UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO UNIÕES HOMOAFETIVAS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA DISCUSSÃO À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA KARIN PETROPULOS NASCIMENTO Itajaí (SC), novembro de 2008. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS - CEJURS CURSO DE DIREITO UNIÕES HOMOAFETIVAS NO DIREITO BRASILEIRO: UMA DISCUSSÃO À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA KARIN PETROPULOS NASCIMENTO Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professora MSc Maria Fernanda Gugelmin Girardi Itajaí (SC), novembro de 2008. AGRADECIMENTOS: A Deus, que sempre me abençoou com saúde, tornando possível a realização deste trabalho. À professora Maria Fernanda que, tão dedicada e atenciosa me ajudou na orientação desse trabalho. A todos os meus amigos Arthur, Ana, Camila, Cynthia e Kath pela amizade maravilhosa que cultivamos e pelo apoio dado em todos os momentos. ESTE TRABALHO DEDICO: À minha mãe Afrodite, meu exemplo de VIDA, a quem tudo devo, por sua renúncia, sacrifício, carinho e amor, aos quais jamais saberei retribuir na mesma intensidade; Ao meu pai Venícius pelo exemplo de trabalho, caráter e pela oportunidade da realização deste sonho; Aos meus irmãos, Alexandre, Clearcus, Marcus e Guilherme, pela certeza do amor que nos aproxima; Ao meu namorado Rafael, que mesmo morando longe, sempre esteve próximo me incentivando com muito carinho e amor. Não somos todos iguais, somos diferentes, e não há na vida nenhuma qualidade tão universal como a diferença. (Montaigne) A busca constante por uma autenticidade possível, confere dignidade e sentido à nossa vida. (Ernest Sarlet) TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí (SC), 18 de novembro de 2008. Karin Petropulos Nascimento Graduanda PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Karin Petropulos Nascimento, sob o título "Uniões homoafetivas no direito brasileiro: uma discussão à luz do princípio constitucional da dignidade humana", foi submetida em 18 de novembro de 2008 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Maria Fernanda Gugelmin Girardi [Orientadora e Presidente da Banca] e Ana Lúcia Pedroni [Membro] e aprovada com a nota 10 [Dez]. Itajaí (SC), 18 de novembro de 2008. Prof. MSc. Maria Fernanda Gugelmin Girardi Orientadora e Presidente da Banca Prof. MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE CATEGORIAS Rol de categorias1 que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2. Casamento “o casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher, livres, que se unem, segundo as formalidades legais, para obter auxílio mútuo material e espiritual de modo que haja uma integração fisicopsíquica, e a constituição de uma família” 3. Dignidade humana “A dignidade humana constitui valor fundamental da ordem jurídica para a ordem constitucional que pretenda se apresentar como Estado democrático de direito. [...] É valor jurídico fundamental da comunidade. [...] É qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida. Não é criada, nem concedida pelo ordenamento jurídico, motivo por que não pode ser retirada, pois é inerente a cada ser humano” 4. Dissolução da União Estável “Pode-se afirmar que a dissolução das uniões de fato, sejam as mesmas sociedades de fato ou não, opera-se tanto por vontade das partes quanto pela morte de qualquer dos consortes. A dissolução por ato de vontade pode efetivar-se por mútuo acordo ou por iniciativa de qualquer dos companheiros, quando não mais houver 1 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”; PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 40. 2 “Conceito Operacional (= cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos”. PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. p. 56. 3 DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 195-196. 4 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria d Advogado, 2007. p. 3741. interesse na continuidade da convivência”.5 Entidade familiar “[...] se deve entender toda e qualquer espécie de união capaz de servir de acolhedouro das emoções e das afeições dos seres humanos” 6. Família “Família é o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção” 7. Família Monoparental “É a Família constituída quando uma pessoa, que pode ser homem ou mulher, encontra-se sem cônjuge ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças, às quais a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 referiu-se como descendentes” 8. Homossexual “[...] a sensação de estar apaixonado, de se envolver amorosamente, ou sentir atração erótica por pessoa de sexo semelhante[...]”9. Homossexualidade “[...] comportamento sexual de atração por pessoas do mesmo sexo” 10. Parceria Civil Registrada 5 LUZ, Valdemar P. da. Manual do advogado. 15 ed. rev. e ampl. Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 319 6 Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Entidade_familiar> Acesso em 13 de outubro de 2008. 7 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 12. 8 LEITE, Eduardo de Oliveira. Família Monoparentais. A situação jurídica de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. p. 22. 9 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p.22. 10 NAHAS, Luciana Faísca. União Homossexual: Proteção Constitucional. Curitiba: Juruá, 2008. p. 111. É a possibilidade de oficializar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, sendo que não se confunde nem com o instituto casamento, nem com o da união estável. A possibilidade de regularizar uma situação de união homossexual já existente tornará estes relacionamentos mais estáveis, na medida em que serão solucionados problemas práticos, legais e financeiros 11. Proposta legislativa “Proposição provisória de uma lei; projeto de lei” 12. Sociedade de Fato “[...] é aquela não constituída juridicamente mas, que, no mundo dos fatos, se amolda ao conceito do art. 1363 do CCB: ‘Celebram contrato de sociedade as pessoas, que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns’. Assim, em princípio, sociedade de fato não pressupõe relacionamento prolongado e estável; pode existir entre parceiros antes de se falar em entidade familiar e independentemente dela. Sem família, a sociedade de fato é questão obrigacional” 13. União estável “É a relação lícita entre um homem e uma mulher em constituição de família, chamados os participes desta relação de companheiros”.14 União homoafetiva “Entidade composta por duas pessoas do mesmo sexo, com vistas à convivência, em conformidade de esforços e pensamentos, que interagem com seus sentimentos 11 12 DIAS, Maria Berenice. União Homossexual: O preconceito & a justiça. 2. ed. ver. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 292-293. JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 17. à luz dos Princípios 13 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. 2ª ed., 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2003. p. 131. 14 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de familia. 38 ed. re. e atual. v 2. São Paulo. Saraiva, 2007.p 30. e emoções [...]” 15. Sexualidade “[...] é uma experiência individual regida por diferentes desejos e condutas que a tornam um processo absolutamente pessoal e natural. A forma como cada indivíduo se percebe como um ser sexual, é intrínseca à sua natureza e não pode ser modificada por fatores externos como a moral, a religião e a imposição de papéis sexuais [...] 16. 15 16 JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 18. à luz dos Princípios Disponível em < http://www.museudosexo.com.br/5_home.asp> Acesso em 13 de outubro de 2008. SUMÁRIO RESUMO .............................................................................................. XIV INTRODUÇÃO .........................................................................................1 CAPÍTULO 1 ............................................................................................4 FAMÍLIA E HOMOSSEXUALIDADE: PANORAMA HISTÓRICO ...........4 1.1 DA FAMÍLIA .......................................................................................................... 4 1.1.1 Origem e Evolução na Visão de Friedrich Engels ....................................... 4 1.1.2 Conceito de Família no Direito Romano e Grego Antigos .......................... 8 1.1.3 Conceituação e Finalidades Atuais da Instituição Familiar...................... 11 1.1.4 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e as Espécies de Família................................................................................................................. 14 1.2 DA HOMOSSEXUALIDADE ............................................................................... 18 1.2.1 Homossexualidade na Antigüidade Clássica ............................................. 18 1.2.2 Conceituação Atual de Homossexualidade ................................................. 23 1.2.3 Causas da Homossexualidade...................................................................... 24 CAPÍTULO 2 ..........................................................................................29 UNIÃO ESTÁVEL E HOMOSSEXUALIDADE: PANORAMA JURÍDICO ATUAL....................................................................................................29 2.1 DA UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO BRASILEIRO ............................................ 29 2.1.1 Conceituação.................................................................................................. 29 2.1.2 Pressupostos Básicos para a Caracterização da União Estável ............... 32 2.1.3 Efeitos Jurídicos Sociais, Pessoais e Patrimoniais da União Estável....... 35 2.1.4 Dissolução da União Estável......................................................................... 38 2.2 UNIÕES HOMOAFETIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO............. 41 2.2.1 Aproximação entre União Estável e União Homoafetiva ............................ 41 2.2.2 Ação de Dissolução de Sociedade de Fato.................................................. 45 2.2.3 Direitos Sucessórios...................................................................................... 46 2.2.4 Direitos Previdenciários ................................................................................ 48 CAPÍTULO 3 ..........................................................................................50 PRINCÍPIO DA DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA E HOMOSSEXUALIDADE: PERSPECTIVAS JURÍDICAS ......................50 3.1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.................................. 50 3.2 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA APLICADO AO ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988... 56 3.3 DO PROJETO DE LEI N° 1151 DE 1995 ........................................................... 62 3.3.1 Histórico de sua Tramitação nas Casas Legislativas Pátrias .................... 67 3.4 HOMOSSEXUALIDADE NO DIREITO ESTRANGEIRO: BREVE INCURSÃO.. 70 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................73 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................77 RESUMO O tema proposto no presente trabalho monográfico tem como objeto o estudo sobre os problemas atinentes à união homossexual, quanto ao reconhecimento dos seus relacionamentos, à luz do princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. O tema em questão é controverso, mas pelo simples fato de existirem tais uniões homoaetivas em nossa sociedade, possui o assunto relevância, não podendo ser deixado sem uma solução jurídica. Verifica-se a perspectiva de recepção das uniões homoafetivas pelo ordenamento jurídico brasileiro, com base na legislação, doutrina e, principalmente, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Descreve a obtenção de dados históricos sobre a instituição familiar e, paralelamente, sobre a homossexualidade, segundo a legislação e doutrina brasileira; delinear o instituto da união estável no vigente Direito Positivo Brasileiro com o fito de verificar sua aproximação às uniões homoafetivas; verificar, como base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o teor e a tramitação do Projeto de Lei n°. 1151/95, que visa ao reconhecimento das uniões homoafetivas no Brasil. Para atingir seus objetivos, aborda-se a evolução e ainda as modificações mais recentes relativas à família. Procura-se evidenciar os mais variados aspectos das questões relativas à homossexualidade e a dificuldade em identificar as uniões homossexuais como entidades familiares. Por fim, com base na afetividade existente nas uniões de pessoas do mesmo sexo, procura-se evidenciar, através da legislação e doutrina, o princípio da dignidade da pessoa humana. A Metodologia aplicada foi o método indutivo. 1 INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto as uniões homoafetivas no direito brasileiro: uma discussão à luz do princípio constitucional da dignidade humana O objetivo institucional é o de produzir a presente Monografia para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí. O objetivo geral é verificar a perspectiva de recepção das uniões homoafetivas pelo ordenamento jurídico brasileiro, com base na legislação, doutrina e, principalmente, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Os objetivos específicos são: - Obter dados históricos sobre a instituição familiar e, paralelamente, sobre a homossexualidade, segundo a legislação e doutrina brasileira; - Delinear o instituto da união estável no vigente Direito Positivo Brasileiro com o fito de verificar sua aproximação às uniões homoafetivas; - Verificar, como base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o teor e a tramitação do Projeto de Lei n°. 1151/95, que visa ao reconhecimento das uniões homoafetivas no Brasil. Quanto à Metodologia17 empregada, registra-se que nas fases de Investigação e do Relatório dos Resultados, foi utilizado o Método Indutivo18, acionadas as Técnicas do Referente19, da Categoria20, do Conceito Operacional21 e 17 “Na categoria metodologia estão implícitas duas categorias diferentes entre si: método de investigação e técnica”. Conforme PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica-idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2002, p. 87 (destaque no original). 18 Referido método se consubstancia em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral.” In: PASOLD, César Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica-idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 104. 19 “REFERENTE é a explicitação prévia do motivo, objetivo e produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 62. 20 “Categoria é a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia” In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o 2 da Pesquisa Bibliográfica. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da Família, fazendo uma análise histórica, como a sua origem e evolução, a sua conceituação no Direito Romano e Grego antigos, a conceituação e a finalidade atual da entidade familiar, e as espécies de famílias constitucionalizadas. Tratar-se-á da homossexualidade antiga e atual, bem como suas causas. No Capítulo 2, tratar-se-á da União Estável, sua conceituação, os seus pressupostos para caracterização, os efeitos jurídicos e a sua dissolução. Segue-se o estudo sobre a aproximação da união estável e união homoafetiva, a dissolução da sociedade de fato, direitos sucessórios e previdenciários nas uniões homossexuais. No Capítulo 3, abordar-se-á o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana e a sua aplicação no artigo 226 da Constituição Federal de 1988. E a descrição breve do Projeto Lei nº 1.151 de 1995 e da homossexualidade no direito estrangeiro. Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 226, duas espécies de família foram, expressamente, acolhidas ao lado da consagrada família matrimonial, que são: a família oriunda da união estável e a família monoparental. Assim, naquela oportunidade, as uniões homoafetivas não receberam amparo no ordenamento jurídico pátrio. O instituto da união estável é apontado, dentre outros caracteres, pela sua informalidade, notoriedade ou pesquisador do direito, p. 31. 21 “Conceito operacional (=cop) é uma definição para uma palavra e expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos” In: PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica - idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito, p. 56. 3 publicidade, estabilidade, afetividade e intenção concretizada de formar família. Tais caracteres começam a ser identificados, também, nas uniões homoafetivas. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana comporta muitas discussões sobre a possibilidade de positivação das uniões homoafetivas no Brasil. Neste sentido, dentre alguns projetos de lei que foram elaborados com base neste princípio, destaca-se o Projeto n°. 1151/95, pelo seu conteúdo e peculiaridades da tramitação. Neste, as uniões homoafetivas passam a ser chamadas de parceria civil registrada, implicando em novo estado civil e mudança de nome. Há, também, previsão quanto aos efeitos jurídicos pessoais e dissolução. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, e a demonstração das hipóteses da pesquisas se restaram ou não confirmadas. Devido ao elevado número de categorias fundamentais à compreensão deste trabalho monográfico, optou-se por listá-las em rol próprio, contendo seus respectivos conceitos operacionais. CAPÍTULO 1 FAMÍLIA E HOMOSSEXUALIDADE: PANORAMA HISTÓRICO 1.1 DA FAMÍLIA: 1.1.1 Origem e Evolução na Visão de Friedrich Engels Inicialmente, é importante destacar a origem e evolução da família. Engels 22, baseado nos estudos de Morgan sobre iroqueses, afirma que: [...] encontrou um sistema de consanguinidade, vigente entre eles, que entrava em contradição com seus reais vínculos de família. Reinava ali aquela espécie de matrimônio facilmente dissolúvel por ambas as partes, que Morgan chamava de “família sindiásmica”. Sobre a descendência, explica Engels23, que “A descendência de semelhante casal era patente e reconhecida por todos; nenhuma dúvida podia surgir quanto às pessoas a quem se aplicavam os nomes de pai, mãe, filho, filha, irmão ou irmã”. Para Morgan apud Engels24: A família, é o elemento ativo; nunca permanece estacionária, mas passa de uma forma inferior a uma forma superior, à medida que a sociedade evolui de um grau mais baixo para outro mais elevado. Os sistemas de parentesco, elo contrário, são passivos só depois de longos intervalos, registram os progressos feitos pela família, e não sofrem uma modificação radical senão quando a família já se modificou radicalmente. Morgan apud Engels25, explica “que existiu uma época 22 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. 17.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 28. 23 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 28. 24 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 30. 25 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 31. 5 primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres”. Nos estágios pré-históricos de cultura, proporcionalmente, há três formações de família, que originaram do estado de promiscuidade. O primeiro estágio da família é a consangüínea, segundo Engels26: Nela, os grupos conjugais classificam-se por gerações: todos os avôs e avós, nos limites da família, são maridos e mulheres entre si: o mesmo sucede com seus filhos, quer dizer, com os pais e mães; os filhos destes, por sua vez, constituem o terceiro círculo de cônjuges comuns; e seus filhos, isto é, os bisnetos dos primeiros, o quarto círculo. Nessa forma de família, os ascendentes e descendentes, os pais e filhos, são os únicos que, reciprocamente, estão excluídos dos direitos e deveres (poderíamos dizer) do matrimônio. Irmãos e irmãs, primos e primas, em primeiro, segundo e restantes graus, são todos, entre si, irmãos e irmãs, e por isso mesmo maridos e mulheres uns dos outros. O vínculo de irmão e irmã pressupõe, por si, nesse período, a relação carnal mútua. O segundo estágio, que corresponde a um progresso, é da família punaluana. Engels27 aduz “Se o primeiro progresso na organização da família consistiu em excluir os pais e filhos das relações sexuais recíprocas, o segundo foi a exclusão dos irmãos. Esse progresso foi infinitamente mais importante que o primeiro e, também, mais difícil, dada a maior igualdade nas idades dos participantes.” Engels28 ainda acrescenta: Esses maridos, por sua parte, não se chamavam entre si irmãos, pois já não tinham necessidade de sê-lo, mas "punalua", quer dizer, companheiro íntimo, como quem diz "associé". De igual modo, uma série de irmãos uterinos ou mais afastados tinham em casamento 26 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 37-38. 27 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 39. 28 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 40-41. 6 comum certo número de mulheres, com exclusão de suas próprias irmãs, e essas mulheres chamavam-se entre si "punalua". Este é o tipo clássico de uma formação de família (Familien-formation) que sofreu, mais tarde, uma série de variações, e cujo traço característico essencial era a comunidade recíproca de maridos e mulheres no seio de um determinado círculo familiar, do qual foram excluídos, todavia, no princípio, os irmãos carnais e, mais tarde, também os irmãos mais afastados das mulheres, ocorrendo o mesmo com as irmãs dos maridos. É a partir desse estágio de família que são instituídas as gens, ou seja, um “círculo fechado de parentes consangüíneos por linha feminina, que não se podem casar uns com os outros”, como explica Engels29, e assim estabelecendo os graus de parentesco e de superior desenvolvimento. Assim esclarece Engels30, com as proibições em relação ao casamento, que mudam e que estão cada vez mais difíceis as uniões por grupos e “[...] que, em geral, continua existindo, encontram-se, pois, relações exclusivistas, uniões por casais, a prazo mais ou menos longo, e também a poligamia; de maneira que também aqui o matrimônio por grupos vai se extinguindo [...]”. Na terceira fase da formação de família, está à família sindiásmica e, segundo Engels31: Neste estágio, um homem vive com uma mulher, mas de maneira tal que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser um direito dos homens, embora a poligamia seja raramente observada, por causas econômicas; ao mesmo tempo, exige-se a mais rigorosa fidelidade das mulheres, enquanto dure a vida em comum, sendo o adultério destas cruelmente castigado. O vínculo conjugal, todavia, dissolve-se com facilidade por uma ou por outra parte, e depois, como antes, os filhos pertencem exclusivamente à mãe. Nessa fase houve uma redução do círculo de relações sexuais, já que havia uma exclusão grande dos parentes próximos, e ressalta o 29 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 44. 30 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 47-48. 31 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 49. 7 autor Engels32 “[...] nas anteriores formas de família os homens nunca passavam por dificuldades para encontrar mulheres, e tinham até mais do que precisavam, agora as mulheres escasseavam e era necessário procurá-las. Por isso começam, com o matrimônio sindiásmico, o rapto e a compra de mulheres [...]”. De acordo com Engels33, a família sindiásmica é a fase evolutiva que tornará possível o desenvolvimento da Família Monogâmica: A família sindiásmica aparece no limite entre o estado selvagem e a barbárie, no mais das vezes durante a fase superior do primeiro, apenas em certos lugares durante a fase inferior da segunda. É a forma de família característica da barbárie, como o matrimônio por grupos é a do estado selvagem e a monogamia é a da civilização. Para que a família sindiásmica evoluísse até chegar a uma monogamia estável, foram necessárias causas diversas daquelas cuja ação temos estudado até agora. Na família sindiásmica já o grupo havia ficado reduzido à sua última unidade, à sua molécula biatômica: um homem e uma mulher. A seleção natural realizara sua obra, reduzindo cada vez mais a comunidade dos matrimônios; nada mais havia a fazer nesse sentido. Portanto, se não tivessem entrado em jogo novas forças impulsionadoras de ordem social, não teria havido qualquer razão para que da família sindiásmica surgisse outra forma de família. A família monogâmica fundamenta-se no predomínio patriarcal, tem como finalidade procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível e, exigir essa paternidade porque os filhos, na condição de herdeiros diretos, serão partes na posse dos bens de seu pai, conforme Engels34. Ressalta ainda Engels35, que na família monogâmica há uma durabilidade e uma solidez muito forte no matrimônio, como regra, somente o homem pode romper e repudiar sua mulher, modificando-a do matrimônio sindiásmico, onde qualquer das partes poderia romper o casamento. Que ao homem “igualmente, se concede o direito á infidelidade conjugal, sancionado ao menos pelo costume [...]. Quando a mulher, por acaso, recorda as antigas práticas sexuais e 32 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 49-50. 33 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 55-56. 34 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 56. 35 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 66. 8 intenta renová-las, é castigada mais rigorosamente do que em qualquer outra época anterior”. Neste sentido assinala Engels36: Quanto à mulher legítima, exige-se dela que tolere tudo isso e, por sua vez, guarde uma castidade e uma fidelidade conjugal rigorosas [...]. A existência da escravidão junto á monogamia, a presença de jovens e belas cativas que pertencem, de corpo e alma, ao homem, é o que imprime desde a origem um caráter específico á monogamia que é monogamia só para a mulher, e não para o homem. Engels37 afirma que a primeira separação do trabalho é a feita entre o homem e a mulher para procriar os filhos. Também é onde apareceu a primeira opressão de classes, juntamente com a opressão do sexo feminino pelo masculino. A monogamia foi um grande progresso, mas, ao mesmo tempo deu início a escravidão e as riquezas privadas, na qual o crescimento de uns se verifica no sofrimento e na repressão de outros. A monogamia, portanto, de modo algum é fruto do amor sexual individual e não se baseia em condições naturais, mas econômicas, isto é, o triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva, na visão de Engels38. Fica aqui demonstrado, com base nos estudos de Morgan sobre os iroqueses, o estágio evolutivo e a caracterização dos sistemas de parentesco e das formas de matrimônio que levaram à formação da família, descrevendo as suas fases, bem como os modelos criados ao longo do processo de desenvolvimento humano. 1.1.2 Conceito de Família no Direito Romano e Grego Antigos A família romana tinha como modelo o patriarca, onde o 36 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 67. 37 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 70-71. 38 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da propriedade e do estado. p. 70. 9 ascendente mais velho e vivo, tinha autoridade sob os descendentes. Para Cretella Júnior39, Família é vocábulo que, em Roma, além de outros sentidos, significa: 1º) conjunto de pessoas colocadas sob o poder de um chefe – o paterfamilias ( Obs.- pater, nesta expressão, não quer dizer pai, mas chefe, efetivo ou em potencial. Um impúbere e um celibatário podem ser patres) e 2º) o patrimônio do paterfamilias. Em relação à família romana, complementa Cretella Júnior40 “[...] é de base patriarcal, tudo gira em torno de um paterfamilias, ao qual, sucessivamente, se vão subordinando os descendentes até a morte do chefe”. Em Roma, a patria potestas não se extingue pelo casamento dos filhos que, tenham a idade que tiverem, sejam casados ou não, continuam a pertencer à família do chefe, por isso o grande número de membros da família romana, aduz Cretella Júnior41. As pessoas que eram ligadas pelo vínculo famílias tinham parentesco entre si, e, no Direito Romano existia duas espécies de parentesco. Assim expõe Venosa42: O agnatício (agnatio = agnação) e o cognatício (cognatio = cognação). O parentesco agnatício é o que se transmite apenas pelos homens; o cognatício é o que se propaga pelo sangue e, em consequência, tanto por via masculina, quanto por via feminina. Já na Grécia, conforme Coulanges43, “O que unia os membros da família antiga era algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força física: e esse poder se encontra na religião do lar e dos antepassados. A religião fez com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida.” 39 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Romano Moderno: introdução ao direito civil brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 74. 40 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Romano Moderno: introdução ao direito civil brasileiro. p. 74. 41 CRETELLA JÚNIOR, José. Direito Romano Moderno: introdução ao direito civil brasileiro. p. 74. 42 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 145. 43 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 45. 10 Para Coulanges44, a família antiga seria: Uma associação religiosa, mais que associação natural. [...] a mulher só será de fato levada em conta quando a cerimônia sagrada do casamento a tiver iniciado no culto; que o filho deixa de fazer parte da família quando renuncia ao culto ou quando se emancipa; o filho adotado, ao contrário, se torna verdadeiro filho para a família, quando, embora não tenha laços de sangue, passa a ter na comunhão do culto dessa família não fará jus à sucessão; enfim, como o parentesco e o direito à herança são regulamentados não pelo nascimento, mas de acordo com os direitos de participação no culto, conforme o estabeleceu a religião. Nesse sentido, aduz Coulanges45 que “O arcabouço da família não era tampouco o afeto natural [...]. Poderia ele existir no íntimo dos corações, mas para o direito não representava nada. O pai podia amar sua filha, mas não lhe podia legar os seus bens”. Coulanges46 apresenta sua concepção acerca da continuidade da família: A religião, ao formar a família, exige-lhe imperiosamente a sua continuidade. Família desaparecida é culto morto. Temos de considerar essas famílias no contexto histórico em que as crenças não haviam se alterado. Cada família possui uma religião e seus deuses, valioso repositório pelo qual deve olhar. A maior desgraça temida por sua piedade seria a interrupção de sua linhagem. Com isso, sua religião desaparecia da terra, seu lar extinguir-se-ia e toda a sua seqüência de ancestrais cairia no esquecimento e na miséria eterna. O grande interesse da vida humana está em continuar a descendência para com esta se continuar o culto. Em relação ao casamento, que era obrigatório e sua finalidade era de gerar filhos para continuar a família, esclarece Coulanges47 que: O casamento era pois obrigatório. Não tinha por fim o prazer; o seu objeto principal não estava na união de dois seres afinizados e querendo partilhar a felicidade e as agruras da vida. O fim do 44 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. p. 45-46. 45 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. p. 45. 46 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. p. 54. 47 COULANGES, Fustel de. A cidade antiga: texto integral. p. 55. 11 casamento, para a religião e para as leis, estaria na união de dois seres no mesmo culto doméstico, fazendo deles nascer um terceiro, apto a continuar esse culto. Apresentada a evolução e a origem da família, passa-se agora ao estudo da conceituação e das finalidades da família atual. 1.1.3 Conceituação e Finalidades Atuais da Instituição Familiar Para Diniz48 “família é o grupo fechado de pessoas, composto dos pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção”. Netto Lobo49, diz que “A família é um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas”. “O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo”, para Dias50. Diz Wambier apud Dias51, “que a “cara” da família moderna mudou. O seu principal papel é de suporte emocional do indivíduo, em que há flexibilidade e, indubitavelmente, mais intensidade no que diz respeito a laços afetivos”. Nesse mesmo entendimento, complementa Dias52: 48 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. v. 5. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 12. 49 LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: pra além do numerus clausus. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 96. 50 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p.38 51 Tereza Wambier (apud Maria Berenicei Das), Manual de direito das famílias. p. 38. 52 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 39. 12 Faz–se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permitia enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação. Albuquerque53 diz que “O novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo54, impingindo a nova roupagem axiológica do direito de família”. Complementa Estrougo55 “Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais os bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade”. No dizer de Gama56, “as relações familiares são funcionalizadas em razão da dignidade de cada partícipe, e tornou-se necessário identificar como família também as relações que se constituem sem o selo do casamento. [...] Está ocorrendo uma verdadeira democratização dos sentimentos, na qual o respeito mútuo e a liberdade individual vêm sendo preservados.” Pois é na a família que se encontra o apoio e o reforço para a realização pessoal, sentimental e educacional dos seus membros. Nogueira57 apresenta sua concepção acerca da família: Nova estrutura jurídica se forma em torno do conceito da família sócio-afetiva, à qual alguns autores identificam como “família sociológica”, onde se identificam, sobretudo, os laços afetivos, 53 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Poder familiar nas famílias recompostas. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 162 54 Eudemonismo: 1. Doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da conduta humana moral, i. e., que são moralmente boas as condutas que levam à felicidade. In: NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO - SÉCULO XXI. Autoria: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira 55 ESTROUGO, Mônica Guazelli. O princípio da igualdade aplicado à família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 331. 56 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de família e o novo Código Civil. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. 57 NOGUEIRA, Jacqueline Filgueras. A filiação que se constrói: o reconhecimento do afeto como valor jurídico. São Paulo: Memória jurídica, 2001. p. 5. 13 solidariedade entre os membros que a compõe, família em que os pais assumem integralmente a educação e a proteção de uma criança, que independe de algum vínculo jurídico ou biológico entre eles. Oliveira58 aduz que: A família se relaciona e interage com a sociedade, atendendo-a em suas principais necessidades estas identificadas como de ordem sexual, reprodutiva, educacional, social, econômica, política, espiritual e psicológica, abrangendo, assim todas as esferas da vida do indivíduo na organização social. A instituição familiar atual realiza funções relevantes, lançando valores fundamentais para gerações novas, assim escreve o mesmo autor acima citado: A primeira função garante à família a transmissão de normas, papéis e valores aos filhos, permitindo a estes sua integração numa sociedade baseada sobre a realização pessoal. A segunda permite aos adultos encontrar, na família e no casamento, seu equilíbrio emocional.59 “A família adquiriu função instrumental para melhorar a realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes”, na visão de Gama60. Para Lima61 não há nenhuma dúvida de que: a família na sociedade destaca-se para o homem como o seu mais importante elo de ligação no relacionamento social, pois é no seio dela que ele surge, recebe a proteção indispensável para a continuidade da vida e se prepara para os embates que o futuro lhe reserva em termos de subsistência, evolução pessoal e material que a humanidade busca sem cessar, como fator de seu desenvolvimento e progresso contínuo 58 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 59 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 267. 60 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito de família e o novo Código Civil. p. 101. 61 LIMA, Alceu Amoroso. A família no mundo moderno. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1960. p. 26 14 Conforme entende Venosa62: “a família perde sua característica de unidade de produção, e sua função relevante passa a ser no âmbito espiritual. A família fica responsável pelo ensinamento de valores morais, afetivos, espirituais e da assistência recíproca entre seus membros.” Na expressão de Villela63, “a teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, da competência em dar e receber amor. A família continua mais empenhada que nunca em ser feliz. A manutenção da família visa, sobretudo, buscar a felicidade. Não é mais obrigatório manter a família - ela só sobrevive quando vale a pena.” Conclui Oliveira64: [...] a família, atualmente, possui a função de garantir plena realização pessoal dos seus membros. É ambiente onde as pessoas encontram condições favoráveis ao desenvolvimento de suas aptidões, livres da ingerência do mundo exterior. Fica aqui evidente que a família é o núcleo fundamental da sociedade, pois nela está toda a base para uma organização familiar, nela há a proteção, o apoio moral, social, psicológico, entre outros. Mas ainda falta adequação no conceito de família, para as relações que envolvam pessoas do mesmo sexo. 1.1.4 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e as Espécies de Família A Constituição Federal fez transformações e abriu novas perspectivas para a sociedade e para o instituto da família. Viu-se a necessidade de caracterizar e reconhecer a existência de outras entidades familiares. Estabelece o artigo 226 da Constituição Federal de 1988, in verbis: 62 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 3ª ed. vol.6. São Paulo: Atlas, 2003. p. 18. 63 VILLELA, João Baptista. A família em desordem. Anais da XV Conferência Nacional da OAB, Foz do Iguaçu, set. 1994. 64 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 270. 15 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. [...] O casamento, então, não serve mais para explicar a formação de uma nova família, já que essa era a única forma admitida, até a introdução da atual Constituição, por princípios constitucionais que a alteram. Oliveira65 assevera que o tratamento diferenciado e preconceituoso que existia entre os cônjuges no casamento evoluiu: A partir da Constituição de 1988, a igualdade de tratamento de “todos” perante a lei passa a ser um direito (art. 5º, caput e inciso I, CF66), sendo que todos os anteriores textos constitucionais eram uníssonos em ditar a igualdade perante a lei, sem enunciá-la como um dos direitos fundamentais. Ligando no conceito de família, além do casamento, foram reconhecidas mais duas espécies: a união estável e a família monoparental. A união estável para Diniz67, “não se estabelece por um ato único, forma-se com o tempo, [...] rompe-se com a morte de um deles, abandono ou simples ruptura do convívio”. Para a configuração da união estável é necessário a presença 65 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. P. 93 66 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...]. 67 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 337. 16 dos seguintes elementos: 1) diversidade de sexo; 2) ausência de matrimônio civil válido e de impedimentos matrimonial entre os conviventes; 3) notoriedade de afeições recíprocas; 4) honorabilidade e 5) fidelidade ou lealdade entre os amantes, conforme Diniz68. Explica Leite69, que a família é considerada monoparental, “quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças”. Podem desencadear famílias monoparentais: “Aquela que, pela liberdade em se pôr fim a relacionamentos conjugais ou estáveis, havendo a existência de prole, pode-se chegar a uma família monoparental”, explica Oliveira70. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), em seu artigo 4271, permite a adoção por apenas uma pessoa, não podendo olvidar que seja maior de vinte e um anos de idade (18 anos para o Código Civil) e que tenha mais de dezesseis anos de idade em relação ao adotando (art. 42, § 3º da referida lei72), conforme afirma Leite73. Podendo então uma pessoa por opção própria adotar uma criança ou adolescente como seu filho, constituindo uma família monoparental. Aduz Oliveira74 que “a família monoparental, [...] pode ter como origens separações judiciais, divórcios, viuvez, extinções de uniões estáveis ou pura ideologia e convicção dos interessados”. Cabe ressaltar mais algumas modificações previstas na Constituição Federal de 1988. No dizer de Dias75 “A supremacia da dignidade da 68 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 336 – 342. 69 LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica de pais e mães solteiros, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: RT, 1997. p. 22. 70 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 216. 71 Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. 72 Art. 42. Podem adotar os maiores de vinte e um anos, independentemente de estado civil. § 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando. 73 LEITE, Paulo Lúcio. Estatuto da criança e do adolescente comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 61. 74 OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos constitucionais do direito de família. p. 218. 75 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 37 17 pessoa humana está lastreada no princípio da igualdade e da liberdade [...]. Houve o resgate do ser humano como sujeito de direito”. Também sobre o planejamento familiar, de acordo com Diniz76: [...] o fez fundado nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. Levou, portanto, em consideração o crescimento populacional desordenado, entendendo, todavia, que cabe à decisão livre do casal a escolha dos critérios e dos modos de agir, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou particulares. No tocante à assistência à família, aduz Diniz77: [...] incumbe a todos os órgãos, instituições e categorias sociais conscientes envidar esforços e empenhar recursos na sua efetivação. Essas espécies de família são exemplificativas, merecendo referência expressa, por serem mais comuns. Mas não cabe excluir os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo. Em relação à união homoafetiva, destaca Dias78: Que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto a ponto de merecerem a denominação de uniões homoafetivas. [...] vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas que as pessoas encontram para buscar a felicidade. Complementa Dias (2006, p. 43): [...] a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher, ainda que em nada se diferencie a convivência homossexual da união estável heterossexual. A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora de proteção do estado, pois a Constituição consagra, 76 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 37. 77 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p.37. 78 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p.37-38. 18 em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana. No dizer de Dias79, as famílias são formadas pelo vínculo afetivo, que estreita a ligação das pessoas com projetos de vida em comum, gerando envolvimento e o comprometimento mútuo, e não pela realização do casamento, nem pela diferença do sexo do parceiro. Jurisprudências estão extraindo conseqüências jurídicas dessas relações, e as tendências jurisprudenciais nomeiam tais vínculos como sociedade de fato. Novas posturas estão começando a surgir, reconhecendo as uniões homoafetivas como entidades familiares. Tem-se claro que a legislação brasileira necessita se moldar às mudanças sociais, visto que existe uma ampliação da definição de família que, além da relação advinda do matrimônio, passou a albergar tanto a união estável entre um homem e uma mulher, o vínculo dos pais com seus filhos, e não se pode deixar de mencionar, que acontecem a união estável entre pessoas do mesmo sexo, além de outras possibilidades de cominações familiares sobrevindas das relações familiares atuais. 1.2 DA HOMOSSEXUALIDADE: 1.2.1 Homossexualidade na Antigüidade Clássica: A homossexualidade era livre na Grécia Antiga e fazia parte dos ritos mantidos por mestres e pupilos em busca da sabedoria. Eles tinham toda uma maneira de atenção ao corpo, uma dietética voltada para a gestão da saúde, e eram considerados intelectuais, símbolos da estética corporal e da ética de comportamento, um cuidado de si que influía nas práticas sexuais. Os gregos não tinham instituições para fazer respeitar as interdições sexuais, na Igreja que surge fundamentada, no século IV, pelo filósofo Santo Agostinho80. Platão apud Foucault81 se mostra inverso à sujeição do homem 79 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 38. 80 Disponível em <http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_3014.html> Acesso em 14 de abril de 2008. 81 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque; revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerqre. 8. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998. 19 ao domínio de Eros (prazer). “Quando Platão faz o perfil do homem tirânico, isto é, aquele que deixa “que o tirano Eros se entronize em sua alma e governe todos os seus movimentos”, ele o mostra sob dois aspectos equivalentes, onde se marcam da mesma maneira o desprezo pelas obrigações mais essenciais, e a sujeição ao domínio geral do prazer [...]”. Os homens gregos escolhiam sem nenhum impedimento, entre ambos os sexos, como expõe Foucault82: Bissexualidade dos gregos? Se quisermos dizer com isso que um grego podia, simultânea ou alternadamente, amar um rapaz ou uma moça, que um homem casado podia ter seus paidika, que era corrente após inclinações “para rapazes” na juventude, voltar-se de preferência para as mulheres, então, pode-se muito bem dizer que eles eram “bissexuais” E ainda ressalta: Podemos falar de sua “bissexualidade ao pensarmos na livre escolha que eles se davam entre os dois sexos, mas essa possibilidade não era referida por eles a uma estrutura dupla, ambivalente e “bissexual” do desejo. A seus olhos, [...] era unicamente o apetite que a natureza tinha implantado no coração do homem para aqueles que são “belos”, qualquer que seja o seu sexo. A homossexualidade era admitida pela lei e pela opinião, existindo grande tolerância na sociedade em relação a essa preferência. Achava-se que o homem não precisava de outra natureza para isso. Assim resume Foucault83: “Amar os rapazes era uma prática “livre”, no sentido de que era não somente permitida pelas leis (salvo em circunstâncias particulares), como também admitida pela opinião [...] encontrava sólidos suportes em diferentes instituições [...]”. E acrescenta Foucault84, “[...] temos tendência hoje em dia a pensar que as práticas de prazer, quando ocorrem entre dois parceiros do mesmo sexo, implicam um desejo cuja estrutura é particular; mas sustentamos [...] que isso não constitui uma razão para submetê-la a uma moral ou, ainda menos, a uma 82 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 168. 83 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 170. 84 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 171. 20 legislação, diferente daquela que é comum a todos”. Os gregos, conforme Foucault85, “pensavam que o mesmo desejo se dirigia a tudo que era desejável – rapaz ou moça – com a reserva que era mais nobre o apetite que se inclinava ao que é mais belo e mais honrado: mas também pensavam que esse desejo devia dar lugar a uma conduta particular quando ele se instaurava numa relação entre dois indivíduos de sexo masculino”. Um levantamento, no entanto, permanecia em torno das relações mantidas entre os homens de idades distintas. Foucault86 assevera que “[...] trata-se de uma relação que se implica, entre os parceiros, uma diferença de idade e, em relação a esta, uma certa distinção de status”. Ainda assim diz Foucault87, “A atenção e o cuidado se concentram sobre relações que se podem adivinhar terem sido carregadas de múltiplas cauções: as relações que podem se estabelecer entre um homem mais velho que terminou a sua formação – e que se supõe desempenhar o papel social, moral e sexualmente ativo – e o mais jovem, que não atingiu seu status e que tem necessidade de ajuda, de conselhos e de apoio”. Costuma-se restringir o amor grego pelos rapazes à prática de educação e ao ensino filosófico, para Foucault88. Tendo assim a homossexualidade, papel na pedagogia, sendo a condução do aprendiz pelo mestre, homem mais vivido, e consequentemente, sábio, contribuindo para valorizar e elaborar a relação entre homens e rapazes. O equilíbrio da conduta estava na própria relação, esclarece Foucault89 que: [...] entre um homem e um rapaz, que estão em posição de independência recíproca, e entre os quais não existe constrição institucional, mas um jogo aberto (com preferências, escolha, 85 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 171. 86 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 172. 87 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 173. 88 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 174. 89 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 179. 21 liberdade de movimento, desfecho incerto), o princípio de regulação das condutas deve ser buscado na própria relação, na natureza do movimento que os leva um para o outro, e da afeição que os liga reciprocamente. Na sociedade, a homossexualidade era vista como uma relação aberta, “e sobretudo pelo fato de que não se pode exercer sobre o rapaz – do momento em que ele não é de origem servil – nenhum outro poder estatutário: ele é livre para escolher, para aquilo que aceita ou recusa, em suas preferências ou suas decisões”, complementa Foucault90, e configurava também o amor. A temperança é a qualidade mais exigida. A homossexualidade grega estava ligada à corte, nesse sentido, aduz Foucault91 que “definem o comportamento mútuo e as respectivas estratégias que os dois parceiros devem observar para dar às suas relações uma forma “bela”, estética e moralmente válida.” Sendo assim, na Grécia Antiga o sexo não foi realizado somente por prazer, cedendo em prol de uma elaboração cultural. De acordo com Foucault92, nas relações sexuais e nas relações sociais: Trata-se do princípio de isomorfismo, entre relação sexual e relação social. Deve-se entender por esse princípio que a relação sexual [...] é percebida como do mesmo tipo que a relação entre superior e inferior, aquele que domina e aquele que é dominado, o que submete e o que é submetido, o que vence e o que é vencido. Na estrutura social percebe-se o uso do corpo, em razão do status inferior da mulher e do escravo enquanto que os jovens estavam acima deles, assim afirma Foucault93 : Os escravos, evidentemente, estão à disposição do senhor: sua condição faz com que sejam objetos sexuais a respeito dos quais não há nada a questionar [...] à passividade da mulher, ela marca muito bem uma inferioridade de natureza e de condição; [...] 90 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 176. 91 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 174. 92 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 190. 93 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 190-191. 22 Neste sentido, Foucault94 diz que os rapazes estavam acima da mulher e do escravo: [...] o rapaz ocupa uma posição particular [...] ele não é um objeto proibido; [...] nada impede nem proíbe que um adolescente seja aos olhos de todo o parceiro sexual de um homem. Entre os romanos, a homossexualidade não era rejeitada, mas havia determinadas regras. Era inaceitável que um senhor fosse passivo com seu escravo. A felação95 era crime aos cidadãos romanos. Tirando as regras existentes em qualquer cultura, a homossexualidade era muito evidente em Roma e praticada por todos, inclusive, pelos Cesares96. Quem a admirava praticava e quem não a admirava, não interferia. Fernandes97 narra um exemplo do Imperador Romano Adriano, que manifestou publicamente sua paixão por outro homem: O Imperador Romano Adriano, um dos maiores de Roma, foi guerreiro e grande administrador, cultor das artes, da filosofia. Apaixonou-se por um jovem, Antinoo, e assumiu publicamente essa relação. Antinoo morreu, prematuramente, afogado no Rio Nilo, Adriano ordenou que Roma ficasse de luto e espalhou estátuas do seu amado por todo o Império, divinizou-o, e mandou que fosse cultuado. Deixou um apaixonado poema para Antinoo, que foi traduzido do latim por Lorde Byron. Também afirma Fernandes98 que: “No período Justiniano, Roma posiciona-se contrária às praticas homossexuais. E, foi essa a direção seguida durante as Idades Media e Moderna, fundamentando-se na doutrina cristã”. Desde os povos selvagens, as antigas civilizações, os gregos e romanos, conheciam e praticavam a homossexualidade, demonstrando que sempre foi uma situação tolerável para a sociedade. 94 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2: o uso dos prazeres. p. 191-192. 95 Felação: 1. Coito bucal. NOVO DICIONÁRIO AURÉLIO - SÉCULO XXI. Autoria: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira 96 Césares: era o soberano senhor de um vasto império e mantinha o poder com mão de ferro. 97 98 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. São Paulo: Método, 2004. p. 38. FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p.38. 23 1.2.2 Conceituação Atual de Homossexualidade A homossexualidade é definida como preferência sexual por indivíduos do mesmo sexo. O termo preferência pode ser um pouco vago, já que pode relacionar à tendência a escolher, optar, e se reconhecer que a homossexualidade não é mais vista como opção, mas como orientação sexual normal e definida na infância e, conforme estudos, até mesmo genéticos. O vocábulo “homossexualidade” foi criado pela médica húngara Karoly Benkert e introduzido na literatura técnica no ano de 1869. É formado pela raiz da palavra grega homo, que quer dizer “semelhante”. E pela palavra latina sexus, passando a significar “sexualidade semelhante”, como esplana Uziel99. Complementa Dias100: Exprime tanto a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter, como também significa a sexualidade exercida com uma pessoa do mesmo sexo. Observa Uziel101: [...] da criação do termo como sinônimo de pederastia masculina, em meados do século XIX, passando por sua identificação como veículo de doença, na versão do câncer gay nos anos 80, e chegando a objeto de consumo de um recente mercado promissor, o significado do termo homossexual vem se deslocando. O fim da década de 90 traz, assim, um mapa alterado das percepções sobre o homoerotismo. No dicionário de Ximenes102 encontra-se o seguinte conceito: “que(m) pratica o ato sexual com indivíduos do mesmo sexo”. 99 UZIEL, Anna Paula. Reflexões sobre a parceria civil registrada no Brasil. In Sexualidade: Gênero e Sociedade. 100 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 37 101 UZIEL, Anna Paula. Reflexões sobre a parceria civil registrada no Brasil. In Sexualidade: Gênero e Sociedade. p. 1. 102 XIMENES, Sérgio. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 501. 24 Fernandes103 esclarece que: “Pode-se além disso, definir o sentimento homossexual como a sensação de estar apaixonado, de se envolver amorosamente, ou sentir atração erótica por pessoa de sexo semelhante.[...]”. 1.2.3 Causas da Homossexualidade Serão demonstrados traços distintos acerca das causas da homossexualidade, possibilitando a compreensão de diversos pontos de vista. Dias104 aduz que: Os chamados desvios da sexualidade foram submetidos a tratamentos por meio de diversas técnicas e diferentes métodos. No que diz com a normalidade e a patologia dos distúrbios do gênero, o tema vem sendo discutido na área da Medicina, em particular no campo genético, e tem interessado principalmente a Psicologia, a Psiquiatria e a Psicanálise. Para Brito105: Do ponto de vista psicológico e médico, a homossexualidade configura a atração erótica por indivíduos do mesmo sexo, uma perversão sexual que atinge os dois sexos, sendo considerado homossexual quem pratica atos libidinosos com indivíduos do mesmo sexo ou exibe fantasias eróticas a respeito, ou inversão sexual que se caracteriza pela atração por pessoas do mesmo sexo, ou, ainda, por perversão sexual que leva os indivíduos a sentirem-se atraídos por outros do mesmo sexo, com repulsa absoluta ou relativa para os do sexo oposto. A medicina, na Idade Média, sob as influências religiosas, considerou a homossexualidade uma doença, enfermidade que acarretava a diminuição das faculdades mentais, decorrente de um defeito genético, como explica 103 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p. 22. 104 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 37. 105 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. São Paulo: LTr, 2002. p. 46-48. 25 Dias106. Nesta temática, Costa107 expõe que: Durante anos a medicina pesquisou o sistema nervoso central, os hormônios, o funcionamento do aparelho genital, e nada encontrou de diferente entre homo e heterossexuais. Tentou mudar o comportamento humano tido como desviante usando os mais diversos métodos, mas todos os resultados foram nulos. [...] a medicina não estuda a sexualidade na maior amplitude, prendendose apenas ao lado fisiológico dos órgãos sexuais, desde que não erotizados, encarando muitos fatos de ordem social ou cultural adversos ou desconhecidos como patologias. A homossexualidade deixou de ser tida como uma patologia, em 1995, o Código Internacional de Doenças (CID) teve sua 10ª revisão, foi nominada de “Transtornos Da Preferência Sexual”. Em 1995, na última revisão, o sufixo ismo que significa doença, foi substituído pelo sufixo idade, que designa um modo de ser, concluindo os cientistas que a atividade não podia mais ser sustentada enquanto diagnóstico médico, por que os transtornos derivam mais das discriminações e da repressão social, oriundos de um preconceito do seu desvio sexual, no dizer de Cid108. A ciência pouco explica e ainda trata a homossexualidade como um enigma. Segundo Cid109, “As conclusões científicas têm sido sempre cientificamente refutadas. Parece que a explicação residem alguma parte, entre o inato e o adquirido”. Afirma Cid110 que a busca da origem das manifestações patológicas e comportamentais é um dos ramos mais produtivos da atual pesquisa científica. Agora os cientistas querem identificar o gene que atua no desenvolvimento da homossexualidade. Nos EUA, um estudo busca mostrar a 106 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 42. 107 COSTA, Ronaldo Pamplona da. Os onze sexos. 3.ed. São Paulo: Gente, 1994. p. 202. 108 CID, Nuno de Salter. Direitos humanos e família: quando os homossexuais querem casar. In Revista economia e sociologia. Lisboa: Évora, nº 66, 1998. p. 199-200 109 CID, Nuno de Salter. Direitos humanos e família: quando os homossexuais querem casar. p. 199 110 CID, Nuno de Salter. Direitos humanos e família: quando os homossexuais querem casar. 26 existência de causas genéticas, com características biológicas hereditárias, não sendo fruto do ambiente social afetivo. O professor de Psicologia Michael Baily, em reportagem publicada na revista VEJA (25/12/91), afirma que, “em 30 a 70% dos casos, a homossexualidade decorre de fatores genéticos, e não somente do meio no qual as pessoas são criadas”111. Gradativamente, vem prevalecendo a tese de que a homossexualidade provém de um estado da natureza, com origens biológicas, e não culturais, ainda que não se possa dizer ser esta o papel mais importante, conforme destaca Witelson112. Sobre a busca de uma origem genética Fernandes113 explica: “Uma corrente de pesquisadores pretende confirmar a existência de um gene que predispõe a pessoa a homossexualidade, ou seja, que atua no desenvolvimento e influencia na genética do ser humano, determinado-lhe uma orientação homossexual”. No século V, o médico romano Caelius Aurelianus classificou a passividade masculina e a inversão de gêneros como perturbação mental. A partir do final do século XIX, os desvios sexuais passaram a merecer uma abordagem no campo da psicopatologia114. Freud apud Dias115, afirma: “Tudo é acaso, não há uma opção, um planejamento.” O pai da Psicanálise não considerava a “inversão sexual” uma perversão, tampouco uma enfermidade. Para o psicanalista gaúcho Graña116, “a cultura, e mais precisamente a linguagem, oferece ao indivíduo, desde os primórdios da sua vida 111 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p.43. 112 WITELSON, Sandra. A evolução do direito e a realidade das uniões sexuais. Rio de Janeiro: Lúmen júris, 1996. p.309. 113 FERNANDES, Taísa Ribeiro. Uniões homossexuais e seus efeitos jurídicos. p.25 114 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. p. 44. 115 FREUD (apud DIAS, Maria Berenice.) Manual de direito das famílias. p.45 116 GRAÑA, Roberto B. Além do desvio sexual. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. p.148 27 pós-natal, signos, símbolos e significações que lhe vão servir como referências ambientais constituintes de sua identidade subjetiva e sexual”. Segundo Rios117, existem nos dias de hoje, quatro concepções básicas acerca da homossexualidade, quais sejam: “[...] a homossexualidade como pecado, a homossexualidade como doença, a homossexualidade como critério neutro de diferenciação e a homossexualidade como construção social”. A concepção da homossexualidade como pecado, predomina ainda no catolicismo – como se pode constar nas manifestações oficiais – e entre os evangélicos de modo geral. Declaração que demonstra a existência desta concepção nos dias atuais é proferida pelo Deputado Severino Cavalcanti, em fundamentação do voto contrário ao Projeto de Lei 1.151/95, conforme se depreende de um trecho de seus comentários: O projeto que eliminar assim uma certa vergonha, um salutar, sentimento de culpa, que poderiam levar a uma mudança de vida, a uma continência sexual sustentada pela graça, mesmo conservando a tendência desviada. Pois Deus nunca falta àqueles que sinceramente desejam cumprir sua lei e pedem o seu auxilio. O projeto, pelo contrario, leva os culpados a uma certa tranqüilidade dentro do pecado, eliminando assim, quase completamente, a possibilidade de conversão.118 A homossexualidade como doença, é outra concepção muito presente na atualidade, e na sociedade brasileira, conforme assevera Dias119: “Posturas mais conservadoras ainda tendem a explicar a homossexualidade como anomalia [...]”. Há ainda Dicionários Jurídicos que aduzem que a homossexualidade segundo a medicina legal é uma disfunção sexual. Contudo, hoje não pode mais ser aceita tal concepção, pois conforme, já exposto, a 117 RIOS, Roger Raupp. Direitos humanos, homossexualidade e uniões homossexuais. In direitos humanos, ética e direitos reprodutivos. Porto Alegre: Themis, 1998. p. 103. 118 CAVALCANTI, Severino, apud. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da Família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n°10.406, de 10-01-2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.p.477 119 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p.174. 28 homossexualidade não é mais considerada doença pela Organização Mundial de Saúde, e mais, não se sabendo a causa concreta da homossexualidade nenhum tratamento pode ser proposto. Outra concepção existente na atualidade é da homossexualidade como critério neutro de diferenciação, ela tem início com os grupos organizados de homossexuais enquanto específico grupo social. Nesta concepção, a homossexualidade é vista como algo que não deve ser levado em conta para qualquer tratamento desigual. Sobre esta concepção Rios120 discorre; “[...] disto resulta a desconsideração da orientação sexual enquanto critério capaz de legitimar tratamentos desiguais, em raciocínio extremamente importante para a concretização do principio jurídico da igualdade.” A quarta e última concepção da homossexualidade como construção social a qual Rios121 defende: [...] a abolição das categorias homossexual/heterossexual na identificação dos sujeitos, caminho considerado apropriado para a superação da exclusão e discriminação dos indivíduos em função de suas preferências sexuais. Nesta presente monografia, compreende-se que a homossexualidade não é uma opção nem um desvio sexual, e sim, uma afinidade, um gosto particular, que está no interior, no íntimo do ser humano. Neste capítulo, foram apresentados alguns aspectos relativos à Família e a Homossexualidade, trazendo fundamentos teóricos, juntamente com sua origem e evolução, sua conceituação e espécies, dando alicerce para o estudo posterior, enfocado no panorama jurídico atual. No capítulo seguinte, serão abordados dois temas: União Estável e Homossexualidade. 120 RIOS, Roger Raupp. Direitos humanos, homossexualidade e uniões homossexuais. In direitos humanos, ética e direitos reprodutivos. p. 120. 121 RIOS, Roger Raupp. Direitos humanos, homossexualidade e uniões homossexuais. In direitos humanos, ética e direitos reprodutivos. p. 125-126. 29 CAPÍTULO 2 UNIÃO ESTÁVEL E HOMOSSEXUALIDADE: PANORAMA JURÍDICO ATUAL 2.1 DA UNIÃO ESTÁVEL NO DIREITO BRASILEIRO: 2.1.1 Conceituação O artigo 226 da Constituição Federal, reconheceu dois tipos de família ao lado do casamento, que são: família oriunda da união estável e família monoparental. Com relação à conceituação jurídica de união estável, assim prescreve o artigo em comento: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Sobre o tema, conceitua Dias122: Nasce a união estável da convivência, simples fato jurídico que evolui para a constituição de ato jurídico, em face dos direitos que brotam dessa relação. Por mais que a união estável seja o espaço do não instituído, à medida que é regulamentada vai ganhando contornos de casamento. Tudo que é disposto sobre as uniões extramatrimoniais tem como referência a união matrimonializada. Com isso, aos poucos, vai deixando de ser união livre para ser união amarrada às regras impostas pelo Estado. Mesmo que a união estável tenha sido inserida no Código Civil, no livro do direito das famílias, em seu último capítulo, longe do capítulo do casamento, inexiste hierarquia entre os dois institutos, sendo igualmente 122 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 147. 30 reconhecida como entidade familiar, no entendimento de Dias123. Já Pereira124 aduz que há diferença entre os dois institutos (da união estável e do casamento), pois quando o legislador indicou na norma constitucional, que “a lei facilitará sua conversão em casamento”, deixou claro que não existe equiparação, senão não justificaria converter institutos tão semelhantes. Para a conversão, os critérios estão previstos no Código Civil, em seu artigo 1.726, in verbis: Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. Ressalta Czajkowski125 que a expressão união livre: Embora não seja tão novo, ele traz consigo ainda muitas imprecisões. Num primeiro momento, pode-se supor que uniões livres sejam todos e quaisquer congressos carnais e (ou) afetivos entre duas ou mais pessoas, cujas relações não se submetem aos princípios que regem o casamento. Melo126, define o instituto da união estável, como sendo aqueles relacionamentos em que não houvesse impedimentos legais permanentes para sua conversão em casamento. E assim, definindo dois tipos de união estável. A união estável “plena”, que se constituiria pela convivência de duas pessoas, de sexos diferentes, sem impedimentos à realização do casamento, que só não o realizam por uma questão de opção, como por exemplo: solteiro com solteira; solteiro com viúva; divorciado com viúva ou solteiro, etc. E as uniões estáveis condicionais, que seriam as uniões em que um homem e uma mulher constituem uma família de fato, sem detrimento de qualquer outra família legítima ou de outra família de fato, havendo tão somente, impedimentos temporários à realização do casamento. Exemplo seria o relacionamento entre uma mulher solteira e um homem 123 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 147. 124 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 534. 125 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. 2ª ed., 3ª tir. Curitiba: Juruá, 2003. p.59. 126 MELO, Nehemias Domingos de. União estável: Conceito, Alimentos e dissolução. Disponível em <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=696>. Acesso em 30 de junho de 2008. 31 separado judicialmente. Neste sentido, a Lei nº 10.406/02 prescreve no art. 1.723 que não se constitui em impedimento à realização da união estável, “o caso da pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”. Dal Col 127, assim conceitua união estável: [...] como forma de constituição da entidade familiar não comporta um rito específico, como se dá com o casamento. É fruto da constatação, ao longo do tempo, da existência de alguns requisitos elementares, que somados, a caracterizam. Inicialmente, há que se destacar que não é toda e qualquer união entre homem e mulher que poderá ser reconhecida como entidade familiar. De plano, se excluem do conceito as uniões adulterinas e aquelas que envolvem pessoas proibidas de casar entre si, por impedimentos absolutos, pois, a despeito de preencherem os demais requisitos legais, não poderão ser consideradas como convivendo sob a égide da união estável. Azevedo128, segue o pensamento dizendo: A convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato. Anota-se, também, o ensinamento de Pizzolante129: É meio legítimo de constituição de entidade familiar, havida, nos termos estudados, por aqueles que não tenham impedimentos referentes à sua união, com efeito de constituição de família. A família deve merecer a proteção estatal, independentemente de sua formação, já que é concebida como célula natural da sociedade. 127 DAL COL, Helder Martinez. União estável e contratos de namoro no Código Civil de 2002. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7100>. Acesso em 30 de junho de 2008. 128 AZEVEDO, Álvaro Villaça. União Estável. Revista do advogado nº 58, AASP. São Paulo, Marco, 2000. 129 PIZZOLANTE, Francisco Eduardo Orciole Pires e Albuquerque. União Estável no sistema jurídico brasileiro. São Paulo: Atlas, 1999. p. 150. 32 2.1.2 Pressupostos Básicos para a Caracterização da União Estável Para que a união estável seja reconhecida e alçada à condição de entidade familiar são exigidos alguns requisitos fundamentais, que são: a) dispensabilidade do more uxorius; b) convivência pública, contínua e duradoura; c) objetivo de constituição de família; d) prazo mínimo de convivência; e) a diferença de sexo. O entendimento mais moderno é que seja dispensável o more uxorius130, ou seja, a convivência idêntica ao casamento, entendimento este consagrado na Súmula 382131 do Supremo Tribunal Federal. Pereira132 diz que não é exigível a convivência sob o mesmo teto, mas sim que a companheira tem que ser conhecida como “esposa”, e ter o convívio como se fossem marido e mulher, perante amigos e sociedade. Tem que existir a publicidade do relacionamento. A utilização do nome do companheiro, pela mulher, não é um requisito fundamental. Nesta temática, cita Oliveira133 que: Há de ser pública a convivência na união estável, isto é, de conhecimento e reconhecimento no meio familiar e social onde vivam os companheiros. Não é preciso que eles proclamem, festejem ou solenizem a vida em comum [...] a formalização de união se mostra dispensável na espécie. O objetivo de constituição de família, que é um elemento anímico, intencional, é conseqüência de todos os elementos legais antecedentes. Não é necessário que o casal tenha prole em comum, o que se constituiria elemento mais profundo para caracterizar a entidade familiar, conforme Venosa134. 130 More uxório: Costume de passar por esposa perante a comunidade. CALDAS, Gilberto. Novo dicionário de latim forense. São Paulo: EUD, 1984. p. 163. 131 STF - Súmula 382 – “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato”. 132 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p.535. 133 OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. 6. ed. atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2003. p. 132. 134 VENOSA, Silvio de Salvo. O novo direito civil. São Paulo: Atlas, 2003. p. 55. 33 Com base nisso, aduz Dias135: Socorre-se o legislador da idéia de família como parâmetro para conceder-lhe efeitos jurídicos. O tratamento, no entanto, não é igual ao casamento. Ainda que concedido direito a alimentos e assegurada a partilha igualitária dos bens, outros direitos são diferidos somente aos cônjuges.o convivente não está incluído na ordem de vocação hereditária, tendo somente direito à concorrência sucessória [...] também é subtraída do parceiro sobrevivente a garantia da quarta parte da herança [...] prossegue quanto ao direito real de habitação, outorgado somente ao cônjuge. Mesmo a lei não fixando o tempo mínimo de duração de uma união estável, a exigência para que a convivência seja duradoura tem a finalidade de não deixar dúvida quanto aos relacionamentos passageiros, efêmeros, de curta duração e que não estão protegidos pela Lei. Neste sentido, ressalta Dias136: Apesar de a lei não exigir decurso de lapso temporal mínimo para a caracterização da união estável, a relação não deve ser efêmera, circunstancial, mas sim, prolongada no tempo e sem solução de continuidade, residindo, nesse aspecto, a durabilidade e a continuidade do vínculo. A unicidade do enlace afetivo é detectada sopesando-se todos os requisitos legais de forma conjunta e, ao mesmo tempo, maleável, sob pena de engessamento do instituto. Alguns autores acham adequado que seja estipulado um prazo mínimo de convivência, para evitar incertezas na caracterização da união estável. Gama137 aduz que “seria razoável exigir-se pelo menos dois anos de vida em comum, por analogia com as disposições constitucionais e legais relativas ao tempo para a concessão do divórcio”. A estabilidade da união estável exige que além da durabilidade, os relacionamentos tenham certa continuidade. Se tem uma duração e depois se desfazem, mais adiante retornam e novamente se desfazem, não oferecem segurança para que a lei lhe dê o valor atribuído aos relacionamentos 135 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 148. 136 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 150. 137 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. 2. ed. Rio de Janeiro: RT, 2001. p. 200. 34 duráveis, observa Oliveira138. E ainda complementa que o “caráter contínuo da relação atesta sua solidez, pela permanência no tempo. Lapsos temporais, muitas vezes com repetidas idas e vindas, tornam a relação tipicamente instável, desnaturando sua configuração jurídica”. Caso contrário, Gama aduz139: Haveria relações imaturas, instáveis, não construídas em terreno sedimentado, acarretando, ainda, uma completa insegurança jurídica na sociedade no concernente às relações jurídicas mantidas entre os companheiros, e entre estes e terceiros, sabido que a caracterização do companheirismo não interessa apenas aos partícipes da relação, mas também a todos aqueles que direta ou indiretamente mantenham contato com os companheiros. Dentre os requisitos, pode-se destacar a necessidade da diversidade de sexos, afinal, a própria Constituição Federal, em seu artigo que trata a matéria, afirma que a união estável será reconhecida entre um homem e uma mulher. Diniz140 entende que “em uma união estável entre pessoas do mesmo sexo haverá tão somente uma sociedade de fato, exigindo-se, além disso, convivência e duradoura continuidade das relações sexuais que distingue da simples união transitória”. Para Dias141 as pessoas do mesmo sexo que estejam ligadas por laços afetivos, sem conotação sexual, merecem ser reconhecidas como entidades familiares, não sendo essencial à capacidade procriativa para que mereça a proteção legal. Há que se registrar que, para se caracterizar a união estável, não pode haver impedimentos à realização do casamento, tais como os previstos no artigo 1.521142 do Código Civil, não se aplicando, porém, a incidência do inciso VI do 138 OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. p. 130. 139 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo. p.168. 140 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 316. 141 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 102. 142 Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural 35 referido artigo, no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente, conforme Pereira143. Não basta a presença de apenas um desses requisitos. É necessária a evidência de todos, para que seja caracterizada a união estável. A sua formação também independe de qualquer formalidade, bastando estabelecer a vida em comum. 2.1.3 Efeitos Jurídicos Sociais, Pessoais e Patrimoniais da União Estável Na união estável, falar em direitos e deveres acaba levando a uma comparação com os direitos e deveres do casamento. Os companheiros têm acesso ao planejamento familiar tanto quanto os cônjuges, como exposto do artigo 1.565, § 2º do Código Civil, que assim prescreve: Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. [...] 2o O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. Nesse entendimento Czajkowski 144 ensina que: É pela manifestação contínua e recíproca de manter a vinculação que surge a convivência, e daí a entidade familiar informal, legalmente protegida. Se demonstrada a existência de uma entidade familiar, é esta que passa a ter um caráter institucional, sob o ponto de vista sociológico, em nossa sociedade. ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. 143 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 144 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. p. 169. 36 Aos companheiros são estabelecidos deveres de lealdade, respeito e assistência, explicitados no art. 1724 do Código Civil e, em comum ao casamento, há a obrigação de guarda, sustento e educação dos filhos, como ressalta Dias145. Czajkowski146 ainda diz que não existe o dever de fidelidade entre os parceiros, mas sim exclusividade das relações sexuais, ou uma aparente fidelidade. E também, quanto ao nome, na união estável não acarreta qualquer alteração no nome, para nenhum dos companheiros, nem mudança no estado civil. A regulamentação da união estável está cada vez mais próxima dos contornos do casamento, pois, ao mesmo tempo em que não se deseja a intervenção do Estado em relações íntimas, busca-se a interferência para lhe dar legitimidade e proteção à parte economicamente mais fraca, no entendimento de Pereira147. Mesmo não se confundindo com o casamento, a união estável dispõe das mesmas regras patrimoniais. “Na união estável, os conviventes têm a faculdade de firmar contrato de convivência (Código Civil 1.725), estipulando o que quiserem. Quedando-se em silêncio, (...) a escolha é feita pela lei: incide o regime da comunhão parcial de bens (Código Civil 1.658 a 1.666)”, assim compreende Dias148. Pereira149 sintetiza que, a doutrina e a jurisprudência brasileiras estabeleceram as regras patrimoniais da união estável, defendendo que as contribuições diretas ou indiretas (suporte doméstico e emocional), são referência de esforço comum. Ilustrativamente, a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina abaixo, sintetiza uma postura jurisprudencial: 145 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 153. 146 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. p. 122-124. 147 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira etal. Direito de família e o novo Código Civil. p. 270. 148 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 154. 149 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira et all. Direito de família e o novo Código Civil. p. 271. 37 EMENTA: CIVIL. FAMÍLIA. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. PARTILHA DE BENS. DISPENSA DO DEPOIMENTO PESSOAL DA PARTE PELO MAGISTRADO. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. CONVIVÊNCIA DURADOURA, PÚBLICA E CONTÍNUA, COM OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL CARACTERIZADA. TÉRMINO DA CONVIVÊNCIA MARITAL NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.278/96. PRESUNÇÃO DO ESFORÇO COMUM NA AQUISIÇÃO DOS BENS. EXCLUSÃO DOS VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE HERANÇA. DIREITO DE PARTILHA RECONHECIDO. Não incide o juiz no pecado de afronta à Constituição Federal, nem ao Código de Processo Civil, por cerceio de defesa da parte, ao indeferir a colheita do depoimento pessoal dos litigantes se eles deixaram à sua vista farta documentação com que inspirar sua convicção. Presumem-se comuns os bens adquiridos a título oneroso na constância da união estável. Provada a estabilidade das relações, haverá a incidência da Lei nº 9.278/96 a garantir o direito à partilha do patrimônio comum, quando da dissolução da sociedade conjugal, sem necessidade de prova da contribuição direta de um e de outro na aquisição dos bens.150 Assim sendo, Pereira151 diz que a contribuição indireta ganha mais força, atribuindo grande importância a um marco teórico, significando uma revalorização do trabalho doméstico. Outro grande marco foi dado pela Constituição Federal de 1988, ao estabelecer que as questões relativas a essa outra forma de constituição de família (união estável) fossem tratadas no campo do Direito de Família e não mais no Direito das Obrigações. Contudo, arremata Dias152 que no casamento, quando um ou ambos os nubentes tiverem mais de 60 anos, ao se casarem não gerarão efeitos patrimoniais, impondo a lei o regime de separação obrigatória de bens (art. 1641, II, do Código Civil). Não existe e não cabe analogia para restringir direitos na união estável. 150 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 2003.027447-2. Relator: Luiz Carlos Freyesleben. Data da Decisão: 31/03/2005. 151 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira etal. Direito de família e o novo Código Civil. p. 272. 152 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 154-155. 38 Em relação ao regime da comunhão parcial de bens, Dias153 presume que o companheiro é patrimonialmente comparado ao cônjuge na hipótese de dissolução do vínculo. O bem adquirido por um, torna-se propriedade comum, devendo meação. Mas há exceções legais de incomunicabilidade (art. 1.659 e 1.661 do Código Civil); os bens recebidos por herança, por doação ou mediante subrogação legal, estão excluídos da meação. A partir dessa reflexão, pode-se dizer que o que predomina na união estável, no âmbito pessoal da vida dos parceiros, é a vontade deles, só haverá intervenção do Estado na proteção dos valores fundamentais do cidadão. Já no âmbito patrimonial, os bens que foram adquiridos na constância da relação pertencem a ambos os conviventes, devendo ser partilhados segundo o regime da comunhão parcial de bens, no caso de dissolução da união estável. 2.1.4 Dissolução da União Estável Ensina Oliveira154 que existem três causas para a dissolução da união estável: pela morte do companheiro, pelo casamento de ambos, pelo término da vida em comum (por mútuo acordo ou pelo abandono de um pelo outro). Sem interferências judiciais, a união se desfaz apenas pelo fim de convivência, não existe determinação de sanções. “(...) mesmo que um ou ambos os conviventes descumpram os deveres impostos pela lei, tal não gera efeito nenhum: nem impede o reconhecimento da união estável nem impõe sua dissolução”, destaca Dias155. Oliveira156 leciona que “se companheiros pretendem encerrar a vida em comum, em termos amigáveis, nada impede que o façam, livremente, e sem maiores formalidades. Preferível, no entanto, que se utilizem instrumento escrito, 153 154 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 155. OLIVEIRA. Basílio de. Direito alimentar e sucessório do companheiro. Rio de Janeiro: Destaque. 1998. p.64. 155 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 154. 156 OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. p. 244. 39 especial se houver bens a serem partilhados, a fim de evitar futuras pendências judiciais.” E complementa afirmando que caso existam filhos envolvidos, a sua guarda, a pensão alimentícia, devem ser homologadas pelo juiz, para que fique regularizada a situação dos menores. E ainda assim, se não houver interesse na homologação judicial de acordo amigável, devem ingressar com o procedimento litigioso, para impetrar a dissolução da união estável e a partilha de bens, e outras questões referente ao direito de família e ao direito sucessório, diz Oliveira157. Ressalta Czajkowski158, no caso de dissolução de união estável, os bens em condomínio devem ser vendidos ou divididos, e o valor da venda repartido. No casamento, os bens são entendidos como patrimônio, coisa coletiva, no qual a meação só é dada no momento da dissolução do casamento. Já na união estável, não há comunhão sobre coisa coletiva, poderá existir condomínio sobre os bens singularmente considerados. E ainda complementa Oliveira159: Na petição inicial o autor (é seu o ônus de provar a existência da união estável) deverá expor os fatos que possibilitem o enquadramento da convivência como união estável, com os requisitos exigidos na lei, e descrever os bens adquiridos durante a convivência a título oneroso, exibindo provas documentais. O réu poderá objetivar a inclusão de eventuais outros bens sujeitos a meação. Quanto à dissolução de união estável por vontade das partes, consigna Varjão160 que: Os conviventes podem extinguir a união estável por escrito, estabelecendo as regras que passarão a vigorar a partir da dissolução. Trata-se de resilição bilateral ou distrato, possível, mesmo que não tenha havido escrito e independentemente de lei. 157 OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. p. 244. 158 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.871/94 e 9.278/96. p. 196-198. 159 OLIVEIRA, Euclides de Oliveira. União estável: do concubinato ao casamento. p. 244. 160 VARJÃO, Luiz Augusto Gomes. União Estável. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 129. 40 A extinção também acontece por resolução, ocorre ante a quebra de um dos requisitos da união estável, referente aos direitos dos conviventes. Nesse sentido afirma Lisboa161 que: Quanto a ruptura da união estável por resolução, assevera que: é o que ocorre ante a prática de: servícias, injúria grave, abandono do lar e homicídio tentado. Nas dissoluções litigiosas de uniões estáveis, entra a figura cautelar de “separação de corpos”, medida usada para afastar um dos conviventes da morada do casal. Neste sentido, é pertinente trazer a visão de Pereira162: É certo que não exista nas relações concubinárias o dever de coabitação, como se reclama no casamento e como já expressou a Súmula 382 e até mesmo o novo Código Civil mas não é somente por isso que se busca, através de medida oficial a “separação de corpus”. Há nestas relações direitos e deveres de outra ordem, como respeito mútuo. Tal medida pode ser então para determinar que uma das pessoas (geralmente o homem, se afaste coercitivamente por motivos de violência e agressividade). Muitas vezes a periculum in mora, e até mesmo o risco de vida, e a técnica processual não podem desconsiderar isto. Dissolve-se também a união estável, com a morte de um dos companheiros, assim afirma Pereira163: A dissolução por morte de um dos conviventes está prevista expressamente no parágrafo único do mesmo art. 7º, instituindo o direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. A conversão da união estável em casamento(casamnto de ambos), conforme o artigo 226, § 3º da Constituição Federal atual, é uma forma de dissolução da união estável, e deve ser feita mediante requerimento ao juiz de direito da comarca onde residam os conviventes que, verificando a regularidade do 161 LISBOA, Roberto Senise. Manual elementar de direito civil. v. 2. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 145. 162 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. p. 133. 163 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. p. 544. 41 pedido, determinará o seu processamento no Registro Civil, conforme prescreve o Código Civil, em seu artigo 1726164. 2.2 UNIÕES HOMOAFETIVAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO: 2.2.1 Aproximação entre União Estável e União Homoafetiva No direito brasileiro, a convivência entre pessoas do mesmo sexo não tem nenhuma regulamentação, provavelmente, por causa da circulação histórica racista e por considerar imoral essa convivência. Hoje há projetos de lei tramitando nesse sentido, mas há uma grande resistência de parlamentares, de representantes da Igreja e da camada conservadora da sociedade, ensina Brito165. Definir união estável, tanto quanto a definição atual de família, não é tão fácil. Aduzem Dias e Pereira166: Definir união estável começa e termina por entender o que é família. A partir do momento em que família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela. O artigo 226 da Constituição enumera três [...]. Mas há outras. [...] Por exemplo: [...] as relações homoafetivas estáveis começam a ser consideradas entidade familiar [...]. A magistrada gaúcha Dra. Judith dos Santos Mottecy, no processo 01196089682, em 24 de fevereiro de 1999, aproximou o conceito de união estável ao da relação homoafetiva, considerando que a lei é arbitrária e fere o princípio constitucional da igualdade. É preciso deixar claro que a homossexualidade é uma situação real, e que deve ser objeto de normatização, afinal o Direito regula as 164 MELO, Nehemias Domingos de. União estável: Conceito, Alimentos e dissolução. Disponível em <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=696>. Acesso em 30 de junho de 2008. 165 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p.49-50. 166 DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha Pereira etal. Direito de família e o novo Código Civil. p. 258-259. 42 uniões que associam afeto ao interesse comum, independente da orientação sexual do casal. Assim, ainda leciona Dias167 que, “se o convívio homoafetivo gera família e se esta não pode ter a forma de casamento, necessariamente há de ser união estável. [...] é forçoso reconhecer que a união estável é um gênero que admite duas espécies: a heteroafetiva e a homoafetiva”. Ressalta Brito168 que o “casamento” é entendido atualmente como sendo um contrato, mas que deve ser uma carga institucional que se reflete no interesse do Estado, na organização da família, e completa que: A caracterização da união homossexual, como forma de casamento, é erro resultante de uma visão excessivamente contratualísta do matrimônio e que despreza, também, elementos essenciais da noção de família. [...] o surgimento da família, modernamente, justifica-se de modo primordial na realização afetiva [...] entendido o casamento só como um contrato, puro e simples, a única objeção contra as uniões homossexuais seria de ordem moral, seria em nome dos bons costumes, o que é um argumento ambíguo e subjetivo. Ainda ensina Dias169 que a limitação constitucional ou legal: [...] não tem condão de deixar à margem da proteção de Estado relacionamentos afetivos outros que geram conseqüências no âmbito do Direito. Podem e devem ser aplicadas, por analogia, as leis reguladoras do relacionamento entre um homem e uma mulher. As relações homossexuais constituem uma unidade familiar que em nada se diferencia da união estável. Neste diapasão, Louzada170 diz que: No caso específico dos homossexuais, urge que a Justiça se mostre capaz de assegurar a efetividade dos direitos ainda não normatizados, eis que, muitas das vezes, a pretensa aplicação pura e simples da Lei, sem a devida apreciação teleológica, vem a violar 167 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 68-69. 168 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p. 35 169 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 96 170 LOUZADA, Ana Maria. O reflexo dos envolvimentos afetivos nas reflexões patrimoniais. Revista AJURIS. Porto Alegre, jun. 1997, v. 70. p. 295-304. 43 muitos dos mais fundamentais direitos humanos. Os magistrados devem buscar soluções jurídicas nos referenciais dispostos no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito, deve ser retirada dos olhos a venda e ver a relação como um elo de afetividade, e reconhecer os seus direitos, aduz Dias171. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul foi pioneiro no reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, em 14 de março de 2001, como mostra a seguir: EMENTA: UNIAO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO. PARTILHA DO PATRIMONIO. MEACAO PARADIGMA. NAO SE PERMITE MAIS O FARISAISMO DE DESCONHECER A EXISTENCIA DE UNIOES ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO E A PRODUCAO DE EFEITOS JURIDICOS DERIVADOS DESSAS RELACOES HOMOAFETIVAS. EMBORA PERMEADAS DE PRECONCEITOS, SAO REALIDADES QUE O JUDICIARIO NAO PODE IGNORAR, MESMO EM SUA NATURAL ATIVIDADE RETARDATARIA. NELAS REMANESCEM CONSEQUENCIAS SEMELHANTES AS QUE VIGORAM NAS RELACOES DE AFETO, BUSCANDO-SE SEMPRE A APLICACAO DA ANALOGIA E DOS PRINCIPIOS GERAIS DO DIREITO, RELEVADO SEMPRE OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE HUMANA E DA IGUALDADE. DESTA FORMA, O PATRIMONIO HAVIDO NA CONSTANCIA DO RELACIONAMENTO DEVE SER PARTILHADO COMO NA UNIAO ESTAVEL, PARADIGMA SUPLETIVO ONDE SE DEBRUCA A MELHOR HERMENEUTICA. APELACAO PROVIDA, EM PARTE, POR MAIORIA, PARA ASSEGURAR A DIVISAO DO ACERVO ENTRE OS PARCEIROS.172 Abaixo, há mais um entendimento recente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, também reconhecendo a união homoafetiva, como entidade familiar: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união 171 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 98. 172 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70001388982, Sétima Câmara Cível, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 14/03/2001. 44 homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo.173 Vendo a relação homoafetiva como entidade familiar, passouse a reconhecer que a competência para julgamento é da vara da família, e não mais da área de direito das obrigações, sendo assim, o Poder Judiciário está cumprindo de forma corajosa a sua função de transformar e de renovar a sociedade. Nesse sentido, entende o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC).174 173 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70012836755, Sétima Câmara Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 21/12/2005. 174 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 70009550070, Sétima Câmara Cível, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 17/11/2004. 45 Portanto, fica demonstrado que a legislação tem que acompanhar a evolução do conceito de moralidade usando da analogia. A união homoafetiva atende aos mesmos requisitos da união estável e se origina de um vínculo afetivo, devendo, pois, ser reconhecida como entidade familiar. 2.2.2 Ação de Dissolução de Sociedade de Fato Sociedade de fato é estabelecida entre pessoas que, de alguma maneira, tenham contribuído para a formação de um patrimônio. Os Tribunais de Justiça pátrios têm uma grande dificuldade em aceitar a união homossexual como identidade familiar, fazendo analogia com a sociedade de fato e a inserindo no Direito Obrigacional formando um vínculo negocial. Todavia, se forem parceiros heterossexuais tramitará perante a Vara da Família, e que mesmo possuindo o vínculo afetivo, os efeitos decorrentes de sua existência serão diferentes, na visão de Dias175. Ainda explicita Dias176 sobre as relações heterossexuais que: Reconhecida a existência de uma convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com o objetivo de constituição de família, deferem-se alimentos, partilham-se bens, entrega-se herança, concede-se direito real de habitação e usufruto sobre metade dos bens disponíveis, isso tudo partindo da presunção júris et de jure de colaboração comum na formação do acervo patrimonial. Quanto aos parceiros do mesmo sexo, ressalta Dias177 que: Mesmo quando comprovada uma convivência duradoura, pública e contínua, é reconhecida somente a existência de uma sociedade de fato, sob o fundamento de ser impertinente qualquer indagação sobre a vida íntima de um e de outro. Ao parceiro, no máximo, é deferida a metade – às vezes nem isso – do patrimônio adquirido durante a vida em comum e, ainda assim, mediante prova de mútua colaboração. Nada mais. 175 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 92-93. 176 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 94. 177 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 94. 46 Quanto à tramitação do processo, já existem entendimentos que versam sobre a competência das Varas de Famílias na união homossexual, como exposta a seguir: EMENTA: RELACOES HOMOSSEXUAIS. COMPETENCIA DA VARA DE FAMILIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO EM SOCIEDADE DE FATO. A COMPETENCIA PARA JULGAMENTO DE SEPARACAO DE SOCIEDADE DE FATO DE CASAIS FORMADOS POR PESSOAS DO MESMO SEXO, E DAS VARAS DE FAMILIA, CONFORME PRECEDENTES DESTA CAMARA, POR NAO SER POSSIVEL QUALQUER DISCRIMINACAO POR SE TRATAR DE UNIAO ENTRE HOMOSSEXUAIS, POIS E CERTO QUE A CONSTITUICAO FEDERAL, CONSAGRANDO PRINCIPIOS DEMOCRATICOS DE DIREITO, PROIBE DISCRIMINACAO DE QUALQUER ESPECIE, PRINCIPALMENTE QUANTO A OPCAO SEXUAL, SENDO INCABIVEL, ASSIM, QUANTO A SOCIEDADE DE FATO HOMOSSEXUAL. CONFLITO DE COMPETENCIA ACOLHIDO178. Na dissolução da sociedade de fato (união estável) entre parceiros heterossexuais são deferidos alimentos, partilha de bens, entrega de herança, é concedido o direito real de habitação, presumindo a colaboração em comum, e a demanda tramitará na Vara da Família. Já na dissolução da sociedade de fato entre parceiros do mesmo sexo, no máximo é atribuído ao parceiro somente a metade dos bens adquiridos durante a vida em comum, está inserida no Direito Obrigacional, e é visualizado somente como um vínculo negocial. 2.2.3 Direitos Sucessórios Existem na doutrina e jurisprudência brasileira dois entendimentos quanto aos direitos sucessórios da união homoafetiva. A primeira, mais conservadora, e ainda maioria, é de que a parceira somente terá direito aos bens em que contribuiu direta ou indiretamente 178 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Conflito de Competência nº 70000992156, Oitava Câmara Cível, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 29/06/2000. 47 durante a união, ainda sob prova, e não da integralidade da herança, trata-se da sociedade de fato, no entendimento de Dias179. Assim reconhece o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: EMENTA: Comprovada a existência de um relacionamento de ordem afetivo/sexual entre pessoas do mesmo sexo, e demonstrada a colaboração recíproca dos parceiros para a formação do patrimônio, numa inequívoca comunhão de esforços e recursos, configurando participação na ordem direta e indireta, reconhece-se como presente uma sociedade fática, com todas as conseqüências jurídicas que lhe são inerentes, em especial o direito à partilha de bens, em caso de vir a mesma a ser dissolvida pelo falecimento de um dos sócios ou o rompimento espontâneo da relação que lhe deu origem180. Já o segundo entendimento têm se apoiado, analogicamente, reconhecendo a sociedade de fato como união homoafetiva, conferindo então ao parceiro homossexual sobrevivente não só direito à meação do patrimônio comum, mas também direito à herança, nos moldes da lei civil. E complementa Dias181 que “a Magistrada Judith dos Santos Mottecy, declarando a existência de uma união estável, deferiu a totalidade da herança ao parceiro, por não ter o de cujus deixado descendentes”. A união estável teve uma grande evolução no atual Código Civil Brasileiro, equiparando-se ao casamento, no que concerne à assistência alimentar e ao regime de bens, porém com grandes diferenças no âmbito do direito sucessório. Cabe então, a espera para que o Legislativo promulgue uma Lei para proteger melhor a união estável e, a partir dela, a própria união homoafetiva, até que esta seja, finalmente, reconhecida pelo Estado. 2.2.4 Direitos Previdenciários 179 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 153. 180 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 309.092-0. Relatora Des. Jurema Brasil Marins. Julgado 27.02.2002. 181 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 154. 48 No âmbito da seguridade social, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento inédito, deu garantia a um homossexual, o direito a receber pensão pela morte do companheiro com quem viveu por 18 anos. A decisão considerou discriminatório pretender excluir parte da sociedade – aqueles que têm relações homoafetivas – da tutela do Poder Judiciário sob o argumento de não haver previsão legal para a hipótese182. Cabe o seguinte entendimento: EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR PÚBLICO. COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL. LEI 8.112/90. INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS-DC Nº 25. 1- Não há ausência do interesse de agir quando a Ré, na resposta, nega o direito vindicado. 2- A alegação de impossibilidade jurídica do pedido confunde-se com o mérito da lide. Inexistência de vedação legal expressa à pretensão autoral, de sorte a exigir a extinção do processo sem exame do mérito. 3- A sociedade de fato existente entre homossexuais merece tratamento isonômico ao dispensado às uniões heterossexuais em respeito aos princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana e da promoção do bem de todos sem preconceito ou discriminação183. Também é concedido auxílio reclusão, que constitui benefício da Previdência Social, regulado pela Lei n.8.213, de 24 de junho de 1991, que visa à proteção dos dependentes carentes do segurado preso, impossibilitado de prover a subsistência dos mesmos em virtude de sua prisão, como aduz Dias184. As decisões dos Tribunais de Justiça principalmente os do Rio Grande do Sul, estão cada vez mais, deferindo conseqüências jurídicas aos relacionamentos homoafetivos, como o reconhecimento de uma “união estável”, a competência para a Vara da Família, a partilha de bens, a herança, dentre outros. Apresentaram-se neste capítulo, alguns aspectos relativos à união estável e à homossexualidade. No capítulo que segue serão apresentados os 182 Homossexual tem direito a pensão previdenciária por morte de companheiro. Disponível em < http://www.direitonet.com.br/noticias/x/84/35/8435/> Acesso em 07 de julho de 2008. 183 RIO GRANDE DO NORTE. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. 3.ª T., Apelação Cível nº 334141-RN (2002.84.00.002275-4), Relator Des. Fed. Geraldo Apoliano, julgado. 27.07.2004. 184 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 181. 49 princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e suas perspectivas jurídicas em relação à homossexualidade. 50 CAPÍTULO 3 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E HOMOSSEXUALIDADE: PERSPECTIVAS JURÍDICAS 3.1 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Firmado no artigo 1º da Constituição Federal, é considerado o princípio mais importante. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; Denota-se a possibilidade de conferir a um ente, humano ou moral, a aptidão de adquirir direitos e contrair obrigações. Há muitas opiniões entre os autores, mas, estas podem ser demonstradas de uma forma harmônica e complementar. Inicia-se o estudo com um breve histórico. Conforme Martins185, as idéias de dignidade da pessoa humana relatadas no pensamento ocidental talvez possam ter sido as mais influentes no âmbito do direito positivo. Inicialmente, mesmo não trabalhando diretamente com a idéia de dignidade humana, elabora a idéia de um homem com validade universal e normativa, aduz Nogare186. A idéia do grego ocidental é a de que a natureza opera obedecendo às leis e princípios necessários e universais, podendo ser plenamente conhecidos pelo nosso pensamento, permitindo-nos distinguir o verdadeiro do falso. 185 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2008. p. 19. 186 NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e Anti- Humanismos: introdução à antropologia filosófica. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 1985. p. 25-26. 51 Que as práticas humanas dependem da vontade livre estabelecidos pelos próprios seres humanos. Assim, os acontecimentos humanos e naturais são necessários, porque obedecem as leis naturais, podendo ser acidentais quando depende das escolhas humanas. E igualmente a idéia de que os seres humanos aspiram ao conhecimento verdadeiro, à felicidade, à justiça, aos valores que dão sentido às suas vidas e ações, conforme Chauí187. A filosofia grega foi essencial por superar e racionalizar o pensamento humano. Provavelmente, com o pensamento cristão, foi a grande ocasião para a formação da idéia de dignidade humana. Comparato188 ressalta que o homem, por ser compreendido como imagem e semelhança de Deus, dá a idéia de igualdade diante de todos os seres humanos. A idéia de igualdade confere respeito à sua dignidade, pois todos merecem respeito e consideração de forma igualitária189. Essa foi à idéia assumida pela filosofia durante mil anos. Inclui-se com o pensamento cristão, o pensamento de Tomás de Aquino só que mais aprofundado na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana, sendo assim, por força da sua dignidade, o ser humano que é livre por natureza, vive em função da sua própria vontade, destaca Sarlet190. Assim, a dignidade é uma qualidade que está, por natureza, inseparavelmente a todo ser humano, distinguindo-o dos demais seres, que é a racionalidade, diz Comparato191. Por intermédio da racionalidade é que o homem passa a ser livre e responde por seus próprios atos, constituindo um valor absoluto, um fim em si192. A compreensão de dignidade humana elaborada por Kant é a que predomina até os dias de hoje. Ele vê a dignidade como parte da autonomia ética do ser humano, fundamentando que o ser humano não pode ser tratado como 187 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 1999. p. 20-23. 188 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 1-8. 189 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. p. 22-23. 190 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. ver. atual. Porto Alegre: Livraria d Advogado, 2007. p. 31. 191 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 19. 192 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. p. 24. 52 objeto. Comparato193, baseado no pensamento de Kant, ensina que a dignidade humana não está apenas no fato do ser humano ser considerado como um fim e não como um meio, mas também pelo fato de que, por sua vontade racional, só o humano é autônomo o suficiente para guiar-se pelas próprias leis que elabora. O autor prossegue dizendo que para Kant, temos o dever de favorecer, sempre que possível o fim de outrem, devemos realizar a nossa própria vontade, felicidade mediante também a felicidade e realização de outro. Kant194 examina a idéia de dignidade humana dizendo: [...] no reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa esta acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então ela tem dignidade. Quanto ao ensinamento acima, prossegue Martins195 aduzindo que como ser racional a pessoa humana é única e insubstituível, possuindo então dignidade que está acima de qualquer preço, superior a qualquer preço não admitindo qualquer substituto. Para Sarlet196 a dignidade: Independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos – mesmo o maior dos criminosos – são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas – ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes, inclusive consigo mesmos. Na visão de Silva197, a dignidade como valor imputado à pessoa humana, e como valor absoluto, não poderá ser desconsiderado, mesmo quando estes cometem ações mais indignas ou infames. 193 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p. 21-22. 194 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução: Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2000. p 77. 195 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. p. 28-29. 196 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. p. 45. 53 Larenz198, instado a pronunciar-se sobre o personalismo ético da pessoa no Direito Privado, reconhece na dignidade pessoal a prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial próprio. A constitucionalização do referido princípio ateu-se pelo pensamento de Hannah Arendt, inicialmente na Alemanha, depois em várias constituições e mais tarde na brasileira. A razão dessa constitucionalização partiu da observação intensa das experiências nazistas e stalinistas199. Foi na Alemanha, na Lei Fundamental de 23 de maio de 1949, a primeira atribuição da dignidade da pessoa humana, como princípio e como direito fundamental, estabelecendo em seu artigo 1º, nº. 1, que: “A dignidade humana é inviolável. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todos os Poderes estatais”, afirma Silva200. Com relação a atual Constituição Federal de 1988, Piovesan201 assim destaca: A Carta de 1988 destaca-se como uma das Constituições mais avançadas do mundo no que diz respeito à matéria. [...] a influência no constitucionalismo Brasileiro das Constituições Alemã (Lei Fundamental – Grundgesetz, 23.5.1949), Portuguesa (2.4.1976) e Espanhola (29.12.1978), na qualidade de Constituições que primam pela linguagem dos direitos humanos e da proteção à dignidade humana. A Constituição Federal de 1988 foi a primeira a instituir o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento, projetando-o por todo o sistema como: o político, jurídico e social. Mas a primeira menção quanto ao 197 SILVA, Jose Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de direito administrativo. p. 93. 198 LARENZ, Karl. Derecho civil: parte general. Madri: Editoriales de Derecho Reunidas, 1978. p. 46. 199 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. p. 32. 200 SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, nº 212: 89-94, abr./jun. 1998. p. 89. 201 LEITE, George Salomão, PIOVESAN, Flávia etal. Dos princípios constitucionais. Considerações em torno das normas principiológicas da constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 190. 54 referido tema foi na Constituição de 1934, na qual ela relata expressamente “existência digna”. A Constituição de 1937 não faz qualquer alusão ao tema por ser totalmente autoritária. Volta a aparecer na Constituição de 1946, na mesma expressão da de 1934, “existência digna” 202. Assim, a Dignidade Humana foi expressamente positivada pelo constituinte de 1988, e estabelecido como valor-guia do ordenamento jurídico, como forma principiológica203. Conforme diz Silva204, não é o citado princípio uma criação constitucional, e sim um valor, uma atribuição jurídica de grande valor principiológico expressando sua incorporação ao sistema constitucional. Em nosso ordenamento jurídico, o princípio se desdobra nos seguintes sentidos: a) reverência à igualdade entre os homens; b) impedimento à consideração do ser humano como objeto, degradando-se a sua condição de pessoa; c) garantia de um patamar existencial mínimo: resulta na obrigação do Estado em garantir à pessoa humana um patamar mínimo de recursos, capaz de prover-lhe a subsistência205. Assim, afirma Rothenburg206 que: Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão exclusivamente intelectual e, como todos os outros princípios, também é sentido e experimentado no plano dos afetos. Pereira207 comenta que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, é o mais universal de todos os princípios, um grande princípio dos quais 202 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. p. 48-51. 203 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. p. 98. 204 SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo. p. 91. 205 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Esmafe, 2001. 206 207 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 65. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família. Belo Horizonte: Del Rey: 2006. p. 68. 55 todos os outros como o da liberdade, da autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade se propagam. Para Sarmento208, o referido princípio representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade. O Estado tem o dever de fomentar essa dignidade através de condutas ativas, garantindo o mínimo para cada ser humano. O princípio da dignidade da pessoa humana significa uma orientação para a ação positiva do Estado, garantindo o mínimo de referência de dignidade para cada ser humano em seu território, e não apenas um limite para sua atuação, diz Sarmento209. Sobre a aplicabilidade do princípio constitucional da dignidade da pessoa, reflete Nunes210: Está mais do que na hora de o operador do Direito passar a gerir sua atuação social pautado no princípio fundamental estampado no Texto constitucional. Aliás, é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais. E por isso não pode o Princípio da dignidade da Pessoa Humana ser desconsiderado em nenhum ato de interpretação, aplicação ou criação de normas jurídicas. E ainda ressalta o autor citado que a Constituição Federal institui o seu cumprimento sólido, claro e definido. Devendo se somar a outros direitos fundamentais como direito à vida, à liberdade, à intimidade, à vida privada, à honra e outros211. 208 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 60 e 71. 209 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. p. 71. 210 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 50-51. 211 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. p. 51. 56 3.2 DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA APLICADO AO ART. 226 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Conforme o estudo acima demonstra, o princípio da dignidade da pessoa humana é o maior princípio da vigente Constituição Federal, pois serve de fundamento e meio de interpretação para todos os outros direitos, ele é inerente a todo ser humano, é valor próprio, intrínseco, irrenunciável e inalienável, não podendo sofrer qualquer restrição ou violação. Foi superado com o referido princípio o individualismo, conferindo especial proteção à família pelo Estado212. Tal princípio da Dignidade da Pessoa Humana, garante o pleno desenvolvimento dos membros familiares, especialmente às crianças e adolescentes, afirma Diniz213. Destaca Pereira214, que o princípio em pauta, significa igual dignidade para todas as famílias, não podendo dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família. Gama apud Dias215, diz que a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para prosperar-se, dando proteção especial, independentemente da origem da entidade familiar, preservando e desenvolvendo as qualidades mais salientes entre os familiares, como o afeto a solidariedade, a união, o amor, a confiança dentre outros. No artigo 226, caput, da Constituição Federal de 1988, a família é caracterizada como base da sociedade, e ao Estado é conferido prover sua proteção. Conseqüentemente, é cláusula geral de inclusão não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade216. A união estável e a monoparental expostas, respectivamente, nos 212 CINTRA, Larissa Cavalcanti. A Inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002. Disponível em <http://www.usinadaspalavras.com/ler.php?txt_id=11855> Acesso em 07 de outubro de 2007. 213 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. p. 25. 214 Pereira, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família. p. 72. 215 Gama (apud Maria Berenice Dias), Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 216 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família, in Direito de Família na 57 parágrafos 3º e 4º do referido artigo, dizem respeito a novas formas de família. A Constituição Federal, vendo a necessidade de reconhecer a existência de uniões familiares fora do casamento, com o intuito de também exercer um controle social, se restringiu a conferir juridicidade às relações homossexuais, simplesmente por preconceito e por não haver a diversidade de sexos217. A interpretação do artigo 226 da atual Constituição Federal dominante entre os civilistas é no sentido de tutelar apenas os três tipos de entidades familiares, explicitamente previstos, configurando numerus clausus 218 . Tais tipos de entidades familiares explicitadas nos parágrafos do então artigo são meramente exemplificativos para alguns autores. Assim afirma Chiletto219: O art. 226 e seus parágrafos são meramente exemplificativos e que, além disso, o caput do art. 226 é, conseqüentemente, norma geral de inclusão que tem como característica regular as hipóteses não previstas na norma, desde que semelhantes a ela, de maneira idêntica, onde só poderia ser excepcionada se existisse outra norma de exclusão explícita, o que não ocorre, nesse caso, no ordenamento jurídico pátrio. A partir do momento em que se une ao conceito de família, além dos relacionamentos decorrentes do casamento, também as uniões estáveis e os vínculos monoparentais, faz-se necessário ser inserida no âmbito do Direito de Família mais um tipo de vínculo afetivo: as relações homossexuais, chamadas de relações homoafetivas, tendo em vista que nelas também existe afetividade, destaca Dias220. A Constituição Federal de 1988, em momento algum, veda o relacionamento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. Não se pode dissociar o conceito de família das experiências de relacionamentos afetivos que, por si, Constituição de 1988, org.: Carlos Alberto Bittar, São Paulo: Saraiva, 1989. p. 95. 217 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 95-96. 218 LOBO, Paulo Luiz Netto. A repersonalização das relações de família, in Direito de Família na Constituição de 1988. 219 CHILETTO, Maria Claúdia Cairo. Disponível em <http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/ Dissertacoes/Integra.htm> Acesso em 07 de outubro 2008. 220 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 175. 58 constituem verdadeiras células da sociedade. A tipicidade da norma deve ser aberta de modo que se flexibilize e se adapte à entidade familiar que surgir no decorrer dos anos. Sendo assim, as uniões homossexuais que preencherem os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade, seriam entidades familiares constitucionalmente protegidas221. No sentido do cumprimento de tais requisitos, ressalta Giorgis222: Assim, não é desarrazoado, firme nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, por analogia e com suporte nos princípios gerais do direito, aplicar os mesmos efeitos patrimoniais que se deslumbra da união estável, repartindo-se o acervo angariado por parceiros em sua vida comum, desde que vislumbre nesta os pressupostos da notoriedade, da publicidade, da coabitação, da fidelidade, de sinais explícitos de uma verdadeira comunhão de afetos. A confirmação dos direitos dos casais homoafetivos223 está, principalmente, no texto constitucional brasileiro, que aponta como valor basilar do Estado Democrático de Direito o princípio da dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade, sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade de intimidade e da vida privada. Como ensina Fachin224, a orientação sexual é direito personalíssimo, atributo inerente e inegável da pessoa a que, assim, como direito fundamental, é um prolongamento de direitos da personalidade, imprescindíveis para a construção de uma sociedade que se quer livre, justa e solidária. Conforme ensina Rios225: [...] o direito de família contemporâneo ruma cada vez mais para a valorização das uniões de pessoas em que se estabelece uma 221 222 CINTRA, Larissa Cavalcanti. A Inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002. Disponível em <http://www.usinadaspalavras.com/ler.php?txt_id=11855> Acesso em 07 de outubro de 2007. GIORGIS, José Carlos Teixeira. A relação homoerótica e a partilha de Homossexualidade: discussões jurídicas e psicológicas. Curitiba: Juruá, 2001. p. 144. bens. 223 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 175-176. 224 FACHIN, Luiz Edson. Aspectos jurídicos da união de pessoas do mesmo sexo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.p. 144 225 RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no direito. p. 107-108. 59 comunhão de vida voltada para o desenvolvimento da personalidade, mediante vínculos sexuais e afetivos duradouros, sem depender mais de vínculos formais e de finalidades reprodutivas. O que importa [...] é o reconhecimento da conjugação de mútuos esforços, constituída a partir do entrelaçar de sexo e afeto, presentes na construção cotidiana da vida de cada um dos partícipes da relação. A ligação entre a proteção da dignidade da pessoa humana e a orientação homossexual é direta, pois o respeito aos traços constitutivos de cada um, sem depender da orientação sexual, promete aos indivíduos a promoção positiva de suas liberdades, como exposto no art. 1o, inciso III, da Constituição Federal226. A partir dessa reflexão, pode-se dizer que as relações de homossexualidade fundadas no afeto e na sexualidade, de maneira livre e autônoma, sem qualquer prejuízo de terceiros, faz parte da proteção da dignidade humana, assim como as relações heterossexuais227. Matos228 aduz que a dignidade existente na união entre pessoas do mesmo sexo deve ser reconhecida, afinal é envolto pelo valor da pessoa humana, que cada pessoa pode exercer livremente sua personalidade, segundo seus anseios de foro íntimo. “A sexualidade está dentro do campo da subjetividade, representando uma fundamental perspectiva do livre desenvolvimento da personalidade, e partilhar a cotidianeidade da vida em parcerias estáveis e duradouras parece ser um aspecto primordial da experiência humana”. Complementa Moraes229: 226 CINTRA, Larissa Cavalcanti. A Inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002. Disponível em <http://www.usinadaspalavras.com/ler.php?txt_id=11855> Acesso em 07 de outubro de 2007. 227 MOREIRA, Elaine Cristina. Os Relacionamentos Homoafetivos e a Cidadania. Disponível em <http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito/docs/convidados/BKP/Os_relacionamentos. doc> Acesso em 07 de outubro de 2008. 228 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 148. 229 MORAES, Maria Celina Bodin de. A união entre pessoas do mesmo sexo: uma análise sob a perspectiva civil-constitucional. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, ano 1, v. 1, Jan/ mar 2000. p. 97. 60 Os direitos de igualdade, de liberdade, de intimidade, direitos fundamentais consubstancia-dores da cláusula geral da dignidade da pessoa humana, e a proibição a qualquer forma de discriminação impõem limites bastante demarcados no que tange à impossibilidade de tratar de modo diverso as pessoas, com base em sua orientação sexual, opção individual que integra a esfera do lícito, que, merece, por todas estas razões, proteção jurídica concreta e eficaz. “Sob esse ponto de vista, a discriminação jurídica em não se reconhecer uma relação afetiva entre sujeitos, devido à sua orientação sexual, mostra-se inconstitucional, pois contrária à dignidade da pessoa humana” 230. O juiz não pode, por carência de lei, negar um direito. Não pode se esquecer que na própria lei há o reconhecimento de lacunas, o que não o autoriza ser omisso, de acordo com a LICC, “não pode se pronunciar com um non liquet (não está claro), abstendo-se de julgar alegando que não encontrou na lei solução para o litígio” 231 . Assim expõe o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Para Dias232, não tem como escapar da analogia as demais relações que se fundamentam no afeto, devendo o aplicador do direito reconhecer a existência de uma unidade familiar à semelhança do casamento e da união estável. Ressalta ainda a autora que o Estado que consagra como princípio o respeito à dignidade da pessoa humana, deve reconhecer que todos os cidadãos têm direito individual à liberdade, o direito social de escolha e do direito humano à felicidade. Ilustrativamente, assim entende o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, um dos Tribunais mais renovadores, quanto a união homoafetiva: EMENTA: UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. 230 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais. p. 149. 231 DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. p. 178. 232 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 99. 61 Observância dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Pela dissolução da união havida, caberá a cada convivente a meação dos bens onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo a companheira sem deixar ascendentes ou descendentes caberá à sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das leis nº 8.871/94 e 9.278/96. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR233. Destaca Matos234 que o princípio da dignidade deve dar fim ao conteúdo normativo e não se resumir apenas a um apelo ético. Sendo assim o referido princípio instrui a necessidade de providências que o implemente, e uma forma de concretizá-lo é através das uniões homossexuais, sendo reconhecidas pelo Direito. Atualmente ainda é reconhecido pela denominada “sensibilidade jurídica”, que por meios dos sentidos implementam a justiça em respeito à dignidade da pessoa humana. Ainda ressalta a autora que: Para se viver em dignidade, deve ser respeitado o livre desenvolvimento da personalidade das pessoas, segundo sua peculiar forma de ser. Não se pode excluir uma pessoa do sistema jurídico tutelador das conseqüências da afetividade, como é o direito de Família, em razão de sua orientação sexual, a qual é constituidora de sua personalidade, sendo elemento essencial do seu ser. Diante desses elementos verifica-se que a família atual reencontrou-se na afetividade, e não somente no casamento. E a respeito da dignidade da pessoa humana, é fundamental para sua afirmação, que não seja aceitável, juridicamente, preconceitos, nem restrições de direitos, sendo assim, a aplicação da norma deve ser menos preconceituosa e mais ampla , a fim de que melhor promova a Justiça. Entende-se que a maneira com que crescem os valores, deve também o Direito acompanhar essa evolução. Será apresentado abaixo, o Projeto de Lei de autoria da ex- 233 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível Nº 70006844153. Relator: Catarina Rita Krieger Martins. Data da Decisão: 18/12/2003 234 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais. p. 152-153. 62 deputada Marta Suplicy (Projeto Lei nº 1151/95), no qual há tentativa de dar um tratamento digno aos homossexuais. 3.3 DO PROJETO DE LEI N° 1.151 DE 1995: A convivência homoafetiva não possui nenhuma regulamentação no Direito Brasileiro. O Poder Judiciário já ficou várias vezes, diante de situações onde casais do mesmo sexo, frente a litígios, buscam a tutela jurisdicional para sua solução235. “O repúdio social de que são alvo as uniões homossexuais inibiu o legislador constituinte de enlaçá-las no conceito de entidade familiar”, como leciona Dias236. Desde o ano de 1995, existe no Brasil um Projeto de Lei que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Trata-se do Projeto Lei nº 1.151, de autoria da deputada federal Marta Suplicy, e contém o seguinte slogan: UM LEGÍTIMO DIREITO DE CIDADANIA237. O Deputado Roberto Jefferson, Relator do Projeto, apresentou um substitutivo, mas a resistência pela massa conservadora ainda perseverou238. O substitutivo adotou o princípio monogâmico ao dispor que “[...] é nulo de pleno direito o contrato de parceria registrada feito com mais de uma pessoa ou quando houver infração ao § 2º do artigo 2º [...]”. Quanto aos nomes dos projetos, destaca Dias239: Na justificativa do Projeto – nominado inicialmente de “união civil” -, de forma explícita está dito que ele não pretende dar às parcerias homossexuais um status igual ao do casamento. Ainda assim – e provavelmente em face da aparente simetria com o termo “união 235 236 237 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008. DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 137. CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008. 238 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 138. 239 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 138. 63 estável” -, o substitutivo foi aprovado sob o cognome de “parceria civil registrada”. O referido Projeto de Lei possui 18 artigos que objetivam, basicamente, o direito à herança, benefícios previdenciários, seguro saúde conjunto, declaração conjunta do imposto de renda e o direito à nacionalidade no caso de estrangeiros às pessoas do mesmo sexo que tiverem reconhecida a sua união civil240. Não propõe o projeto, conforme aduz Brito241: Dar status de casamento ao contrato de Parceria Civil Registrada; usar sobrenome do outro; mudar o estado civil durante a vigência do contrato; constituir família; adoção; tutela ou guarda de crianças ou adolescentes em conjunto, mesmo que sejam filhos de um dos parceiros. No que diz respeito ao seu êxito, prossegue a mesma autora ressaltando que devem as pessoas do mesmo sexo, solteiras, viúvas ou divorciadas registrarem em Cartório um contrato de parceria civil. Deve o contrato tratar sobre patrimônio, deveres, impedimentos e obrigações mútuas (artigo 3º242). Desfaz- se por desistência de uma das partes, morte de um dos contratantes ou mediante decretação judicial (artigos 4º e 5º243). Não pode o contrato ser assinado por mais de uma pessoa, nem casar os contratantes durante a vigência do mesmo244. No substitutivo, foram inseridas as proibições de quaisquer disposições sobre adoção, 240 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008. 241 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p. 57. 242 BRASIL. Projeto de Lei nº 1. 151/95. “Art. 3º O contrato de união civil será lavrado em Ofício de Notas, sendo livremente pactuado. Deverá versar sobre disposições patrimoniais, deveres, impedimentos e obrigações mútuas”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 243 BRASIL. Projeto de Lei. “Art. 4º - A extinção da união civil ocorrerá: I - pela morte de um dos contratantes; II - mediante decretação judicial; III- de forma consensual, homologada pelo juiz. Art. 5º - Qualquer das partes poderá requerer a extinção da união civil: I - demonstrando a infração contratual em que se fundamenta o pedido; II - alegando desinteresse na sua continuidade”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 244 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p. 57. 64 tutela ou guarda de crianças e adolescentes, mesmo sendo filho de um dos parceiros245. A solenidade é pressuposto do direito de parceria civil registrada, posto que, em conformidade com o artigo 2º, § 1º, III246 e artigo 3º, há de haver o instrumento público lavrado em Cartório de Notas para que a parceria seja levada a registro247. O efeito que decorre da extinção da parceria (artigo 6º248), é a partilha de bens dos parceiros. Tal deve obedecer às cláusulas inseridas no contrato quanto da instituição da parceria. Aos bens adquiridos, se não houver a cota disposta em contrato, haverá condomínio. Estipulada a proporção em contrato escrito ou no próprio documento, estes prevalecerão249. Dias250 discorre que sobre a disposição patrimonial dispõe a eficácia perante terceiros, em seu artigo 8º, § 1º. É concedido proteção ao direito de propriedade e garantido o direito a sucessão (artigo 13º251), e ainda ressalta que: 245 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 140. 246 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 2º - A união civil entre pessoas do mesmo sexo constitui-se mediante registro em livro próprio, nos Cartórios de Registro de Pessoas Naturais na forma que segue. [...]III - instrumento público de contrato de parceria civil”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 247 BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Críticas ao projeto de lei n.º 1.151/95 que institui a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=194> Acesso em 13 de outubro de 2008. 248 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 6º - A sentença que extinguir a união civil conterá a partilha dos bens dos interessados, de acordo com o disposto no instrumento público”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 249 BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Críticas ao projeto de lei n.º 1.151/95 que institui a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=194> Acesso em 13 de outubro de 2008. 250 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 139. 251 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 13º - São garantidos aos contratantes de parceria civil registrada com pessoas do mesmo sexo, desde a data de sua constituição, os direitos à sucessão, nas seguintes condições: I – o parceiro sobrevivente terá direito, desde que não firme novo contrato de parceria civil registrada, ao usufruto da quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos desde; II – o parceiro sobrevivente terá direito, enquanto não contratar nova parceria civil registrada, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não hpuver filhos, embora não sobrevivam ascendentes; III – na falta de descendentes e asceendentes, o parceiro sbrevivente 65 Na falta de herdeiros necessários, é assegurada ao parceiro a totalidade da herança (art. 13, inc. III). Mas, havendo descendentes ou ascendentes, só se concederá a metade do patrimônio que resultar da atividade em que haja a colaboração do parceiro (art. 13, inc. IV). Enquanto não registrado outro contrato, é concedido o usufruto da metade (art. 13, inc. II) ou de um quarto dos bens (art. 13, inc. I). Se comprovar a condição de dependente do segurado, é garantido o benefício previdenciário (artigo 10252), inclusive na órbita da administração pública (artigo 12253) e todos os direitos advindos de planos de saúde e seguro de vida em grupo, e a composição de rendas para aquisição da casa própria (artigo 16254) 255. Por fim, o artigo 17256, para efeito de legislação tributária, será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes, para fins de imposto de renda257. terá direito à totalidade da herança; [...]”.Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 252 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 10 – Registrado o contrato de parceria civil de que trata esta Lei, o parceiro será considerado beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependente do segurado”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 253 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “ Art. 12 – No âmbito da Administração Pública, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal disciplinarão, através da legislação própria, os benefícios previdenciários e seus servidores que mantenham parceria civil registrada com pessoa do mesmo sexo”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 254 255 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 16 – É reconhecido aos parceiros o direito composição de rendas para aquisição da casa própria e todos os direitos relativos a planos saúde e seguro de grupo”. Disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro 2008. de de < de DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 139-140. 256 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 17 – Será admitida aos parceiros a inscrição como dependentes para efeitos de legislação tributária”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 257 BRANDÃO, Débora Vanessa Caús. Críticas ao projeto de lei n.º 1.151/95 que institui a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=194> Acesso em 13 de outubro de 2008. 66 “Os dois últimos artigos, 18258 e 19259 cuidam, respectivamente, do início de vigência na data em que for publicada a lei, e da revogação de disposições em contrário”, conforme Brito260. Tal projeto não diverge muito do casamento, já que os contratantes irão viver sob o mesmo teto, declararão imposto de renda conjuntamente, terão benefícios previdenciários e seguro saúde. Tal qual um matrimônio. Todavia, sob o aspecto técnico-jurídico, as diferenças existentes entre o casamento e o projeto de união civil são inúmeras261. No casamento, os cônjuges praticamente aderem às cláusulas existentes que irão regular toda a convivência do casal, podendo apenas escolher qual será o regime de bens e adotar as regras pertinentes ao regime escolhido. No projeto de lei, tais fatos serão especificados conforme a livre opinião dos contratantes. Neste passo, a União Civil objetiva estabelecer um contrato que assegure aos contratantes o direito de herança e sucessão, aos benefícios previdenciários, sem ter o "status" de casamento262. Mas há no contrato de parceria uma semelhança, uma evidência, uma finalidade familiar, pois não cria somente efeitos patrimoniais, como cria também efeitos pessoais, e outros dispositivos como inclusão do parceiro na vocação hereditária, usufruto legal263. Além da não aprovação das igrejas, das religiões, da sociedade, há também pressão das Forças Armadas, impedindo a presença de 258 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 18 – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 259 BRASIL. Projeto de Lei nº 1.151/95. “Art. 19 – Revogam-se as disposições em contrário”. Disponível em < http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=16329>. Acesso em 01 de novembro de 2008. 260 BRITO, Fernanda de Almeida. União afetiva entre homossexuais e seus aspectos jurídicos. p. 61. 261 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id= 554> Acesso em 08 de outubro de 2008. 262 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008. 263 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 141. 67 homossexuais em suas fileiras264. 3.3.1 Histórico de sua Tramitação nas Casas Legislativas Pátrias Apresentar-se-ão as principais fases da tramitação do Projeto de Lei nº 1.151/95. Em 26 de outubro de 1995, foi o referido projeto apresentado em plenário pela autora, Deputada Marta Suplicy, sendo em seguida encaminhado à mesa para despacho inicial, tendo ainda tramitação pelas diversas comissões. No dia 21/11/95 - O projeto é despachado para a Comissão de Seguridade Social e Família, Comissão do Trabalho, Assistência Social e Previdência e Comissões de Constituição e Justiça265; Em 23/11/95 - É indicado como relator na Comissão de Seguridade Social e Família, o deputado Jofran Frejat, do PFL-DF266; Logo em seguida, em data de 04/12/95 - Não foram apresentadas emendas ao projeto267; No dia 14/03/96 - O projeto é redistribuído para a deputada Rita Camata, do PMDB-ES268; Após, dia 21/03/96 - O projeto é devolvido pela relatora, deputada Rita Camata, sem parecer269; 264 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 141-142. 265 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 266 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 267 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 268 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 68 Em seguida, dia 27/03/96 - É deferido Requerimento da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, incluindo esta comissão entre aquelas nas quais o projeto deveria tramitar. Em consequência, a Mesa da Câmara determinou a constituição de Comissão Especial, nos termos do artigo 34, inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados270; Depois, em 12/06/96 - Ato da Presidência (Deputado Luís Eduardo Magalhães) decide constituir Comissão Especial destinada a proferir Parecer sobre o projeto de lei nº 1.151/95. É instalada a Comissão, sendo eleitos Presidente a deputada Maria Elvira, do PMDB-MG e relator o deputado Roberto Jefferson, do PTB-RJ271; No dia 26/11/96 - Apresentado o parecer favorável com substitutivo, do deputado Roberto Jefferson272; Logo depois, dia 10/12/96 - Aprovação do parecer do relator, Roberto Jefferson, pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do projeto, com substitutivo, contra os votos dos deputados Jorge Wilson, Philemon Rodrigues, Wagner Salustiano e, em separado, dos deputados Salvador Zimbaldi e Severino Cavalcanti273; 269 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 270 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 271 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 272 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 273 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 69 Seguidamente, no dia 11/12/96 - Plenário. Discussão em turno único. Aprovado requerimento do deputado Odelmo Leão, líder do PPB e outros, solicitando o adiamento da discussão por 10 sessões274; Em Janeiro/97 - O projeto foi incluído na pauta da Convocação Estraordinária da Câmara dos Deputados, mas não chegou a ser apreciado275; No mesmo ano, em 25/06 - Plenário. Discussão em turno único. Adiada, em face do término da sessão276; No dia 04/12/97 - Última ação: Plenário. Discussão em turno único. Rejeição do requerimento da deputada Marta Suplicy, na qualidade de líder do bloco PT/PDT/PCdoB/, solicitando a retirada da pauta de votação da ordem do dia. Feita a verificação e constatada a falta de quorum, a sessão foi suspensa277. Segundo notícia, Assis diz que: “Atualmente, encontra-se o projeto em tramitação, tendo sido levado à votação no último dia 09 de maio de 2001, sendo novamente adiado, aguardando nova designação de data para discussão” 278. Como se observa, o Projeto de Lei nº 1.151/95, já percorreu um longo caminho rumo à aprovação. Todavia, muito ainda há de ser feito, discutido e amadurecido, ou seja, há muito chão pela frente. 274 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 275 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 276 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 277 O Projeto Suplicy - Entre o Suplício, a Misericórdia e a Legitimação. Disponível em <http://www.amorese.com.br/OBRAS/PUBLICADOS/Publicados40.html> Acesso em 13 de outubro de 2008. 278 ASSIS, Reinaldo Mendes de. União entre homossexuais: aspectos gerais e patrimoniais. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2432> Acesso em 13 de outubro de 2008. 70 3.4 HOMOSSEXUALIDADE NO DIREITO ESTRANGEIRO: BREVE INCURSÃO Embora o Direito pátrio ainda não tenha positivado os direitos dos casais homoafetivos, em outros países a realidade é bem diversa da nossa. Assim, desde 1986 a Dinamarca reconhece alguns direitos patrimoniais entre casais homossexuais. A união civil foi legalizada em 1989279. Conforme aduz Matos280: “Estabeleceram-s direitos e deveres às pessoas que realizam o registro de sua união, semelhantemente aos previstos para os cônjuges, com duas relevantes exceções concernentes à adoção e à procriação assistida”. “A Noruega promulgou a Lei do Registro de Parcerias de Casais Homossexuais em 30 de abril de 1993, sendo proibida a adoção. A questão patrimonial foi resolvida segundo a meação”, afirma Jenczak281. Em fevereiro de 1994, a Groelândia foi o terceiro país a adotar a parceria registrada. Ministra de assuntos sociais requisitou à Rainha da Dinamarca a extensão da lei para seu território, prossegue o mesmo autor282. O parlamento sueco, desde o dia 1º de janeiro de 1995, reconhece a "paternariat", que oficializa os laços entre pessoas do mesmo sexo283. No ano de 1998, na Holanda, foram os companheiros homossexuais beneficiados com o registro. Em julho de 1997 foi aprovado o registro da união. Em 2001, consentiu-se aos homossexuais os mesmo direitos matrimonias que possuem os heterossexuais. Foi o primeiro país a estender o regime de casamento aos parceiros homossexuais284. 279 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008. 280 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais. p. 92. 281 JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas à luz dos Princípios Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 93. 282 JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas à luz dos Princípios Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 94. 283 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008. 284 JENCZAK, Dionísio. Aspectos das Relações Homoafetivas à luz dos Princípios 71 Várias cidades dos Estados Unidos, como São Francisco, em 1991, e Nova Iorque, em 1993, reconhecem aos casais homossexuais alguns direitos patrimoniais, seguro saúde e outros285. No Havaí, três casais de homossexuais promoveram em 1991 uma ação judicial contra o Estado por negar licença para casar. Em 1993, a Suprema Corte reconheceu o direito ao casamento, com o fundamento de que feria a Emenda Constitucional que consagra a isonomia a todos286. Uma grande conquista ocorreu em 15 de maio de 2008, quando a Suprema Corte da Califórnia declarou inconstitucionais as leis que proíbem o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Entrou em vigor no mês de junho de 2008, quando foi aprovada a Lei de casamento entre homossexuais, conforme reportagem extraída do site jornalístico Gazeta do Povo287 abaixo: A partir desta segunda-feira (16), às 17h01 da Califórnia (21h01 de Brasília), casais homossexuais poderão se casar, fazendo do estado o segundo a permitir a união civil entre pessoas do mesmo sexo. A decisão foi tomada pela Suprema Corte da Califórnia há um mês e entra em vigor ainda hoje. [...] O estado da Califórnia já permitia a união civil entre gays, mas agora as uniões terão todos os benefícios e os deveres de um casamento tradicional. A proibição baseava-se em duas leis estaduais, de 1977 e de 2000, banidas pelo Supremo. O primeiro estado a liberar o casamento gay foi Massachusetts. No Canadá, há cidades que concedem igualdade de direitos aos casais heteros e homossexuais288. Constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 95. 285 286 CORREIA, Jadson Dias. União civil entre pessoas do mesmo sexo. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=554> Acesso em 08 de outubro de 2008. DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 52. 287 Lei de casamento entre homossexuais começa a valer nesta segunda-feira. Disponível em <http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/mundo/conteudo.phtml?tl=1&id=777123&tit=> Acesso em 13 de outubro de 2008. 288 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 52. 72 Em Portugal, depois da exclusão da parceria homossexual da legislação matrimonial de 1999, o Parlamento, em 15 de março de 2001, surpreendeu a todos. A Lei n. 7/2001 revogou a Lei n. 135/ 1999”. Estipulando que tanto hétero como homossexuais que vivam em união de fato por mais de dois anos possuem tutela jurídica semelhante a dos heterossexuais unidos pelo casamento289. “Na Espanha, trinta cidades registram a união civil entre pessoas do mesmo sexo; dentre elas, Barcelona, Córdoba, Granada, Ibiza e Toledo” 290 . Na América Latina, a Lei no1004/2002, de Buenos Aires, aprovada na sessão do dia 12 de dezembro de 2002, ao reconhecer como entidade familiar “a união formada livremente por duas pessoas independentemente de seu sexo ou orientação sexual” (artigo 1o), conferiu igualdade de tratamento protetivo com a família formada pelo casamento, determinando, expressamente, a proteção jurídica das pessoas que integram a união homossexual291. Em função de todo estudo acima, vale ressaltar que as uniões homoafetivas são uma realidade mundial que reúne objetivos comuns a qualquer união heterossexual, devendo, desta maneira, o Estado tutelar, juridicamente, tais uniões. 289 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais. p. 103-104. 290 DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & a justiça. p. 54. 291 MATOS, Ana Carla Harmatiuk. União entre pessoas do mesmo sexo: aspectos jurídicos sociais. p. 119-120. 73 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve como objetivo investigar, à luz da legislação e da doutrina nacional, os aspectos jurídicos inerentes às relações homoafetivas, um fenômeno social que, como tal, possui relevância jurídica. O interesse pelo tema foi em razão da sua polêmica e atualidade. Para seu desenvolvimento lógico, o presente trabalho monográfico foi desenvolvido em três capítulos. O Capítulo 1, tratou de abordar a evolução da instituição familiar e sua conceituação no Direito Romano e Grego Antigos. Também se verificou a conceituação, a finalidade e as espécies de entidades familiares no contexto brasileiro, bem como a homossexualidade na Antigüidade, na atualidade e as suas causas. Verificou-se que na legislação são reconhecidas três espécies de família que são as advindas do casamento, da união estável e a monoparental. Mas a doutrina já são aceita novas formas de famílias, como as homossexuais, por preencherem requisitos básicos, tais como: a afetividade, a publicidade, a durabilidade, a honorabilidade. A situação homossexual frente à família ainda não é aceita. Verificou-se que a homossexualidade foi considerada, pela influência religiosa, uma doença. Já na Idade Média, e nos dias atuais, é considerada como uma característica individual, inerente à vontade humana. No segundo capítulo, apontaram-se questões sobre a união estável e as uniões homoafetivas no ordenamento jurídico brasileiro. Constatou-se a possibilidade do reconhecimento jurídico da sociedade de fato entre os casais do mesmo sexo. Há correntes doutrinárias que o equiparam à união estável através da analogia e baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e igualdade. Verificou-se, ainda, o reconhecimento de Direitos Sucessórios e 74 Previdenciários aos casais homossexuais. No Capítulo 3 e último desta monografia, tema central da pesquisa, estudou-se o princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, aplicado ao instituto familiar. Também tratou do Projeto de Lei nº 1.151/95, de autoria de Marta Suplicy, bem como seu substitutivo. Fez-se também uma abordagem breve no Direito Estrangeiro da situação dos homossexuais. Constatou-se que com o princípio da dignidade da pessoa humana impõem-se o reconhecimento de família a todas as entidades com fins afetivos. A exclusão de qualquer delas, seja por qualquer motivo, viola o referido princípio. Sendo assim, as uniões homossexuais seriam entidades familiares por preencher tal requisito de afeto. A legislação não traz elementos que autorizem, mas também não proíbe a união homossexual. Deve qualquer cidadão, independente do sexo, ter direito a sua dignidade, conforme preconiza a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1º, inciso III. O citado Projeto de Lei visa proporcionar a garantia de alguns direitos específicos, enaltecendo a cidadania e a dignidade da pessoa humana aos casais homoafetivos. Considerando que o Direito deve sempre seguir o momento social, o qual está em constante transformação, e que o fato social antecede ao jurídico, muitas leis estão sendo formuladas e reformuladas para atenderem à realidade social. Conforme demonstrado no decorrer deste trabalho, a união homossexual é um tema bastante polêmico, não possuindo os juízes um ponto sólido de apoio no Código Civil e nem se encontra reconhecida, de forma explícita, na Constituição Federal, clamando assim pelo seu reconhecimento, afinal está ligada pelos laços da afetividade assemelhando-se à união estável, da qual difere apenas pela falta da diversidade de sexos. A seguir, serão revistas as três mencionadas hipóteses realizando-se as análises, em conformidade com o resultado da pesquisa: Hipótese 1: Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 226, duas espécies de família 75 foram, expressamente, acolhidas ao lado da consagrada família matrimonial, que são: a família oriunda da união estável e a família monoparental. Assim, naquela oportunidade, as uniões homoafetivas não receberam amparo no ordenamento jurídico pátrio. Esta hipótese restou PARCIALMENTE CONFIRMADA, uma vez que o texto constitucional abre uma pluralidade de novos modelos de família, como a União Estável e Monoparental, porém, não enquadra a união homoafetiva neste instituto. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §3º prescreve que: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento”. As uniões homoafetivas, mesmo que ainda sejam alvos de preconceitos, não se “escondem” mais, e estão cada vez mais a exigir soluções, e perante as construções doutrinárias são reconhecidas como uma entidade familiar, demonstrando sua importância. Hipóteses 2: O instituto da união estável é apontado, dentre outros caracteres, pela sua informalidade, notoriedade ou publicidade, estabilidade, afetividade e intenção concretizada de formar família. Tais caracteres começam a ser identificados, também, nas uniões homoafetivas. Resta CONFIRMADA a hipótese, afinal tais uniões homossexuais também associam afeto, informalidade, notoriedade, estabilidade, a intenção de concretizar família e a finalidade do interesse comum, podendo ser tais uniões equiparadas à união estável. Hipótese 3: O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana comporta muitas discussões sobre a possibilidade de positivação das uniões homoafetivas no Brasil. Neste sentido, dentre alguns projetos de lei que foram elaborados com base neste princípio, destaca-se o Projeto n°. 1151/95, pelo seu conteúdo e peculiaridades da tramitação. Neste, as uniões homoafetivas passam a ser chamadas de parceria civil registrada, implicando um novo estado civil e mudança de nome. Há, também, previsão quanto aos efeitos jurídicos pessoais e dissolução. Tal hipótese resta PARCIALMENTE CONFIRMADA. O Projeto 76 Lei nº 1151/95, disciplina parceria civil registrada entre pessoa do mesmo sexo e dá outras providências, tais como efeitos jurídicos pessoais e sua dissolução. Não implicando um novo estado civil, nem mudança de nome. O encarte que acompanha o projeto contém as seguintes explicações: “Trata-se de um projeto que procura reconhecer e assegurar um legitimo direito de cidadania, dignidade e respeito aos direitos humanos de milhares de pessoas que, por sua orientação sexual, não podem ter seus direitos negados”. Diante do exposto, a valorização da dignidade da pessoa humana, é concebida como característica e elemento fundamental do Estado, não podendo proporcionar qualquer discriminação baseada em características pessoais individuais, referindose, também, à liberdade sexual do indivíduo. Não se pode admitir desrespeito ou prejuízo em função de sua orientação sexual. 77 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Poder familiar nas famílias recompostas. 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