação sexual” (artigo 1o), conferiu igualdade de tratamento protetivo
com a família formada pelo casamento, determinando, expressamente, a proteção
jurídica das pessoas que integram a união homossexual291.
Em função de todo estudo acima, vale ressaltar que as uniões
homoafetivas são uma realidade mundial que reúne objetivos comuns a qualquer
união heterossexual, devendo, desta maneira, o Estado tutelar, juridicamente, tais
uniões.
289
MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais.
p. 103-104.
290
DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 54.
291
MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais.
p. 119-120.
73
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
presente
trabalho
teve
como
objetivo
investigar,
à luz da legislação e da doutrina nacional, os aspectos jurídicos inerentes às
relações homoafetivas, um fenômeno social que, como tal, possui relevância
jurídica.
O interesse pelo tema foi em razão da sua polêmica e
atualidade.
Para seu desenvolvimento lógico, o presente trabalho
monográfico foi desenvolvido em três capítulos.
O Capítulo 1, tratou de abordar a evolução da instituição
familiar e sua conceituação no Direito Romano e Grego Antigos. Também se
verificou a conceituação, a finalidade e as espécies de entidades familiares no
contexto brasileiro, bem como a homossexualidade na Antigüidade, na atualidade e
as suas causas.
Verificou-se que na legislação são reconhecidas três espécies
de família que são as advindas do casamento, da união estável e a monoparental.
Mas a doutrina já são aceita novas formas de famílias, como as homossexuais, por
preencherem requisitos básicos, tais como: a afetividade, a publicidade, a
durabilidade, a honorabilidade. A situação homossexual frente à família ainda não é
aceita. Verificou-se que a homossexualidade foi considerada, pela influência
religiosa, uma doença. Já na Idade Média, e nos dias atuais, é considerada como
uma característica individual, inerente à vontade humana.
No segundo capítulo, apontaram-se questões sobre a união
estável e as uniões homoafetivas no ordenamento jurídico brasileiro. Constatou-se a
possibilidade do reconhecimento jurídico da sociedade de fato entre os casais do
mesmo sexo. Há correntes doutrinárias que o equiparam à união estável através da
analogia e baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e
igualdade. Verificou-se, ainda, o reconhecimento de Direitos Sucessórios e
74
Previdenciários aos casais homossexuais.
No Capítulo 3 e último desta monografia, tema central da
pesquisa, estudou-se o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana,
aplicado ao instituto familiar. Também tratou do Projeto de Lei nº 1.151/95, de
autoria de Marta Suplicy, bem como seu substitutivo. Fez-se também uma
abordagem breve no Direito Estrangeiro da situação dos homossexuais.
Constatou-se que com o princípio da dignidade da pessoa
humana impõem-se o reconhecimento de família a todas as entidades com fins
afetivos. A exclusão de qualquer delas, seja por qualquer motivo, viola o referido
princípio. Sendo assim, as uniões homossexuais seriam entidades familiares por
preencher tal requisito de afeto. A legislação não traz elementos que autorizem, mas
também não proíbe a união homossexual. Deve qualquer cidadão, independente do
sexo, ter direito a sua dignidade, conforme preconiza a Constituição Federal de
1988, em seu artigo 1º, inciso III.
O citado Projeto de Lei visa proporcionar a garantia de alguns
direitos específicos, enaltecendo a cidadania e a dignidade da pessoa humana aos
casais homoafetivos.
Considerando que o Direito deve sempre seguir o momento
social, o qual está em constante transformação, e que o fato social antecede ao
jurídico, muitas leis estão sendo formuladas e reformuladas para atenderem à
realidade social. Conforme demonstrado no decorrer deste trabalho, a união
homossexual é um tema bastante polêmico, não possuindo os juízes um ponto
sólido de apoio no Código Civil e nem se encontra reconhecida, de forma explícita,
na Constituição Federal, clamando assim pelo seu reconhecimento, afinal está
ligada pelos laços da afetividade assemelhando-se à união estável, da qual difere
apenas pela falta da diversidade de sexos.
A seguir, serão revistas as três mencionadas hipóteses
realizando-se as análises, em conformidade com o resultado da pesquisa:
Hipótese 1: Com a promulgação da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 226, duas espécies de família
75
foram, expressamente, acolhidas ao lado da consagrada família matrimonial, que
são: a família oriunda da união estável e a família monoparental. Assim, naquela
oportunidade, as uniões homoafetivas não receberam amparo no ordenamento
jurídico pátrio.
Esta hipótese restou PARCIALMENTE CONFIRMADA, uma
vez que o texto constitucional abre uma pluralidade de novos modelos de família,
como a União Estável e Monoparental, porém, não enquadra a união homoafetiva
neste instituto. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º prescreve
que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem
e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em
casamento”. As uniões homoafetivas, mesmo que ainda sejam alvos de
preconceitos, não se “escondem” mais, e estão cada vez mais a exigir soluções, e
perante as construções doutrinárias são reconhecidas como uma entidade familiar,
demonstrando sua importância.
Hipóteses 2: O instituto da união estável é apontado,
dentre outros caracteres, pela sua informalidade, notoriedade ou publicidade,
estabilidade, afetividade e intenção concretizada de formar família. Tais caracteres
começam a ser identificados, também, nas uniões homoafetivas.
Resta
CONFIRMADA
a
hipótese,
afinal
tais
uniões
homossexuais também associam afeto, informalidade, notoriedade, estabilidade, a
intenção de concretizar família e a finalidade do interesse comum, podendo ser tais
uniões equiparadas à união estável.
Hipótese 3: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
comporta muitas discussões sobre a possibilidade de positivação das uniões
homoafetivas no Brasil. Neste sentido, dentre alguns projetos de lei que foram
elaborados com base neste princípio, destaca-se o Projeto n°. 1151/95, pelo seu
conteúdo e peculiaridades da tramitação. Neste, as uniões homoafetivas passam a
ser chamadas de parceria civil registrada, implicando um novo estado civil e
mudança de nome. Há, também, previsão quanto aos efeitos jurídicos pessoais e
dissolução.
Tal hipótese resta PARCIALMENTE CONFIRMADA. O Projeto
76
Lei nº 1151/95, disciplina parceria civil registrada entre pessoa do mesmo sexo e dá
outras providências, tais como efeitos jurídicos pessoais e sua dissolução. Não
implicando um novo estado civil, nem mudança de nome.
O encarte que acompanha o projeto contém as seguintes
explicações: “Trata-se de um projeto que procura reconhecer e assegurar um
legitimo direito de cidadania, dignidade e respeito aos direitos humanos de milhares
de pessoas que, por sua orientação sexual, não podem ter seus direitos negados”.
Diante do exposto, a valorização da dignidade da pessoa humana, é concebida
como característica e elemento fundamental do Estado, não podendo proporcionar
qualquer discriminação baseada em características pessoais individuais, referindose, também, à liberdade sexual do indivíduo. Não se pode admitir desrespeito ou
prejuízo em função de sua orientação sexual.
77
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