Departamento de Filosofia - PUC-Rio

Propaganda
Departamento de Filosofia
FINALIDADE DA ARTE
Aluna: Bettina Calmon
Orientador: Luis Camillo Osorio
Introdução
Arthur Danto e Hans Belting publicaram num mesmo período, textos sobre o fim da
arte. Danto lembra que Belting publicou um livro sobre as imagens da era cristã ocidental
do final do Império romano até 1.400 d.C. Ainda que hoje nos voltemos a elas com olhos
de artistas, o conceito de arte tal qual o conhecemos à esta altura não estava presente, por
isso o nome do livro: “A imagem antes da era da arte”. As considerações estéticas não
haviam despontado até então. O fato de Vasari ter escrito um livro sobre a vida dos artistas
para muitos é um sinal do despontamento do conceito atual de arte.
Podemos falar de três momentos: A era pré-artística, a era artística e a pós-artística.
Não temos como determinar uma data exata pra o íncio e término de cada período.
Aproximadamente, a era da arte se situa entre 1.400 e 1.980. Na década de 80, alguns
teóricos deram como morta a pintura por notar na mesma um esgotamento. Julgavam serem
as pinturas modernistas vazias e sem sentido. Danto nota que ocorreu um desgaste de um
sistema de práticas enquanto outro estava a se reerguer. O primeiro ensaio de Danto que
aborda o assunto que iremos discutir, o fim da arte, foi publicado num livro cujo título não
foi dado por ele e é “A morte da arte”. Obviamente ainda existem artistas, o que chegou a
cabo, segundo o autor, foram as narrativas legitimadoras dos tipos de arte. Ele frisa que não
foi o tema da narrativa que se esgotou mas ela mesma. Belting também percebeu que a era
contemporânea não tem como se afirmar por uma narrativa. Nós perdemos a vontade de se
libertar do passado, não levantamos bandeira contra um tipo de arte afim de fazer valer
outro. O espírito da nossa época é agregador, não nega o passado mas o acolhe. No museu
vemos de tudo. A falta de critério sobre o aspecto de uma obra é característico do tempo
atual. Chegamos ao tudo é permetido, não há certo ou errado.
Objetivo
No período clássico, os pintores se limitavam a representar as coisas do mundo tal
como a viam. Na era moderna surge uma atitude questionadora. A pergunta, “o que é a
pintura?” se insere na obra, permanece por trás da mesma. A intenção da arte passou a ser
descrever a si mesma. Danto cita o impressionismo como exemplo. Neste não existe
sobreposição de pintura, os olhos entram em contato direto com os tubos de tinta. É a
pintura de certa forma falando de si mesma, mostrando-se em sua essência, ou mais,
perguntando-se sobre si.
Falar de mudança de períodos dentro das artes visuais não é como falar de mudança
de estilo. O romantismo e o maneirismo são estilos. Mas quando falamos do classicismo, da
modernidade e da contemporâneidade, não estamos nos referindo a uma mudança de
“coloração e humor”, mas uma revolução ao nível da consciência. Não se anula a
possibilidade de existir pintura não moderna no período moderno, nem pintura moderna na
era do fim da narrativa, a era contemporânea. O surrealismo, por exemplo, foi encarado
pelos críticos como não pertencente ao modernismo, deslocado do seu tempo.
A arte contemporânea é marcada pela falta de estilo. Danto a chama de pós-histórica
ou pós-moderna.. A desordem é seu príncipio. O filósofo afirma que junto a pergunta pelo o
que é a arte, aproximadamente a partir da década de 60, floresceu a verdadeira filosofia da
arte, posto que sua resposta permanece em aberto. Hoje a natureza da arte tem sido
investigada sem ter como determinante sua aparência. Enquanto na era moderna a pergunta
era, “o que eu tenho que nenhum tipo de arte tem?”, na contemporânea, tornou-se “porque
sou uma obra?”. O fim da arte remete-nos a idéia de liberdade, exclusão dos limites. A
distinção entre coisas reais e obras de arte deixou de ser clara a partir da década de 60. A
Brillo Box do Andy Warhol é um exemplo disso.
Danto diz que é “preciso voltar-se da experiência do sentido para o pensamento”
para descobrir o que é a arte, e ainda, “em resumo, é preciso voltar-se para a filosofia”. No
próximo paragráfo, o autor cita Hegel, “A arte nos convida a uma consideração intelectual,
e isso não com o intuito de criar arte novamente, mas para conhecer filosoficamente o que
é a arte”. Esta frase não é tão óbvia quanto parece pois nem sempre a filosofia se pôs
como um fim. Danto concorda com Hegel neste ponto, sendo que Hegel veio a escrever sua
tese ainda no século XIX, em plena modernidade, momento em que a filosofia da arte ainda
não tinha verdadeiramente aflorado, segundo Danto. O filósofo alega que uma investigação
pela natureza da arte só tornou-se possível a partir do momento em que as fronteiras
classificatórias cederam. Na década de 60, o pensamento de que tudo poderia ser uma obra
de arte engendrou uma verdadeira filosofia da arte. A arte após o fim da arte brota da
pergunta “porque sou uma obra?” e nela permanece. Hegel formulou, segundo diz, não só
uma filosofia, mas uma ciência da arte. Ambos concordam que a pergunta sobre a natureza
da arte não pode ser respondida no nível singular, o da experiência, que se volta para as
formas de artes que ai estão e que esta pergunta transcende o nível material.
Danto afirma que os artistas não precisam mais se preocupar com esta pergunta, eles
são agora livres para criar com a finalidade que bem lhes aprouver, ou talvez sem
finalidade. O fardo agora pode ser transferido para os filósofos. Hegel carregava este fardo
pois julgava ser a arte, uma “interpelação ao coração”, fonte de questões de nível
filósofico.
Enquanto no museu de belas artes as obras eram como “janelas para cenas
imaginadas” , no museu de arte moderna, as obras possuem caráter de coisa. A arte
conquistou maturidade filosófica e perdeu atributos que lhe eram os mais estimáveis, o
atributo da beleza, por exemplo. A contemplação que era de praxe também não é mais
exigida. Os objetos de arte do museu hoje se confundem com os objetos usuais do lugar.
Despejamos neles olhares, mas eles não foram feitos para serem vistos, afirma Danto.
Os museus abrigaram duas modalidades artísticas, o da beleza e o da forma. Hoje
abrigam a modalidade do envolvimento. O museu é uma instiuição antiga que para abrigar
estas transformações teve e está tendo de se adaptar. Nem é mais “arca do tesouro da
beleza” , nem “santuário da forma espiritual”. O que é o museu hoje? Esta pergunta se
tornará mais clara com o passar do tempo. Fato é que muito mudou.
Metodologia
Em 1984, Danto escreveu um ensaio num livro entitulado “The end of Art” para
anunciar o fim de uma era. A década de 80 foi um tanto positiva para os artistas pois o
mercado da arte prosperava, porém uma década depois o mercado murchou, enfraqueceu. A
tese sobre o fim da arte nada tem a ver com o mercado. Não é porque compra-se menos arte
que a arte irá acabar ou acabou. Podemos associar a queda do mercado com o fim da arte
anunciado por Danto mas não é isso que ele quer. A seu ver os acontecimentos, já na
década de 60, denunciavam o fim da arte que ele mesmo só pode prêver duas décadas
depois. Seu juízo não é crítico, afirma, mas sim histórico objetivo. A arte como prática não
acabou, mas o movimento arte sofreu alterações, estas alterações a afetam e o que se
preserva é o seu nome, mas um nome com um conteúdo distinto. A ciência e a filosofia
também podem acabar e recomeçar, não é errôneo pensar assim, pois não são entidades
eternas e imóveis.
Belting agregou a essência da arte o conceito estético. Este atingiu seu “clímax no
século XVIII”, segundo Danto, e hoje não é mais relevante. A estética não é “parte da
essência da arte”, afirma.
Danto diz que adota Hegel como seu mestre em sua investigação, mas não é um
seguidor cego do mesmo. Ele faz questão de ressaltar que a sua concepção de arte nao é
delimitadora, abarca todas as formas. Nada esta para ele, está “além dos limites do
história” como pensa Hegel, ele não acredita ser uma forma de arte mais significativa que
outra históricamente. Todas são dignas de consideração. Na modernidade era comum que
os artistas e críticos de arte quizessem rebaixar um tipo de arte em pról de outra, como se
existisse uma arte verdadeira à espreita do mundo, uma arte que todos deveriam
contemplar, absoluta. Greenberg, por exemplo, escreveu o que ele mesmo chamou de “uma
apologia à arte abstrata”. Ad Reinhardt acreditava que suas pinturas representavam a
essência da arte. O fim da arte exige uma nova postura do crítico de arte pois representa o
fim da ditadura do manifesto. A era moderna é a era dos manisfestos, temos o futurista, o
surrealista, o cubista, etc, são tantos e todos afim de se impor, como se a arte tivesse de ser
uma única coisa.
Conclusão
A filosofia de Danto não deixa de ser um manifesto sobre a verdade filósofica da
arte, mas ele não pode sustentar sua tese baseado em um estilo. Danto entende que a
modernidade permitiu a penetração da filosofia na arte. Ele se diz adepto de Hegel ao
afirmar que a fase do fim da arte representa a tomada de consciência do espírito para o que
é a verdade filósofica da arte. Hegel afirmou na época que ministrava seus cursos de
estética, em 1828 foi seu último curso em Berlin, que a arte virou “coisa do passado” e que
agora a filosofia da arte se mostrava muito mais relevante do que a própria arte, objeto de
satisfação na grécia antiga e para os povos mais “primitivos”. Ele afirma: “Ela perdeu
verdade e vida genuínas, tendo sido transferida para nossas idéias”. Danto não vai discutir
a arte na grécia antiga , nem compartilhar da idéia de Hegel sobre a arte clássica e sua
função de transmitir a verdade absoltua ao espírito, função esta que passou da religião para
a filosofia. Porém ele concorda com Hegel que a filosofia se sobrepõe de alguma maneira à
arte. O nosso juízo tem se mostrado mais relevante do que os nossos sentidos. A história é
prova disso. Nenhum dos dois diz que a produção artística deve cessar ou tende a isso.
Hegel entende que o prazer imediato, proporcionado pela arte, era como que
inerente à condição do ser humano e à evolução de seu espírito aquela altura. Para Danto
isto até pode fazer sentido porém ele não descarta a possibilidade de que a arte hoje ainda
seja feita com este intuito, o de ser aprazível físicamente e não o de despertar discussões
intelectuais. O impressionismo é exemplo disso. Hegel consideraria este prazer superfícial
visto que o verdadeiro prazer só pode ser proporcionado pela arte que ele considera ser a
verdadeira, a que desvela a verdade, a que toca o espírito como nenhuma outra. Enquanto
Danto despreza as formas de artes e justamente está interessado em discutir a ausência
destas, Hegel faz questão de classificar as formas de arte quanto a seu grau de evolução.
Mas ambos concordam que hoje é irrelevante pensar em formas de artes, pois a arte está
para além de suas formas. Na época que a arte tinha um valor arraigado a si é bem possível
encontrarmos motivos em suas formas além do motivo espiritual. A verdade filosófica que
a arte revela sobre si mesma é a de que os manifestos não são justificados, não há arte
dominante, “toda arte é igual e indiferentemente arte”. Parece que Hegel não concordaria
com esta conclusão de Danto, a de que “não existe uma arte mais verdadeira do que
outra”, já que para ele a arte foi responsável por transmitir a verdade. Na exposição de
Andy Warhol, em 1964, ficou claro para Danto que a pergunta pelo que é arte real e arte
aparente deixou de fazer sentido e no lugar, ao ver as caixas de Brillo Box, ele se
perguntava qual a diferença entre uma coisa e uma obra de arte. Estar no museu apenas?
Então a arte pode assumir qualquer forma, ser qualquer coisa e nem por isso deixar de ser
arte, posto que a narrativa filosófica reconhece sua liberdade agora. Isto quer dizer que a
história da arte chegou a um fim pois não tem mais como prosseguir. O que pode ser tudo
não pode ser mais nada, e não pode retroceder. Ainda é possível emitir juízos críticos,
preferir uma arte a outra, porém não se pode justificar esta escolha.
Referências
1 - HEGEL, G.W.F. Cursos de estética I. 2 edição, Edusp, 2001.
2 – DANTO, Arthur C. Após o fim da arte. 1 edição, Edusp, 2006.
3 – FERRY, Luc. Homo Aestheticus. Cápitulo IV: O momento Hegeliano.
Download