COMUNICADO MÉDICO Surto de Microcefalia no Nordeste do Brasil. Carlos Brito, Kleber Luz, Artur Timerman, Estevão Portela Nunes, Marco Aurélio Sáfadi e José Luis A. Garcia. O Zika virus (ZIKV) tem sido responsável por importante surto de doença exantemática no Brasil, ocorrido no primeiro semestre de 2015, tendo o vírus sido inicialmente isolado em abril desde ano (1, 2). Em maio o Ministério da Saúde registrou a circulação do vírus atingindo diferentes unidades da federação, predominantemente no Nordeste do Brasil. Em outubro de 2015 médicos de dois estados do Nordeste, Pernambuco e Rio Grande do Norte, percebem um número incomum de casos de microcefalia nas maternidades da região metropolitana, com 17 casos internados em uma única maternidade em um período de sete dias. Relatamos os primeiros casos observados nestes dois estados, que foram comunicados as autoridades de saúde pública estadual e federal que iniciaram uma investigação que se encontra em andamento. Em Pernambuco, em quatro maternidades referência para gestação de alto risco, foram identificados 38 casos de microcefalia internados no período de 19 a 29 de outubro. As gestantes residem em 17 municípios diferentes. Os registros do Sistema Nacional de Nascido Vivos (SINAC), registrou em anos anteriores um número muito inferior de casos de microcefalia: 5 casos (2011), 9 (2012), 10 (2013), 12 (2014). Em 2015 já haviam registros 20 casos no sistema oficial de notificações, além daqueles investigados pela assistência (38 casos), caracterizando uma mudança expressiva no padrão de ocorrência. Nos últimos quatros anos há no estado de Pernambuco uma média de 114 mil nascidos vivos por ano. O calculo da taxa de incidência de microcefalias para este período (2011-2014) foi de 0,63/10.000 nascidos vivos que subiu para 4,03/10.000 nascidos vivos considerando os 58 casos detectados até outubro. Em anos anteriores a mediana de ocorrência era de 01 caso/mês, e só em outubro foram detectados 38 casos apenas nas maternidades avaliadas pelo grupo de médicos. Em Natal e em outras cidades do Rio Grande do Norte um total de 21 casos de microcefalia foram registrados também no mesmo período elevando de uma média histórica de 2/ 1000 nascidos vivos de má formação do sistem nervoso central para cerca de 24/1000 nascidos vivos, tendo havido um neomorto inclusive. No prmeiro semestre de 2015 um total de 75 casos de infecção, em pessoas saudáveis, pelo zika vírus foram confirmados por RT-PCR. No ambulatório de referência de grávidas de alto risco há, atualmente, nove grávidas sendo acompanhadas com fetos com microcefalia. Os recém-nascidos apresentam acentuada microcefalia, geralmente com perímetro cefálico (PC) menor que 29 cm, caracterizando abaixo do percentil cinco das curvas de crescimento para PC da OMS. O exame clinico e o exame neurológico realizado pelo neonatologista, exceto pela microcefalia, é normal. A maioria dos recém-nascidos são a termo ou próximo de termo com excelente sucção, quase todos em aleitamento materno exclusivo. A ultrassonografia transfontanela e a Tomografia computadorizada apresentaram algumas características em comum: microcalcificações periventriculares e tálamo-estriada, hipoplasia de vernix cerebelar e em alguns casos lisencefalia, compatível com algumas ultrasonografias fetais feitas nas grávidas durante a gestação. Cerca de 63% das gestantes em Pernambuco e 80% no Rio Grande do Norte apresentam relatos de doença exantemática no primeiro trimestre da gravidez, período em que infecções congênitas levam a malformações deste tipo. Os achados de imagem reforçam um padrão de infecção congênita. As pacientes realizaram protocolos padronizados de pesquisa de infecções congênitas no período pré-natal e perinatal para TORCH, que incluem toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus (CMV), herpes e sífilis que foram negativos. A possibilidade de arboviroses como um dos agentes a serem investigadas foi levantada baseado nos seguintes argumentos: a) Doenças associados a TORCH, incluindo CMV, pelas vias de transmissão, não está associado a grandes surtos, nem ocorrendo simultaneamente em diferentes cidades estados (3). b) Surgimento de muitos casos, em curto espaço de tempo, caracteriza doença com altas taxas de ataques e rápida dispersão, fenômeno associado a doença transmitidas por artrópodes. c) A maioria das mães relata ter tido quadro viral compatível com doença exantemática, acompanhada de prurido, no primeiro trimestre de gravidez, o que coincide com o período do surto de infecção pelo Zika vírus nestes estados. d) Zika tem um neurotropismo demonstrado por estudos em modelos animais (4) que produziram inclusão citopática e lesão nos neurônios e mais recentemente na Polinésia Francesa surgiram relatos de mais de 70 casos neurológicos que poderiam estar associados a Zika (5, 6). O Ministério da Saúde do Brasil investiga no momento casos neurológicos em adultos e crianças associados a ZikV ocorridos no inicio do ano. e) Outras arboviroses como Dengue endêmica e epidêmica na região, não estão associados a malformações congênitas (7) ou chikungunya que apesar de associado a doença perinatal, não há evidências de malformações (8), bem como a doença ainda não havia sido detectada nestes dois estados no inicio do ano. No momento não há como fazer nenhuma associação definitiva, porém em virtude do tipo de surto detectado há uma necessidade de buscar a etiologia e impedir ou reduzir casos adicionais no futuro. Uma investigação epidemiológica em profundidade como método (9) se faz necessário para testar todas as hipóteses que incluem causas primárias (genéticas) ou secundários (10), incluindo agentes ambientais e infecciosos habituais e novos, capazes de justificar o surto. 1. Zanluca C, De Melo VC, Mosimann AL, Dos Santos GI, Dos Santos CN, Luz K. First report of autochthonous transmission of Zika virus in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2015;110:569–72. 2. Gubio S. Campos, Antonio C. Bandeira, Silvia I. Sardi. Zika Virus Outbreak, Bahia, Brazil. Emerging Infectious Diseases Vol. 21, No. 10, October 2015 DOI: http://dx.doi.org/10.32301/eid2110.150847. 3. Sheetal Manicklal,Vincent C. Emery, Tiziana Lazzarotto, Suresh B. Boppana, Ravindra K. Gupta. The “Silent” Global Burden of Congenital Cytomegalovirus. Clinical Microbiology Review, 2013; 26 (1): 86-102. 4. DICK GW, ZIKA VIRUS (II). PATHOGENICITY AND PHYSICAL PROPERTIES. TROPICAL MEDICINE AND HYGIENE. 46 (5): 521-534. No. 5. September, 1952 5. Ioos S, Mallet P, Goffart I Current Zika, et al. virus epidemiology and recent epidemics Infections par le virus Zika et épidémies récentes. Médecine et maladies infectieuses 44 (2014) 302–307 6. Oehler E, Watrin L, Larre P. Zika virus infection complicated by Guillain-Barré syndrome – case report, French Polynesia, December Euro Surveill. 2014;19(9):pii=20720. 7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Diretoria Técnica de Gestão. Dengue : diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. 2011, 80p. 8. Xavier Fritel, Olivier Rollot, Patrick Gérardin, Bernard-Alex Gaüzère, Jacques Bideault, et al. Chikungunya Virus Infection during Pregnancy, Réunion, France, 2006. Emerging Infectious Diseases. 16 (3):418-25, 2010. 9. Arthur L. Reingold . Outbreak Investigations—A Perspective. Emerging Infectious Diseases. 4(1): 21-27, 1998. 10. MAJA VON DER HAGEN1 | MARK PIVARCSI2,3 | JULIANE LIEBE1 | HORST VON BERNUTH .Diagnostic approach to microcephaly in childhood: a two-center study and review of the literature. evelopmental Medicine & Child Neurology 2014, 56: 732–741 DOI: 10.1111/dmcn.12425.