Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Educação – Curso de Licenciatura em Letras Uma abordagem reflexiva: A gramática aplicada ao texto Julianna Christina Carvalho Bechir Belo Horizonte 2014 Julianna Christina Carvalho Bechir Uma abordagem reflexiva: A gramática aplicada ao texto Trabalho apresentado à professora Maria Zélia Versiani Machado para a disciplina Análise da Prática e estágio do Português I. Campo de estágio: Escola Municipal Dom Orione Profa. Supervisora: Maria de Fátima S. Carvalho dos Anjos Belo Horizonte 2014 2 Apresentação Lidamos hoje com inúmeros problemas no sistema educacional brasileiro, entre eles o fracasso escolar dos alunos da classe trabalhadora, ou mesmo o fracasso das classes dominantes na escola. Em geral, tomando como foco o ensino de língua portuguesa, esse insucesso é comprovável pelo baixo nível de leitura e desempenho dos estudantes tanto na modalidade escrita da língua, quanto na oral. (GERALDI, 2008) A escola faz uso de uma linguagem que privilegia as classes dominantes e estigmatiza a linguagem das classes dominadas, e é esse um dos principais motivos do fracasso dos alunos pertencentes a estas camadas. (SOARES, 2000) Esses problemas serão os pontos de partida para o plano de estágio que pretendo desenvolver. Partindo dessas questões, será possível compreender melhor o motivo da falta de interesse dos alunos pela gramática, por exemplo. O ensino de língua portuguesa na escola em que atuo como estagiária está pautado principalmente na gramática normativa, que prega o “certo” e o “errado”, porém, linguisticamente, não existe certo e errado. Os linguistas tentam sempre desconstruir esse mito, já que a língua possui variedades naturais que não deveriam ser estigmatizadas. A respeito do ensino da língua, Geraldi comenta que “é muito mais importante estudar as relações que se constituem entre os sujeitos no momento em que falam do que simplesmente estabelecer classificações e denominar os tipos de sentenças”. (GERALDI, 2008, p. 42) Partindo dessa afirmativa, chamo atenção para o fato de que o ensino de Língua Portuguesa se volta muito mais para as nomenclaturas e classificações que para um ensino que realmente garanta o aprendizado dos alunos. Estes normalmente apenas decoram as nomenclaturas e funções gramaticais, sem serem instigados a refletir sobre a língua e sobre essas funções. O ensino de gramática é descontextualizado e, normalmente, há apenas a apresentação de longas listas que o aluno memoriza. Grande parte dos professores não tenta trazer a gramática para a realidade do aluno, com leituras e reflexões, então ele acaba por apenas reproduzir conteúdos. Acredito que esse seja um dos motivos que levam ao desinteresse dos estudantes por gramática. 3 Travaglia (2003) vai tocar nesse assunto em seu livro “Gramática - Ensino Plural”, que pretende problematizar o tema e dar sugestões de como se deve ensinar gramática, a partir do uso da língua. Antunes (2003), ainda nessa perspectiva, vai explorar o ensino de gramática no âmbito da interação. A autora vai propor um ensino que contemple a dimensão funcional e discursiva da gramática. Em seu livro, “Aula de Português: encontro e interação”, ela especificará as implicações pedagógicas de um ensino que leve em consideração esses aspectos, a saber: Uma gramática que seja relevante Uma gramática que seja funcional Uma gramática contextualizada Uma gramática que traga algum tipo de interesse Uma gramática que liberte, que “solte” a palavra Uma gramática que prevê mais de uma norma Uma gramática, enfim, que é da língua, que é das pessoas (...) (ANTUNES, 2003, p.96, 97, 98, 99) A partir dessas considerações, pretendo planejar aulas que atentem a essas propostas, levando o aluno a uma visão mais libertadora e reflexiva da gramática. O plano de atividades contemplará exercícios que levem à reflexão sobre os usos da língua, sempre contextualizados e interativos, em consonância com a cultura e a realidade dos alunos. Objetivos Objetivo principal desse plano: Levar o aluno a refletir sobre os usos da língua, fazendo com que ele compreenda as funções gramaticais de forma eficaz, facilitando suas capacidades de análise, avaliação e aplicação. A proposta é apresentar ao aluno uma gramática reflexiva e contextualizada, que leve-o a descobrir o porquê do uso de um ou outro item gramatical. Os objetivos específicos são: 4 Contemplar uma pluralidade de gêneros textuais nos exercícios, para que o aluno perceba em que gênero há maior ocorrência de um ou outro aspecto gramatical; propiciar o diálogo entre gramática e compreensão, de forma que o texto não seja apenas pretexto para classificações gramaticais, e é fundamental que esses textos despertem o interesse dos alunos, para que o exercício de gramática seja mais leve; além disso, é de extrema importância verificar, a partir dos exercícios, as habilidades dos alunos no que diz respeito à aplicação dos conhecimentos linguísticos. Metodologia Algumas atividades foram confeccionadas de modo a atender a essas propostas. Os exercícios foram elaborados com a intenção de levar o aluno a refletir, a observar e a aplicar os conhecimentos que foram adquiridos em sala de aula previamente. É possível, a partir da leitura dos exercícios, observar que houve certo cuidado com o ensino dos conhecimentos linguísticos, para que o texto não fique apenas como pretexto para a assimilação da metalinguagem, e para que todos eles levem o aluno a primeiramente refletir sobre o texto e, só após a reflexão, responder às questões de gramática. Estas estão voltadas para as classes de palavras, apesar de esse não ser o único foco das questões, já que o objetivo não é apresentar uma gramática separada de outros elementos que fazem parte do texto e devem ser explorados. Assim, o aluno nem percebe que está estudando classes de palavras apenas, pois os exercícios estão inseridos em outras atividades sobre o texto. É relevante também, como já foi dito, o trabalho com os mais diversos gêneros textuais, para que o aluno os reconheça e aprenda a situação de uso de cada um deles, já que eles estão presentes em todas as nossas relações com as modalidades oral e/ou escrita da língua. É importante, portanto, apresentar aos alunos uma gramática que aborde a dimensão discursiva da língua. Segundo Beth Brait (2004), Dentro do domínio específico dos estudos da linguagem, entretanto, o termo “discurso” ganha uma significação bem mais ampla que engloba, por assim dizer, a linguagem em geral, cobrindo a fala do dia a dia, os textos publicitários e jornalísticos, essa fala marcada dos políticos em constante estado de euforia palavrória, a poesia, as artes em geral, os estudos científicos e tudo mais que o homem produz como forma de comunicação, expressão, 5 organização, construção e representação do mundo e de si mesmo por meio de signos verbais, visuais, verbo-visuais. (BRAIT, p. 186 e 187, 2004) É importante explicitar que pretendo aplicar os exercícios depois que todos os alunos estiverem estudado os conteúdos presentes nestes. O objetivo é fazer uma revisão mais reflexiva dos assuntos abordados em aula. As atividades são independentes entre si, justamente por esse motivo. Apresento-as a seguir. 1) Leia o poema a seguir e faça os exercícios propostos. Encomenda Desejo uma fotografia como esta — o senhor vê? — como esta: em que para sempre me ria como um vestido de eterna festa. Como tenho a testa sombria, derrame luz na minha testa. Deixe esta ruga, que me empresta um certo ar de sabedoria. Não meta fundos de floresta nem de arbitrária fantasia... Não... Neste espaço que ainda resta, ponha uma cadeira vazia. (Cecília Meireles) a) No poema, o eu-lírico pede a alguém (um “senhor”) que seja feita uma fotografia de si com certas características. No segundo verso, podemos observar que o eu-lírico usa o pronome “esta” no lugar de “essa”. Que efeito de sentido é criado com esse uso? b) Quais são as características do eu-lírico e da fotografia pedida? O que o eu-lírico solicita e o que a fotografia mostra? Qual a relação dos versos com o título? 6 c) Há uma palavra destacada nos versos abaixo. Qual é sua função? E qual é o nome dessa função gramatical? Deixe esta ruga, que me empresta um certo ar de sabedoria.” Você poderia substituí-la por outra palavra ou expressão? Faça a substituição sem que o sentido seja alterado. 2) Leia o texto a seguir e faça o que se pede. TEXTO DO DIA: A HORA É AGORA. Para muitos nadadores, a hora da largada é o momento de maior sofrimento da prova. Esperar o apito inicial, a hora de cair na água, realmente é a hora em que você pensa em tudo. A hora em que todas as emoções ficam à flor da pele, principalmente a ansiedade, o medo e a competitividade. Afinal, qual é a melhor coisa a se fazer na hora da largada? Para alguns é respirar e se acalmar, para outros é suportar o nervosismo, até o fim. Enfim, não existe algo determinado que te acalme antes da largada. O importante é que faz parte do esporte, e nunca vai mudar. (Fonte: https://www.facebook.com/Pensarnosatletas/posts/322601451201291 Adaptado) 2.1) Com base nos sinais de pontuação das frases a seguir, dê a cada uma delas um significado com base no discurso por elas retratado. Oralmente, discuta com os seus colegas o que cada uma pode representar, pronunciando-as em voz alta. a) A hora é agora. b) A hora é agora? c) A hora é agora... d) A hora é agora! 2.2) Agora, tente criar perguntas para as seguintes afirmações retiradas do texto. 7 Exemplo: “Para muitos nadadores, a hora da largada é o momento de maior sofrimento da prova.” Qual é o momento de maior sofrimento da prova? a) “Esperar o apito inicial, a hora de cair na água, realmente é a hora em que você pensa em tudo.” b) “Para alguns é respirar e se acalmar, para outros é suportar o nervosismo, até o fim.” c) “...não existe algo determinado que te acalme antes da largada.” d) “O importante é que faz parte do esporte...” 2.3) Podemos dizer que, ao fazer essas perguntas, você evocou um gênero textual bastante conhecido, presente nos jornais e revistas. Você poderia tê-las feito para algum nadador famoso. Que gênero textual é esse? Esse gênero pode ser feito oralmente e/ou na modalidade escrita? 2.4) Você já entrevistou alguém? Quem você gostaria de entrevistar? Em casa, entreviste alguém que você admire e transcreva sua entrevista no caderno. É interessante perguntar o nome completo, a idade e a profissão do entrevistado, para que seja feita uma introdução. Logo após, as perguntas podem se tornar mais pessoais, então o entrevistador pode perguntar o que a pessoa entrevistada gosta de fazer, como foi sua infância, qual é sua comida predileta, quem ela admira e o que ela mais gosta em si mesma. 2.5) Qual é o significado expresso pela palavra “agora”, presente no título do texto? A que classe de palavras ela pertence? 3) Observe o anúncio a seguir e responda às questões. 8 a) Qual é a função da palavra “ou” no anúncio? b) Como é classificada essa palavra gramaticalmente? c) Qual é o sentindo da frase descrita nesse anúncio? Qual é o público-alvo? d) Você acredita que a palavra “ou” faz toda a diferença para compreender o sentido da frase? Por quê? Além da observação que tenho feito, pretendo também participar do acompanhamento dos alunos e ajudar no que for necessário, incluindo na correção de provas e trabalhos. Além disso, poderei atuar auxiliando a professora na confecção de materiais didáticos, além de participar da elaboração de provas e trabalhos. Cronograma Acreditamos que haverá a possibilidade de aplicar esses exercícios aos alunos no final do semestre, quando todos os conteúdos presentes nas atividades já tiverem sido ensinados. Além disso, o ensino, no dia-a-dia, terá como objetivo focalizar as propostas feitas anteriormente, ou seja, em acordo com a professora, tentaremos priorizar um ensino pautado na reflexão, na interação e no uso, sempre em diálogo com o contexto. 9 Referências Bibliográficas ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003. BRAIT, Beth. Linguagem e identidade: um constante trabalho de estilo. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, Editora Fiocruz, v. 2, n. 1, 2004. GERALDI, João W. Concepções de Linguagem e Ensino de Português. In: GERALDI, João Wanderley (Org.). O texto na Sala de Aula. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2004, p. 3946. SOARES, Magda. Linguagem e escola – uma perspectiva social. 17ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2000. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática: Ensino plural. São Paulo: Cortez, 2003. 10