SESSÕES PARALELAS SESSÃO 5 - SÉCULO XVIII Comunicação 1 A COMUNIDADE ITALIANA EM PORTUGAL E A EXPULSÃO DOS PADRES JESUÍTAS PORTUGUESES PARA ITÁLIA NO SÉC. XVIII CONTRIBUTO PARA A HISTÓRIA DA CONTABILIDADE Joaquim A. Cochicho The Italian community in Portugal and the Portuguese Jesuits Priests expulsion to Italy in the eighteen century Contribute to the account history Abstract The portuguese eighteen century invite us to look at factors that influenced the new directions of the eighteen-century Portugal. The institutions are ruled by new laws. The trade develops and the industry looks for a position. The italian community resident in Lisbon increases. The double entrees in the Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas. The appearance of new economic ideas (?) and the dignifying of the work. A demographic movement opposite to the Italians that arrive: the Portuguese Jesuits Priests expulsion to Italy. The painful exile and the late attribution of pensions (côngruas) to the survivor’s priests. The corruption in the money administration sent from Portugal to Rome. The royal treasury and the double entrees. Exile and dighity. KEY WORDS: double entrees work/dignifying exile/dignity A COMUNIDADE ITALIANA EM PORTUGAL E A EXPULSÃO DOS PADRES JESUÍTAS PORTUGUESES PARA ITÁLIA NO SÉC. XVIII CONTRIBUTO PARA A HISTÓRIA DA CONTABILIDADE * Joaquim A. Calado Cochicho Assessor do Min. da Cultura -apos. ABSTRACT O século XVIII português convoca-nos a olhar para fatores que influenciaram os novos rumos do Portugal setecentista. As instituições regem-se por novas leis. Utilizando o método de pesquisa de fontes primárias e bibliográficas, pretende-se observar a importância da escrituração pelo método das partidas dobradas nos casos da Real Fábrica das Sedas e do Erário Régio, particularmente, neste caso, na gestão dos dinheiros públicos enviados para Roma para pagamento das pensões aos padres jesuítas exilados em Itália. O comércio desenvolve-se e a indústria procura afirmar-se. A comunidade italiana residente em Lisboa aumenta. A Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas e as partidas dobradas. A dignificação do trabalho. O novo pensamento económico. Um movimento demográfico contrário ao dos italianos que chegam: a expulsão dos padres jesuítas portugueses para Itália. O penoso exílio e a atribuição tardia de pensões (côngruas) aos padres sobreviventes. A corrupção na administração do dinheiro enviado de Portugal para Roma. O Erário Régio e as partidas dobradas. Subsistência e dignidade humana. Em conclusão, os casos particulares em análise oferecem um contributo para a História da Contabilidade pelos vestígios que transportam para o tecido social da época. Por outro lado, a riqueza da informação que as fontes revelam aponta para a necessidade de estudo duma sociedade, onde nobreza e clero perdem privilégios e os agentes sociais, políticos e económicos que emergem na estrutura social parecem ter um contributo para o desenvolvimento da Contabilidade, bem como na transferência de conhecimentos contabilísticos do sector privado para o público. PALAVRAS-CHAVE: Partidas Dobradas trabalho/dignificação …. / …. exílio/dignidade Introdução O Séc XVIII português convoca-nos a olhar para fatores políticos, económicos, sociais, religiosos e culturais que influenciaram a História de Portugal setecentista. Utilizando o método de pesquis de fontes primárias e bibliográficas pretende-se observar a importância da escrituração dos Livros de Contabilidade pelo método das partidas dobradas nos casos da Real Fábrica das Sedas e do Erário Régio, particularmente, neste caso, a gestão dos dinheiros públicos destinados ao pagamento de pensões dos padres jesuítas portugueses exilados em Itália. As fontes primárias utilizadas neste estudo fazem parte do acervo documental do Arquivo Histórico Nacional – Torre do Tombo, recorrendo especificamente a dois fundos arquivísticos: - A Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas; - Ministério dos Negócios Estrangeiros (correspondência diplomática entre a Secretaria de Estado do Reino, em Lisboa e a Legação de Portugal, em Roma; A consulta de bibliografia crítica permitirá ajudar-nos a conhecer o contexto político, económico, social, cultural e religioso da época em estudo. ,,, /… O ouro do Brasil, o desenvolvimento do comércio e da indústria, a Aula do Comércio, o Erário Régio, a Junta do Comércio e a extinção da Companhia de Jesus, são, entre outros, dados históricos que requerem um estudo aprofundado tendo em conta as transformações sociais, económicas e culturais da época. Não cabe nesta comunicação a análise exaustiva de cada um dos dados históricos acima referidos. No entanto, a sua interação com a importância da organização da escrituração da Contabilidade no estado, nas fábricas e no comércio obriga-nos a uma abordagem, embora breve, de fatores determinantes do contexto histórico em apreço. Com a consolidação da independência do País instala-se uma prolongada situação de estabilidade política, durante a qual o absolutismo monárquico se afirma como doutrina do Estado. Porém, a debilidade das instituições não permite que tal doutrina corresponda a um efetivo reforço do poder real. O surto mineiro do Brasil vem proporcionar recursos que trazem prestígio ao rei e que fazem despertar as primeiras tentativas de atualização das estruturas económicas e culturais. D. António Caetano de Sousa , historiador que viveu no tempo do rei D. João V, após o País ter vivido tempos de guerra no século anterior, escreveu “...com a publicação da paz começaram os povos a gozar uma tranquila felicidade, porque não só se viram livres de inevitáveis vexações que traz a guerra, mas logo foram levantados muitos tributos, correndo o comércio livre e gozando do mais suave domínio...” Neste período histórico não é possível dissociar o fluxo de ouro do Brasil do desenvolvimento do comércio e das tentativas de instalação de unidades fabris em várias regiões do País. Estudos recentes referem que o ciclo do ouro é considerado determinante na explicação da conjuntura setecentista. A primeira metade do século XVIII corresponde a um período expansionista e a partir de meados do século ocorre uma queda da prosperidade económica que é explicada pela diminuição das chegadas do metal precioso do Brasil. Refere-se como exemplo, no ano de 1720 chegaram a Lisboa 25 000 kgs. de ouro e no ano de 1725 baixou para 20 000 kgs.1 O pagamento de saldos comerciais luso-britânicos deficitários explicam a contínua saída do metal precioso. (…) Mesmo com uma balança comercial deficitária com o nosso principal parceiro comercial, os quantitativos de ouro entrados no porto de Lisboa não deixaram inalterável a oferta monetária.2 De acordo com alguns historiadores esta oferta monetária influenciou uma reforma na sociedade portuguesa, que passou pela modernização do estado e pelo fomento do comércio e das manufaturas. Negociantes, homens de negócio, capitalistas, comissários de fazendas, mercadores, tendeiros e também almocreves, vendilhões e bufarinheiros testemunham o vocabulário social para designar os agentes do comércio e da finança.3. A Junta do Comércio criada por Decreto de 1755, tinha várias atribuições: fiscalização do comércio, e da indústria e política mercantil. Esta instituição em 1788 viria a ser elevada a tribunal supremo. No Séc. XVI todos aqueles que se ocupavam do pequeno ou grande comércio, eram designados por mercadores, o que se entendia por “tomar rendas e trazê-las arrendadas; dar dinheiro a câmbio, ou a razão de juro”.4 No tempo do Marquês de Pombal procura-se definir os contornos de um corpo de bons e verdadeiros negociantes, e as gentes que exerciam tais atividades não poderiam ser confundidas com as “diferentes pessoas ignorantes do mesmo comércio”. No preâmbulo da Carta de Lei de 30 de Agosto de 1770 o rei refere: “desde os princípios do meu governo foi hum dos meus maiores, e mais assíduos cuidados animar e proteger o comércio, 1 Joel Serrão (dir.), Dicionário de História de Portugal, vol. II, pag. 112 Rita Martins de Sousa, “Moedas e Metais Preciosos no Portugal Setecentista, 1688-1797”, pags. 14-15, 2006 3 Jorge Manuel Pedreira, “ Os negociantes de Lisboa na segunda metade do século XVIII 4 António Borge Coelho, “A Inquisição de Évora dos primórdios a 1668, vol. II, 1987, pág. 85 2 mostrando a estimação que faço dos bons e louváveis negociantes” Para além de priviligiar e regular o exercício das atividades dos diplomados pela Aula do Comércio, esta Carta de Lei tem como objeto a definição da própria qualidade do homem de negócio”. Procura erradicar “o absurdo de se atrever qualquer indivíduo ignorante e abjecto a denominar-se a si homem de negócio, não só sem ter aprendido os princípios da probidade da boa fé, e do calculo mercantil, mas muitas vezes até sem saber ler, nem escrever, rogando assim ignomínias e prejuizo a tão proveitosa, necessária e nobre profissão” 5 Nestes termos, esta Carta de Lei vem justificar o pensamento do Marquês de Pombal o qual em data muito anterior considerou urgente elevar os conhecimentos das técnicas comerciais dos comerciantes e industriais, pelo que criou sob a responsabilidade da Junta do Comércio a Aula do Comércio, por Alvará de Maio de 1759. a primeira escola de comércio e técnica, que foi também o primeiro estabelecimento de ensino técnico profissional criado no mundo6 Portugal vivia um atraso não apenas nas técnicas comerciais mas também na implementação de novas indústrias. Por Alvará do Rei D. João V de 1734, foi autorizada a instalação da Companhia das Sedas . Esta iniciativa surge na sequência de outras no sentido de introduzir em Portugal as artes e as tecnologias modernas de cariz manufatureiro. Era urgente substituir a importação de produtos estrangeiros por artigos de fabrico nacional. A indústria da lã e da seda era uma necessidade, tendo em conta que por exemplo o país importava 80 000 pares de meias de seda que custavam 320 000 cruzados, conforme refere o economista Duarte Ribeiro de Macedo na obra “Discurso sobre as artes do Reino” Lisboa daquela época foi sujeita a uma lenta revolução socio-económica e após a ascensão do Marquês de Pombal ao poder verificou-se uma proteção industrial. Em 1759 surge a instalação de um conjunto de fábricas anexas à Real Fábrica das Sedas. Estas fábricas procuravam formar um corpo técnico de aprendizes com vista a autonomizar o Estado e a reduzir a contratação de mestres estrangeiros. Em torno da Real Fábrica das Sedas foi criada uma rede de pequenas fábricas em regime de trabalho de domicílio, construindo-se para o efeito o Bairro das Águas Livres, em Lisboa, (Decreto de 14 de Março de 1759). Na dependência de Real Fábrica das Sedas contavam-se em 1776, 30 unidades produtivas com um total de 3569 pessoas. Fabricavam uma enorme variedade de produtos desde lacre, chapéus, limas, Jorge Manuel Pedreira, “Os negociantes de Lisboa na segunda metade do século XVIII”, pág. 413 Ver Lúcia Lima Rodrigues, “Evolução dos Técnicos de Contas em Portugal”, in , Aurélio Oliveira, “As Indústrias no Porto nos finais do Século XVIII”, s/d 5 6 meias, etc. O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, possui um acervo documental valiosíssimo relativo à Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas.. Deste espólio fazem parte livros Livros Gerais de Contabilidade e Livros Auxiliares de Contabilidade. Não cabe nesta comunicação a análise do conteúdo desses livros, tendo em conta que um estudo referente à 2ª Administração da Real Fábrica das Sedas – anos de 1745 a1747, foi publicado por membros do Centro de Estudos da APOTEC, em 2000, da autoria de Matos de Carvalho, Judite Paixão, Manuel Benavente e Joaquim Cochicho. A análise de Livros de Caixa, de Despesa, de Sócios, de Pessoal, de Armazém, de Venda, de Sócios, etc. testemunha a escrituração de uma contabilidade pelo método das Partidas Dobradas, ainda na primeira metade do século XVIII. Assim, é nosso objectivo procurar interpretar a importância desta contabilidade industrial no sentido de compreendermos de que modo se foi estabelecendo uma estrutura de trabalho fabril no país. Por outro lado, verifica-se uma manifestação de progresso técnico-económico da indústria, que provém da junção de um grande número de trabalhadores no mesmo local, permitindo melhor divisão das tarefas laborais, onde os trabalhadores especializados tinham um papel determinante na organização industrial. Vivia-se um período de viragem nas conceções do trabalho, que era visto como uma atividade servil ou própria de classes inferiores. O trabalho notabiliza quem o desempenha e passa a ser cada vez mais gerador de riqueza. O ofício passa a estar na ordem do dia como atividade de inovação e de progresso. A economia política considerava que as únicas riquezas de uma nação eram o ouro, a prata e a fecundidade da terra. Em relação à terra, para além do seu valor natural, existe uma mais valia que reside no trabalho de quem dela extrai esse mesmo um valor acrescido. A tomada de consciência do valor do trabalho é paralela à necessidade de encontrar novas formas que o valorizem nomeadamente, através da formação daqueles que exercem os ofícios.7 Contadores, mestres, oficiais, tintureiros, urdidores, dobadeiras, aprendizes e outros alteram o tecido social urbano da época. Em termos arquitetónicos pela primeira vez foi construido no país um edifício fábrica, sendo o projeto do arquiteto Ludovice de origem alemã mas com grande ligação à Itália. Regressando à escrituração dos Livros de Contabilidade da Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas pelo método das partidas dobradas, parece-nos que esta contabilidade fabril pioneira, que apresenta Adam Smith, “Pesquisa sobre a Nação e as causas da riqueza das Nações (1776)”, Calouste Gulbenkian , 4ª ed., 2006. 7 Lisboa. custos de fabricação, sistema de remuneração do trabalho, custos de matéria prima e outros encargos, atribui a toda esta informação contabilística o poder instrumental do cálculo dos preços de fabricação, os quais consequentemente determinam os preços de venda. Para além dos fatores técnicos, que permitem uma análise contabilística, os quais a nossa formação científica não nos permite analisar com maior detalhe, parece-nos que se desenhou na época uma modificação do pensamento económico, embora de forma embrionária. De referir que o Estado, por Carta de Lei de 22 de Dezembro de 1761, estabeleceu o Erário Régio, centro de contabilidade de receita e despesa de todos os dinheiros públicos, adotando o método das partidas dobradas nas contas do Estado. Foi nesta Lisboa setecentista que se verificou um aumento considerável da comunidade italiana quer em número de residentes, quer de passagem pela cidade. Comunidade que participa no trajeto económico, social e cultural. A necessidade de mão de obra especializada exigiu que fossem contratados mestres italianos e de outras nacionalidades para a Real Fábrica das Fábrica e Fábricas Anexas. Tratava-se de trabalhadores especializados que eram bem pagos pelo seu trabalho relativamente a outros trabalhadores: . mestre de faiança Thomas Bruneto - 31 800 réis;8 . vencimento de um oficial - 11 800 réis;9 Para outras atividades: o florentino Francesco Bartolozzi, escola de gravura, para o ensino de desenho e fabrico de estuques o milanês Giovani Grossi, o mestre genovês Schapapietre para a serralharia. Na área da contabilidade, havia falta de contabilistas qualificados e muitos dos que trabalhavam para as grandes empresas, eram na sua maioria franceses ou italianos. (…) a escrituração por partidas dobradas era pouco conhecida entre os comerciantes portugueses. A Junta do Comércio admitiu como primeiro contador geral um italiano para a fábrica de laníficios da Covilhã.10 Num movimento demográfico contrário ao dos italianos que chegavam a Portugal, com a extinção da Companhia de Jesus, os padres jesuítas portugueses são expulsos do país para terras de Itália, no ano de 1759. O Marquês de Pombal defendia que a Companhia de Jesus constituía um obstáculo à implementação do seu projeto político centralizador dado que os jesuítas dominavam o ensino em Portugal e no Ultramar. A Companhia de Jesus manteve-se contrária à introdução de alterações profundas nos seus métodos 8 Torre do Tombo, Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas, Livro nº 711- fl. 22 Idem, Ibidem, Livro 753, fl. 11 10 Lúcia Lima Rodrigues, “Evolução da Profissão dos Técnicos de Contas e Portugal 9 pedagógicos e nas matérias selecionadas. O seu ensino continuou ligado ao conceito humanista com base no latim. Esta limitação agravou-se com o desenvolvimento das literaturas nacionais e das ciências modernas.11 Entretanto, apesar do elevado número de acusações contra a Companhia de Jesus, o único padre jesuíta a ser julgado pela Inquisição foi o padre italiano Gabriel Malagrida, acusado de heresia e condenado à morte, no ano de 1761. No processo de expulsão, 1120 padres jesuítas portugueses foram enviados para Itália e acolhidos nos Estados Pontíficios, onde viveram como verdadeiros refugiados, em condições de grande privação. Casas de de padres jesuítas portugueses em Itália: - Casa em Frascati na Quinta Rufinela: nº de padres – 140 - Casa em Castel-Gandolfo – 140 - Casa em Roma – Palacio de Sora – 220 - Casa em Roma – Palacio Inglez – 150 - Casa em Roma – Quinta em Transverere – 110 - Palacio em Urbania – 130 - Poggio Imperial de Pesaro - 130 A correspondência diplomática da época entre Roma e Lisboa, revela-nos dados sobre o exílio penoso dos padres jesuítas portugueses abandonados pelo País durante duas décadas, em contraste com o apoio que tiveram no exílio 5000 padres jesuítas espanhóis, também desterrados em Itália, os quais receberam desde a expulsão, pensões de sobrevivência pagas pelo Estado espanhol. Embora tardiamente também o Estado português passou a atribuir uma pensão anual no valor 140 000 cruzados para sustento dos jesuítas sobreviventes. O estabelecimento de uma pensão pela rainha D. Maria I de Portugal aos jesuítas portugueses exilados em Itália há longos anos, significou muito porque se encontravam velhos e doentes e por sentirem que não se encontravam mais totalmente abandonados e se restabelecia um fio invisível entre a Pátria e os seus locais de exílio. A rainha D. Maria I ao decidir proteger os jesuítas exilados, tendo em conta a influência cultural no país da comunidade italiana, interrogamos-nos se esta alteração na política do Estado português, com raizes humanitárias, coincide com o pensamento do autor Pina Martins sobre a importância da obra Discurso sobre a dignidade humana, de Pico della Mirandola, e a sua influência no humanismo português. A correspondência diplomática recebida em Lisboa passou a transmitir agradecimentos à Rainha, mas também a referir queixas constantes dos padres jesuítas sobre forma como o dinheiro enviado de Miguel Corrêa Monteiro, “A Companhia de Jesus e as Ideias Reformadoras”, in Nação e Memória, Lisboa, 2012. 11 Portugal era administrado, ficando a maior parte na mão de administradores e de intermediários sem escrúpulos,os quais enriqueciam com o dinheiro dos padres portugueses. Em cada casa um leigo comprador apresentava contas aos superiores no fim do mês. A forma como era administrado o dinheiro enviado de Portugal caracterizava-se por um conjunto de abusos e de autêntica corrupção. A fortuna que aqueles leigos adquiriram fruto dessa corrupção: “os taes administradores sendo há seis annos família tão pobre e he notorio, no tempo desta sua administração fizeram de novo humas cazas nobres, tem comprado fazendas,(...), dão dinheiro ajuro e tratam-se como os melhores da cidade. A esta e similhantes mudanças de fortuna, que neste tempo saão muitas no Estado Pontifício, chamam em Roma Milagres de Santo Ignacio”.12 De referir a ironia histórica da corrupção praticada em Roma na administração do dinheiro destinado aos padres, tendo em conta que os colégios jesuítas em Portugal foram as primeiras instituições religiosas a utilizarem o método das partidas dobradas. Perante estes fatos, o Estado português através do Erário Régio, para que o dinheiro fosse distribuído com justiça pelos padres jesuítas exilados, decreta que toda a despesa passasse a ser justificada com recibos e provas de vida dos padres, exigindo uma “conta corrente de deve e hade haver”13 A concluir diremos: duas comunidades, a italiana em Lisboa e no País que participa nas áreas da economia e da cultura e outra comunidade, a dos padres jesuítas portugueses expulsos do país, que viveu um exílio penoso Duas instituições: a Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas, cujo valioso acervo documental constituído por um elevado número de livros de Contabilidade, os quais apresentam a escrituração pelo método das partidas dobradas, o que permite identificar uma contabilidade industrial. Por outro lado, os padrões mentais da época, conforme os ditos que chegaram aos dias de hoje: “o trabalho é bom para o preto”, ou “trabalha que nem um galego” ou, ainda, “como um mouro”, ditos que procuravam depreciar o trabalho. Porém, a instalação das novas unidades fabris, a contratação de mestres estrangeiros, a formação de aprendizes e as memórias que os livros de contabilidade transportam dão ao historiador a interpretação de uma valorização da dignificação do trabalho É também a memória que a documentação diplomática testemunha que nos permite tentar interpretar o exílio penoso que os padres jesuítas viveram nos Estados Pontifícios. O Erário Régio, as partidas dobradas e a boa administração dos dinheiros do Estado permitiu uma economia moral que repartiu meios de subsistência e a dignidade acompanhou os padres jesuítas no fim das suas vidas. 12 13 Miguel Corrêa Monteiro, ibidem, 2003. Em conclusão, os casos particulares em análise oferecem um contributo para a História da Contabilidade pelos vestígios que transportam para o tecido social da época. Por outro lado, a riqueza da informação que as fontes revelam aponta para a necessidade de estudo duma sociedade, onde nobreza e clero perdem privilégios e os agentes sociais, políticos e económicos que emergem na estrutura social parecem ter um contributo para o desenvolvimento da Contabilidade, bem como na transferência de conhecimentos contabilísticos do sector privado para o público. BIBLIOGRAFIA FONTES PRIMÁRIAS: Arquivo Nacional Histórico – Torre do Tombo - Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas - Ministério dos Negócios Estrangeiros OBRAS GERAIS: - Dicionário de História de Portugal, Dir. Joel Serrão, Liv. Figueirinhas, Porto, 1985 - História Genealógica da Casa Real Portuguesa, Caetano de Sousa, António, tomo VIII Lisboa, 17351749; MONOGRAFIAS - Nação e Memória, Coord. Ernesto Castro Leal, C.H./FLL, - Carqueja, Hernâni O.Arte da Escritura Dobrada,. Ed. Ordem dos Téc.nic Oficiais de Contas, 2010 - Sousa,Rita Martins, Moedas e Metais preciosos no Portugal setecentista, Temas Portugueses, 2006 - Pedreira, Jorge Manuel, Os negociantes de Lisboa na 2ª metade do Século XVIII; - Macedo, Jorge Borges de, Problemas da História da Indústria Portuguesa no Sec. XVIII, Lisboa, 1963; - Matos de Carvalho, José Manuel; Paixão, Judite; Benavente, Manuel; Cochiocho, Joaquim, CEHC - APOTEC - “Some aspects of XVIII century portuguese manufacturing accounting. The case of Companhia da Real Fábrica das Sedas , 2ª Administration,” Ano de 2000. ARTIGOS DE PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS: - Correia Monteiro, Miguel. “ A Companhia de Jesus e as Ideias Reformadoras” in Nação e Memória, Lisboa, 2012; - Correia Monteiro, Miguel, “O longo penoso exílio dos jesuitas portugueses em Itália”, in Anais da Academia Portuguesa da História, Lisboa, 2003; - Pina Martins, José V. de, “Pico della Mirandola e o Humanismo Italiano na origem do Humanismo Português”, Sep. Dos Estudos Italianos em Portugal, nº 23, 1964. INVENTÁRIOS: - Real Fábrica das Sedas e Fábricas Anexas, Torre do Tombo, Lisboa 1995: - Ministério dos Negócios Estrangeiros, Torre do Tombo, Lisboa, 1999. - IV ENCONTRO INTERNACIONAL LUCA PACIOLI DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE - A Comunidade Italiana em Portugal e a Expulsão dos Jesuítas para Itália Contributo para a História da Contabilidade APOTEC - CEHC Lisboa, Junho de 2015 Joaquim A. Calado Cochicho Assessor do Ministério da Cultura (apos.) E-mail: [email protected]