Ferramentas na Escala do

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Ferramentas
Magnéticas
na Escala do
Átomo
Por Marcelo Knobel
e Gerardo F. Goya
U
m paciente com tumor em estágio inicial
receberá novo tratamento: serão injetados nele minúsculos ímãs disfarçados
de glóbulos vermelhos para enganar o
sistema imunológico. Sua superfície carrega moléculas específicas que têm grande afinidade com células
tumorais. Como o tamanho desses objetos é menor
do que 50 nanômetros (nm), eles passarão através dos
capilares e chegarão praticamente a qualquer órgão interno, fixando-se naqueles comprometidos por células
tumorais. Uma vez fixos, a simples aplicação de um
campo magnético externo oscilante (de modo análogo
ao que é feito na técnica de ressonância magnética)
elevará, em alguns graus, a temperatura das células
malignas aderidas ao material magnético, matando-as,
mas deixando o restante do tecido normal intacto.
Parece ficção científica, mas não é. Em diversos
países, são realizados testes para utilizar minúsculas
partículas magnéticas, com diâmetro de alguns nanômetros, para o tratamento de tumores cancerígenos
localizados. Para dar uma idéia da pequenez desses
objetos, a esfera na ponta de uma caneta comum
(com 0,8 mm de diâmetro) poderia conter mais de 60
trilhões (6 × 1013) de partículas de 10 nm.
58 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
As nanopartículas magnéticas têm sido investigadas também para uso em diagnóstico (como auxiliar
no contraste em exames sofisticados) e como vetor
de remédios (para levar a droga a um local específico
do corpo do paciente). Apesar da relativa novidade
desses tratamentos, parece provável que, no futuro
próximo, as nanopartículas (hoje em etapa final de desenvolvimento e fase inicial de testes para uso médico)
sejam classificadas retrospectivamente como nanodispositivos “de primeira geração”. Esses sistemas são
carreadores “passivos”, constituídos de nanopartículas
magnéticas para diagnóstico in vivo, e são utilizados
corriqueiramente em protocolos de diagnóstico clínico,
como imagens por ressonância magnética.
Para entrar na segunda geração de nanodispositivos, será necessário tornar essas partículas funcionais.
Ou seja, deve-se fabricar um objeto que, montado
na nanopartícula (meio de transporte), realize uma
atividade específica ao atingir o alvo. Entre essas
funções, talvez a mais simples de ser imaginada seja
o transporte e a liberação de drogas no organismo.
Vários desses sistemas, baseados em lipídios (lipossomos) capazes de entregar drogas ou genes, estão
em estágio de teste pré-clínico avançado.
© CONEYL JAY/SPL-STOCK PHOTOS
Pesquisadores brasileiros manipulam ímãs nanoscópicos e exploram
dispositivos para medicina, engenharia e proteção ambiental
DEZEMBRO 2004
CONCEPÇÃO ARTÍSTICA mostra nano-robô
consertando defeitos em hemácias (glóbulos
vermelhos do sangue). É pouco provável que
máquinas desse tipo se tornem operacionais
no futuro próximo, mas intervenções
sutis no mundo das células e moléculas,
principalmente com a ajuda do magnetismo,
já estão bem mais próximas da realidade
WWW.SCIAM.COM.BR
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 59
Entretanto, podemos prever objetivos mais ambiciosos
para a nanomedicina. Para desenvolver todo seu potencial, os
nanoobjetos (carreadores de fármacos, por exemplo) têm de ser
mais “sutis” e mais “inteligentes”. Podemos antecipar um dos
objetivos desejáveis para os nanoobjetos na medicina: fabricar
dispositivos que possam ser injetados no corpo para monitorar
atividades vitais e corrigir problemas. Isso é possível e realizável? Muito provavelmente, pois, uma vez atingido o controle
do transporte de drogas até alvos escolhidos, poderemos pedir
ajuda à Natureza para realizar reações bioquímicas já bem
conhecidas. Um bom exemplo são as aplicações no programa
de nanotecnologia para tratamento do câncer, desenvolvido
conjuntamente pelo Instituto Nacional do Câncer e pela Nasa
nos Estados Unidos. O objetivo é produzir dispositivos nanoscópicos capazes de diagnosticar, tratar e monitorar o progresso
da terapia em uma única seqüência clínica.
Para cumprir tais requisitos, os nanodispositivos devem se
ligar ao alvo determinado, responder e emitir um sinal a fim de
serem reconhecidos e se inicie o tratamento. Finalmente, os dispositivos deverão ser capazes de reconhecer mudanças relacionadas
à terapia e relatar essas mudanças através da emissão de novos
Resumo/Nanoímãs em Ação
Na busca por materiais que permitam a manipulação de objetos em
escala nanoscópica (um bilionésimo de metro), muitos cientistas
estão se voltando para sistemas magnéticos.
Fluidos biocompatíveis, por exemplo, compostos por partículas
que respondem à ação de campos magnéticos, já são testados
como meio de atacar localmente tumores ou carregar fármacos
até células doentes de forma precisa.
Pesquisadores brasileiros também estão testando esses
materiais como ferramentas de despoluição contra derrames de
petróleo ou em aplicações como a spintrônica, que pode se tornar
a base dos computadores do futuro.
60 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
© FOTOS: FERNANDO FAVORETTO
ASSIM COMO ACONTECE com
fragmentos macroscópicos
de metal, os ferrofluidos
respondem à presença
de uma força magnética
tentando se alinhar de
acordo com o campo;
assim, o líquido em estado
normal (à direita) assume
outra conformação quando
influenciado por um campo
magnético (à esquerda)
sinais. Isso requer vários tipos de componentes, como sensores
de reconhecimento e interruptores moleculares, para converter o
sinal do sensor em uma resposta. No que se refere aos sensores,
o problema está perto de ser resolvido: diversas moléculas, como
peptídeos, proteínas, anticorpos e ácidos nucléicos, possuem as
propriedades essenciais de reconhecimento. A questão de como
guiar os nanodispositivos está sendo testada com moléculas
específicas e com campos magnéticos externos. Alguns tipos
de vírus “bons” (como os bacteriófagos, que atacam bactérias)
estão sendo testados para monitorar mudanças na vascularidade
de tecidos, como marcadores da recuperação da área. Esses vírus
podem ser estruturados de forma a ter uma enorme coleção de
peptídeos em sua superfície. Assim, quando injetados no sistema
sangüíneo, os peptídeos seriam selecionados para guiar o vírus
até um alvo predeterminado.
Sabe-se que a vasculatura (isto é, o conjunto de vasos sangüíneos) de cada tecido é a sua impressão digital, única, diferente
de outros tecidos. Mais ainda, que diferentes tipos de doenças
ou lesões provocam mudanças específicas nela. Por exemplo, as
células tumorais induzem o crescimento exacerbado dos vasos
sangüíneos à sua volta, para garantir o fornecimento de nutrientes,
e esses vasos sangüíneos são diferentes dos normais. Mesmo em
estágio incipiente, muito aquém do nível de detecção atual, as
células cancerosas produzem mudanças muito específicas que
permitem distinguir a vasculatura de uma região pré-cancerosa
de outra sadia, ou de outra já em estágio avançado da doença.
O mesmo tipo de mudança específica vale para outros tecidos,
como os vasos linfáticos.
O vírus bacteriófago mencionado acima tem a função de
uma nanomáquina da Natureza. Opera de forma análoga a
uma seringa, conectando-se ao potencial hospedeiro (uma
bactéria) e injetando depois seu ácido nucléico dentro dele,
forçando-o a multiplicar seu material genético indefinidamente.
Seguindo essa idéia, os pesquisadores vêm desenhando parDEZEMBRO 2004
tículas sintéticas junto com um vírus cujo alvo sejam os vasos
sangüíneos tumorais. A intenção é introduzir um fármaco ou
gene que destrua as células dos vasos e, portanto, acabe com
o tumor (literalmente “matando-o de fome”). Note que a
efetividade do processo depende da especificidade em atingir
as células dos vasos tumorais (e também da ação do fármaco
ou gene, claro); a “entrega” pode ser passiva e admite diversas
estratégias, nanotecnológicas ou macroscópicas.
Podemos ainda imaginar nanodispositivos mais “inteligentes”: se recobrirmos as nanopartículas com moléculas capazes de
serem modificadas quando em contato com um alvo, elas poderiam inspecionar a vasculatura e trazer de volta a informação pelo
sistema sangüíneo, ou até utilizar essa modificação para liberar
seu carregamento de fármaco. Seria possível também utilizar
um sinal externo para a liberação do medicamento: um campo
magnético em freqüência ressonante do processo de liberação, por
exemplo, o que viabilizaria a utilização do mesmo equipamento
de diagnóstico (ressonância magnética) para o tratamento.
Os processos acima descritos não contradizem nenhuma lei
física fundamental. Pelo contrário, estão dentro do escopo das
pesquisas mais avançadas nas áreas biomédicas. A tecnologia das
nanopartículas magnéticas “passivas”, desenvolvidas por físicos
e químicos, ao lado da tecnologia dos sensores, desenvolvida por
bioengenheiros, deverão ainda ser combinadas aos esforços de
bioquímicos, biólogos e médicos. Essas atividades extremamente
complexas e abrangentes são as que, com certeza, irão liderar as
pesquisas de uma nova era na medicina.
Transporte Fluido
NO BRASIL, CRESCE O NÚMERO DE LABORATÓRIOS que
trabalham com objetivos ambiciosos relacionados à obtenção de
dispositivos e técnicas de aplicação do nanomagnetismo em medicina. Nessa etapa, estão sendo desenvolvidos, caracterizados e
aprimorados os materiais nanomagnéticos que serão os carreadores (de fármacos, moléculas ou de simples momento magnético)
dentro do corpo humano, tanto no que se refere à funcionaliza-
DUAS NANOESTRATÉGIAS CONTRA CÂNCER E OUTRAS DOENÇAS
Escala (5 a 50 nm)
CÉLULA TUMORAL SOB AÇÃO DE NANOÍMÃS
CÉLULA DEFEITUOSA RECEBE FÁRMACOS
Escala (5 a 50 nm)
Fármaco
Nanopartícula magnética
Cápsula de polímero biodegradável
© IRINEU PAULINI
Campo
magnético aplicado
Duas aplicações terapêuticas possíveis dos nanoímãs. Carregados pelo corpo
com a ajuda de um campo magnético, eles poderiam ser levados até células
cancerosas e agitados por alternações sucessivas do campo. O processo
geraria calor e mataria as células doentes (no alto, à esquerda). Em outro
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Cápsula (versão ampliada)
Campo
magnético aplicado
cenário, eles seriam agregados a um pacote que contém um fármaco e uma
capa de polímero biodegradável. O campo magnético serviria para carregá-los
até as células doentes, às quais entregariam o remédio com menor chance
de erro (no alto, à direita)
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 61
TODO ÁTOMO É UM ÍMÃ
Esses são os ímãs e materiais que
normalmente conhecemos como magnéticos
(ferro, cobalto e níquel).
Grãozinhos ferromagnéticos de
tamanho nanométrico também podem
sofrer os efeitos da “agitação térmica”. O
que chamamos de energia térmica pode ser
entendido como movimentos de agitação,
afetando principalmente os objetos do mundo
nanométrico ou menores, como átomos e
moléculas. Podemos visualizar o efeito da
energia observando, por exemplo, a dispersão
de uma gota de tinta num copo d’água, ou a
evaporação da água numa panela no fogão.
Quanto mais quente (ou melhor, mais perto
da temperatura de ebulição) a água da panela
estiver, maior será a energia térmica das
moléculas e, portanto, aumentará a quantidade
de moléculas que deixam a superfície, até
que, na temperatura de ebulição, todas elas
acabarão deixando o estado líquido.
Quando o grão de material ferromagnético
atinge tamanhos nanométricos, o momento
magnético de todos os seus átomos aponta
MICROENGRENAGENS DE NÍQUEL, desenvolvidas por pesquisadores da
Universidade de Wisconsin, poderiam ser usadas como componentes de
sensores microscópicos, com o intuito de detectar parâmetros como aceleração,
pressão, taxa de fluxo de um líquido ou a presença de determinadas substâncias
62 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
fluidos complexos, chefiado por Antônio Martins Figueiredo
Neto, estuda a interação dos grãos de fluidos com as micelas que
constituem os cristais líquidos. Essas micelas são formadas por
duplas camadas de moléculas orgânicas, de modo muito similar
L AURIE GR ACE
ção da superfície com moléculas de alta especificidade, quanto
em relação às melhores propriedades dos caroços magnéticos.
Nesse sentido, já contamos com grupos de pesquisa de sólida
experiência na síntese, caracterização e funcionalização de fluidos,
conhecimento imprescindível para futuras aplicações clínicas
desenvolvidas completamente com tecnologia brasileira.
No Instituto de Física da Universidade de Brasília (UnB),
o grupo de fluidos complexos, liderado por Francisco Tourinho
e Jérôme Depeyrot, pesquisa uma modificação do método de
síntese conhecido como sol-gel para sintetizar fluidos de dupla camada elétrica. Essa classificação faz referência às forças
elétricas na superfície das partículas, que estabiliza a suspensão
por meio da repulsão elétrica entre elas. O grupo da UnB tem
como desafio manter a estabilidade dos fluidos para qualquer
concentração desejada, mas os mecanismos que determinam
isso ainda estão sendo investigados.
Uma forma alternativa de estabilizar partículas em meios
líquidos é a utilização dos chamados cristais líquidos, estruturas
ordenadas tridimensionalmente que mantêm o caráter líquido
do sistema. Quando um fluido é adicionado a um cristal líquido,
o resultado é chamado de líquido ferronemático. No Instituto
de Física da Universidade de São Paulo (USP), o grupo de
na mesma direção. Mas a energia térmica
à temperatura ambiente é suficiente para
impedir que o vetor momento magnético
total permaneça orientado em uma direção
fixa, obrigando-o a mudar aleatoriamente
de direção até 1 trilhão (1012) de vezes por
segundo. Assim, ao realizarmos uma medida
experimental do momento magnético que
demore mais do que 1/1012 s (é o que a
quase totalidade das técnicas experimentais
disponíveis consegue mensurar), veremos
uma média temporal igual a zero. Somente
com a aplicação de um campo externo
muito elevado (cerca de 1 milhão de vezes o
campo magnético da Terra) é possível forçar
o momento magnético a se orientar em uma
direção fixa. Assim, um conjunto de grãos
ferromagnéticos nanométricos se comporta
como um material paramagnético, só que com
momentos magnéticos gigantes (o momento
magnético de cada grãozinho, que pode conter
milhares de átomos). Dizemos então que o
material está no estado superparamagnético.
– M. K. e G. F. G.
© DAVID PARKER/SPL-STOCK PHOTOS
De maneira bastante simplificada,
podemos imaginar cada átomo do Universo
como um minúsculo ímã, representado por
um vetor denominado momento magnético.
Assim, de uma maneira ou de outra, todas
as substâncias respondem à presença de
um campo magnético. É possível classificar
as substâncias de acordo com o modo como
elas sentem um campo magnético externo.
Substâncias diamagnéticas se opõem ao
campo magnético, de forma que seu momento
aponta no sentido contrário ao do campo que é
aplicado. Substâncias paramagnéticas seguem
a direção e o sentido do campo aplicado, mas de
um modo muito fraco. Em condições normais,
elas não são magnéticas, e são necessários
campos elevadíssimos para fazer com que
os seus momentos apontem na direção do
campo magnético. Por outro lado, substâncias
ferromagnéticas se alinham facilmente com
o campo. Na realidade, nem é necessário ter
campo aplicado para que elas tenham um
forte momento magnético apontando em uma
dada direção (magnetização espontânea).
DEZEMBRO 2004
às que existem nas membranas celulares. Os cristais líquidos
fornecem um excelente sistema de estudo e modelagem das
interações entre nanopartículas e camadas lipídicas similares às
achadas em organismos vivos.
Efeitos Biológicos
OS AUTORES
ALÉM DOS GRUPOS VOLTADOS AO CONHECIMENTO básico
dos materiais envolvidos (nanopartículas magnéticas, fluidos
e a interação entre eles), outros cientistas estudam as propriedades magnéticas e os efeitos biológicos das nanopartículas
magnéticas com diversas aplicações, visando futuros testes
clínicos para sua liberação no mercado. No campus da USP
em Ribeirão Preto, pesquisadores do Departamento de Física e
Matemática e do Departamento de Clínica Médica trabalham
atualmente no desenvolvimento de novos agentes de contraste
para imagens por ressonância magnética (IRM). O uso desses agentes (fluidos magnéticos que ajudam na obtenção de
melhores imagens, ministrados geralmente por via oral) é rotineiro, mas existem limitações quanto aos agentes disponíveis,
relacionadas a toxicidade, absorção em tecidos e efetividade.
O grupo liderado por Oswaldo Baffa propõe a utilização da
Euterpe oleracea (açaí) como agente de contraste alternativo,
baseado nos efeitos dos íons paramagnéticos tais como ferro,
cobalto e manganês contidos na polpa da fruta. Os primeiros
estudos in vivo apresentaram resultados encorajadores no
que se refere à homogeneidade do sinal, além das evidentes
vantagens da ingestão de uma fruta natural, sem praticamente
nenhum efeito de toxicidade no corpo humano.
É conhecido o fato de que, para desenvolver processos
clinicamente confiáveis, é necessário o estudo prévio e o
desenvolvimento do instrumental clínico capaz de medir
as propriedades desejadas. Assim, se quisermos conhecer a
forma em que partículas ingeridas são retidas e/ou eliminadas
do organismo, devemos ser capazes de medir, em termos
de localização tridimensional, concentração e estabilidade
magnética, o processo completo de trânsito, desde a ingestão até a eliminação do material estudado. Pesquisadores da
USP e da Universidade Estadual Paulista (UNESP), estão
finalizando os primeiros passos nessa direção, medindo
em pacientes saudáveis o processo de desintegração dos
“fármacos” (na realidade, uma mistura inócua de celulose
com outros materiais inertes) após a ingestão por via oral,
utilizando tabletes de ferrite (óxido de ferro e manganês) de
aproximadamente 100 µm.
A medida da desintegração foi realizada por um biossusceptômetro, que consiste em um arranjo de duas bobinas de
detecção para medir comparativamente o fluxo magnético perto
do material. Enquanto o tablete permanece inteiro, o sinal
magnético é do tipo “pontual” (espacialmente localizado) e,
quando o processo de dissolução avança, o sinal mostra crescente distribuição espacial dos momentos magnéticos da ferrite.
Com esse modelo de biossusceptômetro de múltiplos sensores,
os pesquisadores têm conseguido determinar as bases da dinâmica da dissolução de fármacos no sistema gastrintestinal.
A possibilidade de estender a resolução espacial dos sensores
na faixa de volumes nanométricos abriria a oportunidade de
observar os processos de transporte de drogas até o nível celular,
ferramenta fundamental para o desenvolvimento de terapias de
“transporte de medicamentos”, ou drug delivery.
O desenho de novos agentes de contraste para IRM tem
interesse adicional e de importância crescente: a possibilidade
de desenvolver materiais que sejam capazes, além de fornecer
contraste adequado, de gerar o calor necessário para destruir
o tecido maligno quando um campo magnético alternado de
baixa freqüência é aplicado localmente. Isto poderá fazer
com que o mesmo material (composto de nanopartículas
magnéticas) e o mesmo equipamento de IRM (devidamente modificado para aplicação de campos alternados) sejam
utilizados seqüencialmente para diagnóstico e terapia em
uma única sessão. O grupo interdisciplinar formado por
pesquisadores do Departamento de Genética e Morfologia,
liderado por Zulmira G. M. Lacava, e do Instituto de Física, de Paulo César de Morais, ambos da UnB, estuda as
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MARCELO KNOBEL é professor-associado do Instituto de Física Gleb
Wataghin (IFGW), na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Coordena o Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri)
da instituição. GERARDO F. GOYA é professor do Instituto de Física da
Universidade de São Paulo (USP).
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 63
propriedades magnéticas e os efeitos biológicos de diversos
fluidos biocompatíveis baseados em materiais magnéticos
conhecidos como ferrites, visando a sua aplicação em magneto-hipertermia. Os pesquisadores estão desenvolvendo um
protótipo de “aplicador” de campos magnéticos alternados de
intensidade e freqüências adequadas para a sua utilização in
vivo com cobaias. Os testes preliminares, realizados com intensidade de campo de 40 Oe (100 vezes o campo magnético
terrestre) e freqüência de aplicação de 1 MHz (1.000 vezes
menor do que a freqüência de um telefone celular), mostraram
boa tolerância dos tecidos sadios aos campos alternados. Por
outro lado, após a injeção em camundongos (Swiss mouse)
de nanopartículas magnéticas devidamente encapsuladas em
lipossomos, não foram observados efeitos de inflamação ou
rejeição do material, requisito imprescindível para aplicação
clínica em humanos. Estudos preliminares ao início dos testes
clínicos em humanos, sobre a eficiência desses fluidos em
campos magnéticos para gerar regressão tumoral significativa,
ainda estão em estágio de planejamento.
Até recentemente, experimentos para medir as propriedades
físicas dos elementos biológicos podiam ser realizados unicamente
em escalas macroscópicas. Para escalas em nível celular (10-6 m),
a única alternativa era a análise teórica com modelos matemáticos
e simulações computacionais. Hoje, é possível induzir e detectar
efeitos mecânicos em células, inclusive em estruturas intracelulares. A base dessa nova capacidade está no desenvolvimento da
tecnologia para produzir e medir forças e deslocamentos ínfimos.
CURINGA TECNOLÓGICO
Os sonhos da nanomedicina ainda exigirão muito trabalho e dedicação
para que se tornem realidade, mas fluidos magnéticos já são utilizados
com sucesso em diversas aplicações. Abaixo, algumas delas.
Para se ter uma idéia da magnitude dessas forças, basta lembrar
que aquela utilizada na indentação de células vivas corresponde
à bilionésima parte do peso de um cabelo.
A dureza é uma propriedade física característica de cada
material associada à resistência que ele apresenta à tensão ou à
compressão. Sua quantificação serve como indicativo para prever
o comportamento em situações em que o esforço desempenha papel determinante. Um dos métodos utilizados para avaliar a dureza
de materiais é o teste de indentação, que consiste basicamente
no uso de um objeto (indentador), forçado contra a superfície de
uma amostra na direção perpendicular a ela. O método pode ser
aplicado em materiais sólidos de diversas durezas e, em sistemas
biológicos, é chamado de teste de nanodureza.
As células podem detectar forças mecânicas e convertê-las em
respostas biológicas. Similarmente, sabe-se que diversos sinais
biológicos e bioquímicos influenciam a capacidade das células
de detectar, gerar e suportar forças mecânicas.
Os detalhes de interações mecânicas, químicas e biológicas
nas células ainda eludem aos pesquisadores, mas poderão fornecer
a chave para o entendimento da maquinaria celular. De modo
geral, grande parte das informações sobre os processos celulares
está codificada nas estruturas tridimensionais das moléculas
que participam de processos vitais (reconhecimento, respiração
celular, fotossíntese, decodificação de DNA, etc.), e, portanto,
a mecânica destas estruturas é essencial para compreender os
mecanismos básicos envolvidos nesses processos.
O método utilizado para medir essas pequenas forças é
baseado na força magnética que um campo exerce sobre nanopartículas magnéticas. Primeiramente, as células devem fagocitar
partículas magnéticas com superfície específica para reconhecer
e se ligar a sítios predeterminados. Quando as partículas estão
em posição, as células são colocadas sobre plataformas magné-
Alto-falantes
Tintas para impressoras jato de tinta
Reciclagem de lixo
Líquidos magnéticos
são utilizados em
alto-falantes de alta
performance com três
objetivos simultâneos.
Conduzem o calor para
longe da bobina que
gera o movimento,
mantêm a bobina em
posição concêntrica
em relação ao ímã e
amortecem com maior
eficiência o movimento
oscilante.
As tintas tradicionais das impressoras jato
de tinta são boas condutoras do calor, mas
geralmente não são magnéticas – uma gota
de tinta, quando chega ao papel, não possui
momento magnético efetivo. Porém, se algumas
partículas magnéticas de aproximadamente
1 nm são adicionadas em baixa concentração,
os caracteres impressos com elas manterão
certo momento magnético, podendo ser
identificados (lidos) com tecnologias análogas
às dos discos rígidos de computador. Isso abre
a possibilidade de se utilizar um impresso para
detecção de baixa precisão, por exemplo, em
leitores de códigos de barras.
A importância de reciclar elementos no desperdício de
uma linha de produção se torna mais evidente a cada dia.
A recuperação rápida e barata de metais não-ferrosos a
partir de automóveis ou dispositivos elétricos, por exemplo,
permite não somente a reciclagem de materiais valiosos,
mas beneficia também o ambiente. O sistema, usado para
separar materiais conforme flutuem ou afundem, consiste
em um eletroímã, várias câmaras de separação e um
processo para recuperar ou remover o líquido magnético
que reveste os materiais recuperados.
Aumentando a corrente do eletroímã, é possível
fazer flutuar, na superfície, materiais de densidade cada
vez maior, que permaneceriam no fundo no processo
original, proceder à extração deles enchendo a câmara
64 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
DEZEMBRO 2004
ticas que, por movimento de rotação em um campo aplicado,
exercem força ligada à função que o órgão celular está realizando. Um exemplo bem estudado é o da variação de rigidez nos
microtúbulos durante a reprodução celular. Os microtúbulos
formam o esqueleto de diversos tipos de células, e participam do
movimento de organismos uni e multicelulares. De fato, eles são
A maioria dos fluidos do nosso cotidiano não é magnético.
O que chamamos de fluido magnético, ou ferrofluido, é uma
suspensão de “pequenas” (de 2 até 15 nm) partículas magnéticas
em um meio contínuo, geralmente água ou álcool. Diferente de
uma solução, na qual diversos materiais se misturam em nível
molecular, as partículas em uma dispersão são constituídas por
Brasil SE DESTACA no estudo de fenômenos de
magnetotransporte em sistemas NANOSCÓPICOS
nanomáquinas no sentido completo da palavra, pois produzem
novas estruturas com bases nas preexistentes e são capazes de
gerar movimento em escala microscópica.
Do Espaço à Terra
MAS NÃO É SÓ NA MEDICINA que os nanomagnetos são utilizados.
Uma parte das aplicações cotidianas empregam nanopartículas
magnéticas na forma de suspensão coloidal: são os chamados
fluidos, ou líquidos magnéticos, atraídos pelo campo magnético
gerado por ímãs (ver quadro na pág. 62). É possível, por exemplo,
controlar o movimento desses fluidos sem contato físico direto
com eles, viabilizando a contenção de derrames de óleo no mar
com barreiras magnéticas, ou selando vazamentos de rachaduras
em tanques de materiais potencialmente perigosos.
Os líquidos magnéticos são um subproduto do Programa
Espacial dos Estados Unidos, inventados em meados da década
de 1960 como forma de controlar o fluxo de combustíveis líquidos no espaço por campos magnéticos externos. Atualmente, os
combustíveis sólidos substituem os líquidos nos foguetes, mas a
aplicação dos líquidos magnéticos tem-se multiplicado aqui na
Terra. Do disco rígido do computador pessoal até alto-falantes
ou fones de ouvido, eles participam de forma importante, porém
imperceptível, do nosso dia-a-dia.
correspondente e, desse modo, facilitando a separação e a
recuperação. Por exemplo, uma mistura de metais como estanho,
cobre, zinco e alumínio pode ser simplesmente separada, e
cada material, recuperado. O princípio utilizado no processo é o
da presença de um gradiente de campo que gera uma força nos
fragmentos da sucata que supera a sedimentação gravitacional e
faz com que alguns deles levitem até a superfície.
Uma variante dinâmica desse princípio consiste em grandes
tambores que giram a velocidade constante, aos quais um campo
magnético externo é aplicado. O tambor é alimentado com lixo no
ponto mais alto do percurso. O material não-magnético cairá numa
trajetória vertical, enquanto os elementos magnéticos acabam
aderindo ao tambor, para serem extraídos em outro ponto de sua
trajetória circular.
– M. K. e G. F. G.
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milhares de átomos. Agitação térmica as mantém suspensas, e
a separação entre elas é conservada graças a forças de repulsão
eletrostática ou química. Para ser considerada como fluido magnético “verdadeiro”, essa suspensão de partículas deve ser estável
no tempo, inclusive quando submetida a forças magnéticas.
Os líquidos magnéticos possuem duas propriedades interessantes: grudam em ímãs, mas mantêm a forma do recipiente que
os contém, e mudam sua aparente viscosidade proporcionalmente
ao campo externo aplicado (neste caso, chamam-se fluidos magneto-reológicos). Aplicam-se fluidos magnéticos na separação de
diversos tipos de material (lixo e óleo, por exemplo), no posicionamento de órgãos durante cirurgia abdominal e no desenvolvimento
de amortecedores inteligentes (ver quadro na pág. 61).
O grupo de Paulo César de Morais (UnB), em colaboração com equipes da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-RJ) desenvolveu nanopartículas magnéticas agregadas
em polímeros tratados quimicamente para se comportarem de
forma hidrofóbica, visando à sua aplicação em derramamento
de petróleo. Assim, quando o material é jogado na água, une-se
ao óleo, podendo ser confinado e retirado com a utilização de
campos magnéticos. Já no campo de aplicações magneto-reológicas, há pelo menos um grupo realizando estudos de novos
fluidos magnéticos para aplicação em amortecedores inteligentes,
liderado por Antônio Bombard, da Universidade de Engenharia
de Itajubá (Unifei), em colaboração com grupos da USP e da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Outra área em que o Brasil tem forte destaque internacional
é a de fenômenos de magnetotransporte gigante em sistemas
nanoscópicos. Boa parcela dos avanços significativos mundiais
contou com a participação de cientistas brasileiros, como a recente
descoberta da magnetorresistência gigante em multicamadas de
Fe/Cr, na qual trabalhou Mário N. Baibich, da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 1988, e que gerou
nova área de investigação conhecida hoje como spintrônica, ou
eletrônica de spin. Diversos grupos de universidades federais
têm se dedicado ao estudo de magnetorresistência, incluindo o de
Baibich e de João E. Schmidt, do Rio Grande do Sul, o de Dante
H. Mosca, do Paraná, e o de Sérgio M. Rezende, de Pernambuco,
SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL 65
Túnel Quântico
IMAGENS SIMULTÂNEAS (de área de 16 μm2) de uma
partícula magnética, usando três técnicas diferentes
de microscopia, entre elas a da susceptibilidade
magneto-óptica diferencial (letra C). Essa técnica está
em fase de desenvolvimento e poderá trazer enormes
benefícios ao estudo de materiais magnéticos
nanoscópicos e microscópicos. As fotos vêm de
experimentos realizados pelo grupo de Antônio
Domingues dos Santos, do Instituto de Física da USP,
que está desenvolvendo essa microscopia no Brasil
© JOURNAL OF MICROSCOPY
além de Waldemar Macedo, do CDTN,
Minas Gerais, e as equipes da Unicamp e
da USP, representadas aqui pelos autores
deste trabalho, para citar alguns.
Em aplicações, vale destacar a atuação das equipes de Ivo A. Hümmelgen,
da UFPR, e André A. Pasa, da UFSC,
com avanços importantes, como o desenvolvimento de um transistor de spin
com emissor molecular e base metálica
nanoestruturada, que pode operar como
sensor ou atuador. O estudo de fenômenos de magnetotransporte em pesquisas
de ponta inclui hoje mais de uma dúzia
de grupos no Brasil, tanto teóricos quanto
experimentais.
O TRABALHO COM propriedades
magnéticas de substâncias químicas deu
grande impulso ao magnetismo na década
de 1990, com a interação entre áreas da
física e da química, sobretudo em sistemas de baixa dimensionalidade (planos
e cadeias atômicas lineares), nos quais o
número de interações entre centros magnéticos é reduzido, simplificando cálculos
e modelos teóricos. Os centros magnéticos
presentes nas substâncias sintetizadas
vão dos tradicionais metais de transição
a novos ligantes e radicais livres, que
resultam em compostos organometálicos
e bioinorgânicos (sistemas biológicos com
centros paramagnéticos).
O desenvolvimento da magnetoquímica, aliado ao sucesso da química supramolecular, levou a um
novo sonho: a obtenção de magnetos moleculares. A diferença
desses compostos em relação aos clássicos (óxidos, compostos
metálicos e ligas metálicas) é que podem apresentar novas
propriedades acopladas ao magnetismo e ser produzidos por
métodos químicos, próprios da parte molecular, orgânica ou
inorgânica. Além disso, poderão ser mais flexíveis e moduláveis, transparentes e biocompatíveis. Trata-se de uma área em
franco desenvolvimento no Brasil. Aqui estuda-se o chamado
tunelamento magnético quântico, efeito cujo análogo no mundo
macroscópico seria a capacidade de cruzar de um lado para outro
de uma montanha sem a necessidade de escalá-la, simplesmente
atravessando-a. A descoberta desse fenômeno nesses sistemas,
em 1993, contou também com um pesquisador brasileiro,
Miguel A. Novak, professor do Instituto de Física da UFRJ,
66 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL
cujo grupo segue trabalhando na área. O
fenômeno tem aplicações potenciais em
computação quântica e em encriptação de
dados virtualmente invulneráveis.
Na área química, o grupo de Humberto Stumpf, da UFMG, é pioneiro
na síntese de novos magnetos moleculares, principalmente no que se refere a
bimetálicos. Sua característica principal
é serem compostos por coordenação,
na qual ligantes orgânicos fazem pontes
entre metais em estruturas estendidas
(1D, 2D ou sistemas entrelaçados). A
parte orgânica é preponderante nesses
sistemas, que, pode-se dizer, são diluídos em termos de íons metálicos ou de
spins. Para a obtenção dos magnetos, são
necessárias diversas etapas de síntese, e
alguns intermediários (ou precursores)
já se mostram interessantes do ponto de
vista de magnetismo molecular. É o caso
dos radicais livres e radicais cátions e
dos compostos de Cu(II) com opba, ou
orto-fenilenobis (oxamato). Entre outros
estudos, Stumpf participou da descoberta
de um magneto molecular com estrutura
entrelaçada, em que há interpenetração de
hexágonos como nos anéis de um colar. A originalidade dessa
topologia química suscitou o interesse da revista Science, que
publicou o estudo em sua capa de julho de 1993.
PARA CONHECER MAIS
Nanomagnetismo. Sérgio M. Rezende em Revista Eletrônica ComCiência, www.
comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano14.htm; novembro de 2002.
Aplicações biomédicas de nanopartículas magnéticas. Zulmira Guerrero Marques Lacava e Paulo César de Morais em Revista Parcerias Estratégicas CGEE,
no 18; agosto de 2004 www.cgee.org.br/parcerias/p18.php
Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 22, no 3; 2000. Número especial
dedicado ao magnetismo www.sbfisica.org.br/rbef/Vol22/Num3/
A Molecular-Based Magnet with a Fully Interlocked Three-Dimensional Structure.
Humberto O. Stumpf, Lahcène Ouahab, Yu Pei, Daniel Grandjean e Olivier Kahn
em Science vol. 261, págs. 447-449; 23 de julho de 1993.
Giant Magnetoresistance of (001)Fe/(001)Cr Magnetic Superlattices. M. N.
Baibich et al. em Physical Review Letters vol. 61, págs. 2472-2475; 1988.
DEZEMBRO 2004
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