organização dos tecidos de plantas forrageiras e suas

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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
ORGANIZAÇÃO DOS TECIDOS DE PLANTAS FORRAGEIRAS E
SUAS IMPLICAÇÕES PARA OS RUMINANTES
FORAGE PLANTS TISSUE ORGANIZATION AND ITS IMPLICATIONS IN RUMINANT
Carvalho, G.G.P.1 e A.J.V. Pires2,3
1
Universidade Federal de Viçosa (UFV). Viçosa, MG. E-mail: [email protected]
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Avenida das Palmeiras, 491. Morumbi. Itapetinga,
BA, Brasil. CEP 45700-000. E-mail: [email protected]
3
Pesquisador do CNPq.
2
PALAVRAS CHAVE ADICIONAIS
ADDITIONAL KEY WORDS
Características anatômicas. Composição química. Valor nutritivo.
Agronomic characteristics. Chemical composition. Nutritive value.
RESUMO
As espécies forrageiras são compostas por
lâmina, bainha, colmo, pecíolo e a inflorescência,
formadas por variados tipos de tecidos, que
apresentam população heterogênea de tipos de
células. A utilização do conteúdo celular e de
alguns componentes da parede celular pelos
ruminantes difere conforme as várias frações e
os estádios de desenvolvimento, bem como os
diferentes tipos de tecidos. A organização
estrutural ou anatômica dos órgãos das plantas e
seus tecidos constituintes influenciam também na
digestibilidade da parede celular, proporcionando
maior ou menor acessibilidade de seus polissacarídeos aos microrganismos do rúmen. Além
disso, influencia o consumo, pelo efeito que produz
sobre a facilidade de fragmentação das partículas
da forrageira, a natureza das partículas
produzidas e sua taxa de passagem pelo rúmen.
Esta revisão tem por objetivo discutir os aspectos
relacionados à organização dos tecidos de plantas forrageiras e suas implicações para os
ruminantes.
SUMMARY
These are composed by various fractions
(leaf blade, leaf sheath, thatch, petiole, blossom),
that, by their turn, are formed by various types of
tissues, which show heterogeneous population
of cell types. The use of the cellular content and
some cellular wall components by ruminants differs
Recibido: 5-2-07. Aceptado: 1-10-07
according to the various fractions and the
development stages, as well as the different
tissue types. The structural organization or anatomy
of plant organs and its constituent tissues, besides
influencing the intake through the effect produced
on roughage particles fragmentation ease, the
nature of particles produced and their rumen
passage rate, also influences the cell wall
digestibility, providing greater or smaller
accessibility of its polysaccharides to rumen
microorganisms. This revision has for objective to
discuss the aspects related to the forage plants
tissue organization and its implications in ruminant.
INTRODUÇÃO
Estudos avaliando a anatomia e a
organização dos tecidos de forrageiras têm
sido desenvolvidos nas últimas três décadas (Akin et al., 1973; Akin e Burdick, 1975;
Wilson, 1976; Wilson et al, 1989; 1991;
Queiroz et al., 2000). Dentre as características anatômicas que tem impacto sobre o
valor nutritivo, destacam-se a proporção de
tecidos e a espessura da parede celular. Tais
características apresentam altas correlações
com os teores de fibra, de lignina e de proteína bruta (PB) e com os coeficientes de
digestibilidade in vitro da matéria seca
(DIVMS). Os tecidos de baixa digestão
Arch. Zootec. 57 (R): 13-28. 2008.
CARVALHO E PIRES
correlacionam-se negativamente com a PB e
a DIVMS e positivamente com os teores de
fibra e de lignina, enquanto aqueles
rapidamente digeridos mostram correlações
positivas com a PB e com a DIVMS e negativas com os teores de fibra e lignina. A
digestão de alguns tecidos é limitada, não
somente pelo efeito negativo da lignina
sobre a digestão da parede celular, mas
também pelo compacto arranjo das células
de alguns tecidos e pela elevada espessura
da parede celular. As relações entre a
anatomia da planta e o valor nutritivo realçam
a possibilidade da utilização de características anatômicas na avaliação do valor nutritivo de gramíneas forrageiras.
As duas principais estratégias empregadas pelas plantas para sobreviver,
armazenamento de nutrientes e defesas
contra ameaças externas, têm influência no
seu valor nutritivo. No primeiro caso, a
planta armazena substâncias durante seu
crescimento vegetativo para serem utilizadas em períodos de frio ou de seca e para
rebrotar após um corte, pastejo etc. São
substâncias altamente digestíveis. No segundo caso, a planta sintetiza compostos
como lignina, cutina, fenóis, terpenóides e
alcalóides para conferir-lhe resistência ao
vento, doenças e desfolhação. Essas
substâncias de forma geral fazem parte da
estrutura da planta e são de baixo valor
nutritivo.
TECIDOS VEGETAIS
Entre as características anatômicas, a
proporção de tecidos tem sido o principal
indicativo da qualidade nutricional de
espécies forrageiras. Alguns trabalhos
demonstraram correlações significativas
entre características nutritivas (fibra em detergente neutro, fibra em detergente ácido,
proteína bruta, digestibilidade in vitro da
matéria seca, entre outras) e proporção de
tecidos medida em seções transversais de
folhas e colmos de gramíneas.
Características anatômicas e nutricionais
são influenciadas pelo estádio de desenArchivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 14.
volvimento e pelo nível de inserção da folha
no perfilho (Wilson, 1976; Queiroz et al.,
2000). Lâminas foliares inseridas no topo do
perfilho apresentam maior proporção de
tecidos de sustentação e paredes celulares
mais espessas, sendo menos digestíveis
que lâminas de mais baixos níveis de
inserção, quando em mesma idade.
Nenhum fator isolado afeta tanto a
qualidade da forragem quanto a idade, mas
o ambiente no qual a planta se desenvolve
também desempenha papel relevante. Fahey
e Hussein (1999) destacaram a importância
de se determinarem os efeitos dos fatores de
ambiente sobre a qualidade da forragem.
EPIDERME
As células da epiderme formam uma camada contínua que reveste a superfície do
corpo vegetal em estádio primário. Elas
apresentam várias características relacionadas com sua posição superficial. A característica distintiva mais importante das células epidérmicas das partes aéreas da planta é a presença da cutina na parte celular
externa e a cutinização desta e de algumas
ou todas as outras paredes. O tecido fornece
proteção mecânica e está relacionado com a
restrição da transpiração e com a aeração.
A maturidade da planta exerce grande
influência sobre a espessura da parede celular das células epidérmicas. As paredes
anticlinais das células epidérmicas de gramíneas tropicais apresentam justaposição
sinuosa, que aumenta a superfície de contato
entre células adjacentes e dificulta o
rompimento do tecido. Além disso, nas gramíneas tropicais, a epiderme encontra-se
firmemente aderida ao resto da folha por
uma estrutura em forma de viga (figura 1)
formada por porções do esclerênquima
acima e abaixo do feixe vascular pela BFV e
pelo próprio feixe vascular (Wilson, 1994).
Assim, o processo de mastigação é muito
importante, não só para a redução no
tamanho das partículas, mas também para
produzir fissuras que servem como porta de
entrada aos microorganismos do rúmen.
ORGANIZAÇÃO DOS TECIDOS DAS PLANTAS. IMPLICAÇÕES PARA OS RUMINANTES
A parede celular da epiderme junto ao
mesofilo é digerida mais rapidamente que
aquela associada à cutícula. Os estudos
indicam que a parede periclinal externa da
epiderme é mais resistente à digestão por
ser cutinizada e lignificada (Hanna et al.,
1973).
No processo de degradação, a cutícula
funciona como uma barreira, reduzindo a
taxa e a extensão de digestão da epiderme e
dos tecidos abaixo dela, fazendo com que
placas de cutícula e epiderme, bem como
feixes vasculares aderidos, sejam encontrados nas fezes de bovinos alimentados com
gramíneas tropicais. Isso pode resultar em
redução da taxa de passagem e aumentar o
volume de ocupação do rúmen (Wilson,
1993).
A lâmina foliar apresenta epiderme menos espessa do que a do colmo. Nos colmos
as células estão associadas internamente
a um anel subepidérmico de células
esclerenquimáticas e feixes vasculares, formando uma estrutura rígida e de difícil
fragmentação pela mastigação e ruminação
(Wilson, 1994).
MESOFILO
Os parênquimas clorofilianos, que
constituem as células do mesofilo, possuem
parede delgada não lignificada. É um dos
primeiros tecidos a sofrer digestão, embora
esta seja mais rápida em gramíneas de clima
temperado.
No caso da digestão mais lenta do
mesofilo em gramíneas tropicais, isso decorre
do arranjo mais compacto das células, que
se dispõe de forma justaposta com poucos
espaços intercelulares, o que dificulta o
acesso dos microorganismos ruminais e retarda o processo de fragmentação do tecido.
A fragmentação dos tecidos pela mastigação
EPS
ESC
BF
TV
FL
MES
ES
EPI
Figura 1. Seção transversal da lamina foliar de uma gramínea C4 (Brachiaria decumbens)
com indicação dos diferentes tecidos. Mesofilo (MES), floema (FLO), tecido vascular
lignificado (TVL), esclerênquima (ESC), bainha do feixe vascular (BFV), epiderme superior
(EPS), epiderme inferior (EPI) (foto de Gobbi, 2004). (Traverse section of eaf blade of C4 grass
(Brachiaria decumbens) with indication of tissue different. Mesophyll (MES), phloem (FLO), tissue
vascular lignification (TVL), sclerenchyma (ESC), vascular bundle sheath (BFV), epidermis higher
(EPS), epidermis lower (EPI) (picture by Gobbi, 2004).
.
Archivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 15.
CARVALHO E PIRES
e o acesso dos microorganismos às células
do mesofilo é ainda mais dificultada porque
a epiderme das gramíneas tropicais está
aderida aos feixes vasculares pelo esclerênquima.
Nas gramíneas de clima temperado e nas
leguminosas, as células do mesofilo se
dispõem de forma mais dispersa com muitos
espaços intercelulares. Isso permite uma
penetração mais rápida dos microorganismos, facilitando a digestão das folhas. Além
disso, a menor superfície de contato entre
as células contíguas favorece a fragmentação do tecido, resultando em partículas de
menor tamanho (Wilson, 1993).
BAINHA DO FEIXE VASCULAR (BFV)
A BFV é constituída por um grupo de
células especializadas, que circunda o feixe
vascular. Em forrageiras de metabolismo C4,
estas células são bastante desenvolvidas,
ricas em cloroplastos e estão envolvidas no
processo de assimilação de carbono As
gramíneas C 3 também apresentam uma
bainha de células circundando os feixes
vasculares, entretanto esta bainha é pouco
desenvolvida, desprovida de cloroplastos
e facilmente digerida pelos microorganismos ruminais.
A digestão da BFV de gramíneas C4 é
lenta ou incompleta, devido à sua parede
celular espessada. Isto dificulta o acesso
dos microorganismos ruminais aos nutrientes no interior das células, que contém mais
de 50% das reservas de carboidratos e proteínas da folha (Wilson, 1994). A presença
de uma lamela suberizada envolvendo a
parede secundária das células, tanto na
parede tangencial externa, quanto radialmente no contato com outras células da
bainha, é uma característica da BFV nas
gramíneas C4. Essa lamela não é digerida
pelos microorganismos do rúmen, impedindo
seu acesso à parede celular e ao conteúdo
das células da BFV, a menos que ela seja
rompida pela mastigação e/ou ruminação.
A porção da parede celular adjacente ao
lúmen é mais susceptível à colonização miArchivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 16.
crobiana, por apresentar maior quantidade
de fenóis do grupo seringil, pois a lignina
deste grupo é mais facilmente degradada
que as unidades coniferil e guaiacil (Akin,
1993). Isto pode explicar porque os
microrganismos do rumem degradam a
parede celular das plantas do lúmen em
direção à região da lamela média / parede
primaria, a qual nunca é completamente digerida.
TECIDO VASCULAR
O tecido vascular é constituído por células do floema, xilema e fibras associadas.
Rapidamente degradadas pelos microorganismos do rúmen, as células do floema
possuem parede celular delgada (Wilson,
1993). Contudo, as células do xilema e as
fibras associadas apresentam parede
espessa e lignificada, tanto na folha quanto
no caule. As paredes destas células são
consideradas indigestíveis nas gramíneas e
leguminosas.
Nas lâminas foliares e colmos jovens de
gramíneas, o tecido vascular está localizado em feixes que formam estruturas isoladas.
Entretanto, com a maturação do colmo ocorre
o espessamento e lignificação da parede secundária das células do parênquima
interfascicular, formando um anel esclerenquimático subepidérmico que constitui uma
barreira ao ataque microbiano e limita a
digestão.
Gramíneas C 4 apresentam maior freqüência de feixes vasculares na folha,
quando comparadas com gramíneas C 3, o
que está associado com a estrutura anatômica característica das dessas forrageiras
(nervura central lignificada). Isso faz com
que as gramíneas C4 apresentem uma maior
proporção de tecidos menos digestíveis
como tecido vascular lignificado, esclerênquima e bainha do feixe vascular.
As células de parede espessa e lignificada do tecido vascular são as principais
responsáveis pela fração indigerível em todas as porções da planta. A maior parte da
atividade de ruminação é direcionada para
ORGANIZAÇÃO DOS TECIDOS DAS PLANTAS. IMPLICAÇÕES PARA OS RUMINANTES
a fragmentação da estrutura do tecido
vascular e grande parte das partículas de
tecidos indigeríveis que aparecem nas fezes
são porções de tecido vascular, associado
ou não com esclerênquima.
ESCLERÊNQUIMA
O esclerênquima é formado por células
longas que desenvolvem uma parede celular
espessa, que se lignifica progressivamente
com a maturação. Nas folhas de gramíneas,
as porções de esclerênquima geralmente
ocorrem acima e abaixo dos feixes vasculares.
Esta estrutura promove vários pontos de
ligação entre a epiderme e a BFV, com efeitos
negativos sobre os processos de mastigação, fragmentação, taxa e extensão de
digestão, taxa de passagem e no consumo
de forragem.
No caule, as células esclerenquimáticas
formam uma capa envolvendo cada feixe
vascular e, com a maturidade, um anel
subepidérmico circundando todos os feixes.
A formação deste anel dificulta a fragmentação do colmo através da mastigação e
exige do animal maior esforço para o
aproveitamento desta fração da planta.
COMPONENTES RELACIONADOS À DIGESTÃO
DA PAREDE CELULAR
O desenvolvimento de uma rígida parede
ao redor do protoplasma celular representou
evolução no processo de adaptação das
plantas à vida terrestre. Nesse processo
evolutivo, a parede celular adquiriu variações na composição química, na espessura
e na distribuição espacial de suas diferentes
camadas, dentro de cada tecido (Brett e
Waldron, 1990).
A parede celular vegetal pode ser dividida em paredes primária, secundária e
terciária. As duas primeiras camadas são as
mais importantes e mais estudadas. Wilson
(1993) caracterizou a parede terciária como
uma camada membranosa extremamente
delgada, localizada internamente (lado do
lúmen) à parede secundária. A parede
primária desenvolve-se simultaneamente à
expansão celular. Em alguns tipos de células, como as do parênquima, esta é a única
parede a se desenvolver. As paredes
primárias de duas células contíguas são
separadas por uma fina camada conhecida
por lamela média, composta, principalmente, de substâncias pécticas. De acordo com
Wilson (1993), a parede primária possui
espessura média variando de 0,1 a 0,2 ìm.
A parede secundária desenvolve-se internamente à parede primária, após completar-se a expansão da célula. Esta parede
compreende três camadas (S1, S2 e S3),
distinguidas pela orientação das microfibrilas de celulose. Não há evidências de
diferenciação da digestão destas camadas.
A parede secundária com espessura variando de 1 a 5 μm confere à célula resistência às
forças de tensão e compressão. Geralmente,
os tipos celulares que apresentam parede
secundária se lignificam em maior ou menor
grau (Wilson, 1993), afetando a digestibilidade (figura 2).
Quimicamente, a parede celular é uma
matriz complexa composta de polissacarídeos, proteínas, compostos fenólicos, água
e minerais. Dos polissacarídeos, destacamse a celulose, a hemicelulose e a pectina.
Existem fortes evidências de que os
polissacarídeos isolados apresentam relativa facilidade de degradação pelos
microorganismos do rúmen ou por enzimas
isoladas. Entretanto, a degradação destes
polissacarídeos quando presentes na forma
natural, compondo a parede celular, é raramente completada e varia conforme o tecido
examinado, a espécie e a idade da planta. As
interações dos componentes da parede,
particularmente entre os polifenóis e os
carboidratos, exercem as maiores restrições
à degradação da parede celular (Jung, 1989).
Dentre os componentes químicos
associados à parede celular, a lignina é o
componente que, reconhecidamente, limita
a digestão dos polissacarídeos da parede
celular no rúmen (Jung e Deetz, 1993). As
primeiras observações de correlação negativa entre o conteúdo de lignina e a
Archivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 17.
CARVALHO E PIRES
digestibilidade das forrageiras foram realizadas no início do século (Furstenberg, 1906,
citado por Besle et al., 1994). Embora a
estrutura e a biossíntese da lignina sejam
objeto de estudos por mais de um século,
muitas questões fundamentais permanecem
desconhecidas. Whetten et al. (1998)
destacaram incertezas quanto à polimerização dos monolignóis na parede celular (organizada ou ao acaso), à via de biossíntese
dos precursores da lignina e à relação entre
a estrutura e a função da lignina.
Em geral, a lignina possui três álcoois
aromáticos: álcool coniferil, que predomina
nas espécies arbóreas, álcool sinapil e álcool
p-coumaril, predominantes em gramíneas e
leguminosas. Os termos core e non-core
têm sido usados por alguns autores para
diferenciar tipos de lignina em forrageiras
(Gordon, 1975; Jung e Deetz, 1993). O
primeiro tipo (lignina core) refere-se ao
polímero de fenilpropanóides depositado
na parede celular, pela polimerização dos
álcoois precursores coniferil, sinapil e pcoumaril. Este tipo, determinado rotineiramente nas análises laboratoriais com uso de
ácido sulfúrico 72%, é extremamente condensado e também conhecido por lignina
Klason ou lignina em detergente ácido (Van
Soest, 1994). A lignina non-core representa
os ácidos fenólicos p-coumárico e ferúlico
(e seus dímeros) depositados na parede
celular durante sua formação. Estes ácidos
podem estar ligados à lignina core, aos
polissacarídeos ou a ambos, simultaneamente (Jung, 1989). Hatfield et al. (1999)
sugeriram que a divisão dos tipos de lignina
em core e non-core não é apropriada, levando-se em conta que outros componentes
podem ser incorporados ao polímero de
lignina. Para esses autores, seria melhor
definir a lignina com base não só em sua
composição química, mas também em relação
às suas características funcionais, como
prover integridade estrutural à parede celular, resistência à degradação e impermeabilidade à água.
A base química da ligação ligninaArchivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 18.
carboidratos ainda não é bem entendida em
gramíneas, embora esta associação seja
amplamente consolidada em espécies
arbóreas (Besle et al., 1994). A lignina pode
estar quimicamente ligada à hemicelulose,
por meio da xilose e arabinose (Jung e Vogel,
1992), porém não há evidência de ligação
covalente com a celulose (Chesson e
Forsberg, 1988). Embora as gramíneas
apresentem mais baixos teores de lignina
que as leguminosas, as correlações negativas com a digestibilidade são mais fortes em
gramíneas. A explicação pode estar na maior
concentração de hemicelulose encontrada
em gramíneas. Como a lignina se liga
covalentemente à hemicelulose, seu efeito
seria mais prejudicial para a digestibilidade
das gramíneas que das leguminosas (Van
Soest, 1994). Outra possibilidade reside nas
diferenças em composição monomérica da
lignina entre gramíneas e leguminosas.
Jung (1989) sugeriu que não somente a
quantidade, mas também a composição da
lignina pode influenciar na digestibilidade
da fibra.
Os ácidos fenólicos (lignina non-core)
presentes na parede celular das forrageiras
mereceram maior atenção por parte dos
pesquisadores a partir dos estudos de
Hartley (1972), que mostrou correlações
negativas entre as concentrações destes
ácidos e a digestibilidade. Em geral, o ácido
p-cumárico é o que apresenta maior efeito
negativo sobre a digestibilidade de forrageiras.
Segundo Jung e Deetz (1993), a lignificação da parede celular pode limitar a digestão
dos polissacarídeos por meio de três
possíveis mecanismos: 1) efeito tóxico de
componentes da lignina aos microorganismos do rúmen; 2) impedimento físico causado pela ligação lignina-polissacarídeo, que
limita o acesso das enzimas fibrolíticas ao
centro de reação de um carboidrato específico; e 3) limitação da ação de enzimas
hidrofílicas causada pela hidrofobicidade
criada pelos polímeros de lignina.
Com relação à toxicidade causada por
ORGANIZAÇÃO DOS TECIDOS DAS PLANTAS. IMPLICAÇÕES PARA OS RUMINANTES
Figura 2. Proporção de tecidos em relação ao seu potencial de digestão. (Proportion of tissue
in relation to digestion potential).
componentes da lignina, a maioria dos
trabalhos indica o ácido p-cumárico como o
mais tóxico aos microrganismos do rúmen,
relativamente aos outros ácidos, embora
este efeito só tenha sido observado em
concentrações, normalmente não detectadas no fluido ruminal. Assim, a toxicidade
causada pelos monômeros fenólicos liberados durante a digestão da parede parece
improvável, devido à rápida difusão destas
moléculas para fora da célula, por meio do
fluido ruminal. Entretanto, se o gradiente de
difusão do fluido não está presente, como
em células do esclerênquima pouco fragmentadas, as concentrações de ácidos
fenólicos no interior da célula podem,
facilmente, alcançar os níveis tóxicos aos
microorganismos (Wilson e Mertens, 1995).
Além disso, o complexo ácido fenólicocarboidrato parece ser um produto comum
resultante da digestão da parede celular
(Cherney et al., 1992). Como o peso molecular deste complexo é elevado, sua taxa de
difusão pode ser até 14 vezes mais lenta
que a dos monômeros fenólicos isolados
(Wilson e Mertens, 1995), o que pode causar
toxicidade aos microorganismos ruminais.
Embora os ácidos fenólicos presentes na
parede celular das forrageiras possam inibir
a digestão dos polissacarídeos sob certas
condições, a extensão desta inibição parece
pouco importante (Jung e Deetz, 1993), uma
vez que as bactérias possuem mecanismos
de desintoxicação dos ácidos p-cumárico e
ferúlico, pela hidrogenação da dupla ligação
e produção do ácido 3-fenilpropiônico
(Chesson et al., 1982, citados por Marvin et
al., 1996).
De acordo com Jung e Deetz (1993), não
existe evidência direta que suporte a
hipótese de limitação da digestão pela
hidrofobicidade causada pela lignificação
da parede celular. Segundo estes mesmos
autores, o limitado acesso físico das enzimas hidrolíticas ao centro de reação do
carboidrato parece ser a maior limitação à
degradação da parede celular das forrageiras,
em decorrência da lignificação.
Após a diferenciação e a maturação dos
tecidos, a concentração de lignina na lamela
média e na parede primária é mais elevada
que na parede secundária, refletindo em
Archivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 19.
CARVALHO E PIRES
maior efeito negativo na digestão dos
tecidos. Além disso, na parede primária, a
lignina encontra-se mais ramificada e mais
estreitamente associada aos polissacarídeos que na parede secundária, a qual
apresenta a lignina em uma forma mais linear
(Jung e Deetz, 1993). Estas características
fazem com que a presença da lignina comprometa mais a digestão da camada da lamela
média/parede primária que a digestão da
parede secundária.
Em gramíneas, quando os microorganismos têm rápido acesso à superfície da parede
celular, a digestão da parede secundária
parece não ser prevenida somente pela
lignificação. Wilson e Mertens (1995)
sugeriram que a espessura da parede celular
e o arranjo das células nos tecidos podem
limitar a digestão da parede secundária,
tanto quanto, ou até mais que a composição
química da parede secundária.
De fato, Akin (1982) observou que a
parede secundária das células esclerenquimáticas de gramíneas forrageiras
apresentou considerável digestão no fluido
ruminal, enquanto a lamela média e a parede
primária permaneceram intactas. Wilson et
al. (1991) verificaram diminuição de 54 a
85% na espessura da parede secundária das
células esclerenquimáticas de três gramíneas de clima tropical, após 48 h de
incubação em fluido ruminal. Outros resultados confirmaram a digestibilidade variável
da parede secundária lignificada de células
do esclerênquima e dos vasos de metaxilema,
além da completa indigestibilidade da lamela
média e da parede primária lignificadas
(Grabber e Jung, 1991; Wilson et al., 1993).
Assim, apesar de aparentemente intactos,
tecidos como o esclerênquima e o xilema
podem sofrer digestão parcial, com variável
redução da parede secundária.
Chesson et al. (1986) demonstraram
completa digestão das paredes das células
do mesofilo (não-lignificada) isoladas de
folhas de Lolium após 8 h de incubação em
fluido ruminal. Nesse caso, como a espessura
Archivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 20.
média da parede destas células é de 0,2 ì m
(Cheng et al., 1980), obtém-se uma taxa de
digestão em torno de 0,025 μm/hora. Wilson
e Hatifield (1997) estimaram taxa semelhante
para digestão da parede secundária lignificada do esclerênquima.
A espessura das paredes das células do
esclerênquima varia com a espécie. A literatura mostra valores de 1,30 ì m para Cenchrus
ciliares (Moghaddam e Wilman, 1998), 1,92
μm para Brachiaria brizantha (Paciullo et
al., 1999), chegando a atingir de 2 a 5 μm em
certas espécies (Wilson, 1993).
Considerando a espessura média de 2,5
μm e a taxa de digestão de 0,025 μm/h, e
assumindo que os microorganismos têm
imediato acesso à superfície da parede,
conclui-se que menos de 50% (1,2 μm) da
parede celular do esclerênquima será digerida após 48 h, fato este verificado por
Paciullo et al. (1999). Dessa forma, mesmo
que a parede celular esteja acessível ao
microorganismo, a digestão não se completará durante o tempo de residência das partículas no rúmen. Pode-se deduzir que,
quanto maior a espessura da parede
secundária, maior será o tempo necessário
para sua completa digestão.
Em células com parede espessa, existe a
possibilidade das bactérias não terem rápido acesso à parede celular para iniciar o
processo de digestão. Nesse caso, a
digestão poderá ser limitada não somente
pela elevada espessura da parede secundária, mas também pela baixa acessibilidade
dos microorganismos à parede celular.
Portanto, mesmo na ausência de restrições
químicas, é esperado que a digestão da
parede do esclerênquima e de outras células
com parede espessa seja parcial, em razão
da pequena área superficial para a colonização bacteriana em relação ao elevado
volume de parede a ser digerida.
A importância da relativa inacessibilidade à parede secundária, resultante da
estrutura física da parede celular e do arranjo
das células, é reforçada pelos resultados de
ORGANIZAÇÃO DOS TECIDOS DAS PLANTAS. IMPLICAÇÕES PARA OS RUMINANTES
Grabber et al. (1992) e Wilson et al. (1993).
Nesses estudos, diferentes tipos de
tecidos isolados de folhas e colmos de gramíneas foram finamente moídos e incubados para digestão. Evidentemente, a maioria
das características anatômicas limitantes à
digestão originalmente encontradas nos
tecidos foi destruída. Os resultados
mostraram, surpreendentemente, elevada
digestão de células esclerenquimáticas
fortemente lignificadas, evidenciando que
as restrições físicas exercem importante
papel no processo de digestão da parede
celular.
TECIDOS VEGETAIS X DIGESTIBILIDADE
A digestibilidade de uma forrageira está
relacionada a sua composição bromotalógica
e, também a sua composição histológica.
Segundo Brito et al. (1997) essa digestibilidade relaciona-se também com os diferentes tipos e porcentagens de tecidos e seus
órgãos e com a idade da planta, permitindo
diferenciação nutricional de espécies e
cultivares. De acordo com Akin et al. (1973),
pode-se relacionar o potencial de digestibilidade de uma planta com os diferentes tecidos
vegetais ou com tecidos específicos. Assim,
maiores quantidades de tecidos vasculares
lignificados e esclerenquimáticos proporcionam menores taxas de digestibilidade
(Rodella, 1982). Com o envelhecimento das
plantas ocorre espessamento e lignificação
das paredes celulares, principalmente na
região dos feixes vasculares. Este fenômeno
foi relacionado com a redução das áreas de
digestão dos tecidos (Hanna et al., 1973).
Paciullo (2000) trabalhando com gramíneas forrageiras verificou que com o avanço
do desenvolvimento da planta, aumentos
da espessura da parede celular e da
lignificação do esclerênquima, sendo que
no verão estes processos foram mais intensos que no outono.
Neste mesmo trabalho o autor constatou
ainda que as células do parênquima e do
floema de colmos jovens foram totalmente
digeridas, independente da espécie. A
epiderme, o xilema e o esclerenquima
permaneceram aparentemente intactos. O
desenvolvimento foi fator preponderante
de alterações anatômicas e digestivas do
colmo. Assim, o decréscimo na proporção
de parênquima, associado aos aumentos em
área do esclerênquima e da espessura da
parede celular, com o avanço do desenvolvimento, resultou em menor digestão
das seções de colmo, notadamente em capimgordura (Melinis minutiflora). Enfatiza-se
que aumento mais expressivo em área de
esclerênquima, com o desenvolvimento do
colmo, e maior proporção de xilema foram
observados em capim-gordura. Em colmos
maduros, a epiderme, o esclerênquima, o
xilema, além das células de parênquima próximas ao esclerênquima, permaneceram nãodigeridos. O decréscimo na digestão do
parênquima, com a idade do colmo, pode ser
atribuído à progressiva deposição de
compostos fenólicos na parede destas células (Akin et al., 1984; Akin, 1989).
A epiderme constitui-se em barreira para a
aderência e penetração dos microrganismos
ruminais no processo de digestão dos
tecidos vegetais, daí a importância da
mastigação e da ruminação no processo de
fragilização da epiderme. Segundo Paciullo
(2000) a digestibilidade apresenta acentuada redução com o aumento da idade, evidenciando que o estádio de desenvolvimento é
o mais importante fator a influenciar o valor
nutritivo das plantas forrageiras. Em geral,
mais altos valores de digestibilidade são
observados nas estações frias que nas
quentes (MAcADAM et al.,1996). De
acordo com Wilson (1982) em revisão dos
efeitos de fatores climáticos sobre o valor
nutritivo de espécies forrageiras, a temperatura é o fator mais importante, sendo que
a digestibilidade diminui de 0,08 a 1,81 unidades percentuais para cada grau centígrado de elevação da temperatura.
Dos tecidos do colmo, apenas o parênquima, em estádio inicial de desenvolvimento, e
o floema são rapidamente digeridos, sendo
o xilema, a epiderme e o esclerênquima
Archivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 21.
CARVALHO E PIRES
praticamente indigestíveis (tabela I). A
digestibilidade do parênquima decresce a
medida que a forrageira se desenvolve (Akin,
1989).
Brito et al. (1999) acompanharam o
crescimento de três cultivares de capimelefante para determinar a porcentagem dos
diferentes tecidos presentes nas folhas e
nos colmos e avaliar a seqüência de
degradação dos tecidos após a incubação
in vitro em líquido ruminal de bovinos. Esses
autores concluíram que a área ocupada
pelo tecido lignificado aumentou com o
crescimento das plantas, tanto nas folhas
quanto no colmo. A degradação dos tecidos
presentes nas diferentes estruturas diminuiu
com a idade da planta, com exceção da
bainha foliar, que, devido à presença do
parênquima, tem sua área de degradação
aumentada.
Entre os grupos fotossintéticos C3 e C 4
existem diferenças histo-anatômicas (figura 3) bastante visíveis, e essas diferenças,
segundo Queiroz (2000) pode existir até
mesmo dentro de plantas de um mesmo
grupo fotossintético ou dentro de uma mesma
espécie, variando com suas cultivares. Em
uma mesma planta, observa-se um gradiente
das características anatômicas e nutricionais, segundo o nível de inserção, quando
se comparam folhas de um mesmo estádio
de desenvolvimento (Rodella et al., 1984).
Paciullo (2000) estudando a composição
química e digestibilidade in vitro de lâminas
foliares em três níveis de inserção e duas
idades de capim-gordura, capim-tifton 85 e
capim-braquiária, observou que os teores
de FDN e FDA foram mais elevados, respectivamente, em lâminas de idade mais
avançada e amostradas na estação do verão.
Entre as espécies, o capim-braquiária foi a
que apresentou mais alto teor de lignina,
sendo que as demais espécies não diferiram
entre si. Em geral, a composição química foi
acentuadamente influenciada pelo nível de
inserção da folha no perfilho. Lâminas foliares de posição superior apresentaram
maiores teores de FDN e lignina. Segundo o
Archivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 22.
autor isso se explica pelo fato de que o mais
longo período de alongamento das folhas
de posição superior contribui para os mais
elevados teores de FDN, uma vez que a
deposição dos constituintes da parede celular aumenta linearmente com a idade.
Nota-se na literatura um certo confundimento do efeito do nível de inserção com a
idade cronológica da folha, porque folhas
de diferentes níveis de inserção diferem em
idade. Wilson (1976) mostrou que lâminas
foliares de mais alto nível de inserção
apresentaram maior proporção de esclerênquima e xilema, paredes celulares mais
espessas e menor quantidade de mesofilo
que lâminas localizadas na base do perfilho.
Os estudos de Greenberg et al. (1989)
(citado por Lempp, 1997), demonstram que o
tecido esclerenquimático confere resistência
à lâmina foliar, consequentemente pode-se
inferir que tanto a proporção como a
localização desse tecido pode interferir na
colheita da forragem pelos animais em
pastejo.
Admitindo-se que as diferenças entre
lâminas de um mesmo perfilho, entre
perfilhos e plantas podem afetar a apreensão
da forragem, o melhor amostrador, nessas
circunstâncias passa a ser o próprio animal.
A utilização de animais esôfago-fistulados,
para a coleta de forragem, apresenta a
vantagem de incluir o efeito físico da
apreensão e mastigação primária do material vegetal. A dieta selecionada deve ser
entendida como sendo de preferência do
animal modificada pela acessibilidade das
espécies dentro de uma determinada
vegetação, o que a princípio pode ser
extrapolado também para diferenças na
inserção de lâminas de um determinado
perfilho (Hodgson, 1982).
Embora, a coleta de forragem por animais
esôfago-fistulados possa não representar a
variabilidade na preferência do animal
quando se considera um dia de pastejo, ela
pode permitir detectar diferenças entre
espécies ou cultivares em estudo (Lempp,
1997). Os animais selecionam a forragem,
ORGANIZAÇÃO DOS TECIDOS DAS PLANTAS. IMPLICAÇÕES PARA OS RUMINANTES
porém os nutrientes disponíveis aos animais
em pastejo, freqüentemente, são inferiores
àqueles requeridos para expressar o potencial genético.
No caso específico das gramíneas C4,
por apresentarem maior densidade de feixes
vasculares em relação às C 3, e esses serem
circundados por células da bainha parenquimática, ou seja, maior proporção de
parede celular espessa, a composição em
carboidratos estruturais torna-se um atributo qualitativo altamente importante, tendo
em vista capacidade de fermentação que
esses apresentam.
A estrutura do pasto é importante na
determinação da facilidade com que a
forragem é apreendida pelo animal. Quando
ela é pouco densa, o animal em pastejo
encontra dificuldade em ingerir forragem em
quantidade. Correlações positivas entre
densidade de folhas e relação lâmina:colmo
com o consumo foram observadas em vários
experimentos com pastagens tropicais, especialmente a densidade de folhas no estrato superior do pasto (Difante, 2005).
Em trabalho conduzido por Brito e
Deschamps (2001) para determinar a área
ocupada pelos diferentes tecidos presentes
no colmo e na folha de três cultivares de
capim-elefante (Pennisetum purpureum
Schumach.), os autores constataram que o
floema representa cerca de 2% da área total
dos tecidos. Embora seja um tecido de elevada digestibilidade, esta pequena participação representa pouco para a qualidade
final das plantas. Os pesquisadores
constataram ainda que a área de tecido epidérmico e tecido vascular lignificado é maior
no limbo foliar, principalmente nas folhas
jovens e a área de tecido vascular lignificado
do colmo aumenta em direção a base da
planta. A distância entre os feixes vasculares
na bainha está acima de 500 μm, enquanto
no limbo é de 140 μm.
Difante (2005) ao avaliar o desempenho
de novilhos da raça Nelore em pastos de
Panicum maximum Jacq. cv. Tanzânia
submetidos a regimes de desfolhação inter-
mitente caracterizados por pastejo aos 95%
IL do dossel e resíduos de 25 ou 50 cm,
observou que ganho médio diário nos
animais mantidos no pasto manejado com
50 cm de resíduo foi 20,7% superior àquele
dos animais mantidos no pasto com 25 cm de
resíduo (tabela I). De acordo com o autor,
esses maiores ganhos podem ser justificados pelo consumo de forragem 10% superior em relação aos animais mantidos no
pasto manejado com resíduo de 25 cm, uma
vez que a composição morfológica e a
digestibilidade da dieta dos animais em
ambos os tratamentos foi semelhante.
Diante dessas respostas obtidas, o autor chamou a atenção para o fato de que
dependendo do objetivo do produtor ou do
sistema produtivo como um todo, existem
momentos em que o desempenho individual
deve ser maximizado como, por exemplo, na
terminação de bovinos. Nesse caso tornase interessante a manutenção de um resíduo
pós-pastejo mais alto, no caso 50 cm. Por
outro lado, quando o objetivo é manter um
maior número de animais no processo
produtivo como, por exemplo, na fase de
recria, ou quando o preço da arroba está
baixo, torna-se interessante a utilização do
resíduo mais baixo (25 cm), que mesmo
apresentando rotatividade mais lenta no
sistema, proporciona uma maior produtividade animal. Sugeriu-se também que em
algumas situações pode ser interessante a
associação dos dois resíduos, utilizando a
época de maior acúmulo de forragem para
otimizar o ganho individual, mantendo uma
oferta maior de forragem por meio de um
resíduo mais alto e, nas épocas de menor
acúmulo, utilizar um resíduo mais baixo de
forma a manter um maior número de animais,
otimizando a taxa de lotação.
Queiroz et al. (2000) estudaram a
proporção de tecidos, o grau de correlação
linear desta característica com a digestibilidade in vitro da matéria seca e a
composição química determinadas em
seções transversais das frações botânicas,
lâmina e bainha foliares e colmo, amostrados
Archivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 23.
CARVALHO E PIRES
no topo e na base de perfilhos de capimelefante (Pennisetum purpureum, cv. Mott),
capim-setária (Setaria anceps, cv. kazungula)
e capim-jaraguá (Hyparrhenia rufa). Foi
constatado neste estudo que o capimjaraguá apresenta maior proporção de
bainha parenquimática dos feixes na lâmina
foliar e de tecido vascular lignificado e
esclerênquima na lâmina e bainha foliares,
apresentando proporção de tecidos menos
compatível à de uma forrageira de alto valor
nutritivo, em comparação ao capim-elefante
e capim-setária.
Em outro recente estudo conduzido por
Brito et al. (2003), os autores avaliaram a
composição química e a digestibilidade de
diversas frações de Brachiaria brizantha e
Brachiaria humidicola, após 70 dias de
crescimento e verificaram que a Brachiaria
brizantha apresentou maiores concentrações de FDN no caule e PB nas folhas.
Segundos os autores isto resultou em coeficientes de digestibilidade maiores em relação
à Brachiaria humidicola e a diferença de
digestibilidade entre caule e folhas e nas
frações mais velhas pode estar relacionada
ao tipo de condensação da lignina presente
nos tecidos.
CONCLUSÕES
Com base no levantamento realizado,
fica implícito que as características
anatômicas e nutricionais são influencia-
das pelo estádio de desenvolvimento e pelo
nível de inserção da folha no perfilho.
Lâminas foliares inseridas no topo do
perfilho apresentam maior proporção de
tecidos de sustentação e paredes celulares
mais espessas, sendo menos digestíveis
que lâminas de mais baixos níveis de
inserção, na mesma idade.
Dentre os fatores que afetam a qualidade
da forragem, a idade da planta é o fator
isolado com maior contribuição. Contudo, o
ambiente no qual a planta se desenvolve
também desempenha papel relevante,
realçando, portanto, a necessidade de
determinação dos efeitos do ambiente sobre a qualidade da forragem, o que é muito
pouco estudado atualmente nos trabalhos
de pesquisa.
A organização estrutural ou anatomia
dos órgãos da planta e seus tecidos
constituintes, além de influenciar o consumo pelo efeito que produzem sobre a
facilidade ou não de fragmentação das partículas da forrageira, a natureza das partículas produzida e sua taxa de passagem
pelo rúmen, influenciam também na
digestibilidade da parede celular, proporcionando maior ou menor acesso dos
microorganismos do rúmen aos polissacarídeos. Forragens jovens apresentam
maior digestibilidade. Neste sentido, é
sempre interessante aliar a qualidade com
produtividade de forragem. A determinação
Tabela I . Digestão relativa dos tecidos vegetais em plantas de clima temperado e tropical.
(Relative digestion of the vegetable tissue in plants of temperate and tropical climate).
FRAÇÃO/ORIGEM
Rápida
Folha/tropicais
Folha/temperadas
MES e FLO
MES, FLO, EPI e BPF
(depende daespécie)
FLO e PAR (imaturo)
Colmo/gramíneas
Digestão relativa dos tecidos
Lenta e parcial
EPI e BPF
BPF (depende da
espécie) e ESC
PAR (meia idade)
Não digerido
XIL e ESC
XIL e BIF
EPI e ESC (anel)
MES-mesofilo; FLO- floema; EPI - epiderme; BPF- bainha parenquimática dos feixes; ES-esclerênquima;
XIL-xilema; BI-bainha interna dos feixes; PA-parênquima. Fonte: Adaptada de AKIN, 1989.
Archivos de zootecnia vol. 57 (R), p. 24.
ORGANIZAÇÃO DOS TECIDOS DAS PLANTAS. IMPLICAÇÕES PARA OS RUMINANTES
Figura 3. Proporção de tecidos em lâminas foliares de gramíneas de clima tropical C4 e
temperado C3. TVL- tecido vascular lignificado; BPF- banhia parenquimática dos feixes;
ESC- esclerênquima; EPI- epiderme; MES- mesofilo (adaptado de Wilson, 1997). (Proportion
of tissue in leaf blade foliate of grass of tropical C4 and temperate C3 climate. TVL-tissue vascular
lignification; BPF-parenchyma bundle sheath; ESC-sclerenchyma; EPI-epidermis; MES-mesophyll (adapted
of Wilson, 1997).
da proporção dos tecidos, associado à
definição de alvos de manejo para a maioria
das espécies forrageiras, tem merecido
pouca atenção por parte dos pesquisadores
em todo o mundo. Este tipo de estudo
poderia ser uma alternativa para melhorar
mais ainda os índices de produtividade da
pecuária tanto de corte como de leite, uma
vez que a forragem seria colhida no seu
estádio ótimo de maturidade apresentado o
máximo possível de tecidos de alta
disgestibilidade.
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