apresenta Filmografia de Federico fellini (1920-1993) 1950 1952 1953 1953 1954 1955 1957 1960 1962 1963 1965 1968 1969 1969 1970 1972 1973 1976 1978 1980 1983 1986 1987 1990 Mulheres e Luzes Abismo de um Sonho Os Boas-Vidas O Amor na Cidade A Estrada da Vida A Trapaça As Noites de Cabíria A Doce Vida Boccaccio 70 Fellini Oito e Meio Julieta dos Espíritos Histórias Extraordinárias Block-notes di un Regista (TV) Fellini – Satyricon Os Palhaços Roma de Fellini Amarcord Casanova de Fellini Ensaio da Orquestra Cidade das Mulheres E la Nave Va Ginger & Fred Entrevista A Voz da Lua o 3 - Edição n 35 20 de Dezembro de 200 Roma de Federico Fellini Convidado: Carlos Augusto Brandão (pesquisador e crítico de cinema) Mediação do Debate: Eduardo Valente e Ruy Gardnier Programação e Produção: Grupo Estação e Contracampo. Realização www.estacaovirtual.com Colaboração www.contracampo.he.com.br Sinopse Um passeio pela capital italiana ao encontro de sua arquitetura, de suas personalidades, de seus moradores e seus hábitos, de seus mistérios subterrâneos, de sua vida noturna trepidante. Tudo sob o olhar clínico e peculiar do famoso diretor, que mistura passagens autobiográficas com cenas da Roma de 1972. Roma - Itália, 1972, cor, 128' Direção e Roteiro: Federico Fellini Fotografia: Giuseppe Rotunno Montagem: Ruggero Mastroianni Música: Nino Rota Produção: Turi Vasile Elenco: Peter Gonzáles (Fellini aos 18 anos), Fiona Florence (jovem prostituta), Britta Barnes, Pia De Doses (Princesa Domitilla), Marne Maitland, Renato Giovannoli, Elisa Mainardi, Raout Paule, Anna Magnani, Dennis Christopher, Gore Vidal, Alberto Sordi, Marcello Mastroianni, Federico Fellini. A ROMA IMAGINÁRIA DE FEDERICO FELLINI O filme de 1972, que dá continuidade ao trabalho memorialístico do cineasta, está de volta. O título oficial em inglês ficou sendo Fellini's Rome – a Roma de Fellini – e há algo de depreciativo nele. Quer dizer que a visão do diretor sobre sua cidade é tão pessoal, tão extravagante que talvez nada tenha a ver co a Roma real. Como os latinos (ainda) não fomos totalmente contaminados pelo ideal objetivista anglo-saxão, podemos tomar a crítica deles como elogio para nosso uso. E, de fato, nesse falso documentário de 1972, Fellini viu mesmo a sua Roma. Ela é tanto mais verdadeira e universal quanto mais subjetiva for a maneira de retratá-la. Roma não é a cidade natal do cineasta, originário de Rimini. É sua cidade de adoção. Foi para lá que ele se mudou, jovem provinciano dotado de imaginação privilegiada, tentando ser jornalista, depois caricaturista de jornal, até se encontrar em Cinecittà. Assim, a cidade é aquele depósito imaginário das aspirações de alguém de fora, que lá chegou e foi adotado. Roma é a mãe cruel. Nessa Roma de Fellini há ecos dos tempos do fascismo e da época contemporânea do filme, isto é, início dos anos 70. O diretor, como de hábito, alterna o sublime e o grotesco, como se essas duas categorias, isoladas, não fizessem sentido para ele. Relembra, de forma quase alucinatória, os famosos bordéis romanos dos tempos da guerra. Sente-se, de maneira quase carnal, o caráter intimidatório daquelas prostitutas desbocadas e poderosas. É como o rapaz do interior, tímido e deslocado, deve ter se sentido naquelas notórias casas de tolerância. Casas do pecado na terra do papa, na sede da religião. Pecado, luxúria, e, por outro lado, a onipresença da fé, como ele já havia registrado na primeira (e genial) cena de A Doce Vida, com a estátua de Cristo sobrevoando a cidade. É o lugar do sagrado e do profano. Mas mesmo o sagrado pode cair na derrisão como no desfile de moda eclesiástica, que tanta dor de cabeça custou a Fellini. De fato, ficava difícil explicar que aquela gozação nada tinha de anticlerical, ainda mais porque substituía, com vantagem, mais de mil discursos sobre a riqueza, a vaidade, a pompa e a circunstância da Igreja. Rindo, se castiga melhor os costumes, como sabiam os antigos. A Roma de Fellini é um objeto estranho, pousado entre as sete colinas, construída sobre diversas camadas superpostas de civilização, dos etruscos aos romanos de hoje, malucos clínicos no trânsito. Há um dado real: a dificuldade de o metrô romano avançar, pois a cada vez que se fura um túnel dá-se de cara com novo tesouro arqueológico. Fellini vê essa Roma antiga com infinita ternura naquela que seja, talvez, a mais bela e a mais triste das cenas do filme quando os murais belíssimos, pintados há dois milênios, começam a se desvanecer no contato com o ar. É como se o mundo antigo finalmente fosse sendo apagado da memória coletiva da cidade, ainda que em Roma, mais do que em qualquer outra cidade do mundo, eles continuem como signos visíveis para qualquer pedestre. Fellini fala um pouco dessa sobrevivência do paganismo que avança sobre a civilização cristã e se apaga na medida em que tudo vai sendo laicizado. Tanto o resto pagão quanto a poderosa Igreja Católica, que cedem lugar para a suposta racionalidade da vida moderna. A Roma imaginária, múltipla, secreta em seus subterrâneos e suas lembranças, entra em ritmo contemporâneo com seus motoqueiros correndo pelas ruas e hippies sendo espancados em Santa Maria de Trastevere. É curioso como esta Roma, de 1972, se conecta com aquela outra, de 1969, o mundo pagão de Satyricon, baseado em Petrônio. Neste filme, Fellini ia em busca daquela cultura desaparecida e que só tem existência para os modernos por meio de traços: ruínas ou o próprio texto de Petrônio, escrito no primeiro século da era cristã. Numa das cenas, os personagens que o espectador havia acompanhado durante a história, Ascilto, Giton, Trimaxião, são representados por afrescos numa parede em ruínas. Em Roma, é o próprio mundo moderno que se propõe como ruína potencial. Por isso o filme é tanto homenagem como exéquias de uma cidade. Nada menos que brilhante. Luiz Zanin Oricchio