Microcrédito - AMU - Cooperação e Solidariedade Lusófona por um

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Cidadania: Economia Social - Microcrédito
Como mandar a pobreza para o museu: a extraordinária experiência do inventor
do microcrédito, Muhammad Yunus
“Microcrédito: um contributo para a paz”: o Prémio Nobel da Paz em conferência
em Lisboa
Helena Pinto janeiro – membro Conselho Geral da AMU
“O lugar da pobreza é no museu”. Ou seja, um sítio onde possamos um dia levar os
nossos filhos para lhes mostrar como viviam as pessoas pobres pois, como a pobreza
foi erradicada, esse é um mundo que já não lhes é familiar. Ao contrário do que
poderíamos pensar, quem nos desafia a imaginar um mundo assim, sem pobreza, não
é um lunático mas sim um banqueiro com os pés bem assentes na terra que mudou a
vida de vários milhões de pessoas com uma daquelas ideias que fazem a história: o
microcrédito. O seu nome é Muhammad Yunus e ganhou em 2006 o Prémio Nobel da
Paz, em conjunto com o Banco Grameen, cujos 7.500.000 invulgares acionistas, todos
clientes do banco e todos pobres, foram representados em Oslo por uma mulher pobre
do Bangladesh.
Muhammad Yunus esteve na Fundação Gulbenkian em Lisboa onde, em março de 1997, deu uma conferência a vários
títulos memorável. A ouvi-lo, uma sala à pinha de pessoas das áreas social e da cooperação para o desenvolvimento,
banqueiros e bancários céticos e menos céticos, gente de todos os tipos. E jovens, muitos jovens, ávidos de motivos
para ter esperança. Rui Vilar, anfitrião da conferência, visivelmente emocionado, prenuncia algo do que se vai seguir,
confessando que, depois de ouvir Yunus ao longo desse dia, se vira obrigado a rever, numa escala de 180º, toda a sua
vida profissional passada na banca. O que, vindo da parte do presidente de uma das maiores fundações culturais da
Europa e antigo presidente do maior banco português, não é coisa pouca.
E o que disse de tão especial assim o convidado vindo do Bangladesh falando de improviso durante quase duas horas
numa sala onde não se ouvia uma mosca? Com uma simplicidade desconcertante, contou-nos como, depois de
constatar a quase completa inutilidade das teorias económicas que ensinava na universidade para acudir à fome
extrema que grassava no seu jovem país, resolveu visitar uma aldeia e ajudar uma pessoa concreta, durante um dia
concreto. Conheceu então uma artesã de bancos de bambu que, por não dispor de 25 cêntimos para comprar a
matéria-prima para o seu trabalho, estava nas mãos do agiota a quem era obrigada a vender os produtos que
confecionava, pelo preço por ele estipulado. Foi com estupefação que o professor de Economia descobriu quão irrisória
era a quantia capaz de tirar esta mulher do regime de quase escravidão em que se encontrava. Resistiu ao impulso de
lhe dar o dinheiro do seu bolso e começou então uma longa e desgastante batalha junto dos bancos para os convencer
a fazerem microempréstimos aos pobres. Em vão: por os considerar indignos de crédito, o sistema bancário tradicional
condenava os mais pobres dos pobres a permanecer na miséria.
Foi então que Yunus, depois de emprestar do seu próprio dinheiro e depois de se apresentar como fiador dos pobres
em empréstimos concedidos a conta-gotas e a contragosto pelo sistema bancário tradicional, resolveu o problema
criando o seu próprio banco, o Banco Grameen (“o banco da aldeia”) com regras que são quase o reverso espelhado
das normas dos bancos convencionais. Ao invés de exigir garantias, o novo banco funciona com base na confiança. Ao
invés de emprestar dinheiro maioritariamente aos homens, o banco empresta dinheiro maioritariamente às mulheres. Ao
invés de emprestar dinheiro a quem já tem dinheiro, os empregados do banco procuram expressamente quem não tem
dinheiro. E para verificação da pobreza usam uma extensa lista onde constam critérios de exclusão como viver numa
casa com mais de um compartimento, ou ter alguma mobília nesse compartimento... Em ambos os casos, significa que
o pobre não é suficientemente pobre e logo não serve para cliente do banco.
Resultados? Contra todas as expectativas ditas realistas, o Banco Grameen não só não foi à falência como obteve
taxas de sucesso superiores às dos bancos convencionais. A par do sucesso comercial, que, após décadas de
hostilização, começa a chamar a atenção também dos outros bancos, interessados nesse novo nicho de mercado, há o
sucesso humano. Sete milhões e meio de clientes saíram da miséria extrema e recuperaram a sua dignidade e a das
suas famílias. Como 97% deles são mulheres, deu-se uma revolução social silenciosa que mudou radicalmente o
estatuto das mulheres no Bangladesh. E a taxa de declínio da pobreza neste país tem sido de tal maneira espetacular
que o Bangladesh está em vias de atingir o primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (reduzir a pobreza
extrema e a fome para metade até 2015) na data prevista ou mesmo antes. Assim, quando Muhammad Yunus afirma
que não há nenhuma razão válida pela qual uma pessoa deva permanecer pobre e desafia a audiência de Lisboa a
imaginar um mundo sem pobreza e trabalhar para esse fim, não admira que a sala responda com uma ovação
estrondosa, de pé.
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