TRATADOS DE AMOR: UMA ANÁLISE DAS OBRAS DE PIETRO

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TRATADOS DE AMOR: UMA ANÁLISE DAS OBRAS DE PIETRO BEMBO
(1505) E DE TULLIA D’ARAGONA (1547) NA TRADIÇÃO FILOGRÁFICA DO
RENASCIMENTO ITALIANO
Aluna: Juliana Horstmann Amorim
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Paula Vosne Martins
Palavras chaves: Humanismo renascentista; Tratados sobre o amor; Cortes renascentistas;
Há uma longa e consolidada tradição filosófica que refletiu sobre o amor. De Safo,
aos trovadores medievais, passando ainda por Dante e Petrarca o amor esteve sempre no
horizonte da escrita e da sensibilidade poética. Os humanistas renascentistas também
discorreram sobre o tema, no entanto, neste contexto o tema foi pensado através do viés
filosófico, de forma bastante diferente, portanto, da escrita poética. Nesse sentido, a ênfase
dos humanistas não recaia no sentimento amoroso, mas nas qualidades do amor em si,
compreendido como o caminho à verdade e à beleza.
Com enfoque nessa tradição visamos compreender de que forma o amor foi
problematizado pela reflexão filosófica do século XVI através da análise de dois tratados
sobre o amor produzidos no Renascimento italiano, intitulados: Os Assolani1 de 1505, do
humanista Pietro Bembo, que foi o primeiro a estabelecer as regras da língua italiana de
modo seguro e coerente, com base nas práticas dos maiores escritores toscanos do
Trecento, e Sobre a infinidade do Amor2 de 1547 de Tullia D’ Aragona, uma “honesta
cortesã”, como então eram chamadas as cortesãs cultas, refinadas e muito bem relacionada
com os homens de letras e os poderosos. A definição de amor presente nestes tratados já
havia sido formulada anteriormente e os pensadores renascentistas se inspiraram
particularmente nos diálogos platônicos para formular sua definição de amor. Desta forma,
estruturamos a monografia em três capítulos.
No primeiro capítulo considerarmos necessário atentar para a tradição filográfica
renascentista, ressaltando o lugar da discussão sobre o amor no debate filosófico e alguns
dos seus mais importantes autores. Para tanto utilizamos como fonte primária o texto que
talvez seja inaugurador desta tradição filográfica, e que pode ser considerado uma
representação típica do círculo neoplatônico florentino, o De Amore, Commentariumin
Convivium Platonis3, escrito em 1469 por Marsílio Ficino, um importante humanista
italiano que traduziu e difundiu as principais obras de Platão.
De amore versa sobre novos sentimentos e sobre a contemplação como aspiração
ideal de vida. Na esfera filosófica do século XV o amor já havia merecido atenção. Fora
tratado como a base da família, ou em sua função cívica4, a partir de Ficino, no entanto, o
enfoque filosófico do amor converteu-se ao platonismo. Atentando para esse novo estilo
de tratar o assunto, ponderamos ser necessário explanar sobre pelo contexto no qual Ficino
viveu e produziu.
No interior de um amplo panorama cultural do Quattrocento, dominado pelas
preocupações éticas sobre os homens, o trabalho de Ficino possui uma grande importância
1
BEMBO, Pietro, 1505: Gli Asolani / Los Asolanos, Ed. Bosch, Barcelon, 1990.
D’Aragona, Tullia. Sobre a infinidade do amor. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
3
De Amore. Comentario a el Banquete de Platon/ Marsílio Ficino; tradução, apresentação e notas de Rocío
de la Villa Ardura. – 3ª edição- Madrid: Editorial Tecnos, 1994.
4
SKINNER, Q. “A renascença italiana”, in: As fundações do pensamento político moderno. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
2
ao reavivar a tradição platônica na história do pensamento ocidental. Foi na conjuntura da
segunda metade do século XV que o platonismo encontrou grande acolhida nos meios
intelectuais florentinos. Sob o mecenato de Cosme de Médici grande parte da obra de
Platão foi traduzida e foi criada em Florença a Academia Platônica, por ação de Marsilio
Ficino. Esta foi a primeira e o modelo das inúmeras academias não oficiais do
Renascimento. O seleto grupo de freqüentadores da academia, encarnando os princípios do
programa ficiniano, formou um foco de difusão e implantação de uma ideologia que,
somadas à ações políticas, se projetaram pela cidade florentina e também em outros
estados italianos.
É importante lembrar que o Renascimento é uma época complexa e abarca, como
qualquer outro período, muitas diferenças cronológicas, regionais e sociais. O Humanismo
renascentista, segundo a análise do historiador Paul Oskar Kristeller5, pode ser definido de
acordo com sua grande diversidade semântica. Foi um movimento cultural complexo que
abarcou desde a filologia às artes plásticas. Em seu interior vigoraram muitas correntes e
tradições que desafiam qualquer tentativa de descrição geral. É neste período que o homem
adquire uma nova noção do Eu em relação ao Criador e à Sua criação e aperfeiçoa-se
enquanto indivíduo na busca da plenitude. Porém, apesar das características de reavaliação,
inovação e transformação, denunciam-se múltiplos diálogos de continuidade entre o
homem renascentista e o seu homólogo medieval: comungam da mesma metodologia
epistemológica. Portanto, a perspectiva de Kristeller acerca da História, desconstrói noções
que afirmam haver ruptura marcada entre a produção intelectual do medievo e do
Renascimento. Nesse sentido, para compreender o mapa cultural do período moderno,
principalmente o da Itália do século XV, o autor propõe uma reflexão sobre a herança
clássica, de modo a ressaltar a proximidade cultural entre o Renascimento, Idade Média e
diferentes tradições. Se uma das características do Renascimento é a retomada dos
clássicos da Antigüidade, tanto do que se refere ao universo das artes, da filosofia e da
política, não se trata meramente de uma retomada dos temas, mas de uma apropriação e
escolha. Portanto, com base na concepção de Kristeller, acerca da relação que
estabeleceram os humanistas com as fontes clássicas, utilizamos seu conceito de
‘apropriação cultural’ para compreender a releitura que Ficino realizou da teoria platônica
referente ao amor e à alma.
Notamos que as idéias expostas por Ficino estão profundamente marcadas por uma
vasta gama de estudos referentes a diferentes fontes, tanto antigas, quanto medievais. Em
De Amore Ficino expõe uma complexa definição filosófica do amor que formula a partir da
releitura que fez de “O Banquete” de Platão, elaborando uma filosofia que contemplava
tanto aspectos filosóficos referentes ao amor em Platão, quanto à espiritualidade cristã.
Ficino desenvolve um marco de referência que não existia entre os primeiros humanistas:
confere ao homem uma posição bem definida em um esquematizado sistema metafísico do
universo justificando a dignidade do homem6 em função desse sistema. O humanista é,
portanto, o representante central e mais influente do neo-platonismo renascentista, já que
nele se unem a herança filosófica e religiosa medieval e os ensinamentos do platonismo.
Foi o único pensador de seu tempo que compôs um sistema filosófico completo e original.
É importante levar em conta que o neo-platonismo renascentista não é apenas um simples
5
KRISTELLER, Paul Oskar. El pensamiento renacentista y sus fontes. Madrid: Fondo de Cultura
Economica, 1993.
6
O humanista Picco De La Mirandola também é um grande exemplo da grande diversidade de correntes
filosóficas que permeavam o pensamento humanista. De La Mirandola, em sua obra A dignidade do Homem,
apresenta extrema erudição ao se referir a várias correntes de pensamento. Nas diferentes fontes utilizadas
por Pico, bem como a ampla gama de citações no decorrer do discurso, é possível verificar muitas referências
justapostas, entre as quais se encontram: as clássicas, católicas, bíblicas, orientais, islâmicas, místicas,
cabalísticas, pagãs, pré-socráticas e socráticas, além da grande influência da teoria de Ficino.
fragmento ou uma ramificação do movimento humanista, pois possui um lugar próprio
enquanto movimento filosófico e não só como expressão erudita ou literária.
Consideramos importante nesse aspecto uma reflexão, ainda que pormenorizada, das
principais idéias de Platão interpretadas por Ficino. Foi Platão que, em certo sentido,
combinou as idéias religiosas e filosóficas da alma e considerou que esta era o princípio
animador do corpo e um agente moral e metafísico. Assim, ainda no primeiro capítulo
discutimos alguns conceitos elencados por Platão em O Banquete7 e Fédon8. Nestas duas
obras Platão refere-se a dois conceitos chave para pensar sobre a alma e o amor, o bem e o
belo. Nota-se uma referência tanto ética quanto estética no que se refere à sua idéia sobre a
utilidade do amor que está intrinsecamente ligado ao que é bom e belo. Sua concepção
acerca de tais conceitos indica que o amor é o ápice de um trajeto de ascese espiritual que
se constitui através de diferentes caminhos, sendo o da parturição das idéias o mais
elevado. Observamos que o conceito platônico de amor perpassa uma idéia intelectual, já
que ocorre no plano das ideias.
A leitura que Ficino realiza dessas ideias centrais de Platão evidencia-se em sua
concepção filosófica presente na obra que foi estudada em nossa pesquisa, na qual o
humanista nos apresenta uma estrutura básica que corresponde à sua teoria cosmológica
dos círculos, que inter-relacionam-se. No centro desse sistema circular está o bem, que é a
origem e o fim desse modelo. O impulso ascendente à origem desse sistema circular
constitui a essência do conceito de Ficino sobre o amor. Vale ressaltar que durante o
Renascimento, a alma prefigurava como tema, não em termos que questionamento de sua
existência, mas da definição de sua natureza. Para Ficino, a alma é a base ontológica de seu
sistema, é a possibilidade da felicidade humana que se sobrepõe à morte física.
Em sua teoria Ficino tem por princípio que o propósito último do ser humano é
ascender mediante a contemplação até chegar a uma visão direta de Deus, fonte de todo o
bem. É perceptível aqui uma distinção clara de Ficino em relação à idéia platônica de
ascese espiritual: Platão defende uma ascese espiritual com vistas ao inteligível, onde a
verdadeira realidade é obtida e que é o motivo para tal ascensão. Não há em Platão
referência ao retorno a Deus. Ficino, por sua vez, insere o elemento cristão nesse processo
de ascendência, sua ideia central a respeito do amor platônico é enfatizar que o amor
espiritual de um ser humano por outro é na realidade o anseio, o amor da alma por Deus. A
linha argumentativa presente na obra de Ficino aponta para uma questão muito cara ao
pensamento humanista renascentista: a dignidade do homem. Toda a ontologia ficiniana
está pautada na idéia de que o homem é um microcosmo, o que justifica seu lugar
privilegiado no universo e seu dever de harmonizar-se com o ritmo universal. A obra de
Ficino nos oferece uma ontologia, uma cosmologia, uma ética, uma estética e uma teoria
sobre o amor. O tratado é abundante em alegorias. A conjunção que Ficino tece entre
filosofia e religião em seu trabalho pode ser relacionada ao fato de que a doutrina platônica
oferecia o fundamento racional para superar a angústia frente à condição efêmera da
existência humana. Desse modo, o pensamento do humanista não é apenas teórico, é
também apologético, uma vez que aponta para uma reforma espiritual. É inegável que o
entendimento da filosofia clássica, efetuado por Ficino, bem como as questões emergentes,
com que se confrontava, foram pensadas de acordo com os moldes da tradição, em
decorrência do desenvolvimento da cultura cristã.
Certamente esta visão extremamente espiritualizada e filosófica do amor era muito
restrita aos círculos humanistas das cortes renascentistas italianas, mas ela fez fortuna,
tendo em vista as publicações durante o século XVI de um grande número de obras em
7
PLATÃO. O Banquete; tradução, introdução e notas do Prof. J. Cavalcanti de Souza. 9ª ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1999.
8
PLATÃO. Fédon. Tradução Heloísa da Graça Burati. São Paulo: Rideel, 2005. Biblioteca Clássica.
prosa que surgiram ao redor das academias literárias: os Tratatti d’amore. A influência
ficiniana possibilitou a jovens autores do Cinquettento a pensar o conceito de amor como
algo mais espiritual do que físico.
Assim, no segundo capítulo da monografia analisamos o tratado Os Assolani de
Pietro Bembo, publicado em 1505. Para tanto, não descuidamos de relacionar a produção
tratadística do período com os círculos das cortes renascentistas italianas, que passam a se
configurar no contexto da produção dos tratados analisados, e seu novo ideal de
sociabilidade. Neste aspecto, utilizamos como referência a obra O processo civilizador de
Norbert Elias9, a qual traz importantes elucubrações acerca das relações sociais nos meios
renascentistas, uma vez que o autor afirma que a civilidade é um longo processo histórico
datado, que começa a se configurar no Renascimento. Mudanças que ocorreram nos
padrões de sociabilidade entre os séculos XIV e XVII são marcadas pela importância que
se passa a destinar ao comportamento. Alguns autores se tornaram muito famosos pela
descrição e idealização destes espaços de sociabilidades e dos indivíduos que neles viviam
como Pietro Bembo.
Nascido em 1470 em Veneza, Bembo foi um patrício veneziano e é considerado
uma figura representativa da classe intelectual do final do século XV e início de XVI.
Levou a cabo uma admirável aproximação de diversas teorias sobre a linguagem e tentou
construir uma gramática de uma língua italiana que não existia, dispersa como estava em
numerosos dialetos. Os Assolani é considerado um dos primeiros grandes tratados
filográficos do Renascimento. Na obra, Bembo defende que o amor é um meio de salvação
espiritual propiciada aos homens. De um ponto de vista filosófico-literário, o tratado possui
influências oriundas dos estudos da filosofia neoplatônica e do profundo conhecimento de
Bembo a respeito de Petrarca. Com esta redação Bembo constrói um diálogo sobre o amor,
mas também um modelo de comportamento cortesão, uma espécie de microcosmos em que
a conversação se dá de forma dialética sobre temas que muito agradavam o público das
cortes. Ao tratar do amor como questão central em Os Assolani Bembo aborda a questão
das relações e convivências de indivíduos que compartilham de um código social comum.
Bembo atenta, portanto, para a questão da comunicação do indivíduo com o outro e com o
mundo através do enfoque na configuração dos espaços sociais das cortes. Observamos
uma estreita relação entre a concepção de Bembo referente ao amor e a da Marsílio Ficino,
uma vez que ambos afirmam ser o retorno à Deus o ato supremo de amor. A influência
platônica no tratado de Bembo é perceptível através do caráter temático, e também de
elementos técnicos que aparecem na forma do diálogo como as diferentes perspectivas
elencadas sobre um mesmo tema, as interrupções das personagens ao longo das
exposições, além do destaque de uma personagem que acaba por conduzir o diálogo. Esta
estrutura também é perceptível no tratado Sobre a Infinidade do Amor, cuja análise é tema
do terceiro capítulo.
Neste capítulo em que analisamos a obra de Tullia D’Aragona, consideramos
importante fazer uma reflexão sobre a inserção das mulheres nos espaços cultos
renascentistas10. Desse modo, é importante destacar que houve a participação de algumas
mulheres nos espaços das cortes renascentistas, mais pluralistas, voltados à cultura
humanista. A ascensão da mulher erudita e escritora ocorreu neste cenário humanista e
muitas delas conseguiram publicar livros, alcançaram a notoriedade e foram reconhecidas
9
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Volume 1, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. “A civilização como
transformação do comportamento humano.”
10
SMARR, Janet L. “Dialogue of Dialogues: Tullia D’Aragona and Sperone Speroni.” MLN 113 (1998)
204-212; CURTIS-WENDLANDT, Lisa. “Conversing on love: text and subtext in Tullia D’Aragona Dialogo
della Infinità d’Amore.” Hypatia Vol.19, n.4 (Fall 2004).
pela qualidade de seus escritos e pelo talento com que escreveram e se dedicaram às letras.
Este foi o caso de Túllia que expôs suas idéias através de seus escritos.
Tullia D’Aragona nasceu provavelmente em 1508 em Roma, filha da cortesã Giulia
Campana e do Cardeal Luigi D’Aragona. Tullia exerceu a mesma profissão da mãe.
Recebeu uma educação humanista patrocinada por seu pai, o que lhe propiciou um
equilíbrio entre a profissão de cortesã e as atividades de poeta e pensadora. Ela viajou para
as principais cidades italianas e soube tecer ligações amorosas, de amizade e de proteção
dos poderosos. Cabe ressaltar que sua presença nestes círculos se deve em parte à sua
profissão de cortesã, mas foi garantida porque ela foi reconhecida pelos contemporâneos
como poeta de talento e como humanista.
Sobre a Infinidade do Amor estrutura-se a partir de três interlocutores: Tullia, seu
amigo, o filósofo aristotélico Varchi, um de seus ex-amantes, Benucci. A questão principal
da obra, como já sugere o título, é saber se o amor tem fim ou não. Utilizando estratégias
discursivas muito bem elaboradas, Tullia endereça a pergunta a seu convidado Varchi,
entretanto, ao longo da obra observamos que Tullia não apenas ativa o diálogo com suas
questões, mas assume o papel de autora. É perceptível, dessa forma, a complexidade dos
temas abordados por ela, que para além da discussão sobre o amor, discorre também sobre
o conhecimento e sobre as relações de gênero.
Concluímos que nesta tradição renascentista as mulheres têm lugar nos diálogos,
como observamos na obra de Bembo. No entanto, o papel delas é secundário. São os
homens (ficcionais ou não) que desempenham o papel mais importante na condução do
discurso filosófico sobre o amor. As mulheres geralmente são ativadoras do diálogo, fazem
perguntas que permitem aos interlocutores masculinos o desenvolvimento de seus
argumentos. Já reconhecida por seus contemporâneos e como boa conhecedora dos
diálogos sobre o amor e dos poetas clássicos, principalmente de Petrarca, ao escrever
Sobre a infinidade do amor Tullia inseriu-se na tradição dialógica de uma maneira própria
e original. Podemos aferir, nesse sentido, que com sua obra, Tullia institui um outro lugar
nesta tradição porque observamos uma mescla entre poesia, filosofia e a própria
experiência de Tullia, que aponta, dessa forma, para os limites do saber douto e para as
limitações das definições fechadas, que não levam conta as múltiplas fontes do
conhecimento. A autora tece, assim, uma sofisticada crítica às limitações da filosofia
praticada por homens como Varchi (um dos interlocutores de seu diálogo).
Nesse sentido ao cruzar as análises dos dois tratados escolhidos, pudemos verificar
que ambos os autores versam sobre o amor, no entanto de formas muito diferentes. Esse
distanciamento se dá, justamente pela problematização dos respectivos lugares de
enunciação: Bembo, poeta de grande renome, com acentuada respeitabilidade nos meios
cultos renascentistas que através de um denso discurso sobre o amor, aponta para uma
perspectiva unilinear que não leva em consideração as múltiplas fontes do conhecimento,
entre elas a experiência. Por outro lado temos o lugar de Tullia, uma cortesã que possuía
uma sólida formação cultural e que construiu se lugar no interior da produção do discurso
poético e literário nos ambientes das cortes renascentistas. A alteridade de sua escrita
repousa não só no fato de escrever sobre um tema tão caro aos humanistas da época, mas
também na maneira como problematiza as relações sociais. Ela conseguiu inserir-se num
espaço masculino, no qual raramente uma mulher era aceita. Levou para o debate um
elemento central, que era sua experiência como cortesã.11 Procurar entender como o acesso
de D’Aragona à escrita ocorreu, bem como os questionamentos e estratégias discursivas
por ela apresentados, forçam os limites das convenções e dos cânones renascentistas.
Atentar para tal fato pode levar a uma compreensão mais plural do Renascimento.
11
MARTINS, Ana Paula V. Tratados de Amor: uma análise da inserção de Tullia d’Aragona (1547) na
tradição filográfica do renascimento italiano. DEHIS-UFPR.
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