Aula 03 O inversor CMOS Nesta seção, abordaremos aspectos relacionados ao uso do transistor CMOS como chave, investigando seu desempenho e explorando diversas potencialidades disponíveis em seu projeto. A estrutura do circuito A figura A3.1 mostra o circuito do inversor CMOS. Essa consiste de um par de transistores MOSFET complementares chaveado por uma tensão vI. Embora não indicado o terminal da fonte de cada transistor esta conectado ao seu respectivo corpo, eliminando, portanto, o efeito de corpo (aumento de VT com a tensão vGS). Na prática as tensões de limiar VTn e VTp são iguais em módulo e situa-se na faixa de 0,2V a 1V. Para tecnologias mais atuais que utilizam pequenas dimensões de W e L (na faixa de 0,1µ a 0,5µ) os valores de limiar são mais próximos de 0,2V. Figura A3.1 a) O inversor CMOS e b) sua representação como um par de chaves controladas de forma complementar Como indicado cada chave é modelada por uma resistência finita, que é a resistência entre o dreno e a fonte do respectivo transistor, calculada próximo de | vDS| = 0: W rDSN = k , n (VDD − VT ) L n A3.1 W rDSP = k , p (V DD − VT ) L p A3.2 Onde k`n = µn Cox e k`p = µp Cox são os parâmetros de transcondutância do processo, sendo, µn e µp as mobilidades do portadores (dos elétrons e buracos) no canal n e p respectivamente, e Cox é a capacitância por unidade de áreas dos transistores. Operação estática Faremos agora uma análise estática do inversor. Para vI = 0, temos vO = VOH = VDD, pois o nó de saída fica conectado a VDD por meio da resistência rDSP do transistor Qp de carga. De forma análoga, com vI = VDD, temos vO = VOL = 0, porque o nó de saída para a estar conectado ao terra por meio do resistor rDSN do transistor de comando Qn. Portanto, no estado estacionário, não nenhum caminho entre VDD e o terra, e a corrente estática e a dissipação de potência estática são ambas nulas. A característica de transferência de tensão (CTT) do inversor é mostrada na figura A3.2, na qual é fácil ver que os níveis de tensão são 0 V e VDD. E, portanto, a excursão de tensão de saída é justamente a máxima possível. Note que VOH e VOL são independentes as dimensões dos transistores, o que torna a tecnologia CMOS bem diferente de outras tecnologias. Figura A3.2 A característica de transferência de tensão de um inversor CMOS quando Qp e Qn são casados. A transição de um estado lógico na saída do inversor CMOS pode ser projetada de forma a ocorrer exatamente no meio da excursão lógica entre 0 V e VDD, isto é, em VDD/2, se escolhermos de forma apropriada as dimensões dos transistores. Especificamente, é fácil demonstrar que a tensão de transição Vth (ou VM) é dada por Vth = VDD − Vtp + 1+ ( ) , Onde k n = k n W L Kp’ = µp Cox n kn kn kp Vtn (A3.3) kp ( L ) sendo k k p = k p, W e p ’ n = µn Cox e Exercício A3.1 Para um caso típico em que VTn e VTp são iguais em módulo mostre que Vth = VDD/2 para kn = kp , onde ( L ) = k (W L ) = k k n = k n, W , n p p p Assim, o exercício anterior mostra quando os dispositivos são projetados a ter os parâmetros de transcondutância idênticos (casamentos dos transistores) a característica de transferência é simétrica. Desta forma uma característica de transferência simétrica pode ser obtida quando os dispositivos forem projetados de forma a ter parâmetros de transcondutância idênticos, que é uma condição que costuma ser denominada de casamentos de transistores. Uma vez que µn é duas a quatro vezes maior que µp, o casamento é obtido fazendo (W/L)p de duas a quatro vezes (µn/ µp vezes) maior que (W/L)n, µ W W = n P p µ p L n (A.3.4) Normalmente, fazem-se os comprimentos de canal, L, dos transistores do inversor idênticos e iguais a mínima dimensão permitida pela tecnologia. Assim para garantir o casamentos escolhe-se a razão das larguras W`s dos transistores de forma adequada. A largura mínima é normalmente escolhida de uma vez a uma vez e meia maior que a dimensão mínima. Por exemplo, para um processo ou tecnologia CMOS com dimensões mínimas de 0,25 µm, para o qual µn/ µp = 3, teremos L = 0,25 µm, (W/L)n = 0,375 µm/0,25µm e (W/L)p = 1,125 µm/0,25µm. Se, entretanto, o inversor tiver que fornecer uma corrente para uma carga relativamente grande, os transistores terão de ter uma largura muito maior que a dimensão mínima. Além de fazer com que a tensão de transição fique no centro da excursão lógica, o casamento dos transistores implica num mesmo parâmetro de transcondutância fazendo com que ambos os transistores tenham a mesma capacidade de corrente tanto carregamento como no descarregamento da capacitância de carga. Além disso, obviamente, teremos rdsn = rdsp. Portanto, um inversor com transistores casados apresenta atrasos na propagação iguais, tPLH e tPHL. Exemplo A3.2 Mostre que se o limiar de transição do inversor está em VDD/2, as margens de ruído MRH e MRL são iguais e seus valores são maximizados e dado por MRH = MRL = 3/8(VDD +2/3VT) Solução: Para resolver este exercício vamos reproduzir a CTT do inversor identificando a regiões de operação dos transistores canal n e canal p na curva de transferência do inversor como mostra a figura A3.3. Figura A3.3 Curva de transferência de tensão do inversor Devemos lembrar das aulas anteriores que, além dos VOL e VOH, dois outros pontos da curva de transferência determinam as margens de ruído do inversor. São eles o máximo nível lógico `0` permitido na saída, VIL, e o mínimo nível lógico `1` na saída, VIH. Para uma região de transição linear esses níveis eram o início e o fim da transição. Agora estes são formalmente definidos como os dois pontos na curva de transferência em que o ganho incremental de tensão é unitário (isto é, inclinação = -1). Para determinar VIL, devemos notar que Qn está na região de triodo e, portanto, sua corrente é igual a corrente de Qp que está na região de saturação, assim temos 1 1 2 (vI − VT )v0 − v02 = (VDD − vI − VT ) 2 2 (A3.5) Diferenciando ambos os membros em relação a vI resulta em: (v I − VT ) dv0 dv + v0 − v0 0 = −(VDD − vI − VT ) dvI dvI (A3.6) na qual podemos agora substituir vI = VIH e dv0/dvI = -1 para obter: v0 = VIH − VDD 2 (A3.7) e substituindo vI = VIH e v0 da equação (A3.7) na equação (A.3.6), resulta: VIH = 1 (5VDD − 2VT ) 8 (A3.8) Tendo em vista a simetria da característica de transferência de tensão do inversor, VIL pode ser determinado de forma similar. Ou de forma alternativa, da figura, temos VIH − VDD VDD = − VIL 2 2 (A3.9) Substituindo esta última em (A.3.7), permite obter: 1 VIL = (3VDD + 2VT ) 8 (A.3.10) As margens de ruído podem agora ser determinadas como segue MRH = VOH – VIH = VDD – 1/8(5VDD – 2) = 3/8(VDD + 2/3 VT) c.q.d e MRL = VIL – VOL = 1/8 (3 VDD + 2VT) – 0 = 3/8(VDD + 2/3 VT) c.q.d Conforme esperado, a simetria da característica de transferência resulta em margens de ruído iguais. Certamente se Qn e Qp não estiverem casados, a característica de tensão não será simétrica, e as margens de ruído não serão iguais. Embora tenhamos enfatizado bastante as vantagens de casar os transistores do inversor CMOS, há ocasiões em que essa solução não é adotada. Poderíamos, por exemplo, piorar o casamento em favor da redução da área da pastilha de silício e, assim, fazer (W/L)p =(W/L)n. há também circunstâncias em que um descasamento deliberado é empregado de forma a ter a tensão de transição em um valor especificado diferente de VDD/2. Em que sentido move-se Vth quando aumentamos a relação kn/kp? Exercícios: A3.1) Para um inversor CMOS com MOSFET`s casados com VT = 1 V, obtenha VIL , e VIH e as margens de ruído se VDD = 5 V. A3.2) Considere um inversor CMOS com VTn e VTp iguais em módulo a 2 V, (W/L)n = 20, (W/L)p = 40, µn Cox = 2. µp Cox = 20µA/V2 e VDD = 10 V. Para vI = VDD, obtenha a corrente máxima que o inversor pode drenar enquanto vO ≤ 0,5 V. A3.3) Mostre que a tensão de transição Vth de um inversor CMOS é dada por Vth = sendo r (VDD − Vtp ) + Vtn 1+ r r= kp kn Operação dinâmica O atraso na propagação de sinal do inversor é normalmente determinado na condição em que se tem um inversor idêntico conectado na saída. Essa situação é mostrada na figura A3.4. Figura A3.4 Circuito para análise do atraso de propagaçao do inversor formado por Q1 e Q2, que alimenta um inversor identico formado por Q3 e Q4. Analisaremos esse circuito para determinar a atraso na propagação de sinal no inversor formado pelos transistores Q1 e Q2. Esse inversor está “sendo alimentado”por uma fonte de sinal vI de baixa impedância de saída e ao mesmo tempo, está carregado pelo inversor formado pelos transistores Q3 e Q4. Também estão indicadas na figura as diversas capacitâncias internas dos transistores que estão conectadas ao nó de saída do inversor formado por Q3 e Q4. Obviamente, uma análise exata à mão desse circuito seria complicada demais e não acrescentaria muita a compreensão da forma de projetar um circuito, por isso tentaremos simplificar a análise. Especificamente, poderíamos substituir todas as capacitâncias conectadas ao nó de saída do primeiro inversor por uma única capacitância de carga C conectada entre o nó de saída e o terra. Se formos capazes de fazer isso, poderemos realizar uma análise transitória adiante bem mais simples. Com este objetivo, notamos que durante os tempos tPLH ou tPHL, a saída do primeiro inversor muda de 0 para VDD/2 ou de VDD para VDD/2, respectivamente. Segue que o segundo inversor permanece no mesmo estado durante cada um dos intervalos de análise citados. Essa observação será útil na estimativa da capacitância de entrada do segundo inversor. Consideraremos agora a contribuição de cada uma das capacitâncias equivalente C . 1) A capacitância de sobreposição porta-dreno de Q1, Cgd1, e a capacitância de sobreposição porta-dreno de Q2, Cgd2, podem ser substituída por uma capacitância entre o nó de saída e o terra de 2(Cgd1 + Cgd2) . O fator 2 é um grosseira aproximação que existe em decorrência do efeito Miller e assumindo que o ganho do inversor na região de transição é igual -1. 2) As capacitâncias dreno-corpo de Q1 e Q2, Cdb1 e Cdb2 respectivamente, ambas tem um dos terminais conectado a uma tensão constante. Portanto, do ponto de vista de nossa análise transitória (AC), Cdb1 e Cdb2 podem ser substituídas por capacitância iguais entre o nó de saída e o terra. Além disso, vamos admitir que estas capacitâncias são iguais tanto para pequeno quanto grandes sinais. 3) Uma vez que o segundo inversor, por hipótese, ainda não mudou de estado, vamos supor que as capacitâncias de entrada de Q3 e Q4 sejam aproximadamente constante e iguais à capacitância total de porta (WLcox + Cgsov + Cgsov). Isto é, a capacitância de entrada do inversor de carga será Cg3 + Cg4 = (WLcox + Cgsov + Cgsov)Q3 + (WLcox + Cgsov + Cgsov)Q3 *Obs: note que escrevemos cox com letra minúsculas já que esta representa uma capacitância de porta por unidade de área. 4) A última capacitância é a capacitância de interconexão entre inversores Cw, que simplesmente deve adicionada ao valor de C. Logo, o valor total de C é dado por C = Cg3 + Cg4 + Cdb1 + Cdb2 +2(Cgd1 + Cgd2) +Cw (A3.11) Desta forma, tendo determinado um valor aproximado para capacitância equivalente entre o nó de saída do primeiro inversor e o terra, podemos agora utilizar os circuitos da figura A3.5 para encontrar uma expressão aproximada para determinar tPHL e tPLH. Como os circuitos são semelhantes um resultado de um aplica-se ao outro. Vamos analisar o circuito da figura A3.4 de duas formas para encontrar um valor aproximados dos tempo de atraso na propagação. Note que antes de encontra o valor preciso para este tempo, o mais importantes para o projetista é obter uma equação simplificada que mostre os efeitos dos diversos elementos presentes que determinam o atraso do inversor. Para uma análise bem mais precisa utiliza-se de simulação computacional. Esta questão é relevante para que o projetista consiga obter uma visão mais comportamental de qualquer circuito estudado e assim consiga entender de fato o circuito. Figura A.3.5 a) Circuito equivalente; b) formas de onda de entrada e saída; c) trajetória do ponto de operação; d) circuito equivalente durante a descarga. A figura A.3.5 c) mostra o inversor com o capacitor equivalente de saída C entre o nó de saída e o terra, agora chamamos Q1 e Q2 de QP e QN . Como já mencionado o inversor é acionado por um pulso ideal conforme mostrado na figura A3.5 b). Supondo transistores casados, os tempos de descida e subida da forma de onda de saída são iguais. Usaremos o processo de liga para análise. A figura A3.6 c) mostra a trajetória do ponto de operação obtido quando o pulso de entrada vai de VOL = 0 para VOH = VDD no instante t=0. Imediatamente antes da transição do pulso de entrada (isto é, em t=0-), a tensão de saída é igual a VDD e o capacitor C esta carregado com esta tensão. Em t=0, vI passa subitamente para VDD, fazendo QP corte imediatamente (comparado com os outros tempos). Nessa situação, o circuito equivalente passa a ser aquele mostrado na figura A.3.5 d) com valor inicial de vO = VDD. Portanto o ponto de operação em t= 0+ é o ponto E, no qual pode ser visto que o transistor QN estará na região de saturação e conduzindo um valor de corrente constante. A medida que C descarrega, a corrente em QN permanece constante até vO= VDD - VT ( ponto F). Apontando este trecho em que o capacitor descarrega de tPHL1, é deixado como exercício para o aluno mostrar que : t PHL1 = CVt 1 ' W 2 k n (VDD − VT ) 2 L n (A3.12) Além do ponto F, o transistor QN opera na região triodo e portanto, sua corrente é dada pela equação: 1 W iD = k n' (vI − VTn )vO − vO2 2 L n (A3.13) Este trecho de descarga é descrito por: iD dt = −CdvO (A3.14) Substituindo iD da equação (A3.13) e rearranjando a equação diferencial, obtemos (É deixado como exercício) para VT = 0,2 VDD t PHL 1,6C ≅ ' k n W VDD Ln ( ) (A3.15) Uma análise similar pode ser feita para o processo de desliga, resultando em uma expressão para tPLH idêntica a equação (A.3.15), é claro, exceto o termo k n' (W L )n que deve ser trocado por k p' (W L ) p . O atraso de propagação será dado como a média dos tempos de atraso na subida e descida do sinal. O importante é observar e verificar que, para obter menores tempos de atrasos na propagação e, portanto maior velocidade, deve-se procurar alcançar os requisitos: 1. O capacitor C deve ser minimizado; 2. Um valor elevado para o parâmetro de transcondutância do processo deve ser utilizado; 3. A razão W/L deve ser aumentada e; 4. A tensão de alimentação VDD deve ser elevada. Entretanto, há, certamente, compromissos d projeto e os limites físicos envolvidos em todas as possíveis escolhas apresentadas.