Federação Portuguesa de Rugby Página 1 Índice 1. Introdução ......................................................................................................................................................... 3 2. A contração muscular ...................................................................................................................................... 4 2.1. Tipos de contração muscular ......................................................................................................... 4 2.2. Classificação das fibras musculares ............................................................................................... 4 2.3. Fisiologia do desenvolvimento da força ........................................................................................ 5 2.3.1. Princípio da sobrecarga ........................................................................................................... 5 2.4. Técnicas de treino de força ........................................................................................................... 5 2.4.1. Treino de potência muscular (Power training) ....................................................................... 6 2.4.2. Treino isométrico (Isometric training) .................................................................................... 6 2.4.3. Exercício isocinético ................................................................................................................ 6 2.4.4. Exercício isotónico (Treino resistido progressivo) .................................................................. 7 3. Fortalecimento excêntrico na prevenção e recuperação de lesões ......................................................... 8 3.1. Papel do fortalecimento excêntrico ............................................................................................. 9 3.1.1. Na prevenção de lesões ......................................................................................................... 9 3.1.2. Na recuperação de lesões .................................................................................................... 10 4. Treino da força utilizando ações excêntricas ............................................................................................. 12 4.1. Músculos posteriores da coxa ..................................................................................................... 12 4.2. Músculos anteriores da coxa ....................................................................................................... 13 4.3. Músculos posteriores da perna ................................................................................................... 15 4.4. Músculos da cintura escapular .................................................................................................... 16 5. Conclusão ........................................................................................................................................................ 20 6. Bibliografia ...................................................................................................................................................... 21 Federação Portuguesa de Rugby Página 2 1. Introdução O desenvolvimento das capacidades excêntricas de grupos musculares específicos é atualmente um dos requisitos obrigatórios em qualquer programa estruturado de prevenção de lesões desportivas. Inúmeros estudos científicos confirmam também as vantagens do fortalecimento excêntrico na recuperação de lesões músculo-tendinosas, dando ênfase às tendinopatias do rotuliano e do Aquiles (sendo um método de uso privilegiado na fisioterapia). O fortalecimento excêntrico é também valorizado como parte integrante do treino desportivo de base, sendo conhecido o papel fundamental no desenvolvimento das capacidades funcionais do músculo, principalmente nas fases de desaceleração em atividades dinâmicas de alta velocidade. Os défices de força ou a incapacidade do músculo para tolerar as forças excêntricas são fatores predisponentes para a lesão, devendo por isso ser considerado nos programas de treino, de prevenção e de recuperação de lesões. O trabalho excêntrico do músculo, através do exercício resistido progressivo, utiliza contrações isotónicas (ou isodinâmicas) em que é gerada força enquanto o músculo altera o seu comprimento. Neste caso, a contração do músculo leva ao aumento do seu comprimento enquanto a força é aplicada. É também denominada contração negativa. Federação Portuguesa de Rugby Página 3 2. A contração muscular A contração muscular corresponde a um processo fisiológico característico das fibras musculares, sendo produzida tensão por estimulação de um neurónio motor. Verifica-se o deslizamento da actina sobre os filamentos de miosina, resultando no encurtamento dos sarcómeros das fibras musculares ativadas. O mecanismo de contração muscular voluntária envolve processos complexos, ativados inicialmente pelo potencial de ação gerado no cérebro com libertação de um neurotransmissor. A acetilcolina provoca então a despolarização da membrana plasmática da célula muscular, com entrada de potássio e saída de sódio. A inversão da polaridade gerada é também responsável pela libertação, pelo retículo sarcoplasmático, de grande quantidade de iões cálcio. Neste processo há gasto de energia, sob a forma de ATP. 2.1. Tipos de contração muscular O encurtamento simultâneo de todos os sarcómeros, de todas as fibras musculares ativadas, resulta na contração muscular. Dependendo da origem do estímulo (consciente ou inconsciente) e do tipo de músculo estimulado (estriado ou liso), podem ser caracterizados diversos tipos de contração muscular. O controlo voluntário induz a contração dos músculos estriados, mediado pela atividade cerebral consciente. Podem ser aqui agrupadas as contrações isotónicas (concêntricas e excêntricas) e isométricas. No caso das contrações ativadas de forma inconsciente ou sob controlo involuntário (sob influência do sistema nervoso autónomo), incluem-se as contrações do tecido muscular liso do intestino, bexiga, útero e vasos sanguíneos, as contrações do tecido muscular estriado do coração, bem como as contrações reflexas (mediadas por atividade medular) e as contrações tónicas (com ação no tónus muscular em repouso). 2.2. Classificação das fibras musculares A classificação das fibras musculares pode fazer-se consoante o metabolismo energético dominante, a velocidade de contração, o limiar de fadiga e a coloração histoquímica (que depende das atividades enzimáticas). Dividem-se em: a) Tipo I – de contração lenta ou fibras vermelhas. Esta característica deve-se à densidade capilar e ao elevado conteúdo em mioglobina; b) Tipo II – de contração rápida ou fibras brancas. Subdividem-se em IIa e IIb. As fibras de tipo I têm menor diâmetro que as do tipo II, possuem maior aporte sanguíneo e grande número de mitocôndrias, bem como muitas enzimas oxidativas. Estas características determinam um metabolismo energético de predomínio aeróbio, com grande produção de ATP. Estas fibras predominam nos músculos dos atletas de resistência ou endurance, permitindo esforços duradouros. São fibras de contração lenta (demoram 110 milisegundos a atingir o pico de tensão após a estimulação). As fibras do tipo II são brancas e possuem maior diâmetro que as anteriores. Predomina o metabolismo energético do tipo anaeróbio, possuindo grande quantidade de enzimas relacionadas com este tipo de metabolismo (especialmente creatinofosfoquinase - CPK). Têm elevados níveis de Federação Portuguesa de Rugby Página 4 ATPase miofibrilhar, revelando grande disponibilidade energética que permite a grande velocidade de interação actina-miosina. Têm o retículo sarcoplasmático mais desenvolvido que as fibras lentas, indispensável para o armazenamento de cálcio (fundamental para a contração muscular). A estimulação das fibras do tipo II produz maior quantidade de força e potência, em virtude de possuírem unidades motoras maiores, isto é, o mesmo impulso elétrico vai provocar a contração de um grande número de fibras musculares, comparativamente com as do tipo I. As fibras do subtipo IIb são as mais características dentro deste grupo, sendo recrutadas em esforços de elevada intensidade ou exigência. São fibras de contração rápida (demoram 50 milisegundos a atingir o pico de tensão após a estimulação) com componente aeróbio baixo e consequente fadiga rápida, bem como acumulação de ácido lático. Este tipo de fibras entra em ação na corrida de 100m. As fibras do subtipo lla são também fibras brancas, com predomínio do metabolismo anaeróbio, mas já com uma capacidade oxidativa superior, o que as torna ligeiramente mais resistentes à fadiga do que as anteriores. São as fibras mais utilizadas, por exemplo, em provas de corrida de 1500 metros, na natação de 400 metros ou no treino de força (musculação). 2.3. Fisiologia do desenvolvimento da força A aptidão física do atleta comporta vários componentes. A título de exemplo, podemos referir: o endurance cardiovascular, a flexibilidade, a motivação, o grau de resistência à dor e à fadiga, a velocidade e a força muscular. Esta última característica é também um indicador de performance atlética e define-se como a capacidade de um músculo isolado ou grupo muscular poder exercer tensão contra uma resistência e num esforço máximo, sob um padrão específico de movimento e realizado em determinada velocidade. 2.3.1. Princípio da sobrecarga O princípio fisiológico responsável pelo desenvolvimento da força e endurance é denominado princípio da sobrecarga. Esse princípio enuncia que a força, o endurance e a hipertrofia de um músculo, somente aumentarão quando é solicitada a capacidade máxima de força e endurance em determinado período de tempo, isto é, contra cargas de trabalho superiores àquelas encontradas normalmente. Quando um indivíduo é sujeito a cargas superiores àquelas que habitualmente utiliza, vai sofrer uma adaptação muscular traduzida por aumento de força e, eventualmente, por aumento de volume. Esta hipertrofia das fibras musculares deve-se ao aumento da captação de aminoácidos e subsequente síntese proteica. O princípio da sobrecarga, quando aplicado aos programas de treino com pesos, significa que a resistência contra a qual o músculo trabalha deve ser aumentada durante todo o decorrer do programa, à medida que o músculo ganha força e resistência. Por esta razão, pode também ser denominado de exercício com resistência progressiva (ERP). 2.4. Técnicas de treino de força Os métodos de treino existentes podem ser divididos em 3 grupos principais: de predomínio orgânico (aeróbio, jogging, fartlek e treino intervalado), predominantemente musculares (treino de potência, treino isométrico e treino com pesos) e de predominância orgânica e muscular (treino em circuito e cross promenade) (Nunes, 1999). Tendo em conta o objetivo deste trabalho, apenas nos focaremos no método de treino predominantemente muscular. Federação Portuguesa de Rugby Página 5 2.4.1. Treino de potência muscular (Power training) Tal como o nome indica, este tipo de treino visa a melhoria da potência muscular (força X velocidade). Este método permite o aumento da carga à medida que a força se desenvolve, bem como a melhoria progressiva da capacidade de execução. O desempenho dos exercícios é efetuado com força explosiva, como por exemplo: Exercícios de halterofilia (arremesso, arranque); Exercícios com pesos (agachamento, flexão de braços); Exercícios específicos (reprodução de gestos desportivos utilizando materiais de treino: bola medicinal, halteres, barreiras) (Nunes, 1999). 2.4.2. Treino isométrico (Isometric training) O exercício isométrico consiste na realização de uma força máxima contra uma resistência imóvel, em que o comprimento do músculo permanece constante (Lephart S, 2002). Não existe, por isso, movimento. Verifica-se o encurtamento dos sarcómeros, com alongamento proporcional do tendão e dos componentes elásticos colocados em série (Ribeiro, 1992). O metabolismo energético envolvido é predominantemente anaeróbio. Neste tipo de contração, os ganhos de força apenas acontecem para valores angulares próximos do ângulo articular em que a contração isométrica se realiza (Lephart S, 2002)(Ribeiro, 1992). Em outros ângulos, acurva de força cai drasticamente em virtude da falta de atividade motora naquela posição. A vantagem dos exercícios isométricos reflete-se na possibilidade de efetuar contrações máximas em angulações específicas, que em situações de imobilização de articulações, permite a prevenção da atrofia muscular e o fortalecimento muscular. Possibilita igualmente a contração máxima em vários ângulos articulares, quando o movimento total de amplitude está contraindicado, como no caso das tendinopatias e outras condições de sobreutilização. São chamados exercícios isométricos posicionais ou funcionais. 2.4.3. Exercício isocinético O exercício isocinético envolve contrações musculares (realização de movimento) a uma velocidade constante (Lephart S, 2002)(Ribeiro, 1992). Segundo Basil (1992), o conceito de contração muscular isocinética identifica apenas a situação em que a velocidade angular do movimento em torno de um fulcro é constante e não a velocidade de encurtamento ou de alongamento muscular. Não é por isso o músculo que se movimenta a velocidade constante, mas sim (e apenas) o membro em causa (Ribeiro, 1992). Teoricamente, a resistência máxima é fornecida ao longo de toda a amplitude de movimento e é aplica de modo a manter a velocidade pré-estabelecida, independentemente da tensão produzida pelo indivíduo. No exercício isocinético é absolutamente necessário exercer o máximo de força possível contra a resistência (esforço máximo) para que ocorra o máximo ganho de força. Obter o esforço máximo é a maior dificuldade do programa isocinético de treino de força. Num programa de exercício resistido progressivo, o atleta sabe quanto peso precisa ser levantado e quantas repetições devem ser feitas (Lephart S, 2002). Os sistemas isocinéticos têm a capacidade de acomodar permanentemente a resistência às capacidades funcionais do sujeito, ou seja, a resistência disponibilizada pelo dinamómetro acomodase à força do músculo produzida em determinado ângulo articular, de modo a que o músculo mantenha a performance máxima ao longo de toda a amplitude de movimento. É possível prescrever e pré-programar velocidades angulares que não causem dores ao atleta durante o processo de reabilitação funcional, permitindo também trabalhar em segurança em velocidades angulares Federação Portuguesa de Rugby Página 6 elevadas (Lephart S, 2002). Reduz a resistência sempre que a tensão muscular diminui por inibição reflexa causada por dor. 2.4.4. Exercício isotónico (Treino resistido progressivo) É o método de treino muscular mais utilizado, no sentido de aumentar os índices de força. Este tipo de treino utiliza contrações isotónicas (também denominadas contrações musculares dinâmicas), sendo gerada força enquanto o músculo altera o seu comprimento. Usa exercícios que fortalecem os músculos por meio de uma contração que supera uma resistência constante como halteres, elástico ou aparelhos de musculação. As contrações isotónicas podem ser concêntricas ou excêntricas, consoante o comprimento do músculo se encurta ou alonga, respetivamente (Nunes, 1999)(Lephart S, 2002)(Ribeiro, 1992). 2.4.4.1. Fortalecimento concêntrico A contração muscular concêntrica verifica-se quando é realizado trabalho positivo, isto é, quando há movimento de encurtamento muscular/diminuição do ângulo articular. A velocidade do movimento articular é inversamente proporcional à carga levantada, ou seja, quanto mais peso se levantar, mais lento será o movimento de execução. É neste tipo de contração que se verifica o menor valor tensional no interior do músculo (Ribeiro, 1992). Na maioria das atividades desportivas ou da vida diária, as contrações musculares incluem-se neste grupo (também chamada contração muscular alodinâmica), em que a força muscular desenvolvida varia ao longo do movimento angular, por variar também o comprimento dos braços de alavanca. A força máxima só se verifica em alguns ângulos articulares quando os braços de alavanca são mais favoráveis (Ribeiro, 1992). 2.4.4.2. Fortalecimento excêntrico Na contração excêntrica verifica-se o aumento do comprimento do músculo. É gerado trabalho negativo (contração com alongamento do comprimento do músculo e aumento do ângulo articular) (Lephart S, 2002)(Ribeiro, 1992). Este tipo de contração é importante para a estabilização da articulação, impedindo flexões ou extensões exageradas (Ribeiro, 1992). Tem um papel fundamental nas fases de desaceleração dos movimentos, pelo que no desporto é parte importante do processo de treino. Na recuperação de lesões é imprescindível trabalhar excentricamente o músculo, tendo em conta a sua função/ação na prevenção de recidivas de lesão. A contração excêntrica requer um nível mais baixo de atividade das unidades motoras para alcançar uma determinada força, comparativamente com a contração concêntrica (Lephart S, 2002). Por este facto, novas unidades motoras ficam disponíveis para serem ativadas em caso de necessidade. A eficiência mecânica do exercício excêntrico pode ser várias vezes maior do que o exercício concêntrico (Lephart S, 2002)(Ribeiro, 1992). Do ponto de vista fisiológico, o músculo cansa-se mais depressa concêntrica do que excentricamente (Lephart S, 2002). Segundo Prentice. W.E. (2002), para que se verifique o ganho máximo de força muscular, o treino deve incorporar exercícios com componente concêntrico e excêntrico, numa relação de 1 para 2 (ex. no exercício de bíceps com haltere, efetuar 1 a 2 segundos para a contração concêntrica e 2 a 4 segundos para a contração excêntrica). Federação Portuguesa de Rugby Página 7 Figura 1 - Exemplos de equipamentos utilizados nos exercícios de contração muscular excêntrica (TRX®, Degrau, Bola Suiça, Bandas e Tubos Elásticos, Plano Inclinado a 20º, Alteres e Barra). Federação Portuguesa de Rugby Página 8 3. Fortalecimento excêntrico na prevenção e recuperação de lesões A contração muscular excêntrica tem grande importância não só para dissipar a energia na fase de desaceleração dos movimentos, mas também para acumular energia no sentido de potenciar a posterior capacidade de contração concêntrica. As forças produzidas durante a fase de contração em alongamento do músculo podem ser grandes, apesar do reduzido gasto energético (LaStayo PC, 2003). Tradicionalmente, admitia-se que a elevada força excêntrica produzida era associada a uma resposta muscular que acarretava um inevitável dano. Hoje sabe-se que o músculo pode ser sujeito a uma adaptação progressiva com o aumento das forças excêntricas, resultando numa melhoria funcional e estrutural. Esta alteração das características contráteis do músculo pode favorecer os índices de potência. O tendão é sujeito a consequente adaptação, tolerando maiores tensões (LaStayo PC, 2003). 3.1. Papel do fortalecimento excêntrico 3.1.1. Na prevenção de lesões A capacidade para produzir força através de contrações excêntricas deve ser entendida como uma adaptação protetiva do músculo e um estímulo para beneficiar a resposta músculo-tendinosa adequada, ao invés de se considerar como uma causa de possíveis danos musculares. Inúmeros estudos têm enfatizado o papel do fortalecimento excêntrico nos programas de prevenção de lesões, bem como na reabilitação de jogadores (Van Der Horst N, 2015)(Brooks JH, 2006)(Lorenz D, 2011)(LaStayo PC, 2003)(Frizziero A, 2014)(Lephart S, 2002). LaStayo PC, 2003 admite que o músculo é um tecido biológico altamente adaptável (estrutural e funcionalmente) aos estímulos que lhe são aplicados. Um exemplo prático é o caso dos corredores downhill, que são sujeitos a contrações excêntricas constantes. Quando um indivíduo não treinado efetua o mesmo percurso, sofre dores musculares tardias intensas, que está provado serem devidas a danos musculares e inflamação associada. Quando esse mesmo indivíduo efetua o percurso repetidamente e de forma controlada, as dores musculares vão reduzir e verificar-se-á uma redução dos danos musculares. Há uma adaptação muscular ao stress imposto pelas contrações excêntricas, resultando na consequente melhoria da eficácia muscular e nos mecanismos de adaptação protetiva (LaStayo PC, 2003). 3.1.1.1. A importância da fase de desaceleração A fase de desaceleração tem sido identificada como um gesto propenso a lesões do jogador de rugby, especialmente quando falamos em lesões dos músculos posteriores da coxa. Uma técnica correta de travagem não servirá somente para preparar e maximizar a consequente fase de aceleração rápida, mas também para efetivar a redução do risco de lesão. No mesmo documento, admite-se a necessidade de incluir no programa de treino do jogador de rugby, de uma variedade de exercícios de salto/aterragem/paragens rápidas e outros gestos que desafiem as capacidades de estabilidade, proprioceção e alinhamento durante as atividades de desaceleração dinâmica e travagens. As travagens agressivas e a capacidade para as incluir nas mudanças de direção, são indubitavelmente qualidades procuradas na prática do rugby. A Federação Portuguesa de Rugby Página 9 desaceleração é um skill treinável e deve ser incluído em todas as fases do desenvolvimento do jogador. Os fatores-chave na desaceleração incluem o equilíbrio dinâmico inserido no movimento ou gesto desportivo, a eficiente força de absorção e acumulação de energia através da força excêntrica dos membros envolvidos, a força reativa que coordena eficazmente a transição da força excêntrica para força concêntrica e a potência sobre os membros e articulações. Diagrama 1 – Fatores-chave na desaceleração (Kovacs et al, 2008). 3.1.2. Na recuperação de lesões Frizziero A, 2014 no estudo de revisão bibliográfica acerca do papel do exercício excêntrico na reabilitação das lesões desportivas, salienta a eficácia demonstrada por este tipo de fortalecimento nas condições de tendinopatia da porção média do tendão rotuliano e do tendão de Aquiles. Pode também ser considerada a evidência analisada nos estudos relativos a outras lesões, como sejam o estiramento dos hamstrings, roturas do ligamento cruzado anterior e tendinopatia dos adutores. 3.1.2.1. Exercício excêntrico e tendinopatia Atualmente, os exercícios de fortalecimento excêntrico fazem parte da maioria dos programas de recuperação de lesões desportivas, quando estão envolvidas lesões músculo-esqueléticas. Tomam um papel de maior relevância, quando consideramos as tendinopatias. As patologias crónicas dos tendões resultam normalmente de atividades intensas e repetitivas de natureza excêntrica. Devido a estas forças “acima do habitual” transmitidas por via do tendão, a capacidade de auto-reparação é comprometida e o tendão deteriora. Este processo degenerativo (conhecido por tendinose) afeta habitualmente os tendões de Aquiles, coifa dos rotadores, rotuliano, tibial posterior e cotovelo (epitróclea e epicôndilo) e admite-se estar associado a uma anormal resposta angiofibroblástica (LaStayo PC, 2003). Ironicamente, grande parte das atividades musculares excêntricas responsáveis pelas tendinoses, são utilizadas no processo de reabilitação. A evidência demonstra a noção de que o tendão (tal como o músculo) pode adaptar-se favoravelmente ao stress imposto, incluindo os exercícios resistidos de natureza excêntrica (LaStayo PC, 2003). Os tendões podem tornar-se mais fortes devido ao aumento de atividade dos fibroblastos (tenoblastos) e à apropriada aceleração da reação do colagénio. As Federação Portuguesa de Rugby Página 10 alterações macroscópicas incluem a hipertrofia do tendão, enquanto as adaptações microscópicas são caracterizadas pelo espessamento das fibras de colagénio e fibrilhas, com um aumento das pontes cruzadas (cross-links) do tropocolagénio. São criadas condições favoráveis ao alinhamento das fibras constituintes do tendão, com a otimização da gestão das elevadas forças de stress transmitidas do músculo para o tendão (LaStayo PC, 2003). Federação Portuguesa de Rugby Página 11 4. Treino da força utilizando ações excêntricas 4.1. Músculos posteriores da coxa As lesões dos músculos posteriores da coxa, os isquiotibiais, são as mais reportadas em diversos desportos, entre eles o rugby. Devido a este facto vários programas de prevenção de lesões foram testados e os tradicionais programas de fortalecimento utilizando contrações concêntricas mostraram-se ineficazes. Como tal, vários autores sugeriram a realização de planos de fortalecimento utilizando contrações excêntricas, que se mostraram eficazes na recuperação e prevenção de lesões. Este tipo de treino deve ser idealmente realizado unicamente utilizando atividade excêntrica, embora em grande parte dos exercícios é inevitável o recurso à contração concêntrica. A contração muscular em alongamento não só foi comprovada como potenciadora de força muscular, como devido à sua componente de alongamento, potencia o aumento da amplitude articular e a capacidade de os músculos contraírem e gerarem força em toda a amplitude. Leg Curl Figuras 2, 3 e 4 - Realizar flexão dos joelhos de ambos os membros inferiores até um ângulo de aproximadamente 90º. Posteriormente remover o apoio de um dos membros e lentamente levar o membro em carga até à posição inicial. Romanian Deadlift Federação Portuguesa de Rugby Página 12 Figuras 5, 6 e 7 - Segurar na barra à altura da anca, costas direitas e ombros para traz. Realizar flexão do tronco com extensão dos membros inferiores e superiores, acompanhando a barra até à região dos joelhos junto ao corpo. Pode ser realizado unilateralmente, com halteres, e realizar flexão da anca em carga com extensão do joelho, levando os halteres em direção ao solo (Figuras 8, 9 e 10). Nordic Hamstings Figuras 11, 12 e 13 - Utilizar auxílio de um parceiro para segurar os pés ou seguros por uma estrutura estável. Apoiado nos joelhos com extensão da anca, realizar lentamente o movimento de extensão dos joelhos até ao solo apoiando-se antes de tocar no mesmo. Com as mãos realizar força no sentido de voltar à posição inicial. É essencial manter a extensão da anca durante todo o movimento. 4.2. Músculos anteriores da coxa No caso dos músculos anteriores da coxa, o fortalecimento excêntrico foi comprovado em vários estudos como efetivos no tratamento de lesões músculo-tendinosas, nomeadamente em tendinopatias do tendão rotuliano. Uma vez mais a contração em alongamento é eficaz na recuperação de lesões, permitindo neste caso uma menor carga e exaustão do tendão, visto que este tipo de contração consome menos energia, retardando o período de fadiga do mesmo e ao mesmo tempo proporciona o alongamento necessário à reabilitação deste tipo de tendinopatias. Federação Portuguesa de Rugby Página 13 Leg Extension Figuras 14, 15 e 16 - Realizar extensão dos joelhos de ambos os membros inferiores até aos 0º de flexão. Posteriormente remover o apoio de um dos membros e lentamente levar o membro em carga até à posição inicial. Agachamento em plano inclinado Figuras 17, 18 e 19 - Realizar um agachamento até aproximadamente a 90º de flexão dos joelhos. O agachamento é realizado sobre um plano inclinado (20º a 30º), tendo em atenção a posição do tronco e costas. Federação Portuguesa de Rugby Página 14 Figuras 20, 21 e 22 - Pode ser realizado unilateralmente, realizando extensão do membro sem carga. Agachamento com apoio em suspensão (TRX®) Figuras 23, 24 e 25 - Iniciar o exercício na posição de pé, com o centro de gravidade deslocado posteriormente e com os cotovelos fletidos. Realizar um agachamento até aproximadamente a 90º de flexão dos joelhos, esticando os cotovelos à medida que se efetua a flexão dos membros inferiores. 4.3. Músculos posteriores da perna À semelhança do tendão rotuliano, também o tendão de Aquiles beneficia com o fortalecimento excêntrico quando existe um quadro clínico de tendinopatia do mesmo. Federação Portuguesa de Rugby Página 15 Gémeos excêntricos em Step Figuras 26, 27 e 28 - Realizar flexão plantar com um dos membros sem realizar carga no contra lateral. Posteriormente realizar carga apenas no contra lateral ao que iniciou o exercício e levar de flexão plantar para o máximo de flexão dorsal. Gémeos excêntricos com elásticos. Figuras 29, 30 e 31 - Com o tornozelo no máximo de flexão plantar, realizar tração com o elástico no sentido da flexão dorsal. Levar o pé da posição inicial ao máximo de flexão dorsal, controlando o movimento e a força exercida pelo elástico. 4.4. Músculos da cintura escapular No caso da cintura escapular, o fortalecimento excêntrico é utilizado com bastante frequência para ganho de estabilidade articular, em inúmeros casos como reabilitação de lesões das articulações gleno-umeral e acrómio-clavicular, lesões estas que são bastantes frequentes em desportos de contacto como o rugby. Sendo a coifa dos rotadores os principais estabilizadores ativos das articulações do ombro, é essencial o fortalecimento destes músculos tanto na reabilitação como na prevenção, sendo que o fortalecimento excêntrico foi comprovado como eficaz nesta função, mais ainda que o tradicional treino concêntrico. Federação Portuguesa de Rugby Página 16 Rotadores externos Figuras 32, 33 e 34 - Com o cotovelo a 90º de flexão e junto ao tronco, iniciar o movimento em rotação externa e levar para interna controlando o movimento com a resistência do elástico. Rotadores internos Figuras 35, 36 e 37 - Com o cotovelo a 90º de flexão e junto ao tronco, iniciar o movimento em rotação interna e levar para externa controlando o movimento com a resistência do elástico. Dorsais e Adutores da omoplata Figuras 38, 39 e 40 - Com os cotovelo em extensão, a partir da posição de 0º de flexão do ombro e ligeira abdução, controlar o movimento para flexão dos ombros até aproximadamente 90º de flexão, resistindo à força do elástico que se encontra seguro à altura da linha média dos ombros. Federação Portuguesa de Rugby Página 17 Dorsais e Adutores da omoplata 2 Figuras 41, 42 e 43 - Partindo da posição de abdução horizontal dos membros superiores, controlar o movimento para os 0º de adução horizontal, resistindo à força do elástico que se encontra seguro à altura da linha média dos ombros. Abdutores Figuras 44, 45 e 46 - Realizar abdução com o auxílio do lado contra lateral e o membro superior em carga com extensão do cotovelo. Posteriormente aguentar a resistência exercida pelo elástico, levando lentamente o membro superior até à posição inicial de 0º de abdução. Tricípete braquial e Grande peitoral Figuras 47, 48 e 49 - Iniciar o movimento com as mãos apoiadas na bola, afastadas à largura dos ombros e com os braços a 90º e cotovelos em extensão. Efetuar flexão dos cotovelos até tocar com o tórax na bola. Federação Portuguesa de Rugby Página 18 Tricípete braquial e Grande peitoral 2 Figuras 50, 51 e 52 - Com o corpo a 45º de inclinação à frente e os pés “travados”, iniciar o exercício em suspensão (com uso de TRX®) com os membros superiores a formarem um ângulo de 90º com o tronco. Realizar flexão dos cotovelos. Bicípete braquial Figuras 53, 54 e 55 - Com o corpo a 45º de inclinação à retaguarda e os pés “travados”, iniciar o exercício em suspensão (com uso de TRX®) com os braços paralelos ao tronco e os cotovelos fletidos a 45º. Realizar extensão dos cotovelos. Federação Portuguesa de Rugby Página 19 5. Conclusão O fortalecimento excêntrico efetuado regularmente como parte integrante do programa de preparação física do atleta, vai permitir ao músculo maximizar as capacidades preventivas de lesões e superar desequilíbrios ou deficiências músculo-esqueléticas, aumentando mesmo os índices de performance desportiva. Os mecanismos fisiológicos musculares de adaptação protetiva revelam-se eficazes em termos de prevenção de lesões, mesmo quando efetuados protocolos de exercícios excêntricos de baixa intensidade, mas de forma continuada. A exposição muscular a atividades excêntricas resulta numa adaptação estrutural e funcional, influenciando os parâmetros de rigidez muscular, independentemente do aumento do tamanho e da força. As elevadas forças produzidas excentricamente, apesar de causarem danos nos tecidos quando aplicadas pontualmente e de forma inapropriada, induzem uma resposta favorável à remodelação dos tecidos, quando expostos a essas forças de forma repetitiva e progressiva. A desaceleração de velocidades elevadas, bem como atividades que envolvem travagem, criam forças excecionalmente grandes no corpo do jogador. O objetivo de uma técnica correta de desaceleração ou travagem é aumentar o tempo no qual as forças podem ser absorvidas. Isto é conseguido pela flexão dos tornozelos, ancas e joelhos na fase de abordagem ao solo após o gesto de salto ou nos primeiros passos durante a ação de desaceleração. Federação Portuguesa de Rugby Página 20 6. Bibliografia 1. Brooks JH, F. C. (2006). Incidence, risk, and prevention of hamstring muscle injuries in professional rugby union. The American Journal of Sports Medicine , 34 (8), 1297-1306. 2. Frizziero A, T. S. (2014). The role of eccentric exercise in sport injuries rehabilitation. British Medical Bulletin , 47-75. 3. LaStayo PC, W. J.-M. (2003). Eccentric muscle contractions: their contribution to injury, prevention, rehabilitation and sport. Journal of Orthopaedics & Sports Physical Therapy , 33 (10), 557-571. 4. Lephart S, S. C. (2002). Como recuperar a força, a resistência e a potência muscular. In W. E. Prentice , Técnicas de Reabilitação em Medicina Desportiva. (Vol. 5, pp. 73-87). São Paulo: Manole. 5. Lorenz D, R. M. (2011). 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