Anais do 6º Encontro Celsul - Círculo de Estudos Lingüísticos do Sul CONCEPÇÃO GRAMATICAL E FORMAÇÃO DOCENTE Luciana Cristina Vargas da CRUZ (Universidade Estadual de Londrina) ABSTRACT: This article has as objective relates the grammatical conceptions of the forming from ‘Letras’ to the process of teaching education. Because it is believed that is necessary to rethink on the “grammar” teaching, specifically in the teacher's of Portuguese Language formation. KEYWORDS: language conception; grammar; teaching education; interaction. 0. Introdução Desde a década de 80, o ensino de Língua Portuguesa (doravante L.P.) tem sido objeto de pesquisa e discussão, no intuito de melhorar a eficiência do mesmo. A Lingüística, em especial a Lingüística Aplicada, tem dedicado parte dos seus estudos para a mudança no ensino/aprendizagem de L.P., principalmente no domínio da escrita e da leitura. O que propiciou esta busca por uma mudança foi a constatação de que o trabalho com a Língua Portuguesa nas escolas dá ênfase ao conhecimento de regras gramaticais e consiste em uma série de tarefas que reduzem o leitor à condição de um simples decodificador de palavras e frases e o escritor a um reprodutor de estruturas textuais. Como afirma Matêncio (1994, p.68), “resta ao aluno leitor/produtor de textos ocupar o lugar que lhe é destinado institucionalmente, sem que lhe seja permitido reconhecer a historicidade constitutiva da linguagem e (re)construir sua própria história de leitura e escrita”. No entanto, essas mudanças também são necessárias no que se refere ao ensino de “gramática”, tanto nas escolas de nível Fundamental e Médio quanto no nível Superior, especificamente na formação do professor de Língua Portuguesa. A necessidade de mudança do enfoque das aulas de ensino gramatical, por certo, tem levado alguns pesquisadores a abordarem este tema para estudos, e buscado um olhar diferente para este problema – o ensino da gramática. Geraldi (1997, p.189) já dizia considerar “a produção de textos (orais e escritos) como ponto de partida (e ponto de chegada) de todo o processo de ensino/aprendizagem de língua”, e completava sua postulação mencionando que a partir da leitura e produção de textos e no interior destas atividades é que se dá a análise lingüística, ou seja, de forma contextualizada e reflexiva. Procurando dar um enfoque diferenciado ao ensino gramatical, Travaglia (1996), no seu livro “Gramática e Interação: uma proposta de gramática no 1º e 2º graus”, defende que aprender a língua significa “refletir” sobre ela; e é no momento da interação que há reflexão. Ele também concorda que a língua funciona em textos e não em frases (ou palavras) isoladas. Afirma que “a reflexão sobre os fatos da língua é condição básica para o domínio e uso da mesma” (p.110). Entretanto, Zozolli (2003, p.36)) ressalta a dificuldade de professores em lidar com esta mudança, visto que os livro didáticos estão voltados para a gramática tradicional e, além disso, os professores ficam entre o discurso Lingüístico e “a necessidade de não ignorar na formação desse aluno as normas da gramática prescritiva, porque isso faz parte da formação anterior dos sujeitos envolvidos e, ao mesmo tempo, dos saberes exigidos pela sociedade considerada culta”. Zozzoli, nesse sentido, evidencia o grande dilema questionado por muitos profissionais da área que é saber qual a maneira de se trabalhar com a gramática interativa/reflexiva. Como não há um manual pronto para se seguir, nem há a possibilidade de existir um, Zozolli enfatiza a necessidade de “reformular posturas, de repensar esse dilema do ponto de vista da concepção de ensino e aprendizagem de línguas” (p.37). Também é de grande relevância para esta pesquisa as contribuições de Neves (2002) e Perfeito (2003) no que diz respeito ao ensino gramatical e formação dos professores. Para Neves (2002, p.266) há algo importante que deve ser revisto na formação do educador de Língua Portuguesa, sua reflexão está presente na seguinte questão, “como tratar o ensino lingüístico na universidade, para que os alunos tenham as mínimas condições de dele tirar orientações e conteúdo para o trabalho com a linguagem de seus alunos (...)”. Ela acredita que a partir do momento que o aluno de Letras entender a teoria gerativista, “com certeza terá entendido um conjunto de pressupostos que poderão orientá-lo na sua atividade em sala de aula” (p.267). Perfeito (2003) postula a necessidade de (re)pensar na formação dos professores de Língua Portuguesa, formação esta que, de certa forma, se encontra em crise. Também sobre ensino gramatical, Perfeito coordena um projeto da Universidade Estadual de Londrina (e m conjunto com a UNOPAR, de Londrina, a UNICENTRO, de Guarapuava, e a UNIOESTE, de Cascavel), intitulado “Escrita e ensino gramatical”, em que defende o trabalho de gramática interativa, além de visar a parceria de professores do nível Fundamental e pesquisadores das universidades citadas acima, para juntos debaterem sobre o tema e chegarem a estratégias para lidar com este problema. Partindo destes conceitos, este artigo pretende analisar a concepção dos formandos em Letras (4º ano) da Universidade Estadual de Londrina, do ano de 2004, sobre o ensino gramatical, além de relacionar tais concepções ao processo de formação docente. O trabalho está dividido em quatro tópicos: o primeiro aborda pontos pertinentes sobre as concepções de linguagem; o segundo se refere ao ensino de análise lingüística num enfoque interativo; o terceiro ressalta a influência da formação docente no processo de ensino/aprendizagem; por fim, analisa-se algumas perguntas/respostas pertinentes de um questionário formulado para os alunos de Letras da Universidade Estadual de Londrina (2004) sobre a concepção gramatical. 1. Concepções de linguagem Algo importante para o ensino de língua materna (LM) é a maneira como o professor concebe a linguagem e a língua, Travaglia (1996, p.21) ressalta que “o modo como se concebe a natureza fundamental da língua altera em muito o como se estrutura o trabalho com a língua em termos de ensino. A concepção de linguagem é tão importante quanto à postura que se tem relativamente à educação”. É preciso conhecer as diferentes concepções de linguagem para poder ensinar a LM. Somente após conhecer essas concepções é que se pode julgar com qual delas que o professor trabalha, e se esta é a mais adequada para ensinar a LM atualmente. Tem-se o conhecimento de três diferentes possibilidades para conceber a linguagem: a) linguagem como expressão de pensamento; b) linguagem como instrumento de comunicação; c) linguagem como forma ou processo de interação. Seguem-se os pontos fundamentais e mais pertinentes de cada concepção, destacando a mais eficiente entre elas para o ensino de LP. 1.1 Linguagem como expressão de pensamento A primeira concepção apresenta a linguagem como expressão de pensamento, como afirma Travaglia (1996, p.21) “para esta concepção as pessoas não se expressam bem porque não pensam”. Port Royal (1612 –1694) foi quem defendeu esta concepção, a qual serviu de modelo para as gramáticas filosóficas dos séculos posteriores. Nesta concepção, presume -se que há regras a serem seguidas para a organização lógica do pensamento e da linguagem. Segundo Travaglia (1996, p.21) são elas que se constituem nas normas gramaticais do falar e escrever “bem”, que aparecem consubstanciadas nos chamados estudos lingüísticos tradicionais que resultam no que se tem chamado de gramática normativa ou tradicional (cf. Neder, 1992:35 e ss., que se pauta pelas idéias de Bakhtin, 1986). É a Linguagem como expressão de pensamento que esteve presente na sala de aula durante muitos anos, e em muitas instituições a Língua Portuguesa ainda é ensinada através desta teoria. O aluno tem que decorar regras e normas, para dominar a sua língua. O conteúdo ensinado fica muito distante da realidade vivida pelo aluno, o qual constantemente está diante da variação lingüística, e isso acaba dificultando a aprendizagem do estudante. 1.2 Linguagem como instrumento de comunicação Para Saussure, a linguagem funciona como instrumento de comunicação, “sua existência fundamenta-se nas necessidades de comunicação” (apud Cardoso. 1999, p.15). Segundo Cardoso, a língua, para Saussure, é um fato social porque pertence a todos os membros de uma comunidade, é exterior ao indivíduo, e esse não pode nem criá-la nem modificá-la. É interessante a concepção de Saussure ao dizer que a língua é um patrimônio ext enso e ninguém a possui na sua totalidade. Cada falante retém uma parte do sistema, que não existe perfeito em nenhum indivíduo. Através disso, percebe-se a diferença entre o pensamento de Saussure e Port Royal, pois na visão do último, a língua deve ser padronizada e todos dominarem as mesmas normas, diferente do que afirma Saussure. No ensino de Língua Portuguesa, esta nova concepção, baseada no estruturalismo, trouxe mudanças, mas não tão radicais. Partiu-se da premissa de que a aprendizagem de LM deveria ser realizada linear e prescritivamente, visto que se acreditava na existência de um conteúdo a ser transmitido pelo professor, e não em um objeto de estudo a ser (re)construído por meio da interação professor-aluno, como reforça Matêncio (1994, p.79). No Brasil, foi predominantemente, durante a primeira metade do século, a concepção comportamentalista de ensino e aprendizagem. 1.3 Linguagem como forma ou processo de interação Nessa concepção, como define Travaglia (1996, p.23), a linguagem é lugar de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico. A Lingüística da Enunciação, conforme Cardoso (1999, p. 21), teve como precursores no Ocidente Jakobson e Benveniste. A linguagem passa a ser vista como uma “forma de atividade entre os protagonistas do discurso”. O discurso é, pois, um lugar de investimentos sociais, históricos, ideológicos, psíquicos, por meio de sujeitos interagindo em situações concretas. A enunciação, “a verdadeira substância da língua”, é, para Bakhtin, a síntese do processo da linguagem, o conceito-chave para se entender os processos lingüísticos (CARDOSO, 1999, p.24). Bakhtin vê a enunciação como o motor da língua, para ele o que de fato existe é o processo lingüístico. A língua é uma atividade, um processo de criatividade, que se manifesta pelas enunciações. Na visão de Bakhtin toda enunciação é um diálogo e não há um enunciado isolado. Um enunciado só pode ser compreendido como um todo, não separadamente. O discurso só existe junto aquele a quem é endereçado, ele depende da visão do destinatário. Para Cardoso (1999, p.25) “o conceito de interação é constitutivo dos sujeitos e das próprias linguagens. A palavra é ideológica, ou seja, a enunciação é ideológica”. A enunciação é um ato social. Os estudos de Bakhtin vão influenciar as pesquisas atuais voltadas para a problemática da enunciação. Para esta concepção, a manifestação concreta do discurso é o TEX TO, ou seja, ele é o ponto de partida e de chegada para o ensino de Língua Portuguesa, integrando as unidades básicas de ensino: leitura, análise lingüística e produção de texto, segundo Geraldi (1997, p.189). 2. Análise lingüística Quando se fala em língua portuguesa, logo se pensa em “gramática”. É comum entre os alunos enxergarem a aula de português ao ensino, unicamente, de regras gramaticais. E isso não é verdade, aprender uma língua, nesse caso a portuguesa, vai muito além do que conhecer ou dominar a gramática. A visão de análise lingüística na concepção de linguagem como forma ou processo de interação segue o conceito internalizado, reflexivo, em situação de uso. Lembrando-se que nesta concepção o texto é a base do ensino de língua, sendo assim, a gramática deve ser estudada dentro de um texto, de uma realidade e não em frases soltas, fora de um contexto; tendo em vista que o texto não deve servir de pretexto para ensinar a análise lingüística. Deste modo, também devem estar “interligados”, e jamais separados, as unidades básicas de ensino – leitura, produção e análise lingüística. Através desta concepção o ensino de análise lingüística torna algo mais atrativo e simples, pois os alunos não vão apenas ter conhecimento de algumas regras da língua, mas irão utilizar esses conhecimentos na construção e uso de textos em situações de interação comunicativa. Sendo o processo interacional o mais eficiente para o ensino/aprendizagem de LP, parte-se destas teorias para pesquisar qual a concepção de ensino gramatical que o futuro professor considera como fator primordial para ministrar suas aulas, além de analisar se a formação docente teve a oportunidade de conhecer esses novos conceitos e, principalmente, vivenciá-los em sua sala de aula. Para finalizar este tópico, ressalta-se as palavras de Neves (2002, p.226), as quais defendem essa visão da gramática contextualizada, na sua situação real de uso, e também destaca a importância dessa, visto que é através dela que o indivíduo consegue adequar a sua linguagem a diferentes realidades: “(...) saber expressar-se numa língua não é simplesmente dominar o modo de estruturação de suas frases, mas é saber combinar essas unidades sintáticas em peças comunicativas eficientes, o que envolve a capacidade de adequar os enunciados às situações, aos objetivos da comunicação e às condições de interlocução. E tudo isso se integra na gramática”. 3. Os caminhos da formação docente Um dos pontos principais desta pesquisa é argumentar sobre a formação de professores de Língua Portuguesa e a influência desta formação no ensino de línguas, no que diz respeito ao ensino/aprendizagem de análise lingüística. Não é nenhuma novidade falar que a gramática normativa esteve presente nas salas de aula durante muitos séculos. Somente na década de 80 é que novas pesquisas abordaram concepções diferenciadas do que até então era priorizado no ensino de LP. Porém, isso não quer dizer que a partir daí tudo mudou, ao contrário, novos discursos surgiram, entretanto, nem tudo se transformou. Mesmo após a década de 80, a gramática tradicional continuou ocupando grande tempo das aulas de LP e, ainda hoje, ela está presente nas escolas. Pode-se dizer que houve mudanças significativas, no entanto, o processo ainda continua, pois há muito a ser feito. Prime iramente, não se trata de excluir tal gramática dos bancos escolares, pois esta tem o seu valor perante a sociedade, almeja-se aproximar o aprendiz a sua língua materna, mostrando que esta não é algo impossível de se entender. Ao observar por este ângulo, parece simples, mas, infelizmente, não é. E a dificuldade de alterar este ‘quadro’ não é culpa unicamente do professor, mas, talvez, dos ‘professores’ e de toda uma ideologia discursiva em relação ao que seria aprender LP. Ao selecionar os alunos do 4º ano de Letras, pretendeu-se refletir sobre a formação que estes receberam desde o Ensino Fundamental e mostrar que eles não serão culpados caso não consigam mudar sozinhos o atual quadro de ensino/aprendizagem de LP. Todos passaram por diferentes professores, cada um com a sua ideologia; muitos aprenderam em LP unicamente as regras e exceções da gramática tradicional e, ao entrarem para o curso de Letras, continuaram a estudar esta gramática, além de se depararem com disciplinas diferenciadas – uma era específica de produção de texto, outra de literatura, metodologia, didática e, a que recebia o nome de Língua Portuguesa, tinha a ‘função’ de ensinar apenas a gramática, realmente no curso de Letras o aluno precisa conhecer a estrutura da língua, mas talvez fosse melhor haver uma interação entre as disciplinas, como proposto no primeiro capítulo, para que o futuro docente pudesse vivenciar na prática as teorias de metodologia do ensino, entre outras concepções. Desse modo, deve-se analisar que muitas vezes o professor acaba sendo a vítima desse processo de transformação, e não o culpado. De um lado as novas tendências, concepções; de outro, toda a sua bagagem adquirida no decorrer de sua formação, e, dentro dessa bagagem a presença forte da ‘gramática tradicional’; à frente, o material didático adotado, que também traz o ensino que enfoca a gramática como ponto culminante para se aprender línguas; atrás, os “pais”, a “escola”, os “professores de outras disciplinas”, enfim, a sociedade em geral que exige do professor de LP que o filho saiba todas as regras e exceções de sua língua; e, no meio, encontra-se o professor, o qual questiona “o que fazer?” e, acima de tudo, “como fazer?”. Zozzoli (2003, p.36) salienta essa dificuldade que o professor de LP encontra, “(..) ao se deparar com questões gramaticais em sala de aula, o professor fica entre o discurso da Lingüística, que não julga a qualidade da produção textual do ponto de vista normativo, e a necessidade de não ignorar na formação desse aluno as normas da gramática prescritiva, porque isso faz parte da formação anterior dos sujeitos envolvidos, e, ao mesmo tempo, dos saberes exigidos pela sociedade considerada culta”. Em suma, aquilo que o docente ensina e o modo como ele o faz tem relação com a sua própria formação e experiências, Bolzan (2002, p.23) sustenta essa afirmação ao mencionar que “O que os docentes pensam sobre ensinar e aprender está relacionado às suas experiências e a sua formação profissional, o que exige que pensemos sobre quem ensina e quem aprende no processo de escolarização”. De certo, pode-se dizer que a formação recebida pelo aluno influência neste processo de ensino/aprendizagem; não que o discente não possa optar por caminhos diferenciados dos quais lhe foram ensinados, no entanto, torna-se difícil escolher algo desconhecido muitas vezes, ou seja, como o futuro docente poderá trabalhar com a análise lingüística através de uma concepção interativa se este não conhece tal concepção ou não tem subsídios para realizar tal escolha. No seguinte tópico, faz-se uma análise para que se possa retomar a esta questão. 4. Análise dos dados: Concepção gramatical x formação docente Através de uma pesquisa quantitativa realizada este ano, 2004, com os alunos do 4º ano do curso de Letras da Universidade Estadual de Londrina – Formandos de Letras: a concepção sobre o ensino gramatical – obteve-se alguns dados referentes ao discente deste curso e a sua formação, além das expectativas deste para a sua futura (ou atual) docência. Pôde-se perceber que a maioria não se julga preparado para trabalhar com o ensino gramatical interativo, integrado à produção de texto e leitura; parte dos entrevistados também desconhece as concepções sobre ensino gramatical. Para justificativa deste artigo, seria relevante ressaltar algumas questões desta pesquisa quantitativa, as entrevistas foram feitas somente com os alunos de Vernáculas – vespertino e noturno; vinte e um alunos responderam ao questionário, entre eles, apenas 19% já lecionam. Ao questioná-los sobre a concepção de linguagem que seria mais produtiva para o ensino de LP, 62% concordaram que a Linguagem como forma ou processo de interação seria a ideal. No entanto, alguns alunos, ao justificarem as respostas, demonstraram “não ter conhecimento” sobre o significado dessas concepções, as quais são necessárias na formação docente, conforme já mencionado. Um dos entrevistados escolheu como opção a “linguagem como instrumento de comunicação”, e justificou que esta seria mais produtiva para o ensino de LP “pois é a língua materna dos nossos alunos. E ela está se perdendo na comunicação”, através dessas e de outras justificativas, percebe-se que nem todos os alunos conhecem as concepções de linguagem e os caminhos que cada uma percorre. Dentre as questões, duas se tratavam sobre a formação gramatical que este aluno recebeu no Nível Médio e Superior. No Nível Médio, 81% receberam uma formação tradicional, com ênfase apenas nas regras gramaticais e norma culta, de modo descontextualizado. Já no Nível Superior, 62% disseram que as aulas de gramática foram ministradas de forma interativa, entretanto, desses 62%, 23% assinalaram mais de uma opção. Entre os outros alunos, 19% responderam que o ensino de gramática ocorreu através de texto como pretexto para se ensinar gramática tradicional, e os outros 19% mencionaram que este ensino foi de forma tradicional, com ênfase apenas nas regras gramaticais e norma culta de modo descontextualizado. Entre outras questões, ressalta-se mais duas pertinentes a este trabalho. Uma delas questionou qual concepção de ensino gramatical o discente tem como (futuro) professor de LP no Ensino Fundamental e Médio; as respostas foram variadas, 33% mencionaram valorizar as variações lingüísticas e também a norma culta, 19% visam a um ensino interativo, 14% acreditam que a gramática deve ser ensinada através de textos interativos, houve respostas que não condiziam com a questão, por exemplo, 9% responderam ser “esperançosos” em relação ao ensino gramatical, alguns alunos não assimilaram as concepções de linguagem ao ensino gramatical. Por fim, interrogou se os alunos julgavam-se suficientemente preparados para abordar o ensino de gramática integrado às práticas de produção de texto e de leitura, conforme preconizam as novas teorias, a surpresa foi que 81% não se julgam preparados para tal tarefa. Dessa forma, conclui-se que é necessário preparar o aluno para que este se sinta capacitado em exercer sua profissão, além de associar o ensino de leitura, produção textual e gramática às concepções de linguagem. Para reverter esse quadro, há diversos caminhos, depende tanto do professor quanto da instituição para juntos chegarem a soluções. Algo relevante seria unir professores do Ensino Fundamental e Médio aos professores do Ensino Superior, em relação às disciplinas de Língua Portuguesa e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa, para caminharem juntos e elaborarem um projeto contínuo. Pois não há como mudar um nível apenas, é necessário uma parceria nessa inovação. Não se pode dizer que a culpa do aluno (futuro docente) não se sentir preparado para o ensino interativo de LP seja dele próprio, tão pouco dos professores unicamente do Ensino Superior, a formação do indivíduo não acontece apenas nos quatro anos de Faculdade; este ensino através da interação precisa iniciar desde a pré-escola, momento no qual a criança inicia os estudos pela sua própria língua. Partindo destes conceitos, acredita-se que não basta apenas o futuro formando em Letras buscar as teorias mais recentes e tentar se adaptar a elas. É indispensável que essas teorias estejam dentro de sua sala de aula, e, principalmente, que sejam praticadas em sua formação, para que, deste modo, os alunos de Letras possam dar continuidade no processo de formação no nível Fundamenta e Médio, visando a interligar as unidades básicas do ensino de LP – leitura, produção textual e análise lingüística – numa concepção interativa da linguagem. Se houver um ensino baseado no processo interativo, provavelmente haverá subsídios para prosseguir esta concepção nas escolas que irá lecionar. Ressalta-se que muitos concordam em trabalhar com a análise lingüística contextualizada, porém não o fazem na prática por falta de informação e, principalmente, “formação” que vise a esta concepção. 5. Considerações finais Após verificar alguns dados, destaca-se a influência da gramática tradicional no processo de formação dos futuros professores, lembrando-se que muitos não tiveram acesso a uma formação interativa nem no nível Fundamental e Médio nem no Superior, o que, certamente, pode dificultar a abordagem dos futuros docentes com aquilo que, para muitos, é “desconhecido” na prática. Para finalizar este artigo, também ficam as palavras de Neves (2002, p.272), as quais retratam a essência deste trabalho, “E voltando a nossa encruzilhada inicial: sem que haja dentro do próprio curso de Letras nem uma ‘passarela’ entre a teoria lingüística – que fala das categorias e das restrições do sistema – e as reflexões sobre a língua de cada dia – que orientam escolhas comunicativamente adequadas no uso lin güístico – a pergunta é: como querer aquela grande ponte que há de fazer que os professores de português do ensino fundamental e médio agradeçam aos céus, a cada aula que dêem, o curso de Letras que fizeram? Fica a pergunta.” RESUMO: Este artigo tem como objetivo relacionar as concepções gramaticais do formando de Letras ao processo de formação docente. Pois acredita-se que é preciso repensar sobre o ensino de “gramática”, inclusive na formação do professor de Língua Portuguesa. PALAVRAS CHAVE: concepção de linguagem; gramática; formação de professores; interação. 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