Por Amanda Bastos e Jeferson Veiga A Revolução Russa foi um dos grandes acontecimentos do século XX. Responsável pelo aparecimento do primeiro país socialista do mundo, o movimento surgiu em meio a Primeira Guerra Mundial e foi responsável por mudanças drásticas no país. Em tempos pré-revolucionários a Rússia era uma nação atrelada ao Antigo Regime. É possível classificar o imenso Império Russo em princípios de 1917 como um Império absolutista, em sua maior parte agrário e preso às influências da Igreja Cristã Ortodoxa. “O Imperador de todas as Rússias é um monarca autocrata e ilimitado. O próprio Deus determina que o seu poder supremo seja obedecido, tanto por consciência como por temor.” Artigo I das Leis Fundamentais do Império Russo, publicadas em 1892. Extraído do livro História das Sociedades: das modernas às atuais A partir de 1850, o Estado Imperial constatou a sua fragilidade econômica. Derrotado na Guerra da Criméia (1856) atentou-se para o fato de empreender reformas sem alterar o poder aristocrático e em aprender as técnicas do ocidente. Junto à abolição da servidão camponesa o Império promoveu reformas nas forças armadas, justiça, educação, cujos resultados foram insuficientes. Tal processo foi denominado “modernização pelo alto.” No século XIX iniciou-se o processo de industrialização russa com a implantação de indústrias siderúrgicas, metalúrgicas, estradas de ferro. Industrialização esta, circunscrita aos grandes centros urbanos como Moscou, São Petersburgo, na região do rio Don, além da Polônia Russa nas cidades de Varsóvia e Lodz. Mas ao lado de toda essa modernidade até então, persistia o tradicionalismo agrário longe de eventuais reformas modernizantes. Tais reformas suscitaram questionamentos de segmentos da sociedade russa, sobretudo dos narodniks (populistas), que desejavam empreender uma modernidade alternativa socialista com base na comunidade camponesa. Segundo os componentes desse movimento populista, a Rússia ao empreender tais reformas sofreria dos mesmos problemas que as nações ocidentais sofreram na Revolução Industrial - desagregação da comunidade camponesa motivada pela migração de homens para as indústrias que estavam surgindo neste momento, além da exploração da força de trabalho destes indivíduos. No entanto, depois de tentativas de ensinar aos camponeses de que a revolução era o melhor caminho para por fim ao regime tsarista, inclusive culminando em atentados políticos, (um deles resultou no assassinato do Tsar Alexandre II em 1881) o movimento populista sofreu repressões por parte do governo imperial e da opinião pública. Isso não quer dizer que as propostas dos muitos intelectuais que faziam parte do movimento tenham desaparecido. Os socialistas revolucionários seriam seus principais herdeiros após a década de 1880, mas também podemos observar em Lênin, líder bolchevique muitas de suas disposições. Conforme as décadas passavam, e a industrialização no Império se consolidava, ficava claro que a alternativa socialista dos populistas de preservação da comunidade camponesa não era viável, pelo menos para uma parte dos opositores do regime autocrata. Estes, representados pelos socialdemocratas, acreditavam que o operariado era a força motriz da revolução. Paralelamente à industrialização, a oposição ao regime tsarista começou a crescer sob a forma de vertentes políticas que atuavam na clandestinidade: os cadetes, os socialistas revolucionários e os socialdemocratas que mais tarde se seccionariam em Bolcheviques e Mencheviques. A situação russa agravou-se quando o império entrou em guerra. O revés na Guerra russo-japonesa (1904-1905) provocou desde manifestações pacíficas1, revoltas camponesas, manifestações grevistas, levantes militares (Encouraçado Potenkim no Mar Negro) a inovações radicais como a criação do Soviete (palavra que significa conselho) de representantes de trabalhadores. Encurralado, o tsar Nicolau II prometeu concessões como a convocação de eleições para a Duma2. Esta, mesmo reunida em 1906 não teve margem para legislar e fiscalizar de modo eficaz. O regime tzarista ainda permanecia de pé. Ilustração 1: Polícia tsarista dispersando os manifestantes no Domingo Sangrento 1 No episódio conhecido como Domingo Sangrento, a população se reuniu em frente ao Palácio Imperial desejando que o tzar lhe concedesse uma audiência, o exercito atirou nos manifestantes, matando muitos deles. 2 Espécie de Parlamento Russo A entrada da Rússia na Primeira Guerra pode ser vista como elemento contribuidor para acentuar as insatisfações com a monarquia absolutista. Em Agosto de 1914, os alemães declararam guerra aos russos. O regime tsarista conseguiu mobilizar 15 milhões de russos para o front de batalha. Porém conforme o conflito se desenrolava mais era nítido o despreparo do exército russo. Os soldados, mal-armados, subalimentados, foram dizimados em derrotas sucessivas (entre 5 e 8 milhões de mortos), sem contar nos que desertaram. Desde 1916, a situação se tornava insatisfatória. Reapareceram movimentos grevistas, os trabalhadores de Petrogrado3 paralisaram seus trabalhos nas fábricas, havia desconfiança das elites em relação ao governo tsarista, a população estava cada vez mais descontente, sobretudo, porque não havia grãos para consumo, já que a maior parte estava sendo destinada à venda ou alimentação dos soldados em combate. No ano de 1917 era inegável que a situação da Rússia era problemática: a inflação crescia, os transportes eram precários e a falta de alimentos era evidente. Mulheres passavam madrugadas em filas esperando por um pedaço de pão e, em muitos momentos, saiam pela manhã de mãos vazias. A insatisfação com o governo era generalizada, mesmo os mais instruídos passaram a questionar a administração e considerar que o fim da dinastia e, por consequência, o fim do Império se fazia necessário. As revoltas passaram a adquirir caráter político, deixando de ser somente um caso social. Os gritos da população constatavam essa mudança: aos clamores por pão, somavam-se os brados de “Abaixo ao Tsar!”. Houve choques entre a polícia tsarista e o povo. Em meio a essas perturbações encontravam-se os soldados, cônscios de que precisavam fazer uma escolha: o dever moral para com o povo ou o juramento de obediência ao tsar. 3 Desde 1914 a cidade de São Petersburgo havia sido renomeada para Petrogrado. “Que seria melhor morrer com honra a obedecer às novas ordens de disparar contra as multidões: “nossos pais, irmãs, irmãos e noivas estão esmolando por pão” falei. “E nós vamos matá-los? Digo que amanha não devemos assumir posições. Eu me recusarei a ir. E, como se fossem um só, os soldados gritaram: Ficaremos contigo!” (Discurso feito após um dos recrutas ter afirmado que havia reconhecido sua própria mãe entre os corpos, assim, um jovem sargento de origem camponesa chamado Sergei Kirpichnikov levantou a possibilidade de um protesto - – extraído do livro As tragédias do povo) Uma parte do exército se uniu aos manifestantes. As tensões desaguaram nas jornadas de fevereiro (23 a 27 de fevereiro). De Petrogrado, a Revolução se espalhou por toda a Rússia. O Tsar ainda tentou salvar o trono abdicando em favor do seu irmão Miguel, mas era tarde demais. Renunciava oficialmente em 2 de Março de 1917. Com o fim do tsarismo, a Duma proclamou um governo provisório liderado por Kerenski e pelo príncipe Lvov. A alegação era que como o Antigo Regime e o governo tsarista haviam sido derrubados, a necessidade da vez era vencer a guerra ou, pelo menos, expulsar os alemães da Rússia. Findando a guerra, as questões revolucionárias poderiam retomar e uma Assembleia Constituinte, embasada no sufrágio universal, poderia ser convocada. O governo provisório aboliu a censura à imprensa, legalizou os partidos, libertou os presos políticos, os exilados puderam retornar. Entre estes, Lênin que seria o comandante da Revolução de outubro e estava exilado na Suíça quando a Revolução de Fevereiro explodira. Ilustração 2: Alexandre Kerensky à esquerda e o príncipe Lvov à direita Em abril, Lênin de volta à Rússia apresentou uma análise da nova situação política russa em suas teses. Lançando críticas ao governo provisório, proclamando lemas como “Paz, Pão, Terra” como plataforma de governo e “Todo poder aos sovietes!” como orientação revolucionária. Ilustração 3: Charge editada com as disposições das Teses de Abril Os interesses do governo provisório e da sociedade eram nitidamente opostos. Ao passo que os Menchevistas, ala que fazia parte da social democracia russa dividida em 1902 no segundo congresso do POSDR, defendiam uma revolução um tanto quanto conservadora, os bolchevistas também surgidos nessa cisão eram favoráveis a mudanças políticas radicais para o seu povo, defendendo uma revolução socialista armada, caso fosse necessária. As massas, em meio a essa revolução, ansiavam para que as suas necessidades fossem atendidas: os camponeses queriam a terra, desejavam que esta fosse nacionalizada e distribuída. Os trabalhadores urbanos almejavam o salário mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, a previdência social. E os membros do exército desejavam a paz imediata nas trincheiras. A própria Revolução Francesa teria influência nesse embate entre revolucionários russos. Os líderes do governo provisório optaram por se inspirar nos primeiros atos da Revolução Francesa, sendo, assim, considerados os novos girondinos. No entanto, a Revolução Russa não poderia viver pautada na Francesa, e muito menos considerar-se uma reedição de 1789. Era notório que a reforma estava desgastada; ainda que ela falasse em democracia - e exaltasse essa palavra - o Estado não era tão democrático como afirmavam; este não tinha sido eleito pelo povo e nem possuía uma legitimidade assegurada. Nesta situação coube aos bolcheviques o mérito histórico fazer avançar a revolução. Todo o poder às mãos das massas operárias e camponesas, e também às mãos dos sovietes. O partido de Lênin foi o único na Rússia que compreendeu os verdadeiros interesses da revolução, o único a levar em consideração os interesses das massas: proletariado, camponeses, exército. Os bolcheviques também fixaram imediatamente, como objetivo da tomada do poder, o mais avançado e completo programa revolucionário; não se tratava de garantir a democracia burguesa, mas de consolidar a ditadura do proletariado, tendo como fim a realização do socialismo. Foi assim que o mês de outubro se tornaria vermelho. Com os bolcheviques majoritários em vários sovietes poderiam seguir adiante com o seu projeto de destituição do governo provisório através de uma insurreição. O governo provisório alarmado com as notícias de um provável levante se mobilizou no sentido de silenciar a imprensa bolchevique e perseguir membros do partido. Mas antes que as ordens fossem cumpridas, o Comitê Militar do Soviete de Petrogrado mobilizou tropas, ocupou pontos estratégicos da cidade, cercou, invadiu e tomou o Palácio de Inverno na noite de 24 de Outubro de 1917. O governo provisório era destituído, entretanto a insurreição não significaria a vitória concreta, mas apenas uma etapa para a construção do socialismo na Rússia. Restava ainda consolidar o poder bolchevique, combater prováveis contrarrevoluções, cumprir à risca as promessas feitas às massas que concederam todo poder aos bolcheviques. Filmografia de apoio Título Original: Nicholas and Alexandra (port.: Nicolau e Alexandra) o Género: romance, biografia, história o Idioma original: inglês o Ano de produção: 1971 o Tempo: 189 min. o Direção Franklin J. Schaffner o Roteiro Robert K. Massie Título Original: Agony (port.: Agonia Rasputin) o Gênero: drama, biografia, história o Idioma original: russo e inglês o Ano de produção: 1981 o Tempo: 151 min. o Direção: Elem Klimov o Roteiro: Semyon Lungin, Ilya Nusinov Título Original: Doctor Zhivago (port.: Doutor Jivago) o Gênero: romance, drama o Idioma original: inglês o Ano de produção: 1965 o Tempo: 197 min. o Direção: David Lean o Roteiro: Baseado no romance de mesmo nome de Boris Pasternak Título Original: Bronenosets Potyomki (Encouraçado Potenkim) Gênero: drama de guerra Idioma original: russo Ano de produção: 1925 Tempo: 74 min Direção: Serguei Eisenstein Roteiro: Nina Agadjanova Título Original: Reds o Gênero: drama, romance o Idioma original: inglês o Ano de produção: 1981 o Tempo: 188 min. o Direção: Warren Beatty o Roteiro: Warren Beatty e Trevor Griffiths Título Original: Oktyabr': Desyat' dney kotorye potryasli mir (Outubro) o Gênero: drama o Idioma original: russo o Ano de produção: 1928 o Tempo: 95 min o Direçao: Grigori Aleksandrov e Sergei Eisenstein o Roteiro: Grigori Aleksandrov e Sergei Eisenstein o NOTAS DE IMAGENS Ilustração 1: Disponível em: http://conhecerahistoria12.blogspot.com.br/2011/11/do-fimdo-czarismo-urss.html acesso em: 20/04/2012 Ilustração 2: editada – Imagem de Kerenski e Princípe Lvov disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_Kerensky Acesso em: 20/04/2012 Imagem do Príncipe Lvov Disponível em: http://conhecerahistoria12.blogspot.com.br/2011/11/do-fim-do-czarismo-urss.html acesso em: 20/04/2012 Ilustração 3: editada – Disponível em: http://br.freepik.com/vetores-gratis/lenin-caricatura2_519018.html Acesso em: 29/04/2012 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERLIN Isaiah. O Populismo Russo, In: Os Pensadores Russos. São Paulo: Companhia das Letras. 1988 LÊNIN Vladimir. As teses de Abril. Disponível em: http://www.marxists.org/. Acesso em: 20/04/2012 LUXEMBURGO Rosa. A Revolução Russa. Petrópolis: Editora Vozes. 1991 REED John. Os dez dias que abalaram o mundo. São Paulo: Fulgor, 1963 REIS Daniel. As Revoluções Russas. In: O Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2000 FIGES, Orlando. A tragédia de um povo. Rio de Janeiro: Editora Record. 1999