FSII – Módulo 1 CIRCULAÇÃO: Características Gerais: Circulação Sistémica e Circulação Pulmonar: O aparelho circulatório é constituído pelo coração e sistema vascular; este tem como função servir as necessidades dos tecidos, mantendo um ambiente apropriado à optima função celular e sobrevivência. Tem também uma importante acção no que diz respeito a alguns mecanismos homeostáticos. O coração e a circulação funcionam essencialmente como um sistema de transporte e intercâmbio. O coração pelas características do seu funcionamento pode ser considerado uma bomba dupla em série pois pode ser dividido em coração direito e coração esquerdo. O coração esquerdo diz respeito à circulação sistémica ou grande circulação (o sangue sai do ventrículo esquerdo para a aorta, desta vai ramificando-se em artérias mais pequenas originando as arteríolas que vão ainda ficar mais estreitas aparecendo os capilares arteriais nos quais vão ocorrer as trocas gasosas, passando os capilares arteriais a capilares venosos, seguidamente têm-se as vénulas que colectam o sangue dos capilares venosos; por fim aparecem as veias que levam o sangue venoso até ao coração), o coração direito diz respeito à circulação pulmonar ou pequena circulação (gera-se um fluxo através dos pulmões para que se dê a troca de CO2 por O2, passando o sangue venoso, proveniente da grande circulação, a sangue arterial; também nesta circulação o sangue percorre primeiro as artérias, depois as arteríolas até chegar aos capilares, destes passa para as vénulas e posteriormente para as veias até o sangue, neste caso arterial, chegar ao coração). O fluxo unidireccional através do coração é conseguido por um eficiente sistema de válvulas. As artérias e veias são os grandes vasos, enquanto que as arteríolas, capilares e vénulas são denominados pequenos vasos. As artérias, as vénulas e as veias são elásticas, o que significa que têm paredes elásticas, ou melhor, viscoelásticas. A viscoelasticidade significa que os vasos têm em simultâneo propriedades de sólidos elásticos e líquidos viscosos. O coração se estiver bem elástico vai encher melhor e expulsar muito mais rápido. Como já foi referido anteriormente, as artérias e as veias são elásticas, contudo, à pressão em que se encontram, pode dizer-se que as veias são muito mais elásticas que as artérias. As arteríolas e os capilares podem considerar-se rígidos, são muito pouco elásticos, ao contrário das vénulas, veias e artérias. Cada órgão é irrigado em paralelo tendo uma circulação especial, especificamente sua. 1 FSII – Módulo 1 Fluxo sanguíneo: O fluxo de sangue que sai do ventrículo é intermitente, por isso, diz-se que a expulsão é intermitente. Por outro lado o fluxo de sangue nas artérias é pulsátil ou seja tem altos e baixos, nas arteríolas, capilares, vénulas e veias é constante por isso chama-se contínuo. Nas veias próximas do coração volta a ser pulsátil por repercussão do ciclo cardíaco o sangue é numa quantidade mínima aspirado para o coração. Pressão sanguínea: A pressão nas artérias é pulsátil e muito elevada, contudo, vai decrescendo ao longo de todo o sistema circulatório até que na aurícula direita a pressão média é quase nula, por volta dos 4 mm Hg . O sangue move-se por diferenças de pressão. Função dos diferentes vasos sanguíneos: A função das artérias é conduzir rapidamente o sangue para os órgãos. As paredes das arteríolas têm músculo liso que se contrai ou relaxa por ordem do sistema nervoso e por efeitos locais tendo por isso a possibilidade de regular o seu diâmetro, controlando dessa forma a quantidade de sangue, ou seja, o fluxo de sangue que vai para os capilares. Nestes ocorrem as trocas de nutrientes com as células (trocas de oxigénio, de hormonas, de electrólitos...). Entretanto as vénulas colectam o sangue dos capilares venosos e as veias conduzem-no para o coração. Sabe-se hoje em dia que as veias, além da função condutora de sangue, têm muitas outras funções. Uma particularidade que as veias e vénulas têm é que, devido à sua grande elasticidade, permitem um aumento de volume de sangue no seu interior sem que com isso a pressão sofra grandes alterações, podendo chamar-se, por isto, um reservatório de sangue da circulação; além disso, devido ao músculo liso existente nas suas paredes conjuntamente com a sua grande elasticidade, pode dizer-se que são um reservatório de sangue de capacidade variável (aproximadamente 64% do sangue encontra-se no sistema venoso sistémico). Débito, Velocidade do Sangue e Regulação de Volume: Débito de um vaso é igual ao volume de sangue que atravessa a secção recta desse vaso num determinado ponto por unidade de tempo, ou seja, Q = V / t, em que V é o volume de sangue que passa em determinada secção durante o tempo t. 2 FSII – Módulo 1 O sangue é um líquido incompressível, assim, o seu volume diminui por acção da pressão de maneira que a quantidade de sangue que entra por unidade de tempo, ou seja, o débito tem de ser igual ao volume de sangue que sai por unidade de tempo, sendo desta forma o débito constante ao longo do vaso. A velocidade do sangue é também chamada débito linear. Assim o débito é dado pelo produto da área, S, pela velocidade do sangue, vs, (numa maior área para que o volume de sangue seja o mesmo, a sua velocidade terá de ser muito menor). Pode dizer-se que quanto maior for a secção do vaso menor é a velocidade do sangue: esta relação denomina-se de equação de continuidade. Quando aparece uma ramificação na circulação, o sangue passa a caminhar mais lentamente. A soma das áreas de todas as secções é máxima nos capilares, pois vai subindo à medida que vai havendo ramificações, sendo por isso máxima nos capilares. A velocidade do sangue vem de uma velocidade muito elevada na aorta para uma velocidade muito baixa nos capilares, podendo, assim, ocorrer uma eficaz troca gasosa e de nutrientes com os tecidos, voltando posteriormente, a velocidade a subir ligeiramente nas vénulas e nas veias. Regimes de Fluxo: Abordando agora os tipos de fluxo existentes, tem-se dois tipos: fluxo laminar (as trajectórias das partículas nunca se cruzam e a velocidade de uma partícula num ponto é tangente à trajectória nesse ponto); fluxo turbulento (a trajectória das partículas tem remoinhos que se cruzam numa trajectória). Reynolds viu que num tubo o fluxo pode passar de laminar a turbulento consoante as condições. Este determinou, ainda, o chamado nº de Reynolds (RVd/, em que e são a densidade e a viscosidade do líquido;V, a sua velocidade média e d, o diâmetro do tubo) que é a razão entre a força de inércia de convexão e a força de cisalhamento. As conclusões que se podem tirar destes números são: se o número for menor que 2400 o fluxo é laminar se, no entanto este for superior a 10 000 o fluxo é turbulento, existindo entre os dois uma zona com instabilidade o que quer dizer que ocorrem circulações ínfimas (vórtices) que não progridem no caminho sendo por isso denominadas de instabilidades. O fluxo de sangue para o homem normal (animais não) estando em repouso ou efectuando um baixo exercício físico, em condições normais, é sempre laminar, excepto perto dos obstáculos como nas bifurcações, ramificações nas válvulas, nas curvaturas dos vasos (na curvatura da aorta aparecem instabilidades que são absolutamente normais). Em condições de exercício físico intenso pelos atletas é necessário maior volume de oxigénio para os músculos desses mesmos atletas, desta forma o débito aumenta, aumentando a velocidade do sangue e também o nº de Reynolds, surgindo turbulências. Estas turbulências vão ser audíveis com o estetoscópio e denominam-se de sopros que no caso dos atletas são perfeitamente 3 FSII – Módulo 1 fisiológicos, ou seja, perfeitamente normais. As vibrações que por vezes são palpáveis, com ruído audível ao estetoscópio e que se transmitem à superfície do corpo são denominadas de prémites. Situações Patológicas: Anemia: deficiência em glóbulos vermelhos. Para compensar esta deficiência, conseguindo oxigenar os tecidos de uma forma eficiente o débito aumenta, a velocidade do sangue também aumenta, logo o nº de Reynolds também aumenta, além disso a viscosidade do sangue em geral vai diminuir uma vez que os glóbulos vermelhos são os responsáveis pela viscosidade do sangue. Devido ao facto do nº de Reynolds aumentar muito e a viscosidade diminuir vão surgir muitas vezes turbulências na anemia. Estenose vascular e valvular: é um estreitamento de um vaso ou de um orifício de uma válvula (por ex.: estenose mitral – o orifício da válvula está muito estreito), podendo dar-se, inclusivamente, separação de fluxo. Havendo uma diminuição da área do vaso a velocidade do sangue vai aumentar muito, logo, o nº de Reynolds também vai ser muito elevado e assim vai haver turbulências. Aneurisma: é um alargamento brusco de um vaso ou de uma cavidade cardíaca. Na zona onde existe uma variação muito brusca do diâmetro do tubo vai ocorrer uma grande turbulência. Insuficiência valvular: válvula que fecha mal ficando um pequeno orifício. Assim quando a válvula está fechada o sangue vai passar pelo pequeno orifício adquirindo uma grande velocidade. Nessa zona ocorre uma grande turbulência originando um sopro. “Shunt”: ligação directa de uma artéria a uma veia (ou seja, comunicação permanente, patológica, entre o sistema arterial periférico e o sistema venoso ou o sistema arterial pulmonar), é uma passagem que encurta a circulação do sangue entre um vaso que se encontra a alta pressão, para um vaso que está a baixa pressão. Devido a um elevado gradiente de pressão o sangue caminha muito rapidamente, ocorrendo por isso, turbulências e sopros. Denomina-se fístula arterio-venosa ao “Shunt” que coloca em comunicação uma artéria e uma veia do mesmo tronco vascular. A mais comum é a fístula arterio-venosa femural que pode ser originada por um traumatismo que corta a artéria e a veia estabelecendo-se uma posterior comunicação entre ambas (freqüente em incidentes com toureiros); o caso da persistência do canal arterial é um outro caso de “Shunt” que consiste numa anomalia congénita que mantém, numa fase posterior ao nascimento a passagem do sangue da aorta para a artéria pulmonar. Trombos: compressões de sangue solidificados constituindo, portanto, obstáculos à passagem do sangue. 4 FSII – Módulo 1 O que acontece devido à existência de obstáculos esféricos ou cilíndricos na passagem de um fluxo, é o seguinte: Quando: Nº de Reynolds muito baixo - a velocidade é nula; Nº de Reynolds de 20 - vão ocorrer já duas pequenas circulações depois do obstáculo que não progridem; Nº de Reynolds de 100 - vai ocorrer já progressão das circulações; Nº de Reynolds de 10 000 - a turbulência vai ser muito intensa; Nº de Reynolds na ordem de 106 - ocorre turbulência; esta vai localizar-se atrás do obstáculo. Ao ter-se: P Zgcte, em que P é a pressão, a densidade e Z a altura, pode dizer-se, então, que o que se perde em altura ganha-se em pressão. Houve um senhor chamado Bernoulli que estudou a circulação de um líquido ideal não viscoso com fluxo laminar e constatou que E = P + Zg + Ec (sendo a Ec dado por 1/2v2 e E a energia total do líquido) vai ser constante em todos os pontos da circulação. Apesar do sangue ser um líquido viscoso, a pressão a nível dos pés é muito elevada (cerca de 90mmHg), contudo à medida que se sobe no corpo a pressão vai diminuindo, chegando a ser negativa no seio sagital, o que significa que, o que se perde em altura ganha-se em pressão, tal como já foi referido anteriormente. O facto pelo qual as pessoas com má circulação têm muitas vezes os pés inchados é o seguinte: nas artérias a pressão do sangue é muito elevada uma vez que é para onde ocorre expulsão imediata do sangue vindo do coração. Esta situação, faz com que um homem, encontrando-se na posição vertical parado (posição ortostática) vai ter uma grande pressão ao nível dos pés. Numa secção muito estreita a velocidade do sangue é muito grande. A pressão dinâmica aumenta muito e a pressão estática fica nula no tubo, de forma a manter a pressão total. Isto é o que acontece numa estenose (já foi referida anteriormente) a pressão hidrostática é menor no local da estenose voltando ao normal logo a seguir. A soma da pressão hidrostática com a 5 FSII – Módulo 1 pressão dinâmica tem de ser igual, quer se avaliem num determinado ponto ou num outro qualquer. Num líquido viscoso a carga não se mantém. A energia total (E) não se mantém ao longo do percurso do líquido porque há dissipações de E sob a forma de calor devido à fricção das partículas do líquido e da viscosidade, havendo portanto, perda de energia total (E) e diminuição da pressão hidrostática. Pressão Terminal e Pressão Lateral: Quando se mede a pressão longitudinalmente num vaso, esta vai ser superior à medida numa ramificação lateral (por exemplo: quando se introduz um cateter num vaso a pressão medida vai ser superior àquela que se obtém se se introduzir um cateter numa ramificação lateral). Isto deve-se ao facto do sangue ser parado em determinado ponto do vaso, sendo a sua energia cinética por unidade de volume transformada em pressão, fazendo com que esta seja superior nesse local. A pressão que se mede ao longo de um vaso através de um cateter não vai ser igual àquela que se mede lateralmente denominando-se a primeira por pressão terminal ou total e a segunda por pressão lateral ou pressão estática, assim temos: P total = P lateral + P dinâmica Pt = PL + 1/2v2 Analisando o caso de uma esfera que cai dentro de um líquido viscoso, o que vai acontecer ? A esfera vai ser actuada pelo seu peso, pela impulsão e por uma força resistiva chamada força de Stokes que é proporcional à velocidade relativa da esfera em relação ao líquido. Além disso, pode dizer-se que a aceleração da gravidade vai fazer com que a velocidade da esfera aumente, mas quando isto acontece, R, ou seja, a força resistiva (Força de Stokes) também vai aumentar fazendo com que haja um momento em que a resultante é nula, assim a esfera cai com velocidade constante, a qual se denomina de velocidade terminal. Analisando agora o caso em que se tem um vaso e um glóbulo vermelho, o que vai acontecer? Neste caso, o peso da impulsão não vai ter qualquer importância, pois está na horizontal. Devido à existência de plasma vai haver uma força devida à viscosidade, a chamada força de Stokes e desta forma o glóbulo vermelho vai ser acelerado. Ao mesmo tempo que isto acontece, a sua velocidade relativamente ao plasma vai diminuir, assim, a força também vai diminuir, vindo a anular-se num determinado momento. O glóbulo vermelho desloca-se desta forma à velocidade do plasma, então, à medida que o glóbulo vermelho 6 FSII – Módulo 1 acelera, a sua velocidade aproxima-se à do plasma, logo R (Força de Stokes) diminui. 2ª Parte: Fisiologia Cardiovascular: Fundamentos Físicos: Quando temos um corpo sólido sem descontinuidade, actuado por forças exteriores, as forças transmitem-se através do interior do corpo a todos os pontos deste. As forças que actuam num sólido completamente rígido vão provocar uma deformação instantânea do sólido. Essa deformação vai dar lugar a forças interiores que mantêm o corpo em equilíbrio estático. Se estas forças forem retiradas, o corpo volta instantaneamente à forma inicial, denominando-se este acontecimento de elasticidade. A deformação instantânea é chamada de deformação elástica. Isto verifica-se sempre que a deformação não seja demasiado grande. Assim para deformações pequenas a tensão é proporcional à deformação.À medida que a deformação aumenta vai chegar-se ao chamado limite de proporcionalidade, deixando a tensão de ser proporcional à deformação, atingindo-se, posteriormente, o limite de elasticidade, sendo, que quando este é ultrapassado, a deformação deixa de ser elástica ficando permanentemente o corpo deformado. Tem-se então a deformação plástica. Um exemplo do que foi referido anteriormente é o que acontece quando pessoas com excesso de peso (em que a pele está muito esticada) emagrecem ficando a pele enrugada. A pele estava, devido á plasticidade, deformada chegando-se, posteriormente, mesmo a uma situação de ruptura. A tensão é a força por unidade de área num ponto, ou seja, é o limite da razão entre a força e a área. Tem-se, assim, a tensão com uma orientação qualquer em relação à superfície em que actua; esta pode ser decomposta em duas tensões, uma normal à superfície que se chama tensão normal e outra tangente à superfície, que se denomina tensão de corte ou de cisalhamento (em medicina utiliza-se apenas o termo tensão de cisalhamento). Esta é uma tensão que actua tangencialmente ao plano. Ex.: nas instabilidades e nas turbulências é a tensão de cisalhamento, provocada pelas instabilidades no endotélio, que vai provocar aterosclerose. Elementos de Elasticidade Linear: Estas leis, denominadas leis de Hooke, são aplicadas a pequenas deformações inferiores a 10%. 7 FSII – Módulo 1 Considerando uma barra cilíndrica ou paralelipipédica com uma extremidade fixa e uma força a actuar na outra extremidade, temos a secção da barra que vai provocar tensões normais nesta, iguais a F/S (F – força , S – área da secção) provocando um alongamento da barra. A 1ª lei de Hooke diz que a tensão F/S é proporcional à variação relativa do comprimento, sendo que a constante de proporcionalidade é o módulo de elasticidade principal ou módulo de Young. Assim, temos que a tensão T=F/S=El/l, em que l/l é variação relativa do comprimento e E é a constante de proporcionalidade, além disto podemos ainda admitir que = E em que é a deformação linear ou deformação normalizada. O modelo que ilustra este facto seria o de uma mola elástica linear sendo o módulo de proporcionalidade a rigidez da mola. A rigidez de um corpo depende do módulo da elasticidade, da forma e dimensões do corpo sendo que a rigidez (K) pode escrever-se como: K=ES/l em que esta equação traduz a relação entre o módulo de Young e a rigidez. Falando de um outro tipo de deformação, em que temos um sólido paralelipipédico com base fixa e com uma força tangencial na face oposta, a tensão de cisalhamento provocada pela força no corpo dá origem à deformação angular. Pode assim dizer-se que pela 2ª lei de Hooke a tensão de cisalhamento dada por = F/S em que F é a força tangencial e S é a área da face sobre a qual a força actua. Referindo, ainda, a 3ª lei de Hooke esta diz que, quando em duas faces perpendiculares de um corpo paralelipipédico se aplicam forças tangenciais iguais e de sinais contrários, a variação do ângulo entre as duas faces, , é proporcional à grandeza da tensão de cisalhamento em que / , ou, . sendo que a constante de proporcionalidade entre a tensão de cisalhamento e a deformação angular é o módulo de rigidez ou módulo de Coulomb. Estas três leis fazem parte da lei de Hooke generalizada por um sólido actuando por tensões em várias direcções. Reologia dos Tecidos Moles: Viscosidade: Note-se agora a distinção entre um sólido e um líquido: 8 FSII – Módulo 1 Pode dizer-se que um sólido, que está a ser actuado por uma força, vai sofrer uma deformação instantânea, mantendo-se esta deformação enquanto a força estiver a actuar e assim que seja retirada, o sólido volta imediatamente à forma inicial. Agora um líquido, que seja actuado por uma força tangencial, vão estabelecer-se tensões de cisalhamento no interior do líquido sendo assim provocada uma deformação. Enquanto a força actuar, a deformação vai aumentando sempre, dizendo-se que o líquido flui, concluindo-se que a deformação não é instantânea e além disso, como já foi dito, esta vai aumentando progressivamente enquanto a força actuar. Quando esta força é retirada, as partículas livres não voltam à posição inicial. Assim temos a diferença entre um líquido e um sólido. Sempre que há uma tensão de cisalhamento num líquido este flui, podendo dizer-se que para um líquido em condições estáticas, em repouso, vão só existir tensões normais que para um dado ponto são iguais em todas as direcções, esta é a chamada pressão hidrostática ou esforço esférico. A tensão de cisalhamento é proporcional ao gradiente da velocidade que é igual à velocidade com que varia a deformação e que se denomina de velocidade de deformação ou velocidade de cisalhamento. Esta constante de proporcionalidade é a viscosidade. A forma matemática que define o que acabou de ser referido é a lei de Newton para a viscosidade. Como se sabe a viscosidade deve-se à fricção e choques das partículas, ou seja, esta deve-se, e é, no fundo, tudo o que se opõe ao fluir do fluxo, sendo que nos líquidos Newtonianos a viscosidade é constante para qualquer que seja a tensão de cisalhamento. O sangue, por exemplo, não é um líquido Newtoniano, logo a sua viscosidade não é constante. Num plástico, à medida que a tensão de cisalhamento aumenta, este vai adquirindo um comportamento idêntico a um sólido, contudo, a partir de uma determinada tensão chamada tensão de cedência este passa a comportar-se como um fluido. Graficamente, pode referir-se que, caso se tenha uma recta, esta diz respeito a um plástico ideal, mas se graficamente se apresentar uma curva, isso significa que se está perante um pseudo-plástico. Tal como já foi referido, pode dizer-se que o plástico tem um comportamento de sólido elástico até uma dada tensão de cisalhamento (tensão de cedência) e quando esta é ultrapassada, o plástico passa a comportar-se como um fluido.O sangue é considerado um pseudo-plástico. Elementos da viscosidade linear: Falando de materiais viscoelásticos, pode dizer-se que existem modelos explicativos do funcionamento dos corpos. Tal como já foi referido os materiais viscoelásticos têm uma componente elástica e uma componente viscosa. A viscoelasticidade é linear quando as deformações e as velocidades de deformação são pequenas. 9 FSII – Módulo 1 O modelo mais simples, relativo à viscoelasticidade, é o modelo de Maxwell ou fluido de Maxwell. Este é constituído por uma mola helicoidal em série com um amortecedor. Para este modelo a tensão é a mesma nas duas componentes (mola e amortecedor, em que a mola é o elemento básico elástico e o amortecedor é o elemento básico viscoso e que contém um liquido Newtoniano),contudo, a deformação é diferente sendo que para a mola elástica é = E.E’, assim, a deformação total vai corresponder à soma das duas deformações atrás referidas. É também de referir um outro modelo simples, o chamado elemento de Voigt ou sólido de Kelvin, constituído por um elemento elástico em paralelo com um viscoso. Neste caso a tensão é repartida pelas duas componentes (viscosa e elástica), mas a deformação é a mesma para ambas. O sólido de Kelvin tem quase o comportamento de um sólido elástico, só a deformação demora um determinado tempo a atingir o valor final, aproximando-se dele gradualmente. Existem contudo modelos muito mais complicados resultantes da junção dos elementos de Voigt em série ou de Maxwell em paralelo, podendo a última unidade ser constituída só por uma mola em hélice ou um amortecedor. De modelos de três elementos distingue-se o modelo de St. Venant ou de Voigt e o de Maxwell. Estes modelos têm o comportamento parecido com o de um sólido e por isso mesmo denominam-se de sólidos viscoelásticos. Deformação dos materiais viscoelásticos: Se se medir a pressão num pequeno segmento de vaso, ao qual foram retiradas as suas extremidades e no qual posteriormente se injectou um volume extra de sangue, a pressão inicial sobe de uma forma praticamente instantânea, contudo ao fim de algum tempo esta começa a descer exponencialmente sem que nenhum sangue tenha sido retirado, até atingir um valor mais baixo estável. Isto sucede porque o volume de sangue injectado causa uma imediata expansão elástica do vaso, contudo começa a ocorrer depois a fluência (variação da tensão e de deformação) das fibras musculares lisas. Se entretanto, o volume extra for removido, a pressão vai descer instantaneamente para um valor muito baixo. Falando agora, então, na deformação dos materiais viscoelásticos, pode dizer-se que se num corpo viscoelástico for exercida bruscamente uma pequena tensão que se mantém constante, a deformação produzida leva um certo tempo a constituir-se, denominando-se este fenómeno de fluência. De outra forma, se um corpo viscoelástico for constrangido a uma deformação constante, a tensão necessária para a manter diminui com o tempo, chamandose este fenómeno de relaxação de tensão. Porque se na altura de formação de um material viscoelástico, a velocidade de deformação ou a velocidade de variação da tensão forem muito pequenas, a componente viscosa pode ser 10 FSII – Módulo 1 desprezada, considerando-se apenas a componente elástica; assim a elasticidade aparece como um caso particular da viscoelasticidade. Além disso se por outro lado se deixar decorrer um intervalo de tempo suficientemente grande para que a deformação estabilize, aquando de acréscimos de carga aplicados bruscamente, vão ser válidas as leis de elasticidade e o tratamento a efectuar pode ser somente elástico, não tendo informações sobre as propriedades viscosas da substância. As constantes e as curvas de tensão–deformação que se obtêm a partir de dados contendo efeitos elásticos vão ser estáticas em contraste com as que se obtêm a partir de dados contendo efeitos viscoelásticos que vão ser dinâmicas. Artérias: Constituição Geral das Artérias: As paredes arteriais são constituídas principalmente por elastina e colagénio (sendo a elastina muito mais elástica que o colagénio) materiais viscoelásticos e o músculo liso que é essencialmente viscoso sendo estes os responsáveis pela sua mecânica. As artérias são constituídas por três camadas: íntima (camada interna), média e adventícia (camada externa). A intima é delimitada pelo endotélio (que é uma camada monocelular que “forra” o interior da artéria) do lado luminal e pela lâmina elástica interna do lado exterior (é a camada de fibras elásticas); a média é limitada pela lâmina elástica interna de um lado e pela lâmina elástica externa do outro e consiste em numerosas camadas de músculo liso (a espessura da média tem a ver com a sua localização anatómica); a adventícia ou camada externa é limitada pela lâmina elástica externa e pela superfície exterior da artéria, esta consiste em grandes quantidades de tecido conjuntivo (principalmente fibras de colagénio) numerosos capilares, vênulas, arteríolas e nervos. À medida que as artérias se vão afastando do coração, vão ficando mais musculosas, aumentando assim a percentagem de músculo liso na parede arterial, pode dizer-se ainda que este é essencialmente de esforço não tendo qualquer elasticidade. O músculo liso é o responsável pelo chamado Tónus (consistência) da artéria, ocorrendo devido a uma ligeira contracção do músculo. As células das artérias podem segregar todos os principais componentes da matriz do tecido conjuntivo, incluindo vários tipos de colagénio, proteínas das fibras elásticas de elastina e protoglicanos, sendo estes responsáveis pela formação de lamelas elásticas na parede arterial durante o crescimento e o desenvolvimento. A aorta é classificada como artéria elástica pois contém uma componente elástica muito grande, sendo a sua média constituída por várias lamelas de músculo liso separadas por lâminas elásticas, havendo, tal como já foi referido, uma percentagem de material elástico muito superior à do viscoso (chegando a ter cerca de vinte lamelas). Assim, diz-se que a percentagem de músculo liso 11 FSII – Módulo 1 em relação à parte elástica vai aumentando, tornando as artérias mais viscosas e pouco elásticas, sendo assim, as pequenas artérias são mais viscosas e pouco elásticas, desta forma as arteríolas são, praticamente, só constituídas por músculo, não apresentando parte elástica Tensões nas artérias: As artérias cheias de sangue vão estar constantemente sujeitas a tensões provocadas por este, pois o sangue vai exercer pressão sobre as paredes da artéria, provocando desta forma, tensões nas paredes arteriais. A diferença entre a pressão no interior e no exterior da artéria denomina-se de pressão transmural. Estas tensões traduzem-se numa tensão circunferêncial (mais importante do ponto de vista clínico), uma longitudinal e uma radial, variando estas tensões ao longo do ciclo cardíaco (são pulsáteis). Todas elas são tensões normais. Existe uma relação entre pressão transmural num dado momento e a tensão circunferêncial, esta é dada pela lei de Laplace para um cilindro. Assim, para as artérias delgadas tem-se: T = PR. ; = PR / h em que é a tensão (força de unidade de superfície) e T é a tensão considerando a artéria infinitamente delgada (força por unidade de comprimento circunferêncial), P é a pressão e h é a espessura da parede (quando, correntemente, se diz que se vai ou se está a medir a tensão arterial é errado pois aquilo que é susceptível de ser medido é a pressão arterial, a tensão é calculada e não medida). Deformação das paredes arteriais: As artérias e em geral os tecidos moles podem sofrer grandes deformações, as quais não obedecem à lei de Hooke. As artérias tornam-se mais rígidas quando a tensão ou deformação aumenta, ou seja, o módulo de elasticidade vai sendo cada vez maior à medida que a deformação aumenta. O módulo de elasticidade denomina-se módulo tangencial ou módulo incremental, porque só é válido para um pequeno incremento de deformação, este varia linearmente com a tensão. Quando se indica o módulo de elasticidade de uma artéria, é necessário referir para que tensão ou para que deformação. Se as artérias ficarem muito deformadas estas ficam muito rígidas. Um outro módulo importante nas deformações das paredes arteriais é o modulo da rigidez arterial, este varia linearmente com a pressão. O índice de elasticidade arterial é dado pela inclinação () da recta que traduz a variação da rigidez com a pressão: dP/d=P+d em que se denomina índice de rigidez arterial e quanto maior for , mais rígidas se tornam as artérias à medida que a pressão aumenta, ou seja, as propriedades elásticas das artérias diminuem. Quando aumenta o volume pelo aumento da 12 FSII – Módulo 1 pressão da artéria entra mais sangue nesta (C=dV/dP), tendo-se expansibilidade arterial. Pela fórmula acima indicada, vê-se que se para uma dada variação de volume, a variação de pressão for elevada, a capacitância vai ser menor, ou seja, isto significa que as propriedades elásticas da artéria são piores. Quando as propriedades são boas, as artérias dilatam facilmente e não há grande aumento de pressão, logo existe uma grande capacitância arterial. Pode falar-se também de expansibilidade específica quando temos a capacitância por unidade de volume da artéria e esta é dada por C e=dV/(V.dP) em que V é o volume inicial do vaso. Relativamente ao módulo de elasticidade pode, ainda, referir-se que a contracção ou relaxamento do músculo liso tem influência sobre este, assim, a contracção do músculo liso aumenta-o, ou seja, aumenta a rigidez arterial, logo o relaxamento do músculo liso vai ter o efeito contrário. Alteração da parede arterial com a idade: - Os vasos com a idade vão aumentando progressivamente de diâmetro arterial e de comprimento, ou seja, a espessura das suas paredes também aumenta, de maneira que ficam tortuosas, isto acontece porque as artérias ao longo da vida continuam a crescer enquanto o corpo não. Por exemplo, o aumento da área da aorta toráxica com a idade, é maior nos homens que nas mulheres. - Do ponto de vista físico as modificações mais importantes ocorrem nas fibras e lâminas elásticas que são os principais responsáveis pela elasticidade dos vasos. As fibras e lâminas elásticas perdem o aspecto ordenado e adelgaçam, desfazem-se e fragmentam-se. A degeneração das fibras de elastina (mais elásticas) está associada com um aumento de fibras de colagénio (mais rígidas). Na camada íntima das artérias dá-se um aumento importante do tecido conjuntivo entre as células endoteliais e a lâmina elástica interna. Todas estas modificações são atribuídas a efeitos de fadiga, devido às tensões pulsáteis que actuam durante um longo período de tempo, na parede arterial. Pode dizer-se ainda que a expansibilidade arterial diminui com a idade. Doenças da Parede Arterial: Existem essencialmente duas doenças que alteram a elasticidade da parede arterial: a arteriosclerose e a aterosclerose. Arteriosclerose – nesta doença os efeitos na parede arterial são os mesmos do envelhecimento, contudo mais exagerados. Pensa-se que esta resulta de tensões pulsáteis demasiado elevadas na parede arterial durante um longo período de tempo. (Ex.: hipertensão) Aterosclerose – esta doença pensa-se que é devida à disfunção ou lesões do endotélio, contudo ainda não se têm certezas quanto à sua origem. Assim, pode dizer-se que por razões diversas o músculo liso prolifera, perdendo assim a parede arterial a sua elasticidade. Esta é uma das principais causas de morte 13 FSII – Módulo 1 na sociedade ocidental. Quando ocorre nas artérias coronárias pode dar origem ao enfarte do miocárdio. 14