a volta da filosofia ao ensino medio

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A VOLTA DA FILOSOFIA AO ENSINO MÉDIO
Rosangela Aparecida Volpato (Orientadora)
Professora Departamento de Educação/UEL
[email protected]
Luiza Gabriela da Silva
Aluna do Curso de Pedagogia – UEL – Bolsista Iniciação Científica/UEL
[email protected]
RESUMO
Em 2008, a disciplina de Filosofia retorna de forma obrigatória aos currículos
das escolas brasileiras. A forma de ensiná-la ainda é uma incógnita, tendo
entendimentos diferentes e divergentes. O presente trabalho apresenta quatro
concepções sobre esta questão. De um lado temos a defesa do ensino de
filosofia voltado para a atualidade, para os aspectos políticos e morais, por
outro, temos a defesa do estudo da história da filosofia, para que não caiamos
em visões reducionistas e verdades absolutas sobre o saber. Por fim, há
autores que defendem o ensino de Filosofia aliado à História da Filosofia e
Filosofia atual. Cremos que o importante é que a filosofia se concretize como
disciplina, que sua permanência seja efetiva, pois independente da visão a
respeito de como esta disciplina deva ser ministrada, todos concordam que ela
é necessária à formação dos indivíduos. Portanto, apostamos os estudos e
reflexões a este respeito não devem parar, a fim de possibilitarem a defesa da
permanência da filosofia nas escolas e de dar-lhes sustentação, ajudando os
professores a enfrentarem esta nova realidade.
Palavras-chave: Formação de Professores, Ensino de Filosofia, Ensino Médio.
INTRODUÇÃO
A história da presença da disciplina de Filosofia nos currículos
das escolas brasileiras é de instabilidade, sendo que apenas em 2008, com a
lei 11.684/08, ela será inserida de forma obrigatória no Ensino Médio, com o
prazo de três anos para efetivação.
Pinheiro (2010) coloca esta etapa da volta da filosofia as
escolas como um momento de desentendimento, justamente em relação à
abordagem do ensino filosófico.
Afinal, é melhor trabalhar alguns temas atuais ou a historia da
filosofia? Existe a possibilidade de se ensinar a filosofar? Como? Essas são
questões que cercam o cotidiano dos professores e pesquisadores da área, por
ser uma matéria recente aos currículos, existe ainda um desarranjo em relação
a tais indagações.
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Pinheiro (2010) acredita ser importante fundamentar esta
disciplina em conteúdos relevantes para a formação politica, moral e social dos
indivíduos e isto seria feito por meio dos Direitos Humanos.
Assim, baseando-nos no princípio da universalidade humana,
buscamos referendar que a disciplina de Filosofia no Ensino
Médio poderá ter um maior enfoque em princípios e conceitos
universais, tais como, de tolerância, respeito, dignidade e
comunidade humana, capazes de consolidar uma formação
Ética e Moral do individuo. (PINHEIRO, 2010, p.79).
A universalidade colocada pelo autor seria o acesso igualitário
de todos. Após esse acesso todos seriam singulares. Como o direito à
educação, que deveria ser universalizado, norteando a formação humana em
todos os níveis. Mas ele coloca que no “(...) Ensino Médio, os jovens já tem
condições físicas e intelectuais de tomar o direito de todos como direito próprio
(...)” (PINHEIRO, 2010, p.80).
E, é justamente este conceito de universalidade que deve ser
tratado no Ensino Médio, por ser uma etapa em que os jovens se identificam
com seus pares e a diversidade se acirra. Então, cabe à filosofia discutir a
compreensão do que é universal e do que é individual e diverso.
O conceito de universalidade está ligado à ideia de liberdade,
pois “(...) se podemos optar por essa ou por aquela escolha, temos algo em
comum, a saber, a liberdade.” (PINHEIRO, 2010, p.92). Sabendo que se fazem
escolhas, as diferenças se tornam mais compreensíveis, sendo possível a
tolerância por meio do entendimento do direito universal de escolher. Assim, o
jovem vai respeitar as diferenças e, consequentemente, ser respeitado. “Não a
liberdade da ação sem responsabilidade, mas a verdadeira Liberdade, aquela
que, sabendo-se universal, compreende que o outro é merecedor de respeito,
de dignidade e de tolerância.” (PINHEIRO, 2010, p.94).
Portanto, através da interferência da ética e da filosofia política,
os jovens poderão realizar discussões de teorias e concepções que
aprimorariam e exercitariam sua moral, tanto relacionada a si mesmo, quanto
aos outros, formando cidadãos que pensam e não voltados simplesmente ao
mundo do trabalho, mas que tenham caráter e fundamentações na boa
convivência humana, aspectos, que segundo o autor, estão ligados à
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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O objetivo do autor não é dar um sentido único ao ensino de
filosofia, mas seria trazer a filosofia de um modo mais significativo aos alunos,
mais próximo da realidade, o que pode ser feito a partir de discussões sobre os
Direitos Humanos, fazendo com que o aluno saiba respeitar seus direitos,
percebendo que tudo que fizerem pelo outro, estarão fazendo para toda
humanidade. “Com isso, o princípio de universalização garante não apenas a
liberdade, mas também a tolerância, o respeito e a dignidade humana. Valores
caros àqueles que pretendem e buscam uma sociedade melhor e mais justa.”
(PINHEIRO, 2010, p.86).
Existem correntes de pensamento que afirmam não existir
universalidade, sendo impossível caracterizar os indivíduos em comuns e
iguais para além das fronteiras culturais, antropológicas e epistemológicas,
sendo determinados pelas perspectivas do lugar em que se encontram, sendo
mínima a liberdade.
Mas, Pinheiro (2005) coloca que com esta visão relativista, a
humanidade perde o sentido, pois seria inviável a tentativa de expansão de
qualquer valor para todos. “Observar que cada indivíduo é único enquanto
pessoa, mas que faz parte de uma comunidade maior, que é a própria
humanidade.” (PINHEIRO, 2010, p.88). Pinheiro reconhece sim que existam
influencias que possam afetar a plena liberdade, mas que, mesmo assim, ainda
somos livres para escolher e a liberdade prova a igualdade entre os seres
humanos.
Os Direitos Humanos são sim universais, pelo fato de que
todos os seres humanos possuem direitos fundamentais. Fazer os jovens
pensarem a respeito, permite que eles saibam que devem tolerar e respeitar,
mostrando a importância de obrigações que se seguem a qualquer lei, pois
todo direito traz consigo uma obrigação.
Porém, o que se vê hoje, em muitos casos, são professores
que dizem levar seus alunos a refletir, mas na verdade pronunciam um
discurso ideológico, promovendo uma alienação em seus alunos. “Precisamos
proporcionar ao jovem a possibilidade de construção de seu caráter a partir de
múltiplas escolhas, bem como da responsabilidade por todas essas escolhas.”
(PINHEIRO, 2010, p.91).
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As aulas sobre Direitos Humanos também devem ser assim,
proporcionando aos alunos a chance de analisar e refletir sobre a necessidade
dessas regras. “Longe de pretendermos uma uniformização do pensar ou do
agir, nossa proposta é fazer a reflexão sobre o todo humano, não esquecendo
que a multiplicidade faz parte dessa universalidade.” (PINHEIRO, 2010, p.92).
E, é desta forma, que o conceito de liberdade, dentro dos
Direitos Humanos, deve ser trazido aos estudantes, fazendo com que este
princípio, estabelecido por eles, passe a ser o norte de suas ações, assim se
sentirão imersos na realidade global.
Observamos atualmente ações morais, entre os jovens, que
são reprováveis; por isso a importância de uma formação que possibilite aos
alunos escolher valores que sustentem suas ações.
Esse é o sentido do direito à Filosofia que os jovens devem ter
acesso. Pois, devem ter acesso a opções éticas e morais que
não poderiam ter apenas vivendo em nossa sociedade como
espectadores, eles devem ter condições de discutir sobre
valores éticos e morais num sentido global, longe de pequenos
sectarismos e posições compensatórias. Nossos jovens
precisam ser formados com a certeza de que deverão praticar
agora e no futuro opções éticas e morais desejáveis a todos os
humanos, serão homens e mulheres capazes de compreender
seus talentos pessoais e coloca-los a disposição da
humanidade. (PINHEIRO, 2010, p.98).
Maamari (2010), também assume a posição de que a volta da
filosofia aos currículos escolares tem como finalidade a formação de cidadãos
e a aprimoração das faculdades intelectuais e, para que isso aconteça, o
ensino deve ser feito de forma critica e reflexiva.
Mas, ela coloca que para que tais objetivos aconteçam
devemos nos voltar para a formação dos professores, pois, na maioria dos
casos, a licenciatura em filosofia se baseia em mera transmissão de inúmeras
informações sobre autores que fazem parte das especializações dos
professores universitários.
Por isso, se queremos formar cidadãos, precisamos de
professores que sejam, também, cidadãos. No entanto, o que acontece é que
grande parcela dos professores vivem distanciados do desempenho da
condição da vida social e politica que se encontram.
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Baseado em Condorcet, a autora assume a posição de que “Os
indivíduos tornam-se cidadãos porque respeitam as leis, ao mesmo tempo em
que são capazes de critica-las e revê-las permanentemente.” (MAAMARI,
2010, p.22). E, é este tipo de cidadão que se deve formar nas universidades,
para que eles possam formar outros cidadãos nas escolas.
Assim, na escola e na Universidade devem-se utilizar temas de
conhecimentos filosófico-politico, como de ordem jurídica, politica, dos
governos e dos aspectos éticos, que permeiam a relação entre sociedade civil
e Estado, formando cidadãos críticos e reflexivos que se tornem aptos a
formarem outros cidadãos.
Portanto, a filosofia deve ser apresentada como é, através dos
filósofos, mas trazida para a atualidade, fazendo com que os alunos respeitem
as leis, na busca incessante de alternativas para mudanças necessárias à
melhoria do bem estar geral da sociedade.
Outro aspecto que a autora coloca é o estimulo ao pensamento
em sala de aula. Segundo ela, muitos professores em suas graduações foram
ensinados de forma mecânica e reproduzem isso em sala de aula, pois não
foram instigados neles o exercício de pensar, logo eles não o sabem fazer e
consequentemente não ensinaram. “Só se ensina Filosofia quem filosofa e
coloca seus alunos em condição de filosofar.” (MAAMARI, 2010, p.25).
Para que isso seja possível é preciso inserir a atividade do
pensamento nos cursos de Filosofia. Deve haver mais argumentações orais e
exposições de ideias dentro destes cursos, pois quando não se coloca o aluno
em posição de indagação, acaba mantendo-o cheio de juízos e senso comum,
que serão levados consigo para escola.
A atividade filosófica é algo complexo e abstrato, e não é
simples e nem fácil seu ensino, sendo a didática um problema por parte dos
especialistas. Maamari (2010, p.27) coloca que para não haver um trabalho
reducionista “ ... cabe ao docente do ensino superior desenvolver e/ou
supervisionar a elaboração do material de apoio, didático e paradidático voltado
à educação básica.”.
Se tivermos em vista estas novas praticas na formação dos
alunos do curso de Filosofia, estaremos certos de que a
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disciplina que figura recentemente de forma mais ampla nas
escolas brasileiras poderá se manter e tornar-se consagrada,
tanto quanto as outras que sempre estiveram presentes nos
currículos escolares. (MAAMARI,2010,p.28).
Diferentemente dos autores citados acima, Guido (2010)
apresenta o ensino de filosofia por outra perspectiva. Para ele, a discussão do
que é a filosofia, seria oportuna para a introdução filosófica. Para isso, seria
necessário o bom uso da historia da filosofia, levando em conta a
aprendizagem e a pesquisa filosófica.
Segundo o autor, a filosofia trazida ao Brasil pelos franceses
tem uma forte carga positivista, principalmente pelo fato de que Hegel só
passou a ser estudado na França a partir da década de 1930. E, por isso, se
faz necessário o recuo no tempo, para dimensionar os inconvenientes e as
relevâncias da historia da filosofia difundida nos cursos de filosofia no Brasil.
Um dos inconvenientes seria a tradição hermenêutica de
Schleiemacher e Dilthey, que incorporaram o psicologismo nas investigações
em substituição ao historicismo da filosofia moderna.
Outro inconveniente seria a tradição moderna que concebe o
método de Descartes como a arte de pensar e, com isso, a razão passou a ser
a formulação de juízos sobre as coisas, o julgar agora é o saber,
proporcionando à filosofia, contornos morais.
Portanto, o ensino da historia da filosofia é necessário para
sairmos do reducionismo em que a atividade filosófica foi submetida a partir da
tradição moderna amparada em Descartes e na hermenêutica. Isso porque a
atividade filosófica não se limita a discussões morais e nem dos usos
linguísticos, mas é a contestação dos julgamentos que foram formulados
historicamente.
Para fugir da banalização da filosofia, é preciso estimular o
interesse pelos textos clássicos, fazendo com eles sejam a base da
investigação. Mas, tais usos da razão, não podem ser apresentados como o
produto acabado e definitivo da filosofia, colocando término à busca pelo saber.
Portanto, a história da filosofia não substitui o filosofar, mas é
imprescindível para o estabelecimento da questão introdutória
da filosofia: o que é o saber. Longe da resposta definitiva, a
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história da filosofia e o texto filosófico oferecem a certeza de
que as formas aparentes e superficiais de saberes muito
particulares não são expressões acabadas da verdade.
(GUIDO, 2010, p.75).
Por um lado temos a defesa de um ensino de filosofia voltado
para a atualidade, para os aspectos políticos e morais, por outro, temos a
defesa do estudo da história da filosofia, para que não caiamos em visões
reducionistas e verdades absolutas sobre o saber.
Porém, Monteiro (1979) acredita que o ensino de filosofia deva
aliar o estudo da historia da filosofia e discussões sobre temas atuais.
Para o autor, o ensino de filosofia tem a função de fazer com
que o aluno compreenda a si mesmo e a sociedade em que vive, medite sobre
sua função moral no mundo, para que seja um cidadão.
Para isso, sugere um sistema ideal do ensino de filosofia, em
que os alunos escolheriam as disciplinas filosóficas organizadas de acordo com
o máximo e um mínimo adequado, ou seja, o máximo para aqueles que
continuaram seus estudos nas universidades e o mínimo para aqueles que
fizerem outras opções. O conjunto mínimo incluiria a iniciação à história da
filosofia e à filosofia atual, e o máximo teria, além das matérias que fazem parte
do sistema mínimo, noções de logica, a historia da ciência e noções de filosofia
moral e politica.
No ensino de história da filosofia deverá ser feito exposição e
discussões dos momentos mais fundamentais, como a filosofia grega, a
medieval, o renascimento, a filosofia experimental, a racionalista, o iluminismo
e o século XIX, sendo que dentro destes temas há ampla margem de escolha
para os professores trabalharem, e isto deve ser feito caracterizando a
problemática de cada época.
A filosofia atual deve proporcionar uma reflexão sobre os
problemas filosóficos atualmente relevantes. O autor sugere “a filosofia
analítica ou a filosofia da linguagem, a epistemologia norte-americana ou
francesa, ou a estética e a teoria da arte de qualquer orientação.” (MONTEIRO,
1979, p.80 e 81).
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A Logica e a historia da ciência devem ser apresentadas por
noções elementares, através de temas centrais, não sendo necessário um
aprofundamento.
A filosofia atual estaria voltada para o ensino de moral e
politica, este centrado no esclarecimento de noções básicas, como dever
moral, dever cívico, conceito de Nação e Estado, ética, democracia,
totalitarismo, justiça, obrigações individuais e politicas e etc., para depois haver
o questionamento de valores. De maneira alguma deve ser apresentado aos
estudantes um credo pragmático, pois são eles que vão começar a sistematizar
suas indagações sejam de ordem politica, moral ou religiosa.
Isto quanto ao que penso ser uma escala desejável, ou uma
descrição de uma situação ideal para o ensino da filosofia no
segundo grau. Mas as condições presentes são tão
desfavoráveis que esta escala se arrisca a aparecer mais como
uma verdadeira utopia. Pouco importa: é útil formular
claramente o desejável, antes de lançar a interrogação sobre o
possível. (MONTEIRO, 2010, p.81).
Cremos que o ensino de Filosofia no Ensino Médio, seja ele
voltado para a formação política e moral, por meio da declaração dos direitos
humanos ou não, ou com objetivos de formar cidadãos e aprimorar as
faculdades intelectuais, ou com sua base em textos clássicos, tendo a historia
como guia para não se prender a verdades absolutas ou, mesmo voltada à
história e a moral, por intermédio de idealizações sobre tal ensino, o importante
é que a filosofia se concretize como disciplina, que sua permanência seja
efetiva, pois independente da visão a respeito de como esta disciplina deva ser
ministrada, todos concordam que ela é necessária à formação dos indivíduos.
Portanto, apostamos nos estudos e reflexões a este respeito e
sabemos que eles estão longe de se esgotarem. Por isso, devem continuar
acontecendo, a fim de defender a permanência da filosofia nas escolas e de
dar-lhes sustentação, ajudando os professores a enfrentarem esta nova
realidade que surge, a partir da inserção obrigatória da Filosofia como
disciplina nos currículos escolares brasileiros em nível médio.
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REFERÊNCIAS
GUIDO, Humberto Aparecido de Oliveira. O diálogo com os clássicos: o ensino
da Filosofia como o aprendizado da razão e a formação da pessoa. In:
HENNING, Leoni Maria Padilha (org.). Pesquisa, Ensino e Extensão no
Campo Filosófico-Educacional: debate contemporâneo sobre a educação
filosófica. Londrina (PR): Eduel, 2010, p.59-76.
MAAMARI, Adriana Mattar. As Novas Práticas na Formação de Professores de
Filosofia. In: HENNING, Leoni Maria Padilha (org.). Pesquisa, Ensino e
Extensão no Campo Filosófico-Educacional: debate contemporâneo sobre a
educação filosófica. Londrina (PR): Eduel, 2010, p.17-29.
MONTEIRO, João Paulo. O Ensino da Filosofia no Segundo Grau. In:
ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE FILOSOFIA, 1978, São
Paulo. Anais... São Paulo, 1979, p.69-99.
PINHEIRO, Celso de Moraes; FRANKLIN, Karen. Filosofia e Direitos Humanos:
desafios para o ensino médio. In: HENNING, Leoni Maria Padilha (org.).
Pesquisa, Ensino e Extensão no Campo Filosófico-Educacional: debate
contemporâneo sobre a educação filosófica. Londrina (PR): Eduel, 2010, p.7799.
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