Parte do texto de Severo Hryniewicz, retirado do site: http

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Parte do texto de Severo Hryniewicz, retirado do site:
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A codificação das normas
A polêmica Savigny x Thibaut sobre a Codificação do Direito Alemão.
Quanto à inoportunidade da codificação, isto é, da elaboração de um código civil para a Alemanha,
as posições de Savigny recebem um forte ataque de um outro grande jurista alemão, contemporâneo de
Savigny, Antonius F. J. Thibaut (1772-1840).
Em termos absolutos, Savigny não se opunha à codificação, isto é, à elaboração de um código de
direito positivo que tivesse aplicação comum a todos os principados alemães. No entanto, ele afirmava que tal
codificação só deveria ser feita em um momento oportuno, e esse momento seria aquele em que a cultura
jurídica estivesse em alta, o que não estava ocorrendo, pois a Alemanha encontrava-se num período de crise
do saber jurídico. Thibaut defende tese contrária, pois entende que o tal momento adequado do qual fala
Savigny jamais viria.
Em 1814, Thibaut publica a obra Sobre a necessidade de um direito civil geral para a Alemanha, na
qual defende que o momento adequado para a codificação teria chegado - a ocupação francesa tinha sido
superada. Thibaut não via na tradição e nos costumes, diferentes em cada região da Alemanha, um meio de
recuperação do sentimento germânico, mas, ao contrário, os via como causa de aprofundamento das
dissensões. Assim, segundo Thibaut, apoiado por Heise, uma codificação que tivesse por base as discussões
dos filósofos prussianos - particularmente Hegel - e austríacos, além dos códigos já esboçados tanto na
Prússia quanto na Áustria, ainda que de cunho iluminista, teria o mérito não só de dar uma certa unidade às
sentenças dos magistrados, como também serviria de base para posteriores debates entre estudiosos do direito.
Além disso, os próprios cidadãos seriam favorecidos pela unidade jurídica, o que, por sua vez, favoreceria a
unificação da Alemanha.
Quanto ao projeto de alguns de implantação do Código Civil Francês, o Code de Napoleão (1804) na
Alemanha, Thibaut reage contrariamente entendendo que cada povo tem suas especifidades. Esta convicção
de Thibaut é clara na medida em que antes mesmo do Code, já tinha publicado uma obra na qual esboça as
linhas gerais de uma legislação alemã - Sistema do direito das Pandectas -, que será seguida da obra de Heise:
Fundamentos de um sistema do direito civil comum (1807). Por esse motivo, Thibaut e seus seguidores, além
de serem classificados como positivistas (Landsberg, História da ciência jurídica alemã), também são
denominados de pandectitas.
No conjunto da obra de Thibaut podem ser sentidos os reflexos da filosofia de Fichte (1762-1814) e
Hegel (1776-1831), os dois maiores expoentes do chamado idealismo alemão. De Fichte, sente-se a reação
contra a inserção estrangeira na cultura nacional (Discursos à nação alemã, 1808); de Hegel, a tese da
produção do direito por parte de um poder legislativo submisso ao soberano (Filosofia do direito, 1821).
Além disso, de Hegel retira a idéia de que a história é dialética (em permanente transformação) e que a
tradição de um povo não deve ser tida como já perfeita e acabada, mas deve ser melhorada. Uma codificação
traria consigo a possibilidade de melhorar a tradição.
Ainda que a codificação alemã só venha a acontecer em 1900, a polêmica entre Thibaut e Savigny e
seus seguidores contribuiu grandemente para o desenvolvimento do pensamento jurídico alemão e para a
superação do jusnaturalismo. Tanto Savigny quanto Thibaut favoreceram a difusão do positivismo na cultura
jurídica alemã.
4.2.2. O Code Napoléon e a Escola da Exegese na França
Ainda que o Corpus juris civilis de Justiniano tenha exercido uma influência muito grande em todo o
Ocidente, tanto na Idade Média quanto na Modernidade, o direito contemporâneo, conforme compreendido na
maioria dos países europeus e naqueles que receberam sua influência - incluindo o Brasil -, tem como modelo
o Código Civil Francês. Nos lugares onde este teve influência, o direito passou a ser pensado sobretudo como
código.
Elaborado a pedido de Napoleão, entrou em vigor em 1804; em sua segunda edição (1807), tomou o
nome de Code Napoléon, conforme é conhecido até hoje. Sinônimo de modernidade e racionalidade jurídicas,
o Code é considerado por muitos a maior produção cultural da França do século XIX.
Ainda que seja contrário a muitas de suas teses, o Code está intimamente ligado ao movimento
iluminista francês. Como se sabe, mais do que um simples movimento de idéias filosóficas, o iluminismo
francês assumiu a força de um movimento político e revolucionário, co-responsável pela destronização do
Antigo Regime. Um dos conteúdos doutrinários do iluminismo era o da necessidade de substituição de todos
os resquícios daquilo que eles julgavam ser sinal de atraso; o atraso estava ligado sobretudo ao despotismo e
ao poder da Igreja. Os iluministas entendiam que em todas as áreas - na política, no direito, na educação, nas
ciências, na religião -, era necessário fazer com que as luzes da razão (lumen = luz) se fizessem presentes,
para tornar possível uma vida mais tranqüila e feliz.
No que tange o direito, pensavam eles que o caos jurídico existente na França de então, e em muitos
outros lugares, era sinal de irracionalidade e atraso. Eles estavam convencidos que por trás da selva de normas
arbitrárias e complexas dos direitos históricos, existia o verdadeiro direito, simples e unitário. Para acessá-lo
bastaria fazer bom uso da razão. Da mesma maneira como a razão descobre as leis simples que ordenam a
natureza em geral, ela seria capaz de descobrir o essencial da esfera jurídica. Observe-se que entre os
iluministas, em especial em Rousseau e Voltaire e entre os enciclopedistas (Diderot, D’Alembert), mantémse a defesa da supremacia do direito natural. Assim, esses autores defendiam a necessidade de elaborar
racionalmente o direito natural, dando-lhe um caráter universal e unitário.
No Discurso sobre a origem das desigualdades entre os homens, Rousseau defendeu a tese de que a
origem da corrupção dos homens reside na vida social poluída pelo excesso de leis, muitas delas arbitrárias e
injustas. A idéia de simplificar o direito, através de um trabalho meticuloso da razão, influenciou os juristas
franceses que, de algum modo, estiveram ligados à elaboração do Code.
4.2.2.1. Breve história do Code Napoléon
De modo simplificado, pode-se afirmar que a história da produção do Code teve dois momentos
principais: o primeiro está ligado aos projetos de codificação de inspiração iluminista e jusnaturalista,
apresentados no período imediatamente pós-revolucionário, e o segundo momento é o da comissão instalada
por Napoleão em 1800.
Entre 1793 e 1799 foram apresentados à Convenção e ao Diretório, quatro projetos de codificação,
não sendo nenhum deles aprovado. Dos quatro projetos, os três mais importantes foram de autoria de
Cambacéres (1793, 1794 e 1796) e o quarto do juiz Jacqueminot (1799), que sequer foi discutido.
Dos três projetos apresentados por Cambacéres, o primeiro, de inspiração individualista-liberal, foi
rejeitado por ter sido considerado pouco filosófico e demasiado técnico (719 artigos), daí ser contrário ao
ideal de simplicidade aspirado pelos filósofos iluministas; o segundo, menos técnico e mais simples (287
artigos) era inspirado em três princípios fundamentais, correspondentes às três exigências básicas para a vida
do homem em sociedade: ser dono de si mesmo; possuir bens e poder dispor dos bens. As inúmeras polêmicas
causadas por esse projeto fizeram com que o próprio autor o retirasse de pauta. O terceiro projeto representou
uma guinada ao passado. Cambacéres observara que a voz dos tradicionalistas tinha retomado a importância
anterior e que um "código de natureza", simples e unitário, conforme o sonho iluminista, nunca seria
aprovado. Por isso reveste seu projeto de maior elaboração técnica (1004 artigos), dando realce a elementos
da tradição jurídica francesa, anteriormente criticados pelos iluministas.
Observe-se que o terceiro projeto, amplamente discutido e quase aprovado, representou o abandono
de muitas teses do jusnaturalismo, aproximando-se em muitos aspectos do juspositivismo. Ainda que não
tenha sido aprovado, os historiadores do direito francês consideram que o terceiro projeto de Cambacéres teve
influência sobre o Code.
Note-se, por outro lado, que independente da influência que tenham exercido sobre o Código de
1804, os projetos da década de 1790 representaram a união de progressistas e conservadores em torno da idéia
de que era necessário elaborar um código único, válido para toda a França, superando as divergências entre o
sul - onde vigorava o direito escrito (droit écrit), de inspiração romana - e o norte - onde vigorava o direito
dos costumes (droit coutumier).
Estava, assim, preparado o terreno para que Napoleão realizasse a obra, que ele mesmo considerou
como seu mais importante feito do ponto de vista político.
Logo depois de ter-se tornado cônsul da França em novembro de 1799 (18 de Brumário), Napoleão
constituiu uma comissão de juristas a quem delegou a tarefa de preparar o Código.
A comissão foi constituída dos seguintes juristas: Tronchet, Maleville, Bigot-Préameneu e
Portalis.
Jean Etienne Marie Portalis (1746-1807) é o mais importante, tendo se destacado tanto no cenário
político, quanto na elaboração propriamente dita do Código. Na obra Do uso e do abuso do espírito filosófico
durante o século XVIII, Portalis revela sua posição básica: é necessário eliminar do campo jurídico o excesso
de doutrinas filosóficas. As doutrinas filosóficas de então se constituíam sobretudo de argumentos favoráveis
ao jusnaturalismo. Portalis defende a necessidade da objetividade do direito. Para tanto, é necessário livrá-lo
da subjetividade das conjecturas filosóficas. Em sua defesa da objetividade do direito, Portalis acaba por
atacar o jusnaturalismo. Ainda que não seja um positivista ardoroso, como os membros da Escola Exegética,
Portalis pode ser considerado seu mais notável predecessor.
A Comissão preparou um projeto que foi discutido e votado pelo Conselho de Estado. A maioria das
sessões foram presididas pelo próprio Napoleão (57 de 102), que demonstrou habilidade - e muitas vezes fez
valer sua autoridade - na superação de impasses durante as sessões. À medida que iam sendo votados os
títulos, eram promulgados como leis separadas. Em 1804 foi feita uma primeira coletânea com 34 títulos
(Code Civil des Français) e, em 1807, a definitiva, que recebeu o nome de Code Napoléon.
4.2.2.2. A Escola Exegética e o Juspositivismo
Uma vez promulgado o Código, diante de sua imponência e magnitude, desenvolveu-se, na França,
uma vertente ou escola de pensamento jurídico que entendeu que o Código representava o direito em sua
completude, cabendo aos juristas e juizes somente a tarefa de interpretá-lo e aplicá-lo devidamente, sem dar
margens à elaborações que viessem a destoar de seu esprit. Essa escola ficou conhecida como a Escola
Exegética Francesa e predominou durante todo o século passado, sendo que, somente no final desse mesmo
século, recebeu críticas da chamada Escola Científica.
O surgimento dessa escola está ligado particularmente à polêmica quanto à interpretação do art. 4 do
Code. O artigo 4 diz: O juiz que se recusar a julgar sob pretexto do silêncio, da obscuridade ou da
insuficiência da lei, poderá ser processado como culpável de justiça denegada.
Portalis, em seu discurso de apresentação do Código ao Conselho de Estado, afirma que a intenção
do artigo era a de deixar a possibilidade da livre criação do direito por parte do magistrado. Segundo o
próprio autor do texto da lei, um Código, por mais bem elaborado e completo que seja, nunca será
suficientemente abrangente no sentido de resolver todas as querelas. É preciso que se dê ao juiz a capacidade
de decisão segundo seu arbítrio e bom senso. Na obra citada, Portalis diz: Quando a lei é clara, é necessário
segui-la; quando é obscura, é necessário aprofundar suas disposições. Na falta da lei, é necessário consultar
o uso ou a eqüidade. A eqüidade é o retorno à lei natural, no silêncio, na oposição ou na obscuridade das
leis positivas (p. 5; Apud, BOBBIO, Op. cit., p. 77).
Não foi assim que pensaram muitos autores, como Duranton, Aubry, Rau, Demolombe, Bugnet e
Troplong, que foram os mais conhecidos seguidores da vertente exegética. Segundo eles, nenhuma abertura
deve ser dada à criatividade legislativa do magistrado.
Esses autores, e muitos outros que expressaram opiniões convergentes, foram nomeados professores
das Escolas de Direito, criadas por Napoleão. Defendiam a idéia de que todo o direito estava contido no
Código e os estudos jurídicos não deveriam ultrapassar uma interpretação fiel de seu conteúdo. Segundo
descreve um aluno de Bugnet, o ensino que ele ministrava consistia em tomar cada artigo, lê-lo atentamente,
dissecá-lo, salientar cada palavra em destaque e depois, para retirar os excessos teóricos que a lei possuía,
dava um exemplo vivo, animado, atraente.
Esse é um bom exemplo do que significou a Escola Exegética. Tratar a lei como intocável e
preocupar-se em tão somente descobrir seu conteúdo, essas seriam a atitude adequada a um jurista e a
aspiração máxima de um estudioso e aplicador da lei.
As principais teses defendidas pela Escola Exegética foram assim resumidas por Norberto Bobbio
(Op. cit., p. 84 e ss.):
a) O direito positivo é mais importante e significativo, do ponto de vista
prático, do que o direito natural. O direito natural, embora exista, é irrelevante
para o jurista. O mote de Aubry era: Toda a lei... nada a não ser a lei.
b) As normas jurídicas são exclusivamente as postas pelo Estado. As
únicas leis que têm valor jurídico são as promulgadas pelo estado; as leis naturais e
morais são boas, mas destituídas de caráter jurídico. O jurista só deve se preocupar
com as primeiras.
c) A interpretação da lei deve ser exclusivamente fundada na intenção do
legislador. Quando a lei é obscura ou omissa deve-se estabelecer qual seria a
vontade do legislador naquele caso. Para tanto, é necessário levar-se em
consideração um conjunto de pressupostos, que constituem as chamadas técnicas
hermenêuticas. Esses pressupostos seriam: o estudo dos trabalhos preparatórios da
lei, o estudo da finalidade da lei, o estudo da linguagem legislativa, o estudo das
relações lógico-sistemáticas das leis, que venha a estabelecer um nexo de nãocontradição entre o que diz o conjunto das leis e aquilo que vislumbra o intérprete
etc...
d) O culto do texto da lei. Dizia Demolombe a respeito: A minha máxima,
a minha profissão de fé é: os textos acima de tudo!
e) O recurso ao princípio da autoridade. O argumento Ipse dixit (Assim
falou) é comum aos autores desta escola, tanto ao se referirem aos conteúdos do
Código, quanto ao se referirem aos autores que adquiriram fama por seus
comentários.
A Escola Exegética representou uma das maiores manifestações do positivismo jurídico do século
passado, podendo, inclusive, ser a ela atribuída o pioneirismo enquanto tanto na Alemanha de Thibaut e
Savigny, quanto na Inglaterra de Bentham e Austin não houve um contexto tão favorável ao juspositivismo
quanto na França de Napoleão. Diga-se que, por motivos políticos, o positivismo jurídico interessava ao
próprio Napoleão.
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