Diante da recessão e do ambiente de incertezas em que a política brasileira permaneceu, um dos principais indicadores da capacidade produtiva do país foi comprometido. Em 2016, a maioria das empresas com capital aberto cortou seus investimentos. De uma relação de 20 empresas com maior participação no Ibovespa, o principal índice da bolsa de valores brasileira , 11 reduziram o volume investido em relação ao ano anterior, segundo levantamento da agência de classificação de risco brasileira Austin Rating feito a pedido do G1. (Foto: Arte/G1) “É um movimento normal considerando que a economia brasileira já apresentava perda de fôlego desde 2014. Aliado a esse cenário, também houve todo o processo de impeachment que paralisou o ambiente político e adiou potenciais investimentos em virtude das incertezas sobre a gestão pública e da política econômica em curso, com destaque ao elevado nível de endividamento do país”, disse o economistachefe da agência, Alex Agostini. A queda nos investimentos impacta no cálculo do Produto Interno Bruto do país. Em 2016, os investimentos caíram 10,2%, na terceira queda anual consecutiva, e contribuíram para a retração de 3,6% na economia brasileira. Segundo o IBGE, a queda dos investimentos se explica pela queda da produção interna e da importação de bens de capital. A taxa de investimento no ano de 2016 foi de 16,4% do PIB e ficou abaixo da registrada em 2015, de 18,1%. Conforme informou o IBGE, esse é o menor número da série histórica, que teve início em 1996. Principais retrações De acordo com o levantamento da agência de rating, entre as 20 empresas, o recuo mais expressivo partiu da Fibria Celulose, a maior fabricante de celulose de eucalipto do mundo. Em um ano, a companhia reduziu seus investimentos em 21%, de R$ 13,8 bilhões para R$ 11,68 bilhões. Na sequência, aparece a JBS, a maior processadora de carne bovina. A queda foi de quase 17% de 2015 para 2016: de R$ 19,53 bilhões para R$ 14,92 bilhões. “Todas as empresas, no geral [públicas ou privadas] se veem mais obrigadas a cortar investimentos]. Apesar da mudança de perspectivas futuras, o ciclo de corte de juros ainda não atingiu seu ápice [na última reunião do Comitê de Política Monetária, a Selic foi reduzida a 12,25% ao ano] a ponto de reaquecer a economia. E ainda existem aprovações de reformas importantes para a economia que estão pendentes no Congresso”, afirmou Jason Vieira, economista da Infinity Asset. Para o professor de economia das Faculdades Integradas Rio Branco Ivan Lucon Jacob, o impacto é maior entre as empresas diretamente ligadas a atender o setor público. “E aqui não há diferença entre empresa pública ou privada, porque veja: tanto Petrobras quanto empreiteiras tiveram que cortar investimentos e até vender ativos para continuar operando.” (Foto: Editoria de arte/G1) No topo dessa lista das companhias com maior participação na bolsa brasileira estão Vale (13,1%) e Petrobras (11,1%). Ambas registraram redução no volume de investimentos, de R$ 127,52 bilhões para R$ 120,42 bilhões (-5,6%) e de R$ 115,54 para R$ 102,51 bilhões, respectivamente. Independentemente do tamanho da participação da empresa no Ibovespa, entre uma lista mais ampliada, de 52 empresas, as que mais reduziram o volume de investimentos de 2015 para 2016 foram Ecorodovias (-41,3%) e BRF (-28,2%). Empresas públicas sofrem mais Para os economistas, as empresas que mais sentiram a crise e tiveram que rever os seus investimentos são as públicas - e muitas delas não têm capital aberto. “Atualmente, a redução é maior nas [empresas] públicas, dada a restrição fiscal. Com o governo sofrendo queda expressiva na arrecadação, as estatais e empresas de economia mista tendem a utilizar o caixa gerado - muitas vezes pela venda de ativos - para o pagamento de dívidas, já que o controlador não tem recursos para aporte de capital. As empresas privadas tendem a ter controladores que possam fazer aportes de capital, sobretudo se forem estrangeiros”, comentou Paulo Gomes, da Azimut Brasil Wealth Management. Além da recessão, o envolvimento de grandes grupos empresariais nos esquemas de corrupção investigados pela Operação Lava Jato também pesaram sobre as decisões de investimento. “As empresas envolvidas nos escândalos têm peso muito grande na economia, tanto pelo porte quanto pela capacidade de 'puxar' fornecedores ou outras empresas. Como os acordos de leniência não foram assinados, algumas dessas empresas foram impedidas de continuar atendendo o setor público, grandes clientes delas", disse o professor de economia das Faculdades Integradas Rio Branco Ivan Lucon Jacob. PIB O maior reflexo dessa queda generalizada dos investimentos pode ser observado no resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2016, que registrou uma retração de 3,6%, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta terça-feira (7). De 2014 para 2015, a retração na formação bruta de capital fixo (que são os investimentos em produção) foi de 14% - atribuída, na ocasião, principalmente à queda da produção interna e da importação de bens de capital. De 2015 para 2016, a baixa foi de 10,2%. “Os investimentos são o motor da economia ao lado do consumo. Como essas variáveis foram afetadas pelo cenário econômico, o que vemos mais uma vez é a economia encolher. Nem em plena segunda guerra mundial o Brasil sofreu tanto”, afirmou o professor de economia das Faculdades Integradas Rio Branco. Segundo o professor, os últimos anos de recessão criaram uma capacidade ociosa na economia brasileira que vem impossibilitando a retomada via investimento privado. “Para que vai se investir no aumento da capacidade se existe ociosidade na oferta e demanda retraída? Isso sem falar no custo do crédito, que afeta os dois lados, e embora venha em movimento de queda ainda apresenta níveis altíssimos para uma economia que precisa se reerguer.”