O CLIMA E A PRODUÇÃO AGRÍCOLA: UMA ANÁLISE

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
TERRAS NEGRAS, DONOS BRANCOS: UMA ANÁLISE SOBRE O
PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO DE TERRAS NO NORTE DE
MOÇAMBIQUE E SUA IMPLICAÇÃO PARA AS COMUNIDADES
LOCAIS1
Lucas Atanásio Catsossa2
Resumo
Este artigo constatou que as relações que se estabelecem entre as políticas
públicas e as legislações aprovadas e em vigor no país, atenderam os interesses
alheios às comunidades locais desde que Moçambique existe como Estado-Nação.
Entender este processo configura-se de grande importância para provar que a terra
embora nacionalizada após a independência a favor do Estado, estas políticas e
legislações pouco favoreceram as comunidades, principalmente os pequenos
produtores rurais.
Palavras-chaves: Comunidades locais; Norte de Moçambique; Expropriação;
ProSavana.
Introdução
O presente trabalho versa sobre o processo de expropriação da terra dos
pequenos agricultores no norte de Moçambique na perspectiva de inferir os impactos
sociais que através deste processo se pode esperar neste espaço geográfico dado a
migração de projetos e empresas ligadas ao agronegócio que já é uma realidade em
alguns pontos desta região do país. O agronegócio que entra no país por várias
empresas e projetos de desenvolvimento apoiados pelo Estado, traz consigo
discursos positivistas, os de maior produtividade, ocultando o seu carácter
controverso o que coloca as famílias afetadas por estes projetos cada vez mais sem
1
Trabalho do mestrado em Geografia orientado pelo Professor Doutor Edvaldo César Moretti do
programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD,
MS). Email de contacto: [email protected]
2
Geógrafo formado pela Universidade Eduardo Mondlane (UEM, MZQ) e mestrando em Geografia
pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD, MS-Brasil). Membro e colaborador
estrangeiro de pesquisas do Grupo de Pesquisa Território e Ambiente (GTA-CAPES). Bolsista do
PEC-PEG-CAPES/CNPq-Brasil. E-mail de contacto: [email protected]
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ter chaves suficientes para prever o seu futuro e o que garantirá a sua existência.
Fabrini e Ross (2014) clarificam que o discurso do agronegócio aponta para a
importância económica, pois este seria responsável pela elevação da produção
agrícola, geração de emprego, superávit da balança comercial etc [...] os benefícios
económicos se traduziriam em benefícios sociais [...]. Alias, Fabrini e Ross (2014,
p.7), tentam trazer a mesa o debate sobre o agronegócio, mostrando os dois lados
que este ostenta, o positivo e o controverso, asseverando que “o agronegócio, é por
um lado sinônimo de produtividade, do outro é excludente, promotor da miséria,
degradação ambiental, violência e tantas outras barbáries”. Outro autor que o trata
de ser controverso é Fernandes (2009), referindo-se que
“O processo de construção da imagem do agronegócio oculta seu caráter
concentrador, predador, expropriatório e excludente para dar relevância
somente ao caráter produtivista, destacando o aumento da produção, da
riqueza e das novas tecnologias. Todavia, a questão estrutural permanece.
Do trabalho escravo à colheitadeira controlada por satélite, o processo de
exploração e dominação está presente, a concentração da propriedade da
terra se intensifica e a destruição do campesinato aumenta. [...]”
(CAMACHO, 2012, p.4)
Na mesma linha de pensamento, Camacho (2012, p.4), tece que o “discurso
ideológico de produtividade e modernidade do agronegócio visa esconder a
verdadeira essência estrutural que fundamenta a sua existência: a concentração de
terra e renda e a exploração do ser humano e da natureza, exploração esta que
chega ao limite do retorno ao tempo colonial com a ocorrência, muitas vezes, de
trabalho análogo ao escravo”.
“o agronegócio é a contradição que pode ser sintetizada,
concomitantemente, nos termos: “Barbárie e Modernidade”, isso significa
dizer que esse modelo agrário-agrícola nacional apresenta uma roupagem
moderna de alta produtividade (que em se tratando de alimentos é mentira,
pois quem mais produz é a pequena propriedade), com tecnologia
avançada, produção de commodities, etc. Por outro lado, esconde,
ideologicamente, suas raízes intrinsecamente ligadas ao modelo
latifundiário colonial nacional de plantations e, logo, a sua exclusão social e
degradação ambiental como continuidade” (OLIVEIRA, 2003 citado por
CAMACHO, 2012, P.5).
A expressão “terras negras, donos brancos” empregue neste trabalho, ilustra a
forma como a espoliação branca se deu no momento pós-independente em
Moçambique com a entrada do capitalismo (1984-1987) que foi sendo materializado
através de projetos de desenvolvimento no meio rural, foi acompanhado com
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expropriação, privatização e expulsão dos pequenos agricultores das terras férteis
para terras marginais (inaptas) para a prática da agricultura, sua base de
sobrevivência, se não o garante da sua existência. A terra diferentemente do Brasil
onde ocorre regime de propriedade privada, em Moçambique ocorre o regime de
propriedade pública desde a independência em 1975, fato que a primeira
Constituição da República já mencionava.
Em Moçambique a terra foi nacionalizada por força da Constituição da
República Popular de Moçambique que estabeleceu, no 1º parágrafo do seu
artigo 8: “a terra e os recursos naturais situados no solo e no subsolo, nas
águas territoriais e na plataforma continental de Moçambique são
propriedade do Estado. O Estado determina as condições do seu
aproveitamento e do seu uso[...]” (MOSCA, 2011 citado por MAFAVISSE,
2014, p.63).
A terra para muitas nações do mundo, em particular africanas, constitui um
bem sagrado e de reprodução da sociedade e também vinculado à materialização
de atividades econômicas, como, por exemplo, a agricultura familiar, que tem sido à
base de sobrevivência de muitas populações rurais. Para a sociedade moçambicana
a terra desempenha um papel crucial, pois além de ser uma fonte de reprodução
social desse grupo, significa ao mesmo tempo um elo com os seus antepassados,
transformando-se num espaço adequado para a sacralização das relações
espirituais. A terra exerce também para esta sociedade a função econômica que se
materializa na prática da agricultura familiar, que na visão de Mosca (2014) “constitui
a atividade económica que ocupa grande parte da população, podendo alcançar
mais de 75% dos cidadãos”, sendo que na visão de Cabanelas, Dolores e Matavel
(2011) “a agricultura emprega cerca de 80% da população do país, famílias
camponesas constituem 99,6% de todos os estabelecimentos agrícolas e controlam
95,19% da área cultivada total".
É nesta perspectiva dos impactos sócio-ambientais negativos e conflitos
territoriais emanados no agronegócio que o presente artigo pretende analisar e
também objetiva reiterar o fato de a agricultura constituir um meio de subsistência e
de sobrevivência familiar predominante das comunidades rurais moçambicanas,
atividade esta que depende extremamente da disponibilidade da terra, podendo
desta feita, contribuir para um debate sobre expropriação de terras e suas
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implicações em Moçambique.
O conjunto metodológico utilizado neste artigo é
composto por revisão teórica (empírica e focalizada), observação (direita e indireta)
e reflexão acerca da realidade territorial moçambicana enquanto um espaço em
profundas mudanças.
Marginalização dos produtores rurais em Moçambique: Da privatização e
expropriação inacabada aos jogos de interesses sobre a terra.
A marginalização e jogos de interesses sobre a terra que tomou conta das
terras dos pequenos agricultores no meio rural hoje em Moçambique, data dos
momentos em que este era colónia de Portugal.
Logo nos primeiros anos que se seguiram à independência de Moçambique, os
pequenos agricultores pensaram que a retirada dos portugueses e a desocupação
das terras por estes últimos, seria uma oportunidade de terem novamente acesso a
essas terras. Entretanto, não foi o que se sucedeu em decorrência da
nacionalização das terras pelo Estado. Neste cenário, os pequenos agricultores
sentiram-se expropriados de suas terras pela segunda vez, sendo a primeira pela
colonização portuguesa e a segunda pelo próprio Estado moçambicano, no
momento em que as nacionalizou (MAFAVISSE, 2014, p. 63). Já Abrahamsson e
Nilsson (1994) apontam que “o discurso político oficial considerou como uma
restituição coletiva das terras que o poder colonial português tinha roubado. Sob o
ponto de vista dos camponeses, na prática houve uma perda repetida das terras que
já tinham sido recuperadas após a partida dos portugueses [...], considerando que
os camponeses tinham feito a sua própria “reforma agrária”, voltando a ocupar as
suas antigas terras” (MAFAVISSE, 2014, p. 64).
É crítico que mesmo com a independência, com a nacionalização das terras e
posteriormente com a promulgação da Lei de terras em 1997 (Lei nº 19/97 de 1
Outubro),
o capitalismo continuou assumindo características (neo) colonialistas,
sendo elas, privatizadoras e expropriadoras de terras dos pequenos agricultores e
consequentemente a expulsão destes para terras marginais (inaptas) para a prática
da agricultura, sua base de sobrevivência com a migração de projetos de
desenvolvimentos (vulgos mega-projetos) no meio rural. Diante disso há que
socializar-se com a tese defendida pela Professora Doutora Inês Macamo Raimundo
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na entrevista dada ao Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
quando diz que “os mega-projetos vem e estão no contexto de desenvolvimento na
corrida para África (...) quando os mega-projetos chegam, o argumento é que isto vai
ajudar a criar emprego, vai permitir o desenvolvimento, há vezes que estes megaprojetos não estão a criar o desenvolvimento3”, pois no meio rural em Moçambique,
verifica-se o subdesenvolvimento, onde esses projetos expropriam terras dos
pequenos produtores, expulsando-os para terras marginais (inaptas) para a prática
da agricultura4, fator que leva a estagnação da sua economia, consequentemente
insegurança alimentar (fome), tornando-os dependentes das empresas.
No norte de Moçambique, por exemplo, a expulsão dos produtores rurais, está
em processo de efetivação, onde além do ProSavana cuja extensão territorial é de
cerca de 14 milhões de hetares de terras, estão também a MOZARCO e o Grupo
Espírito Santo, numa área de 2.389 hectares, AgroMoz numa área de 200 hectares,
Agro Alfa, Agro Rei e New Horizons, numa área de 300 hectares, para além da
moçambicana Intelec e da brasileira Pinesso e a portuguesa Grupo Américo Amorin,
todos eles virados para o agronegócio, diz-se que as terras que pretendem ser
usadas são desocupadas, o que não constitui verdade, pois a verdade é que em
Moçambique predominam povoamentos dispersos e é mais notório no meio rural.
ProSavana: O envolvimento que pode levar Moçambique a condenar as
comunidades locais a permanecer na pobreza ao longo do Corredor de Nacala
Há quem preferem chamar o ProSavana de um “projecto neo-colonialista”
UNAC (2012), citado por Chichava et all (2013) e a quem ainda prefere chamar “uma
nova era de plantações coloniais no norte de Moçambique” (UNAC e GRAIN, 2015)
e Classen (2013) recorrendo JICA (2009; Hosono 2012) trata o de “Programa de
Parceria Brasil-Japão para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical de
Moçambique” e não como é tratado hoje em Moçambique de “Programa de
Cooperação trilateral para o Desenvolvimento Agrícola da Savana Tropical em
3
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?=y4rCSi7pT0I
Empresas mineiras de exploração de carvão mineral (caso de Moatize em Tete), de extração de
areias pesadas (Moma em Nampula) e de biocombustíveis (Gaza). Para mais detalhes, veja:
Cabanelas, Dolores & Matavel (2010), Selemane (2010), Catsossa (2014), Human Rigths Watch
(2013), Mosca & Selemane (2011,2012), Suárez & Jr (2010).
4
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Moçambique” ao se observar a linha do tempo dos encontros conjuntos mantidos
por oficias dos governos brasileiro e japonês que levaram à cooperação no âmbito
do ProSavana5. Para Chicava et all (2013), o ProSavana é sem dúvida, o mais
importante programa de cooperação técnica agrícola do Brasil atualmente em curso
fora deste país. Já Chicava e Dúran (2013), tratam-o como sendo talvez a mais
ambiciosa e cativante iniciativa brasileira da história recente da sua cooperação
internacional para o desenvolvimento em África, fato que questionam: o Brasil na
agricultura moçambicana, parceiro de desenvolvimento ou usurpador de terras?
O País (2014) aponta que cerca de 400 mil será o número de produtores
diretamente afetados. Já o Plano Diretor do ProSavana (2013), revela também que
os pequenos agricultores, são os que constituem a maioria dos agricultores da
região, dependem da agricultura de subsistência e possuem acesso bastante
limitado a uma renda que não resulte da atividade agrícola onde a maioria dos
habitantes locais vive sob circunstâncias de limitada interação econômica com
outras localidades.
Mapa 1. Área de abrangência do ProSavana (Corredor de Nacala). Fonte: Plano Director do
ProSavana (2013).
Esta iniciativa é inspirada na experiência de desenvolvimento da savana
tropical brasileira (conhecida por Cerrado), levada a cabo através de um programa
5
Para mais detalhes, veja: Classen (2013).
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de cooperação de 30 anos entre o Japão e o Brasil, o Prodecer (CHICHAVA e
DÚRAN, 2013; CHICAVA et all, 2013). O ProSavana foi acusado de à semelhança
do que aconteceu com o Prodecer no cerrado brasileiro poder reproduzir a
“escravatura” no corredor de Nacala e de que apenas irá enriquecer alguns políticos
e empresários, deixando as populações locais mais dependentes deles (BELLUCI,
2011 citado por CHICHAVA et all (2013). Organizações brasileiras como a FASE,
consideram que o ProSavana, um programa assente em modelos de monoculturas
destinadas à exportação, vai prejudicar os camponeses locais e não vai contribuir
para reduzir a insegurança alimentar (MELLO, 2013 citado por CHICHAVA et all,
2013). A mesma tese é defendida pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos
citado pelo O País (2013), apontando que o ProSavana não vai resolver o problema
de alimentação dos moçambicanos porque 90% da alimentação dos moçambicanos
é feita pela economia camponesa.
O acordo triangular, de aparente complementaridade entre o mercado
importador japonês, as tecnologias brasileiras e as terras moçambicanas, em
execução desde 2011, já mostrou seu potencial de controvérsias. Mas por que
mesmo com as críticas que estão sendo levantadas desde que este foi tornado
público em 2011 até hoje, os atores participantes não fazem das críticas para
melhorar o ambiente deste projeto, clarificando-o? Há que responde, asseverando
que:
“As elites políticas e empresariais moçambicanas estão desejosas de
reproduzir a experiência do cerrado brasileiro, bem como de imitar o papel
da EMBRAPA como empresa líder em pesquisa agrícola ao nível mundial.
Estão também entusiasmadas com a eventual entrada de investimento
privado e com a modernização da agricultura moçambicana (...) o
Prosavana é, por um lado, visto como representando a concretização da
modernização do campo dominante no imaginário da elite dirigente
moçambicana, e, por outro lado, devido às possibilidades de benefício
económico individual e colectivo” (CHICHAVA et all, 2013, 422.p),
Está claro que o ProSavana (agronegócio), é mais um interesse alheio as
comunidades locais, que entram com os mesmos discursos que vai criar o
desenvolvimento, tanto para o país como para as comunidades locais afetadas e
que vai melhorar as condições de vida das mesmas, que vai criar emprego como
num passado recente se disse, escondendo o seu lado controverso, pois trata-se de
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mais uma referência no que tange a privatização e expropriação de terras de
pequenos agricultores que vivem nestas terras e fazem delas para a prática da
agricultura, sua base de sobrevivência. Autores como Chichava et all (2013),
Chichava e Dúran (2013), ORAM (2013), Classen (2013), O País (2013, 2014),
Fátima Melo (2014) citado por Chichava et all (2013), partilham a ideia de que este
projeto no cerrado brasileiro, trouxe impactos sócio-ambientais negativos, pois levou
à degradação do ambiente e às comunidades indígenas que habitavam nas áreas
onde foram afetadas quase extinguiram devido a extrema expropriação e
privatização das terras, que aconteceu e hoje
a preocupação é enorme em
Moçambique, não só por partes das comunidades locais, principalmente os
produtores rurais, mas também por parte de acadêmicos e organizações da
sociedade civil desde que o ProSavana foi tornado público em 2011, cujo estes vêm
dizendo não a privatização da terra em Moçambique como palavra de ordem.
Foto 1. Protestos populares contra a implementação do ProSavana no norte de Moçambique. Fonte:
@Verdade (2015).
Alias, Chichava et all (2013), no seu trabalho, já dava conta que a sociedade
civil moçambicana, tem expresso preocupação relativamente aos potenciais
impactos negativos, em termos de inclusão social e também de sustentabilidade
ambiental. Já O País (2013), vai mais além, apontando que a maior preocupação
das organizações da sociedade civil é o ProSavana, pois acreditam que este, trará
impactos negativos irreversíveis para as famílias afetadas, tais como surgimento de
famílias e comunidades sem terras em Moçambique como resultado dos processos
de expropriações de terras e consequentemente reassentamentos; frequentes
convulsões sociais e conflitos sócio-ambientais nas comunidades ao longo do
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Corredor de Nacala e o agravamento e aprofundamento da miséria nas famílias das
comunidades rurais e redução de alternativas de sobrevivência e de existência. Na
visão do sociólogo Boaventura de Sousa Santos citado pelo O País (2013)
implementar o ProSavana, seria a maldição de abundância que Moçambique está
prestes a viver, visto que trata-se de um longo processo de usurpação de terra,
expulsão dos camponeses, de destruição ambiental.
Na verdade esses discursos positivistas sobre o ProSavana que irá melhorar a
vida das comunidades locais, mostram claramente que é uma via de manipular as
comunidades locais para aceitar a sua implementação, porque nota-se que são
discursos enganadores, há muitas promessas em jogo, mas quase nada se cumpre,
ou seja, os discursos sempre estiveram distantes da prática, pois a experiência
passada dos projetos de desenvolvimento no meio rural, revelam impactos negativos
mesmo que os discursos sejam positivistas, que vão criar desenvolvimento,
melhorar condições de vida e criar postos de emprego para as comunidades locais6.
Alias, como Fabrini e Ross (2014) mostram, o discurso do agronegócio aponta
para a importância económica, pois este seria responsável pela elevação da
produção agrícola, geração de emprego, superávit da balança comercial etc [...] os
benefícios económicos se traduziriam em benefícios sociais [...] e para os autores, o
agronegócio é uma “nova” face da agricultura capitalista que esconde o “velho”
carácter especulativo da agricultura capitalista (rentista) e superexploração da força
de trabalho, a exemplo das condições de trabalho, análogas á escravidão [...]. A
geração de emprego que o ProSavana, discurso
este é propagado em
Moçambique, pode ser mais um mito, pois no Brasil, o país de origem do projeto, as
pessoas foram substituídos pelas máquinas, o que gerou desempregos.
Fabrini e Ross (2014, p.28) asseveram que “a geração de emprego, direto e
indireto, se constitui outro mito do agronegócio (...) além da baixa remuneração
proporcionada aos trabalhadores (cortadores da cana, principalmente), os postos de
trabalho gerados pelo agronegócio não se igualam aos gerados pela pequena
propriedade (...).” A mesma fonte citando dados do Instituto Nacional de Pesquisas
da Amazônia (Inpa), destacou que a soja, por exemplo, gera apenas um emprego
6
Para mais detalhes, veja: Cabanelas, Dolores & Matavel (2010), Catsossa (2014), Human Rights
Watch (2013), Mosca & Selemane (2011, 2012), Selemane (2010) e Suárez & Jr (2010).
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para cada 167 a 200 hectares, em vista do elevado grau de mecanização desta
atividade. Mas, como é que o ProSavana não irá reproduzir os conflitos sócioterritoriais no que tange o aceso e manutenção da terra e violências ao longo do
corredor de Nacala se até hoje o mesmo agronegócio transportado para
Moçambique ainda revela estes impactos no Brasil? Como é que o ProSavana será
o motor de desenvolvimento, de melhoria das condições de vida das comunidades
locais, de criação de emprego e como não vai desalojar as populações afetadas se
num passado recente se disse quase o mesmo e que os resultados revelaram o
contrário? Como, de que forma e em que sentido os 400 mil pequenos produtores
rurais que vivem da extrema vulnerabilidade da pobreza, se beneficiaram deste
investimento uma vez que a produção do agronegócio é destinada para a
exportação? Como o ProSavana, garantirá a segurança alimentar e a livre escolha
do camponês em produzir alimentos de acordo com as suas decisões soberanas?
Considerações finais
Com base na discussão levantada neste trabalho, notou-se que desde a
existência de Moçambique como Estado-Nação, as políticas públicas implementadas
no meio rural decorrentes do investimento estrangeiro materializado através da
implementação de projetos de projetos e desenvolvimentos, pouco beneficiaram as
comunidades locais. Todavia, nota-se que desde independência mesmo com leis
aprovadas a garantir o acesso e manutenção da terra por parte das comunidades
rurais, continuou sendo problema até os dias atuais, onde se nota a privatização e
expropriação de terras dos pequenos agricultores e expulsão dos mesmos para
terras marginais (inaptas) para a prática da agricultura, sua base de sobrevivência e
de existência, muita das vezes colocando-os cada vez mais vulneráveis a pobreza
que já se encontram e dependentes das empresas.
O mais problemático projeto que entra com visão desenvolvimentista, de
criação de emprego e de melhoria das condições de vida das populações, se não de
transformá-las em produtores competitivo como o discurso ideológico o legitima e
que já está criar conflitos e manifestações populares no que tange ao acesso e
manutenção da terra é o ProSavana, projeto que inspira-se no Prodecer, o já projeto
desenvolvido na década de 70 numa parceria Brasil-Japão no cerrado brasileiro em
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que há uma unanimidade nas fontes sejam brasileiras, moçambicanas e até
japonesas de que este projeto trouxe impactos sócio-ambientais negativos e temese que o mesmo venha ocorrer em Moçambique, sobretudo a expulsão e
marginalização das comunidades locais cuja as terras estarão concentradas nas
mãos do agronegócio, desmatamento florestal, contaminação de recursos hídricos
devido a utilização intensiva de agrotóxicos, pesticidas e fertilizantes químicos e um
intenso êxodo rural.
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