Aula Desgravada de Fisiologia de Sistemas Data: 26 de Outubro de 2005 Professor: Carlos Neves Tema: Sistema Respiratório e Pulmão Transcrição por: Jorge Beira, Helena Ferrão e Ângela Chan Um dos objectivos finais do sistema ventilatório é a regulação da pressão parcial de oxigénio e dióxido de carbono. No entanto há que considerar que, no pulmão (que precisa de ser irrigado) para além de efectuar as trocas gasosas, há duas circulações: a circulação pulmonar (ou pequena circulação) e uma circulação arterial normal, que serve para nutrir o pulmão como órgão (tal como acontece com o fígado, o intestino, a pele, etc.), que provém de uma ramificação da aorta. É interveniente na circulação pulmonar, onde as pressões parciais de oxigénio e dióxido de carbono são inversas às da circulação sistémica. Do ventrículo direito sai a artéria pulmonar, que ramifica nas artérias pulmonares direita e esquerda (que entram no pulmão respectivo). As veias pulmonares fazem a colecta de sangue de ambos os pulmões e entram na aurícula esquerda (aí o sangue vai para o ventrículo esquerdo, e é depois bombeado pela aorta). O pulmão possui um sistema de drenagem, que é o sistema de drenagem linfática pulmonar. O líquido que entra na parte arterial e não sai na terminação venosa (está em excesso) é drenado pelos capilares. Eles são, assim, um óptimo mecanismo de defesa, porque têm muitos filtros para substâncias estranhas ao organismo. O pulmão tem ainda outra função importante: manter a pressão intra-pleural negativa. O sistema linfático no pulmão funciona como uma espécie de bomba de vácuo. Do ponto de vista funcional, o pulmão não serve só para facilitar as trocas gasosas. Colabora na hematopoiese, regulando a produção de eritrócitos, leucócitos e plaquetas. Tem ainda uma grande capacidade citrinolítica, ou seja, tem um sistema enzimático muito activo, que permite a degradação de fibras de tecido conjuntivo. Também tem uma função importante na troca de líquidos. Uma outra função, um pouco menos importante, na adaptação à temperatura: pode ser fundamental para adaptação do Homem em condições extremas (em altitude ou durante o exercício). A manutenção do equilíbrio ácido-base também é regulada em parte pelo pulmão. Se tiver capacidade de regular a concentração de um dos gases fundamentais (por exemplo CO2), tem capacidade de regular o pH, já que o CO2 com a água dá H2CO3, que se desdobra em H+ e HCO3-. Então, consoante a deslocação do equilíbrio, aumentando ou diminuindo a concentração de CO2, consegue-se indirectamente regular a concentração de protões (H+) no sistema e, consequentemente, o pH. O pH também é regulado pelo Rim. São estes os dois órgãos mais importantes na regulação do pH: o pulmão e o rim. O tampão das substâncias do sangue também permite regular o pH. Relativamente às funções do sistema respiratório na hematopioese, temos que os glóbulos vermelhos vão transportar oxigénio e dióxido de carbono. Assim, a eritropoiese vai ser estimulada quando há déficit de oxigénio no organismo. Por isso,um dos centros de estimulação da eritropoiese vai ser o pulmão, já que ele tem a capacidade de analisar a quantidade de eritrócitos e a concentração parcial de oxigénio no organismo. Se a concentração parcial de oxigénio for baixa, o pulmão envia para o sistema uma informação para produzir mais eritrócitos. Por outro lado, quer os leucócitos, quer as plaquetas podem ser armazenadas no pulmão. Pode afirmar-se que outra função do pulmão é o armazenamento de substâncias do sangue, como leucócitos e plaquetas. Interfere bastante na regulação fibrinolítica e de fibras de colagénio: no pulmão há produção ou degradação destas. Por exemplo, nalguns tipos de fumadores, como a nicotina vai inibir a formação de colagénio, vai predominar a acção fibrinolítica. Nos fumadores há maior capacidade fibrinolítica, que em casos extremos leva à digestão do próprio pulmão. Ao nível dos alvéolos, existe transporte de dióxido de carbono e oxigénio através da membrana. No entanto, o alvéolo tem maioritariamente no seu interior água. Então a tensão superficial leva a que os alvéolos tendam a colapsar. Para que tal não aconteça, é produzida uma substância que diminui a tensão superficial e os alvéolos não colapsem. Quando uma pessoa produz poucos surfactantes, isto é incompatível com a vida. Em recém-nascidos, isto faz com que tenham pouca capacidade respiratória porque não podem expandir muito o pulmão. O débito cardíaco é cerca de 5 L. Esta quantidade é distribuída para todo o organismo mas, como ambos os lados do coração funcionam ao mesmo tempo, e no pulmão o território é muito mais reduzido comparando com o resto do corpo (para onde o sangue vai, bombeado pelo lado esquerdo do coração), logo a regulação de substâncias é feita por excelência na pequena circulação. São reguladas muitas substâncias, como por exemplo a angiotensina I (que é activada, em angiotensina II). Esta hormona ngiotensina I vai ser produzida no aparelho justa-glomerular do rim, em resposta a outra substância (a renina), que vai para todo o organismo e a nível do pulmão é que é activada em angiotensina II. Portanto, é no pulmão que se dá a activação desta hormona, que é importante para a vasoconstrição. É também no pulmão que vão ser inactivadas uma série de substâncias radioactivas, como por exemplo a norepinefrina. A barreira alvéolo-capilar é onde se realiza a perda de dióxido de carbono e ganho de oxigénio. No caso dos mineiros, o pó da mina de carvão que é inalado fixa-se nesta membrana alvéolo-capilar. Essas pessoas têm grandes dificuldades em realizar trocas gasosas entre os alvéolos e os eritrócitos. À pressão atmosférica, a PO2 é cerca de 160 mmHg e a PCO2 é 10,3 mmHg. Dentro do alvéolo, a PO2 é 105 mmHg e a PCO2 é 40 mmHg. Na circulação sistémica, o sangue vai do ventrículo esquerdo para a aorta e é enviado para todas as áreas do corpo. Depois de realizadas as trocas entre o sangue e o líquido intersticial (O2 difunde-se para os tecidos e CO2 das células para o sangue), as vénulas colectam o sangue dos capilares e unem-se, gradualmente, formando veias progressivamente maiores. O sangue, agora venoso, entra pelas veias cavas, na aurícula direita, com uma pressão de CO2 de cerca de 40mmHg. A origem do dióxido de carbono é o metabolismo celular, nomeadamente das mitrocôndrias. Da aurícula direita, o sangue passa para o ventrículo direito e sai pela artéria pulmonar, que se ramifica em duas artérias (direita e esquerda) até aos alvéolos. Neste caso, pequena circulação, em vez de sangue arterial tem-se sangue venoso com PCO2 igual a 46mmHg e PO2 igual a 40mmHg. Nos alvéolos há uma troca gasosa com a saída de CO2 para dentro do alvéolo e a entrada de O2 para os capilares sanguíneos. A troca de gases ocorre ao nível da membrana alveolar. CO2 A capacidade de difusão do CO2 nas membranas biológicas é muito superior à do O2. Assim, as diferenças de pressão necessárias para causar a difusão do CO2 são bem menores que as diferenças de pressão necessárias para determinar a difusão de O2. A capacidade de difusão mais rápida do CO2 deve-se ao facto de ter carbono (constituinte celular) na sua composição. A nível dos tecidos periféricos: - 7% do CO2 é transportado no sangue em estado dissolvido; - 70% do CO2 reage com H2O formando H2CO3. Esta reacção é acelerada por uma enzima denominada anidrase carbónica. O H2CO3, por sua vez, dissocia-se em iões H+ (que se combinam com a hemoglobina (HHb)) e iões HCO3- (que se difundem para o plasma). - 23% do CO2 reage directamente com radicais amino da molécula de hemoglobina, formando um composto designado carboxiemoglobina (CO2Hb). Imagine-se agora um indivíduo a hiperventilar. Quando isto acontece, como o CO2 é mais difusível que o O2, perde-se mais CO2. Assim, a equação desenvolve-se no sentido de consumir o H+ do sistema. A nível dos capilares pulmonares: - O H+ dissocia-se da hemoglobina, reage com iões HCO3- formando o CO2 que do plasma passa para o alvéolo, e do alvéolo vai para o ar expirado. - O CO2 dissocia-se da hemoglobina fazendo o mesmo trajecto. Se, por outro lado, se tiver muita carboxiemoglobina, a hemoglobina fica saturada em moléculas de CO2 e, portanto, não pode transportar O2. No caso dos fumadores, tem-se mais carboxiemoglobina e menos hemoglobina disponível para transportar O2. Assim, há aumento de produção de hemoglobina para usar CO2 a nível celular só que dentro dessa hemoglobina uma percentagem está a bloqueada pelo CO2. Ora, uma maneira eficaz de matar uma pessoa é bloquear lhe a hemoglobina, promover a ligação da hemoglobina, não com o CO2 mas, com o CO que forma uma ligação covalente muito difícil de destruir. Se se “encharcar” um indivíduo com CO, este deixa de ter hemoglobina para transportar O2 e morre quase sem vestígios de envenenamento. Era o que acontecia, por exemplo, com pessoas que tinham braseiras. As braseiras consomem o O2 todo e libertam CO. A mesma situação para os esquentadores na casa de banho ou os fornos antigos (dos quais se conhece tantos exemplos de suicídio). O2 A nível dos capilares pulmonares: - 97% do transporte de O2 dos pulmões para os tecidos ocorre em combinação química com a porção heme da hemoglobina (que é um transportador específico composto fundamentalmente por ferro), formando a oxiemoglobina; - 3% dissolvido no plasma. Ao nível dos tecidos periféricos: - o O2 vai dissociar-se da hemoglobina que vai atravessar as paredes capilares dos tecidos para dentro das células. A unidade funcional do pulmão é o conjunto: alvéolo, membrana alvéolo-capilar (com ar) e capilar funcional (com sangue). Pode-se ter, no entanto, regiões onde se tem ar e não tem sangue e vice-versa (neste caso não funciona a unidade alvéolo-capilar). Quando uma pessoa tem uma crise de asma, ou infecção pulmonar, tem uma grande secreção de líquidos, dentro do pulmão ou da árvore tráqueo-brônquica. São secreções que se vão acumular, infectando alguns alvéolos. Quando os alvéolos não são funcionais, ou são parcialmente funcionais, devido à ausência ou à insuficiência de fluxo sanguíneo, através dos capilares pulmonares adjacentes, são chamados de espaço morto fisiológico. Existe também o espaço morto anatómico que corresponde ao espaço nas vias aéreas onde não ocorre qualquer troca gasosa, como o nariz a faringe e a traqueia. [Atenção a gráfico] Na circulação sistémica tem-se um regime de altas pressões: uma pressão média de 100mmHg, uma sistólica de 120mmHg e diastólica de 80mmHg. No sistema pulmonar, há pressões muito mais baixas, da ordem de ¼ do anterior. A pressão média de 15mmHg implica que o sistema pulmonar tenha uma rede capilar extremamente desenvolvida de modo a aguentar toda a quantidade de sangue que vai para o sistema arterial esquerdo. Nos alvéolos é necessária a existência de alvéolos capilares muito finos e um sistema de pressões não muito elevadas para que haja trocas gasosas, caso contrário, o sangue passar-se-ia para dentro desses alvéolos. A pressão na arteríola sistémica é cerca de 30 mmHg enquanto na arteríola pulmonar é cerca de 12mmHg, portanto tem muito menos pressão. (pergunta não audível) Imaginem que eu estou em pé. Se estiver em pé a minha pressão hidrostática vai depender do sítio onde eu estou. Na minha unidade alvéolo-capilar as pressões de sangue nas unidades capilares, quer eu esteja em baixo, a meio ou num qualquer sítio, são muito grandes. Assim, a nível da unidade alvéolo-capilar há situações em que eu tenho uma grande pressão dentro do alvéolo e que vai colapsar a membrana alvéolocapilar. A meio do pulmão eu tenho uma região (…) e que depende do ciclo respiratório. Tenho também outras regiões onde a pressão capilar é sempre superior à pressão alveolar. Do ponto de vista de fisiologia normal o que acontece ao pulmão é só a situação que está na zona 3 e a situação que está na zona 2 em situações normais (acetatos). Em situações normais a possibilidade que está na zona 1 que é o pulmão ser ventilado e não ser prefundido, por excesso de pressão alveolar, não ocorre em situação normal. As situações normais são a 3 e a 2. Na situação 2 temos os ciclos ventilatórios, se eu estiver no final da inspiração ou se estiver no final da expiração. Portanto, do ponto de vista funcional, o que me interessa para saber se o pulmão está a funcionar bem ou não; é qual a relação entre a ventilação e a prefusão. Um dos métodos de estudo da ventilação – prefusão, foi desenvolvido por uma equipa portuguesa e utilizavam marcadores radioactivos. (pergunta e resposta não audível) Agora imaginem que na aurícula esquerda, válvula auriculo-ventricular, tenho uma estenose. O que é que vai acontecer à pressão na aurícula esquerda? (estenose é um estreitamento) Sobe, aumenta. Sobe também a pressão pulmonar. Como a pressão arteriolar deste lado é muito baixa, quando sobe ligeiramente a pressão, o líquido intersticial vai para dentro do alvéolo. Com líquido nos alvéolos, estes não funcionam, não há trocas gasosas, diminui a oxigenação tecidolar no organismo em geral (as pessoas ficam roxas cianozadas). Quando há liquido nos alvéolos a auscultação pulmonar é semelhante a uma panela com água a ferver. Quando há uma estenose na aorta, aumenta a pressão na aurícula e no ventrículo esquerdo, aumenta a pressão pulmonar, aumenta a pressão aurículo-ventricular direita, etc… é o que numa crise hipertensiva se chama de edema agudo do pulmão (EAP). Relativamente à relação do pH (a das mais tarde) mas para terem uma ideia, eu regulando a concentração de dióxido de carbono e a concentração de H+ no organismo, consigo desviar o sistema no sentido de alcalose ou acidose. Por último, mas não por fim… Nós conscientemente podemos regular a ventilação, logo tem de haver uma via que vai do córtex para os núcleos de respiração que se encontram no tronco cerebral em que vai dar uma ordem para ele não respirar, tem de haver uma via consciente para isso. No entanto, quando eu mando o meu sistema não respirar, eu estabeleço um determinado limite. A partir daí há um outro sistema qualquer que se sobrepõe ao meu sistema consciente, para eu começar a respirar. Se bem que eu possa ter alguma interferência no meu sistema de respiração, de qualquer modo quando estou a dormir, ou inconsciente, continuo a respirar. Este sistema esta localizado no tronco cerebral perto de uma área que vai ter vários núcleos de células responsáveis pela ritmicidade da respiração. Então eu vou ter um grupo de células dorsais e um grupo de células ventrais. Umas são de espécie de osciladores de inspiração e as outras osciladores de expiração. Quais são as mais importantes? São os osciladores responsáveis pela inspiração. É isso que acontece com um grupo de células existente na parte dorsal. Existe um outro tipo de células existente na parte ventral que controlam a expiração. O potencial eléctrico destas células – o que vai fazer é um aumento da estimulação em rampa para ir inspirando lentamente. Estas células são mandadas “calar” por um outro tipo de células que vão mandar fazer a expiração. No entanto, se for uma expiração activa, preciso de um outro sistema que activamente estimula a inspiração – vai ser integrado num outro tipo de células, que é o 3º grupo de células. Para regular a ventilação tenho um controlo central que está fundamentalmente localizado no tronco cerebral (bolbo raquidiano), no entanto existem outros sistemas que interferem com este sistema central. Um desses sistemas é por exemplo o sistema límbico. Consoante as nossas emoções temos uma flutuação da frequência respiratória. Essa informação desencadeada ao nível do sistema nervoso central passa pelas vias eferentes e vai fundamentalmente para os músculos respiratórios. Os músculos depois de fazerem o seu trabalho, depois de se contraírem vão dar alguma informação ao meu sistema para fazer o controlo de feedback. O sistema de controlo de feedback, da minha área central de controlo vai ser enviado: a concentração parcial dos gases (CO2 e O2) e informações provenientes do meu sistema ventilatório (ou seja, de dentro do pulmão), para saber se este está contraído ou distendido. Tenho um centro que vai mandar o pulmão inspirar e outro dentro do pulmão que informa o sistema nervoso central que está cheio de ar e que o vai mandar expirar. São desencadeados por refluxos que existem nas paredes dos bronquíolos. Depois de ter a informação através destes grupos celulares (situados no pulmão) vou ter de enviar a resposta pelas vias eferentes para o meu sistema nervoso central (neurónios quer inspiratórios quer expiratórios). Os centros respiratórios são controlados pelos refluxos de hiper insuflação e por outro lado pela concentração de CO2 no organismo. Se eu começar a ter uma elevada concentração de CO2 no organismo dá-se a estimulação da área respiratória para que eu posso inspirar mais vezes, para livrar do excesso de CO2. Estes receptores são quimioreceptores que existem em vários locais dentro do próprio sistema nervoso central e existem outros no sistema arterial para informar a concentração de CO2 no sangue arterial. Os quimioreceptores periféricos localizam-se nos corpos carotídeos e aorta. Estas estruturas são pequenos órgãos vasculares sensoriais encapsulados em tecido conjuntivo e estão localizados perto do seio carotídeo e no arco aórtico.