Volume 15 - Número 36

Propaganda
1
REVISTA
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
2
Correspondências:
Revista Lumen
Centro Universitário Assunção - UNIFAI
Av. Nazaré, 993 - 04263-100 São Paulo - SP
Fone/Fax: (11) 2066-8555
www.unifai.edu.br / [email protected]
Ficha Catalográfica
Lumen - Revista de Estudos e Comunicações. São Paulo: IESP/ UNIFAI,
2009.
1. Periódicos - Centro Universitário Assunção. 2. Comunicações - Periódico
I. Centro Universitário Assunção. II. IESP/UNIFAI.
ISSN 1516-1285
Permuta: aceita-se permuta com revistas congêneres do Brasil e do exterior.
Citação de Fonte: permite-se a reprodução total ou parcial dos textos com citação expressa
da fonte.
Responsabilidade: os trabalhos assinados exprimem conceitos da responsabilidade de
seus autores, coincidentes ou não com os pontos de vista da Revista Lumen.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
3
Reitor: Côn. Celso Pedro da Silva
Vice-Reitor: Mons. Dario Benedito Bevilacqua
Vice-Reitor Administrativo: Prof. Osmar Garcia Stolagli
Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Jair Militão da Silva
Editoria Responsável
Centro Universitário Assunção - UNIFAI
Editoria Científica
Prof. Dr. Lafayette Pozzoli
Supervisão Editorial
Prof. Dr. Jair Militão da Silva
Revisão Ortográfica
Profa. Dirce Lorimier
Diagramação
Adilma Cortes
Conselho Editorial
Profª Dra. Maria Garcia (PUC/SP - UNIFAI)
Profª Dra. Edileine Machado Vieira da Silva (UNIFAI)
Prof. Dr. Jair Militão (UNIFAI)
Prof. Dr. João Gualberto de Carvalho Meneses (UNICID)
Prof. Dr. Lafayette Pozzoli (PUC/SP - UNIVEM)
Prof. Dr. Carlos Mateus Rotta (UMC)
Prof. Dr. Carlos Aurélio Mota de Souza (UNIB)
Prof. Dr. Antonio Marchionni (PUC/SP - UNIFAI)
Prof. Dr. Domingos Zamagna (UNIFAI)
Prof. Dr. Jean Lauand (USP)
Prof. Dr. Wagner Balera (PUC/SP)
Prof. Dr. Edélcio Serafim Ottaviani (UNIFAI)
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
4
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
5
Sumário
1ª PARTE - DOCUMENTOS
Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao
Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil............................................07
Relatório apresentado na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional - Congresso Nacional
Deputado Bonifácio de Andrade.................................................................15
2ª PARTE - AUTORIDADES ECLESIÁSTICAS
Igreja e Estado
Cardeal Dom Odilo P. Scherer......................................................................33
Algumas explicações sobre o Acordo entre o Estado (Brasil) e a Igreja (Santa
Sé) sobre o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil
Dom Lorenzo Baldisseri...........................................................................37
Igreja e Missão - Promoção Humana e artigo 17 do Acordo entre a Sé
Apostólica e o Estado Brasileiro
Dom José Benedito Simão............................................................................51
3ª PARTE - ENSAIOS
Tratado Brasil-Vaticano
Ives Gandra da Silva Martins...................................................................61
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
6
O Tratado Brasil-Vaticano e a Educação: reconhecimento de títulos e
qualificações de nível universitário
Maria Garcia...........................................................................................67
O Acordo Brasil - Santa Sé e a laicidade do Estado: breves notas
Angelo Patrício Stacchini.........................................................................71
O Ensino Religioso no Brasil
Carlos Aurélio Mota de Souza.......................................................................83
Pressupostos político-culturais para a compreensão do Acordo entre o Brasil
e a Santa Sé
Francisco Borba Ribeiro Neto.......................................................................89
Tratado Brasil Vaticano: Seminário - Reflexões Iniciais
Lúcia Helena Polleti Bettini.......................................................................99
Acordo assinado entre o Vaticano e o Brasil - Novembro de 2008 - Comentários
sobre o artigo 16
Luiz A A Pierre........................................................................................103
Recepção dos Tratados Internacionais na Ordem Jurídica Brasileira
Ana Carla Pinho........................................................................................109
Plano Diretor - Acordo entre a República Federatica do Brasil e a Santa Sé
relativo ao Estatudo Jurídico da Igreja Católica no Brasil
Lafayette Pozzoli........................................................................................121
Santa Sé - Brasil: Um Tratado Internacional de Direitos Humanos
Antônio Márcio da Cunha Guimarães
Arianna Stagni Guimarães......................................................................131
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
7
ACORDO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL E A SANTA SÉ RELATIVO AO ESTATUTO
JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL
A República Federativa do Brasil e A Santa Sé (doravante denominadas
Altas Partes Contratantes),
Considerando que a Santa Sé é a suprema autoridade da Igreja Católica,
regida pelo Direito Canônico;
Considerando as relações históricas entre a Igreja Católica e o Brasil
e suas respectivas responsabilidades a serviço da sociedade e do bem integral
da pessoa humana;
Afirmando que as Altas Partes Contratantes são, cada uma na própria
ordem, autônomas, independentes e soberanas e cooperam para a construção
de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna;
Baseando-se, a Santa Sé, nos documentos do Concílio Vaticano II e
no Código de Direito Canônico, e a República Federativa do Brasil, no seu
ordenamento jurídico;
Reafirmando a adesão ao princípio, internacionalmente reconhecido, de
liberdade religiosa;
Reconhecendo que a Constituição brasileira garante o livre exercício
dos cultos religiosos;
Animados da intenção de fortalecer e incentivar as mútuas relações já
existentes;
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
8
Convieram no seguinte:
Artigo 1º
As Altas Partes Contratantes continuarão a ser representadas, em
suas relações diplomáticas, por um Núncio Apostólico acreditado junto à
República Federativa do Brasil e por um Embaixador(a) do Brasil acreditado(a)
junto à Santa Sé, com as imunidades e garantias asseguradas pela Convenção
de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 18 de abril de 1961, e demais
regras internacionais.
Artigo 2º
A República Federativa do Brasil, com fundamento no direito de liberdade
religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar a sua missão
apostólica, garantindo o exercício público de suas atividades, observado o
ordenamento jurídico brasileiro.
Artigo 3º
A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da
Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal
personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie
o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como Conferência Episcopal,
Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias Territoriais ou
Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas,
Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar
e Ordinariados para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida
Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.
§ 1º. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas
as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo.
§ 2º. A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será
reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no
respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira, vedado
ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de criação,
devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o ato.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Artigo 4º
9
A Santa Sé declara que nenhuma circunscrição eclesiástica do Brasil
dependerá de Bispo cuja sede esteja fixada em território estrangeiro.
Artigo 5º
As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do Artigo
3º, que, além de fins religiosos, persigam fins de assistência e solidariedade
social, desenvolverão a própria atividade e gozarão de todos os direitos,
imunidades, isenções e benefícios atribuídos às entidades com fins de natureza
semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro, desde que observados
os requisitos e obrigações exigidos pela legislação brasileira.
Artigo 6º
As Altas Partes reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e
cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos seus
arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio cultural brasileiro,
e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos
bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas
jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de
seu patrimônio cultural e artístico.
§ 1º. A República Federativa do Brasil, em atenção ao princípio da
cooperação, reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos
mencionados no caput deste artigo deve ser salvaguardada pelo ordenamento
jurídico brasileiro, sem prejuízo de outras finalidades que possam surgir da
sua natureza cultural.
§ 2º. A Igreja Católica, ciente do valor do seu patrimônio cultural,
compromete-se a facilitar o acesso a ele para todos os que o queiram conhecer
e estudar, salvaguardadas as suas finalidades religiosas e as exigências de
sua proteção e da tutela dos arquivos.
Artigo 7º
A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu
ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção dos
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
10
lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos, imagens e
objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo.
§ 1º. Nenhum edifício, dependência ou objeto afeto ao culto católico,
observada a função social da propriedade e a legislação, pode ser demolido,
ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades
públicas a outro fim, salvo por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, nos termos da Constituição brasileira.
Artigo 8º
A Igreja Católica, em vista do bem comum da sociedade brasileira,
especialmente dos cidadãos mais necessitados, compromete-se, observadas
as exigências da lei, a dar assistência espiritual aos fiéis internados em
estabelecimentos de saúde, de assistência social, de educação ou similar, ou
detidos em estabelecimento prisional ou similar, observadas as normas de
cada estabelecimento, e que, por essa razão, estejam impedidos de exercer
em condições normais a prática religiosa e a requeiram. A República Federativa
do Brasil garante à Igreja Católica o direito de exercer este serviço, inerente
à sua própria missão.
Artigo 9º
O reconhecimento recíproco de títulos e qualificações em nível de
Graduação e Pós-Graduação estará sujeito, respectivamente, às exigências
dos ordenamentos jurídicos brasileiro e da Santa Sé.
Artigo 10
A Igreja Católica, em atenção ao princípio de cooperação com o Estado,
continuará a colocar suas instituições de ensino, em todos os níveis, a
serviço da sociedade, em conformidade com seus fins e com as exigências
do ordenamento jurídico brasileiro.
§ 1º. A República Federativa do Brasil reconhece à Igreja Católica o
direito de constituir e administrar Seminários e outros Institutos eclesiásticos
de formação e cultura.
§ 2º. O reconhecimento dos efeitos civis dos estudos, graus e títulos
obtidos nos Seminários e Institutos antes mencionados é regulado pelo
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
ordenamento jurídico brasileiro, em condição de paridade com estudos de
idêntica natureza.
Artigo 11
A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade
religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita
a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de
matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis
vigentes, sem qualquer forma de discriminação.
Artigo 12
O casamento celebrado em conformidade com as leis canônicas, que
atender também às exigências estabelecidas pelo direito brasileiro para contrair
o casamento, produz os efeitos civis, desde que registrado no registro próprio,
produzindo efeitos a partir da data de sua celebração.
§ 1º. A homologação das sentenças eclesiásticas em matéria
matrimonial, confirmadas pelo órgão de controle superior da Santa Sé, será
efetuada nos termos da legislação brasileira sobre homologação de sentenças
estrangeiras.
Artigo 13
É garantido o segredo do ofício sacerdotal, especialmente o da confissão
sacramental.
Artigo 14
A República Federativa do Brasil declara o seu empenho na destinação
de espaços a fins religiosos, que deverão ser previstos nos instrumentos de
planejamento urbano a serem estabelecidos no respectivo Plano Diretor.
Artigo 15
Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda
e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
11
12
garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com
a Constituição brasileira.
§ 1º. Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja Católica que
exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receberão o
mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas
reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de
requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenção.
Artigo 16
Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de
suas instituições:
I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante
votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de caráter
religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira,
não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja provado o
desvirtuamento da instituição eclesiástica.
II - As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética,
assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a
título voluntário, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira.
Artigo 17
Os Bispos, no exercício de seu ministério pastoral, poderão convidar
sacerdotes, membros de institutos religiosos e leigos, que não tenham
nacionalidade brasileira, para servir no território de suas dioceses, e pedir às
autoridades brasileiras, em nome deles, a concessão do visto para exercer
atividade pastoral no Brasil.
§ 1º. Em conseqüência do pedido formal do Bispo, de acordo com o
ordenamento jurídico brasileiro, poderá ser concedido o visto permanente ou
temporário, conforme o caso, pelos motivos acima expostos.
Artigo 18
O presente acordo poderá ser complementado por ajustes concluídos
entre as Altas Partes Contratantes.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
§ 1º. Órgãos do Governo brasileiro, no âmbito de suas respectivas
competências e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, devidamente
autorizada pela Santa Sé, poderão celebrar convênio sobre matérias específicas,
para implementação do presente Acordo.
Artigo 19
Quaisquer divergências na aplicação ou interpretação do presente acordo
serão resolvidas por negociações diplomáticas diretas.
Artigo 20
O presente acordo entrará em vigor na data da troca dos instrumentos
de ratificação, ressalvadas as situações jurídicas existentes e constituídas ao
abrigo do Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890 e do Acordo entre a
República Federativa do Brasil e a Santa Sé sobre Assistência Religiosa às
Forças Armadas, de 23 de outubro de 1989.
Feito na Cidade do Vaticano, aos 13 dias do mês de novembro do ano
de 2008, em dois originais, nos idiomas português e italiano, sendo ambos
os textos igualmente autênticos.
PELA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Celso Amorim
Ministro das Relações Exteriores
PELA SANTA SÉ
Dominique Mamberti
Secretário para Relações com os Estados
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
13
14
Faço saber que o Congresso Nacional aprovou, e eu, José Sarney,
Presidente do Senado Federal, nos termos do parágrafo único do art. 52 do
Regimento Comum e do inciso XXVIII do art. 48 do Regimento Interno do
Senado Federal, promulgo o seguinte:
DECRETO LEGISLATIVO Nº 698, DE 2009
Aprova o texto do Acordo entre a República Federativa do Brasil
e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil,
assinado na Cidade-Estado do Vaticano, em 13 de novembro de 2008.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica aprovado o texto do Acordo entre a República Federativa
do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no
Brasil, assinado na Cidade-Estado do Vaticano, em 13 de novembro de 2008.
Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional
quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo, bem como
quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inciso I do art. 49 da
Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional.
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
Senado Federal, em 7 de outubro de 2009.
SENADOR JOSÉ SARNEY
Presidente do Senado Federal
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
15
RELATÓRIO APRESENTADO NA COMISSÃO DE
RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL CONGRESSO NACIONAL
Deputado Bonifácio de Andrada1
MENSAGEM Nº 134, DE 2009
(Do Poder Executivo)
Submete à apreciação do Congresso Nacional o texto do
Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa
Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil.
AUTOR: Poder Executivo.
RELATOR: Deputado Bonifácio de Andrada
I – RELATÓRIO:
O Excelentíssimo Senhor Presidente da República submete à apreciação
do Congresso Nacional, por meio da Mensagem nº 134, de 2009, instruída
com exposição de motivos firmada pelo Senhor Ministro de Estado, interino,
das Relações Exteriores, o texto do Acordo entre a República Federativa do
Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil.
Bonifácio de Andrada, Deputado Federal por Minas Gerais, Advogado e Professor
Universitário. E-mail: [email protected]
1
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
16
O Acordo sob consideração, entre a República Federativa do Brasil e
a Santa Sé, foi assinado na Cidade-Estado do Vaticano em 13 de novembro
de 2008, por ocasião da visita do Exmo. Sr. Presidente da República a Sua
Santidade o Papa Bento XVI. O objetivo do presente Acordo, relativo ao
Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, é consolidar, em um único
instrumento jurídico, os diversos aspectos envolvidos na relação entre o Estado
brasileiro e a Santa Sé e, também, da presença da Igreja Católica no País.
Nesse sentido, as disposições estabelecidas pelo instrumento em epígrafe
reiteram a vigência de normas e princípios já reconhecidos e expressamente
contemplados tanto pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas
como pela Constituição Federal e pelo ordenamento jurídico infraconstitucional
brasileiro.
Composto por apenas 20 artigos, o Acordo entre a Santa Sé e o Brasil
consolida as disposições legais e consuetudinárias vigentes no plano do
ordenamento jurídico interno e que constituem a expressão do relacionamento
entre a Igreja Católica e o Estado Brasileiro. Nesse contexto, as diretrizes
centrais seguidas pelos negociadores do Acordo pautaram-se pelo respeito e
preservação das disposições da Constituição e da legislação ordinária, em
especial as que definem o caráter laico do Estado brasileiro, além do respeito
ao princípio da liberdade de crença e de religião, bem como pelo tratamento
eqüitativo e o reconhecimento dos direitos e deveres das instituições religiosas
legalmente estabelecidas no Brasil.
No preâmbulo do Acordo encontram-se assentados os fundamentos de
sua celebração a qual, conforme ele próprio estabelece, nasce dos seguintes
pressupostos:
- o reconhecimento, pelas Altas Partes Contratantes, das relações
históricas entre a Igreja Católica e o Brasil e suas respectivas responsabilidades
a serviço da sociedade e do bem integral da pessoa humana;
- o reconhecimento, pelas Altas Partes Contratantes, de que a Santa
Sé é a suprema autoridade da Igreja Católica, regida pelo Direito Canônico;
- o reconhecimento, pelas Altas Partes Contratantes, de que ambas
são, cada uma na própria ordem, autônomas, independentes e soberanas e
cooperam para a construção de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna;
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
- na validade, vigência e aplicabilidade, servindo como base jurídica
para sua respectiva atuação, de um lado, os documentos do Concílio Vaticano
II e o Código de Direito Canônico, que estrutura a Santa Sé e, de outro lado,
o ordenamento jurídico interno, com relação à República Federativa do Brasil,
no seu ordenamento jurídico;
- na reafirmação à adesão das Altas Partes Contratantes ao princípio
da liberdade religiosa, internacionalmente reconhecido;
- no reconhecimento de que a Constituição brasileira garante o livre
exercício dos cultos religiosos; e
- na intenção das Altas Partes Contratantes de fortalecer e incentivar
as mútuas relações já existentes;
Após o preâmbulo, o texto do instrumento contém a parte dispositiva
propriamente dita a qual, sucintamente, descrevemos a seguir, especificando
os temas por ela contemplados:
O Art. 1º dispõe sobre a representação diplomática do Brasil e da
Santa Sé, nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas;
No Art. 2º, o Brasil, com base na aplicação do princípio de liberdade
religiosa, reconhece à Igreja Católica o direito de desempenhar sua missão
apostólica, observado o ordenamento jurídico brasileiro;
No Art. 3º, o Brasil reconhece a personalidade jurídica da Igreja Católica,
bem como de determinadas Instituições Eclesiásticas que, segundo o Direito
Canônico, possuem tal personalidade, mediante a devida inscrição, no registro
pertinente, do ato de criação, nos termos da legislação brasileira;
Nos termos do Art. 4º, a Santa Sé garante que a sede dos Bispados
estará sempre em território brasileiro;
O Art. 5º dispõe que os direitos, imunidades, isenções e benefícios das
pessoas jurídicas eclesiásticas que prestam também assistência social serão
iguais a todas as demais entidades com fins semelhantes, conforme previstos
no ordenamento jurídico brasileiro;
O Art. 6º dispõe sobre o patrimônio histórico, artístico e cultural da
Igreja Católica no Brasil, reconhecendo-o como parte integrante do patrimônio
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
17
18
histórico, artístico e cultural do Brasil. Assegura a continuidade da cooperação
entre a Igreja e o Estado no sentido de salvaguardar, valorizar e promover a
fruição dos bens, móveis e imóveis, da Igreja Católica que sejam considerados
integrantes também do patrimônio histórico, artístico e cultural do Brasil.
O Art. 7º assegura a proteção dos lugares de culto - observada a
função social da propriedade e a legislação - e a cooperação entre Igreja e
Estado, com vistas à proteção dos lugares de culto e de liturgias da Igreja
católica, símbolos e objetos culturais contra toda a forma de violação,
desrespeito e uso ilegítimo.
Conforme estabelece o Art. 8º, o Brasil assegura a prestação de
assistência espiritual pela Igreja a fiéis internados em estabelecimentos de
saúde, de assistência social, educacional ou similar, bem como em
estabelecimento prisional ou similar, que a solicitarem, observadas as normas
das respectivas instituições;
Os Arts. 9º, 10 e 11 dispõem sobre temas relacionados à educação.
O Art. 9º estipula que o reconhecimento recíproco de títulos e
qualificações em nível de Graduação e Pós-Graduação estará sujeito às
respectivas legislações e normas;
O Art. 10º reitera o compromisso da Igreja Católica de, em aplicação
do princípio de cooperação com o Estado, colocar suas instituições de ensino,
em todos os níveis, a serviço da sociedade, em conformidade com o
ordenamento jurídico brasileiro e, também, garante à Igreja o direito de constituir
e administrar Seminários e outros Institutos Eclesiásticos;
O Art. 11 estabelece o compromisso da República Federativa do Brasil
de respeitar a importância do ensino religioso em vista da formação integral
da pessoa, em observância ao direito de liberdade religiosa, à diversidade
cultural e pluralidade confessional do País. Nesse sentido, as Altas Partes
Contratantes, o Brasil e a Santa Sé, estabelecem, nos termos do § 1º do
artigo 11, que o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas,
será de matrícula facultativa e constituirá disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e com a
legislação infraconstitucional, sem qualquer forma de discriminação.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
O Art. 12 dispõe a respeito da produção de efeitos civis do matrimônio
religioso e estabelece que a homologação de sentenças eclesiásticas em
matéria matrimonial será efetuada nos termos da legislação brasileira sobre
a matéria;
Nos termos do Art. 13, é garantido aos Bispos da Igreja Católica o
direito de manter o segredo do ofício sacerdotal;
Pelo Art. 14 o Brasil declara seu empenho em destinar espaços para
fins religiosos no planejamento urbano no contexto do plano diretor das cidades;
O Art. 15 trata do reconhecimento pelo Brasil da imunidade tributária
referente aos impostos das pessoas jurídicas eclesiásticas e garante às
pessoas jurídicas da Igreja que exercem atividades sociais e educacionais
sem fins lucrativos os mesmos benefícios;
O Art. 16 disciplina a questão do vínculo empregatício entre os ministros
ordenados e fiéis consagrados e as Dioceses ou Institutos Religiosos. Segundo
este dispositivo, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira, tal
relação não gera vínculo empregatício, o qual não se constituirá em virtude de
seu peculiar caráter, religioso e beneficente, a não ser que venha a ser
comprovado o desvirtuamento da função religiosa da Instituição;
O Art. 17 trata da concessão de visto permanente ou temporário para
sacerdotes, membros de institutos religiosos e leigos, que venham exercer
atividade pastoral no Brasil, nos termos da legislação brasileira sobre a matéria.
Os Artigos 18 a 20 estabelecem normas de caráter adjetivo e
procedimental e referem-se: à possibilidade de complementação do Acordo,
à celebração de Convênio sobre temas específicos, à solução de controvérsias
quanto à aplicação e interpretação do Acordo e à vigência do Acordo.
É o relatório.
II – VOTO DO RELATOR:
A celebração do acordo entre a República Federativa do Brasil e a
Santa Sé, relativa ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, constitui
providência de relações internacionais, fruto da necessidade e do interesse
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
19
20
das partes em ordenar e consagrar em um arcabouço normativo os diversos
aspectos de relacionamento entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica,
representada pela Santa Sé, entidade internacionalmente reconhecida a que
se sujeita o Estado do Vaticano. Acordos dessa natureza, também conhecidos
por Concordata, constituem técnicas de relações internacionais amplamente
utilizadas por diversos países, não apenas através de acordos com a Igreja
Católica, mas também com outras importantes Igrejas que vêm adotando tais
iniciativas no âmbito mundial. No caso da Santa Sé há inúmeros exemplos
em todo o mundo. O episódio clássico é o Tratado realizado por ela com a
Itália, a Concordata de 1929, conhecida como o Tratado de Latrão, para
vencer problemas que se arrastavam há mais de cem anos, desde o século
anterior, naquele país, como assinala Fernand Hayward na sua obra “O Papa
e a Cidade Pontifícia” (Ed. Educação Nacional, Porto – Portugal, 1950).
O chamado Tratado de Latrão é o primeiro diploma político-religioso que
deu fim à conhecida “questão romana”, que durante tantos anos atingiu a vida
da Nação italiana. Além desse Tratado, que é altamente significativo, vamos
encontrar a Igreja Católica realizando uma série de acordos com vários países
como a Polônia, Portugal, Peru, Israel, Palestina, República Tcheca, Gabão,
Lituânia, Letônia, Croácia e até com estados federados e multiculturais, como
é o caso da Bósnia-Herzegovina.
Portanto, o acordo que o Brasil assina com a Santa Sé está plenamente
vinculado à atualidade das relações internacionais. Devemos ainda citar que
a Igreja Luterana também tem uma concordata especial desse tipo com o
Governo alemão e este também realizou um acordo com a Igreja Católica,
além de promover outros com várias entidades religiosas. Existem convênios
de diferentes tipos e com diversas igrejas, sobretudo na Espanha, que promoveu
acordos com variadas confissões religiosas, exemplo desta procedente vocação
para resolver problemas, que no fundo são de ordem espiritual, entre os
cidadãos dos respectivos países, segundo as suas preferências religiosas.
Na realidade, é preciso ter sempre presente, como diz José Todoli na
sua obra “Filosofia de La Religion” (Ed. Gredas, Madri, 1955), que a vinculação
do homem com o problema transcendente se coloca acima da vivência humana
do dia a dia, sendo um dado natural, localizado em todos os recantos mundiais,
nos dias hodiernos, mas também no passado histórico da própria humanidade.
Há uma “religação”, quer queiramos ou não, de um modo geral, do homem
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
com aquele Ser Supremo que para ele representa o mistério anterior à sua
existência e o mistério que o espera depois da vida.
Dessa forma, o poder político, representado pelo Estado em nosso
tempo, não pode desconhecer esse fenômeno poderoso e dominador da
existência do homem na terra. Dentro desta concepção é que as diversas
nações, através de seus governantes, atualmente trazem para as suas próprias
normas jurídicas elos positivos de direito com os principais centros de direção
religiosa em todo o Planeta. No caso específico do Brasil, como ocorre com
diversas outras nações, um acordo desse tipo constitui medida política
internacional de fundo religioso que encontra paralelo, considerado natural e
normal, em todos os países civilizados e até mesmo naqueles como os da
Europa que mais se projetam na civilização dos nossos dias. No mundo
oriental, por outro lado, o fenômeno religioso é de tal ordem que às vezes se
confunde com o fenômeno político, sobretudo nos países com manifestações
fundamentalistas preponderantes.
Curioso observar essa questão, no caso brasileiro, porque são
encontrados entre nós episódios significativos ao longo da nossa estruturação
político-constitucional. No preâmbulo da nossa primeira Constituição, a de
1824, faz-se menção à Santíssima Trindade e o texto constitucional no seu
artigo 5º expressa claramente que a Religião Católica Apostólica Romana
continuava a ser a religião do Império. Evidencia-se assim, que a nossa
primeira etapa política se desenvolveu dentro de uma união do Estado com
a Igreja Católica, embora cumpre esclarecer que este fato representou situação
de certa complexidade, provocando alguns conflitos no campo religioso.
Repercutiu, porém nas estruturas jurídicas do país porque ficou a cargo da
Igreja Católica no Brasil, no Século XIX, uma série de atos, embora de caráter
religioso, com significação jurídica, como o registro de nascimento através do
batismo, o registro do casamento através do matrimônio e o registro de óbitos
para as pessoas que faleciam. Tudo constituindo dados legais decisivos para
a vida do cidadão, mesmo não estando vinculados às repartições públicas.
Por outro lado há de se afirmar que a Igreja Católica do Século XIX se integra
a uma conjuntura em que estão presentes práticas singulares como o
“padroado”, em que as nomeações das autoridades eclesiásticas se submetiam
a indicações do próprio poder público.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
21
22
Todos esses aspectos decorrem não só do primeiro documento
constitucional brasileiro, mas de vivencias religiosas tradicionais, herdadas de
Portugal que servem de base a uma aliança muito influente entre o Governo
e a Instituição Católica. Sob certo aspecto, a Igreja desta forma vai sofrer uma
ingerência do Poder Estatal que lhe será prejudicial. Os episódios da célebre
“questão religiosa”, que envolveram os dois grandes Arcebispos brasileiros,
Dom Vital e Dom Macedo Costa, refletem tal situação, como se vê no erudito
livro do Pe. José Scampini “A Liberdade Religiosa nas Constituições Brasileiras”
(Ed. Vozes, Petrópolis, 1978).
Com a República, houve uma alteração fundamental nessas relações e
prevaleceu entre nós o pensamento positivista de Augusto Comte, com uma
tendência agnóstica preponderando em grande parte das nossas elites. O
país passou a submeter-se a uma nova Carta Constitucional, a de 1891, que
determinava a separação do Estado em face da Igreja, embora não fosse de
forma conflitante ou violenta, mas em termos bem claros e evidentes. O
documento em que o Estado brasileiro regulamentou essa situação foi o
Decreto 119, de 20 de janeiro de 1890, no governo do Marechal Deodoro da
Fonseca, onde vamos encontrar as determinações do desligamento da Igreja
com o Estado republicano.
A Constituição de 1891, ao contrário da Constituição Monárquica, como
era lógico ocorrer, no seu preâmbulo e nos seus diversos dispositivos, afastouse totalmente dos preceitos da Carta de 1824 em relação à Igreja Católica.
Esse afastamento das tradições religiosas encontrou no próprio texto
constitucional algumas determinações discriminatórias como aquelas em que
proibiu o voto aos religiosos e exigiu dos mesmos uma série de obrigações
pouco compatíveis com as suas ocupações espirituais. Foi uma Constituição,
por conseguinte, instituidora de uma nova fase no posicionamento do Estado
com a Igreja. Todavia, a reforma constitucional de 1926, em conflito com a
própria concepção constitucional existente, deu início a uma aproximação do
Estado com a Igreja quando, de maneira expressa, autorizou as relações
diplomáticas com a Santa Sé em 1926, antes do Tratado de Latrão, o que
evidenciou uma nova tendência.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Após a Revolução de 30, tivemos a Constituição de 1934 que continha
uma série de artigos reveladores do respeito maior com a religião, retirando
do texto constitucional certas discriminações havidas na primeira Carta
republicana. É digno de se registrar que o preâmbulo da Constituição de 34
fazia menção a Deus e colocava, de forma evidente, o Estado brasileiro bem
próximo da vocação religiosa de seu povo.
A Constituição de 1937, que assinalou o início da fase ditatorial de
Getúlio Vargas, continha um texto que nos faz recordar as inspirações
positivistas da Constituição de 91. Não faz menção a Deus no seu preâmbulo
e se revela em diversos de seus artigos posição agnóstica em relação aos
preceitos das religiões, embora assegurando a estas o pleno exercício do culto.
A Constituição de 1946, no seu preâmbulo, refere-se a Deus e volta à
tradição de 34 e também à de 1824, no tocante a uma formulação de respeito
à religião. Introduziu uma série de dispositivos não só de garantias para as
instituições religiosas como também para o próprio culto, mas sempre
mantendo o tratamento genérico de igualdade para todas as convicções
religiosas, não fazendo menção a nenhum credo e adotando a posição do
laicismo, sem opor-se a fé religiosa.
As demais Constituições brasileiras sejam elas de 67, 69 e a de 88,
todas, no seu preâmbulo, afirmam o respeito e pedem a proteção de Deus e
contém garantias aos cultos e ao exercício do credo religioso de cada cidadão.
A Constituição hoje em vigência no país enfatiza a necessidade de relações
internacionais com todos os povos e admite a aproximação com todos os
credos religiosos.
Na história brasileira portanto, o único texto que coloca a Igreja afastada
do Estado, em termos bem claros, é a Constituição de 1891 ao incorporar a
orientação do célebre Decreto nº 119, de 20 de janeiro 1890, no qual se sente
a presença do pensamento positivista agnóstico e de certa forma ecletista.
Por outro lado é de se registrar que a Constituição de 1937 retroagiu, reiterando
o posicionamento de 1891 no tocante às relações do Estado com a Igreja,
revelando no seu preâmbulo, como acontece com a primeira Constituição
republicana, uma clara omissão no tocante a referência a Deus, ao contrário de
todas as outras Constituições brasileiras.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
23
24
Conclui-se, desta forma, que o Constitucionalismo de nosso país traduz
ao longo de seus anos uma demonstração inequívoca de abertura política para
o relacionamento com diversas opções religiosas e, logicamente com a Igreja
Católica, que expressa a maioria do espírito religioso em nosso País.
O Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, como falamos anteriormente,
traduz um episódio comum em nosso tempo, sem maiores inovações dentro
do relacionamento dos diversos povos, com diversas igrejas, em especial com
a Igreja Católica. Inúmeras são as concordatas, os acordos e os convênios
existentes entre os diferentes países e instituições religiosas.
Portanto, não há porquê em oferecer qualquer espécie de oposição a um
instrumento internacional deste tipo, exatamente pelo fato de que o Acordo Brasil Santa Sé se integra nas manifestações comuns e normais do nosso tempo.
O presente acordo, porém, pode e deve ser examinado sob o aspecto
da soberania nacional, que decorre das exigências políticoconstitucionais, como
ainda deve ser avaliado no aspecto jurídico-religioso, aliás, significativo para ser
devidamente analisado nas suas repercussões dentro da comunidade nacional.
ASPECTO POLÍTICO-CONSTITUCIONAL:
Um acordo desta natureza, embora envolva questões de fundo espiritual,
possui repercussões políticas que não se pode de maneira alguma ignorar. O
Estado, como órgão executivo dos principais objetivos da nação, há de
concretizar suas atividades em todas as dimensões. Ora, as analises e
observações mais elementares modernamente revelam que os povos possuem
ao lado das suas preocupações de ordem material, outras de ordem espiritual.
O Estado moderno, sobretudo com os avanços tecnológicos de influência
psicossocial, vive uma diversidade de fenômenos coletivos, a qual inclui
naturalmente, de forma iminente e forte, tudo o que diz respeito à crença, aos
credos, às idéias religiosas da população.
Querer negar a importância das instituições ou confissões religiosas ou
das igrejas ou ainda a vocação do homem para as questões transcendentais
e espirituais é tentar “tapar o sol com a peneira”, como se diz coloquialmente,
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
e contrariar a mentalidade e a cultura modernizadora que, apesar dos seus
defeitos, cada vez mais se preocupa com as questões transcendentais.
O poder público em nossa época, portanto, não pode ignorar a presença
do homem como ser religioso e como indivíduo que vive sob as preocupações
daí decorrentes e, por isto, torna-se perfeitamente lógico e natural que todos
os Estados do nosso tempo, a não ser os de concepções materialistas
históricas, tenham preocupações religiosas, sendo de registrar que, em algumas
áreas do mundo, o pensamento religioso domina a política e a economia em
países do Oriente.
É também de se assinalar que dentro do Mundo Ocidental, ao contrário
de tempos atrás, os povos hoje se consagram abertamente às questões
religiosas sob as fortes pressões espirituais. A Igreja Católica, como várias
outras igrejas cristãs, se insere na vida dos povos ocidentais com presença
indiscutível. Na Inglaterra a Igreja se articula com o Estado, o chefe deste é
o chefe daquela. Em países da América do Sul, como a própria Argentina,
havia vinculação da Igreja com o Estado até a Reforma Constitucional de 1994
naquele país. Na Europa, os acordos e as convenções entre igrejas e Estados,
como já afirmamos, são episódios comuns, com enorme lista de países dos
mais desenvolvidos que subscrevem concordatas e acordos com a Igreja
Católica e com outras igrejas cristãs e até não cristãs.
Há que se aceitar e apoiar que o conceito de Estado laico convive
plenamente com as igrejas através de acordos, concordatas e convênios. O
Brasil, há mais de cem anos, embora constituindo uma das nações mais
religiosas do mundo, ficou como que estagnado e despreparado para enfrentar
esta magna questão do nosso tempo, como seja o melhor relacionamento do
organismo político com as instituições religiosas.
O Estado como entidade política é laico, mas a população é religiosa.
Em conferência notável na PUC do Paraná, Dom Lorenzo Baldisser,
comentando o Acordo Brasil - Santa Sé, citou o Presidente Nicolas Sarkozy,
Chefe do Estado francês, que em pronunciamento histórico mostrou que o
conceito moderno da laicidade há de ser positivo, para preservar a liberdade
de pensamento e não colocar a religião como perigo, mas como ajuda ao
poder público.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
25
26
A lista das concordatas do Vaticano com diversos países é extensa,
como também os convênios e acordos de outras diversas confissões religiosas
com o poder nacional de vários países. Não há porque se opor politicamente
a um acordo dessa natureza, porque se trata, hoje, de um instrumento político
internacional do Estado moderno, dentro das suas atividades mais normalizadas
e mais comuns.
No caso brasileiro, que é o objeto dos nossos trabalhos e do nosso
Parecer, o Acordo do Brasil com a Santa Sé, subscrito por sua Santidade,
o Papa Bento XVI, e pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República,
Luiz Inácio Lula da Silva, constitui um documento que se insere nas regras
internacionais e nas práticas das relações exteriores de nossa época.
DIREITO INTERNACIONAL E CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
As normas da Constituição brasileira em matéria internacional, em
especial seu artigo 21, dão competência à União para manter relações com
Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais, na forma do
inciso I do mencionado dispositivo. As relações com outros Estados acobertam
perfeitamente o mencionado acordo, porque, na realidade, iremos, segundo as
normas legais brasileiras, estabelecer compromissos internacionais com uma
entidade soberana. Isso porque o Brasil, em relação à Santa Sé, subscreveu
um Tratado com uma Pessoa de Direito Internacional, dotada de soberania e
que se apresenta, na sociedade das nações, com as mesmas prerrogativas
e poderes de um Estado.
Além do artigo 21, há também o inciso I do artigo 49, da Carta Magna
brasileira, que trata da “competência exclusiva do Congresso Nacional para
resolver definitivamente as questões que digam respeito a tratados, acordos
ou atos internacionais”, o que dá ao Legislativo brasileiro a prerrogativa de
homologar dentro da União as atribuições que se confere à Federação, no que
toca aos compromissos internacionais com as demais pessoas de Direito
Internacional Público, como a Santa Sé.
Por outro lado, de acordo com o artigo 84 da Carta Magna é atribuição
privativa do Presidente da República, segundo os itens VII e VIII deste dispositivo
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
legal, a celebração de tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos
posteriormente ao referendo do Congresso Nacional.
Do ponto de vista das exigências constitucionais e internacionais, o
Acordo preenche, assim, todas as determinações da Carta Magna porque, de
iniciativa do Presidente da República, foi remetido ao Congresso Nacional e
encaminhado à Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados
para receber o parecer que, juntamente com o da Comissão de Constituição
e Justiça, permitirá que o Plenário da Câmara e depois o Plenário do Senado
venham homologar documento de elevado significado internacional.
Fica demonstrado assim que, sob o aspecto político e constitucional
internacional, o Acordo entre o Brasil e a Santa Sé se insere num contexto
de regras jurídicas expressas na Carta Magna, representando manifestação
política mundial atualizada, que merece plena aceitação por parte do Congresso
brasileiro.
Outro aspecto que cumpre analisar refere-se à área jurídicoreligiosa a
que acima nos referimos, sendo de se examinar o Acordo diante dos dispositivos
específicos do Direito Pátrio.
ASPECTO JURÍDICO EM FACE DA LIBERDADE RELIGIOSA
Vejamos, em termos analíticos, no tocante à liberdade religiosa, os
principais itens do acordo:
a) o acordo inicialmente se refere às autoridades que o subscrevem já
mencionadas acima, às quais encontram nos dispositivos legais que lhe
dizem respeito às prerrogativas para a realização desse documento
internacional. O Brasil é um país soberano como também, por decisão do
Tratado de Viena, é a Santa Sé, que encontra no Estado da Cidade do
Vaticano outro elemento significativo da sua presença internacional;
b) o acordo reafirma, como se observa claramente, os princípios da
liberdade religiosa para todas as religiões e não apenas para a Igreja Católica,
o que se confirma nos vários itens do documento;
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
27
28
c) o Brasil reconhece a personalidade jurídica civil da Igreja Católica
entre nós, no âmbito do ordenamento jurídico pátrio, como, aliás, ocorre com
todas as igrejas cristãs e outras confissões religiosas existentes no país,
respeitando inclusive as normas legais dos procedimentos cartoriais;
d) as entidades assistenciais de todas as igrejas, no caso as da Igreja
Católica, poderão se valer da legislação competente para suas garantias e
benefícios legais de atuação na sociedade;
e) o Acordo se refere ao valioso patrimônio histórico, artístico e cultural
da Igreja, que na realidade é expressão da cultura brasileira em diversas
regiões do nosso país, devendo o Estado colaborar com a sua manutenção,
ficando reiterado o direito de acesso ao mesmo patrimônio por parte de
qualquer pessoa interessada. Tal providência do Estado encontra exemplos
em situações semelhantes e não apenas com o patrimônio da Igreja Católica.
f) estabelece o Acordo as garantias para o culto, o que consta em
nossa legislação para todas as religiões;
g) como consta na legislação referente à saúde, nos estabelecimentos
hospitalares e de assistência social, desde que não haja prejuízo para as
atividades específicas, fica assegurada a assistência religiosa da Igreja Católica
como a todas as igrejas cristãs e outras confissões religiosas;
h) as instituições de ensino da Igreja Católica terão, como já ocorre
segundo a lei, o direito de promover suas atividades como qualquer outra instituição
religiosa ou não no nosso país. Os seminários da Igreja Católica, como as
instituições semelhantes de outras igrejas, uma vez obedecida a legislação do
ensino, poderão atuar buscando seus objetivos religiosos e leigos;
i) no tocante ao ensino religioso, o acordo repete os termos constantes
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996), apenas
fazendo referência ao ensino católico, como também ao de outras confissões
religiosas, não alterando em nada, portanto, o conceito legal existente sobre o
assunto e não atingindo as prerrogativas de outros ramos religiosos. No mais,
reitera os princípios fundamentais da Constituição brasileira sobre a educação;
j) reafirmando a legislação brasileira (Código Civil, arts. 1.515 e 1.516),
o acordo menciona os efeitos civis do matrimônio religioso, logicamente católico,
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
desde que registrado no órgão competente, o que está assegurado, também,
a todas as religiões;
k) fica declarado no Acordo o empenho da República brasileira em
destinar espaços no planejamento urbano para edificação de fins religiosos,
prerrogativa esta que abrangerá todas as igrejas e demais confissões, não
havendo no caso exceção alguma em favor da Igreja Católica;
l) o vínculo entre as tarefas de religiosos com a Igreja não terá caráter
empregatício o que, aliás, já é decisão de órgãos judiciais brasileiros e de que
se poderá valer qualquer religião, qualquer igreja, sendo, aliás, conhecida a
jurisprudência em relação ao caso de um pastor de igreja cristã que se inseria
nesta situação, tal como decidido pelo Tribunal Superior do Trabalho no Recurso
de Revista nº 3069/2004-513-09-00.5, Rel. Min. Simpliciano Fontes Fernandes,
DJ de 22.02.2008;
m) cabe ainda, de maneira assinalada, registrar que o presente Acordo
não contem somente normas jurídicas de interesse para a Igreja Católica,
mas também para todas as outras confissões religiosas. É fácil constatar tal
assertiva no texto do Acordo, uma vez que muitos de seus dispositivos referemse a outras confissões religiosas, dando-lhes os mesmos direitos e prerrogativas
ali mencionados para a Igreja Católica.
Por outro lado, segundo o princípio da equidade e da generalidade da
lei, verifica-se claramente que, mesmo sem fazer referência a outras confissões
religiosas, estão presentes no Acordo preceitos para elas válidos e que
asseguram a igualdade de condições, de prerrogativas, para todas as religiões.
O Acordo é assim, indireta ou implicitamente, um conjunto de normas
que vai oferecer idênticas garantias a todos os credos, às igrejas evangélicas,
aos movimentos espíritas e espiritualistas, aos ramos religiosos mulçumanos,
às organizações judaicas e israelitas, aos budistas, aos xintoístas, aos
confuncionistas, às diferentes tradições afro-brasileiras e até às práticas
religiosas que possam existir em frações indígenas do país.
É desta forma o Acordo um documento que reafirma as constitucionais
garantias religiosas e até mesmo traz consigo – ainda que indiretamente –
afirmações de respeito a idéias não religiosas, agnósticas ou do ateísmo.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
29
30
Decorre isto do fato de que nenhuma das suas cláusulas contém qualquer
exigência de que o cidadão deva ter crenças religiosas, pois se submete ao
princípio da laicidade do Estado, afastando o poder público da possibilidade
de vincular-se a qualquer crença ou doutrina.
Embora, evocando a proteção de Deus, a Constituição Federal, em
nenhum de seus dispositivos, impõe ao cidadão que venha a crer na Divindade
ou no Ser Supremo. E nisto não interfere o presente Acordo, que somente
auxilia uma das parcelas de crentes da população brasileira a praticar sua fé,
dentro dos limites constitucionais; bem como aponta às demais confissões
religiosas os direitos de que gozam e que devem ser – tal como ocorre em
relação à Igreja Católica – respeitados pelo Estado.
Conclui-se, portanto, que o Acordo é uma providencia do Estado brasileiro
dentro das concepções mais modernas de relações internacionais, como seja
a presença do poder público em área altamente significativa da sociedade de
nosso tempo, que diz respeito à vida religiosa, exigência psicossocial e
espiritual de todas as populações.
O acordo do Brasil com a Santa Sé é um tipo de aliança jurídicoreligiosa de ordem internacional que encontra exemplo em diversos continentes
em nossa época. Em anexo a este Parecer, juntamos um documento com
uma lista de vários acordos e concordatas de diversas nações.
O Governo brasileiro promove hoje com a Igreja Católica o Acordo em
tela, mas poderá fazê-lo também com outras igrejas e confissões religiosas
visto que não há nenhuma proibição para que assuma tal atitude.
Além disto, poderá promover, como é o caso de Portugal e outros países,
leis específicas referentes à liberdade religiosa, dispondo especificamente sobre
tal questão e firmando garantias necessárias ao culto religioso. Esta tarefa
poderá ser de iniciativa do Poder Executivo ou do Congresso Nacional.
Finalmente, cumpre afirmar que o acordo Brasil - Santa Sé, que tem
por objeto a Igreja Católica, não cria nenhuma discriminação ou privilégio para
esta instituição religiosa, mas ao contrário, sanciona normas de interesse de
todas as confissões, estabelecendo princípios que podem ser aplicados em
qualquer área das crenças e entidades religiosas em nosso país.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Em face das razões acima, o nosso Parecer com o nosso Voto é
favorável à aprovação do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a
Santa Sé, assinado na Cidade Estado do Vaticano em 13 de novembro de
2008, entre o Presidente da República e sua Santidade o Papa, na forma do
Projeto de Decreto Legislativo que vai em anexo.
Deputado Bonifácio de Andrada
Relator
PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO Nº, DE 2009
(Da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional)
Aprova o texto do Acordo entre a República Federativa do Brasil
e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica aprovado o texto do Acordo entre a República Federativa
do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no
Brasil.
Parágrafo único. Ficam sujeitos à consideração do Congresso Nacional
quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Acordo, bem como
quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inciso I do artigo 49
da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional.
Art. 2º Este decreto legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
Deputado Bonifácio de Andrada
Relator
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
31
32
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
33
IGREJA E ESTADO1
Cardeal Dom Odilo P. Scherer2
No dia 11 de fevereiro o Estado do Vaticano comemorou seus 80 anos
de existência. Situado no coração de Roma, com seus 44 hectares de superfície
ele é o menor de todos os Estados soberanos do mundo; como entidade
jurídica internacionalmente reconhecida, o Vaticano representa a sede (“Santa
Sé”) da Igreja católica e tem no Papa seu representante direto. Sua gestão
ordinária, no entanto, é exercida geralmente pelo Secretário de Estado da
Santa Sé, atualmente, o cardeal Tarcísio Bertone.
Foi em Roma que, durante as perseguições do imperador Nero aos
cristãos, o apóstolo São Pedro sofreu o martírio; sobre seu túmulo, na colina
Vaticana, o imperador Constantino Magno, no século IV, fez erguer uma
primeira basílica dedicada ao apóstolo; no século XVI, no mesmo lugar, foi
erguida a atual basílica de S. Pedro, coração e símbolo do Vaticano, de onde
os sucessores do Príncipe dos Apóstolos exercem sua missão em relação
aos católicos de todo o mundo.
Com o fim do antigo Estado Pontifício, em 1870, e com o surgimento
do atual Estado Italiano, o Papa Pio IX refugiou-se junto à basílica de S.Pedro,
sem mais ter um espaço próprio para exercer, com autonomia e plena liberdade,
sua missão em relação à Igreja do mundo inteiro. Assim também outros três
1
Artigo publicado originariamente em O ESTADO DE SÃO PAULO, ed. de 14/02/09, pg A2.
2
Cardeal Dom Odilo P. Scherer, Arcebispo de São Paulo. E-mail: [email protected]
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
34
de seus sucessores, Leão XIII, Pio X e Bento XV, consideraram-se “prisioneiros
do Vaticano”. No dia 11 de fevereiro de 1929, sendo papa Pio XI e, rei da Itália,
Vítor Manuel III, chegou-se à solução concordada do Tratado de Latrão, que
deu origem ao Estado do Vaticano na sua configuração atual e estabeleceu
os parâmetros da convivência com o Estado Italiano.
Trata de um Estado sui generis, cuja pretensão ao reconhecimento no
concerto político internacional não se relaciona com um eventual poder
econômico, nem com uma força militar, que não possui; sua importância
decorre da sua autoridade moral, enquanto representa uma instituição milenar
dedicada à defesa da dignidade humana, da justiça e da paz na convivência
entre os povos. Essa autoridade é bem reconhecida e prestigiada pelas
representações diplomáticas (Nunciaturas e Delegações Apostólicas) presentes
em mais de 190 países e pelos representantes ou observadores que mantém
em cerca de 20 Organismos Governamentais Internacionais, que vão desde
a ONU até à Organização da Liga dos Estados Árabes.
A ação diplomática da Santa Sé no mundo se expressa em grande
parte na busca de entendimentos e acordos com os diversos Estados para
assegurar o exercício efetivo da liberdade religiosa aos cidadãos e o
reconhecimento jurídico da Instituição eclesiástica nos países. E, mesmo se
o Vaticano o faz enquanto responsável direto pela Igreja católica, o efeito
dessa ação diplomática também acaba beneficiando os cidadãos de outros
credos.
Ao longo das recentes décadas, foram celebrados numerosos Acordos
bilaterais entre a Santa Sé e outros Estados (entre Igreja e Estado), e não
apenas com países de maioria católica. No dia 13 de novembro do ano
passado, durante a visita do Presidente Lula ao Papa Bento XVI, também foi
firmado um Acordo entre a Igreja e o Estado Brasileiro. Desde a proclamação
da República e o fim do regime do Padroado não havia mais um instrumento
jurídico público, que deixasse claras as relações entre a Igreja católica e o
Estado em nosso País. Estranhamente, a Instituição que, excetuado o própria
Estado, representa o maior número de pessoas no Brasil, não tinha um
reconhecimento jurídico e até encontrava dificuldades para afirmar a sua
existência perante as Instituições do Estado. Para entrar em vigor, no entanto,
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
o Acordo ainda precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional: Senado e
Câmara dos Deputados.
Uma preocupação manifestada na opinião pública na ocasião da
assinatura deste Acordo é que ele pudesse ferir o princípio da laicidade e da
não-confessionalidade do Estado. No entanto, lendo os termos do Acordo, é
possível dar-se conta imediatamente que esses receios são infundados. Quando
a Igreja, enquanto uma instituição religiosa existente na sociedade, entra em
diálogo com o Estado para o reconhecimento, em termos claros, da recíproca
identidade e da diversidade de competências, fica, de fato, afirmado e
consagrado o princípio da laicidade do Estado. Não se faz acordo sem antes
aceitar as competências legítimas da outra parte. A Igreja católica reconhece
e preza essa “laicidade positiva”, assim qualificada recentemente pelo
presidente Sarkozy, da França; mas teria dificuldades com uma laicidade que
excluísse da esfera pública a religião e o pensamento religioso, pretendendose ideologia oficial, impondo-se sobre a consciência privada dos cidadãos, ou
discriminando-os em função de sua tendência ou prática religiosa. Isso seria
lesivo aos direitos humanos e contrário à liberdade religiosa.
Pelo Acordo, a Igreja católica deixa claros e públicos os modos de sua
existência e de sua atuação na sociedade e isso significa respeito ao
pluralismo e à convivência democrática. Fica claro para todos quem é quem
e quais são os termos da colaboração e os compromissos recíprocos
assumidos. Na elaboração do Acordo, houve todo o cuidado para respeitar a
Constituição e a legislação já em vigor no Brasil. Portanto, não houve a
pretensão de afirmar privilégios para a Igreja católica. Muito daquilo que fica
estabelecido no Acordo vale também para outros grupos religiosos. A eles, de
toda forma, fica assegurado o direito de buscar entendimentos para, de sua
parte, também estabelecerem pactos com o Estado.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
35
36
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
37
ALGUMAS EXPLICAÇÕES SOBRE O ACORDO ENTRE O
ESTADO (BRASIL) E A IGREJA (SANTA SÉ) SOBRE O
ESTATUTO JURÍDICO DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL
Dom Lorenzo Baldisseri1
1. Por que um “Acordo” entre a Santa Sé e o Estado Brasileiro?
O Acordo responde principalmente a uma exigência da Igreja de certeza
jurídica: isto é, recolher, dentro de um único texto legislativo, o estatuto
jurídico da Igreja Católica no Brasil; este texto, ademais, tem a força jurídica
de um tratado internacional, sendo estipulado entre duas entidades soberanas
de direito internacional: o Estado brasileiro e a Santa Sé.
É importante destacar que a Santa Sé celebra freqüentemente estes
tipos de Acordos com Nações do mundo inteiro, inclusive com Países
muçulmanos ou de radicada tradição ‘não confessional’. Nos últimos anos,
depois do Concílio Vaticano II, a atividade pactícia bilateral da Santa Sé foi
intensíssima, e foram assinados mais de cem Acordos internacionais,
particularmente com Países do antigo ‘bloco’ soviético, mas também com
várias Nações africanas, do Oriente Médio, asiáticas, latino-americanas e
européias.
1
Dom Lorenzo Baldisseri, Núncio Apostólico no Brasil. E-mail: [email protected]
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
38
2. Por que o Acordo com o Brasil não foi chamado de
“Concordata”?
A “Concordata” é um tipo específico de Acordo. A primeira Concordata,
oficialmente denominada assim, foi em 1122 (“Concordata de Worms”), com
o imperador da Alemanha; a última foi em 2008, poucos meses atrás, com
Andorra. Ela constitui a forma mais solene de Acordo bilateral estipulado pela
Santa Sé. Regula, em todos os seus aspectos, a situação jurídica da Igreja
Católica num Estado determinado, que representa a outra Parte contratante.
Para merecer o nome de “Concordata”, portanto, um Acordo precisaria
contemplar todos os principais itens relativos ao estatuto jurídico da Igreja e
também a regulamentação de todas as assim chamadas “res mixtae”, ou
seja, as questões que entram na competência do ordenamento jurídico da
Igreja e, ao mesmo tempo, naquele do Estado, como, por exemplo, os efeitos
civis do matrimônio canônico e a instrução religiosa nas escolas. Vários
destes itens estão incluídos no Acordo; outros, como por exemplo, a
regulamentação dos feriados religiosos, não estão presentes, por motivos de
oportunidade.
Aliás, uma segunda razão, também importante, é que a palavra
“Concordata” evoca, na percepção da sociedade, épocas históricas em que
nem sempre era corretamente definida a recíproca independência e autonomia
entre a Igreja e o Estado, ferindo o princípio da justa e positiva laicidade do
Estado, a qual envolve e exige esta recíproca autonomia e, ao mesmo tempo,
favorece uma sadia colaboração, no interesse do bem comum da sociedade
e de todos os cidadãos. Em suma, o termo “Concordata” pouco sintoniza,
segundo alguns, com a linguagem da laicidade, enquanto o termo jurídico
“Acordo” diz respeito a um pacto internacional entre entidades soberanas,
sem nenhum problema para a laicidade do Estado e do ordenamento jurídico
democrático e pluralista. Concluindo, a utilização do termo “Acordo” expressa,
sem qualquer ambigüidade, a garantia e o respeito pela laicidade do Estado.
3. A Igreja Católica, através deste “Acordo”, recebeu privilégios
do Estado? Houve discriminação de outras confissões religiosas?
Não. Não recebeu privilégio nenhum, nem houve nenhuma discriminação
para com outras confissões religiosas.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
A Igreja não buscou, nem recebeu privilégios, porque o Acordo somente
confirma, consolida e ‘sistematiza’ o que já estava no ordenamento jurídico
brasileiro, embora, em alguns casos, de uma forma não totalmente explícita.
Cada artigo do Acordo, diante das atribuições à Igreja Católica aí contempladas,
se preocupa de realçar constantemente, ao mesmo tempo, duas exigências
fundamentais: o respeito do ordenamento jurídico da Constituição Federal e
das leis brasileiras, em todos os âmbitos, e a paridade de tratamento com
as outras entidades de idêntica natureza, quer sejam de caráter religioso,
filantrópico, de assistência social, de ensino etc, excluindo, assim, qualquer
possibilidade de discriminação entre elas.
A Igreja Católica – que representa a comunidade religiosa da grande
maioria dos brasileiros, não menos do que 70% da população – promove e
defende, no mundo inteiro e em cada Nação, a igualdade e a liberdade
religiosa para todos. Não quer privilégios e tampouco concorda com
discriminações de qualquer tipo. Outras confissões, no Brasil, poderão seguir
o exemplo, tendo, como cidadãos e como grupos, iguais direitos e deveres.
Elas poderão concluir convênios com o Estado e pedir a aprovação de medidas,
legislativas ou administrativas, que definam, analogamente, o “estatuto jurídico”
delas. Apenas não poderão celebrar com o Estado um Acordo internacional,
não sendo, como a Santa Sé, sujeitos soberanos de direito internacional e
membros da Comunidade internacional. Estas confissões e denominações
deverão, ao mesmo tempo, dar garantias de seriedade e confiabilidade, que
o Estado, justamente, exige. A Igreja Católica oferece amplamente estas
garantias, pela sua história, sua estabilidade, e pela sua impressionante
estrutura jurídica: basta pensar no imponente edifício do Direito Canônico,
reconhecido no mundo inteiro, consolidado em muitos séculos de história e
citado freqüentemente pela jurisprudência, inclusive dos tribunais brasileiros,
em todos os níveis.
4. Quais são os pontos mais importantes previstos no Acordo?
São vários. Inicialmente cabe destacar a importância do fato de se ter
concluído este Acordo, que o Episcopado brasileiro, justamente pela exigência
de certeza jurídica acima ilustrada, esperava há muitos anos (basta pensar
que o primeiro projeto remonta a 1953). Muitos no Brasil, inclusive juristas e
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
39
40
destacados membros do mundo cultural e acadêmico, estranhavam o fato do
Brasil não ter ainda assinado um Acordo de caráter geral com a Santa Sé,
contrariamente à maioria dos Países de antiga tradição jurídica internacional.
Eu diria que os pontos principais são os seguintes: primeiramente a
reafirmação da personalidade jurídica da Igreja Católica e de suas instituições,
a saber, Conferência Episcopal, Dioceses, Paróquias, Institutos Religiosos,
etc. (art. 3º). Depois, temos uma boa lista de pontos de grande relevância,
que, respondendo à sua pergunta, passo sucintamente a elencar: o
reconhecimento da filantropia e de benefícios tributários, no pleno respeito às
leis e em condições de paridade com outras entidades civis da mesma
natureza (arts. 5º e 15); a colaboração com o Estado no campo cultural,
respeitadas as exigências de tutela do patrimônio artístico e cultural da Igreja;
o direito, que é também um compromisso a favor da sociedade, de assistência
religiosa aos cidadãos internados em estabelecimentos de saúde e similares,
ou detidos nos presídios, que, livre e espontaneamente, o requeiram; a
importância de assegurar paridade de tratamento às escolas e demais institutos
católicos de ensino, em todos os níveis, em conformidade com o ordenamento
jurídico e do princípio de efetiva igualdade e liberdade religiosa; o reconhecimento
recíproco dos títulos acadêmicos universitários, a ser implementado pelas
respectivas Instituições Acadêmicas, da Santa Sé e do Brasil; o ensino católico,
assim como de outras confissões religiosas, nas escolas públicas de ensino
fundamental; o reconhecimento dos efeitos civis, não só do casamento religioso,
mas também, coerentemente, das sentenças eclesiásticas em matéria
matrimonial; a destinação de espaços a fins religiosos nos instrumentos de
planejamento urbano; a clara exclusão, nos termos da legislação e da
jurisprudência trabalhista brasileira, do vínculo empregatício entre os padres e
suas Dioceses e também entre religiosos e religiosas e seus respectivos
Institutos; o direito dos Bispos de pedir o visto para os missionários estrangeiros
que vierem trabalhar no Brasil; e, enfim, a possibilidade de implementar
ulteriormente este Acordo, nos âmbitos específicos em que ele incide, através
de convênios a serem celebrados entre a CNBB e os órgãos competentes do
Estado brasileiro.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
5. O reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja Católica
e de suas instituições é uma nova prerrogativa atribuída à Igreja Católica?
Não. Desde a proclamação da República e a emanação do famoso
Decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890, que extinguiu o “padroado”, a
personalidade jurídica da Igreja Católica é um fato incontestável. A partir daí,
a doutrina e a jurisprudência nunca tiveram dúvidas sobre a conseqüente
atribuição da personalidade jurídica também para as Dioceses. Alguma dúvida
de interpretação surgiu, porém, em alguns casos, quanto à personalidade
jurídica das Paróquias e demais pessoas jurídicas eclesiásticas, especialmente
nos cartórios e nos ambientes bancários. Ao mesmo tempo, todavia, a grande
parte da jurisprudência reconhecia ‘de fato’ a personalidade jurídica dessas
instituições, inclusive admitindo-as como “partes” nos procedimentos judiciários,
tanto civis como penais, tributários e trabalhistas. Uma boa síntese desta
situação, com a clara e definitiva conclusão que o reconhecimento da
personalidade jurídica da Igreja Católica – e de todas as instituições que
possuem tal personalidade segundo o direito canônico – está já na lei, no
ordenamento jurídico, na jurisprudência e na legislação do nosso País, se
encontra num recente e decisivo Parecer do Consultor-Geral da União, de
agosto de 2006, aprovado pelo Advogado Geral da União (Nº. AGU/MP - 16/
2005 e respectivo Despacho Nº. 34/2006).
O nosso Acordo, portanto, não fez outra coisa se não consolidar e formalizar,
num texto de tamanha envergadura jurídica, a situação já existente, porquanto
nem sempre pacificamente aceita ou corretamente interpretada, destacando, ao
mesmo tempo, a necessidade do respeito do ordenamento jurídico brasileiro e
dos procedimentos previstos no próprio Código Civil (art. 44) para a inscrição das
pessoas jurídicas de caráter religioso no respectivo registro civil.
6. O Brasil é um Estado laico. O Acordo, por outro lado, prevê o
ensino da religião católica nas escolas públicas de ensino fundamental.
Como se conciliariam, a seu juízo, o caráter leigo da República e o
ensino confessional nas escolas? Alguns dizem que o ensino confessional
nas escolas públicas seria até inconstitucional...
O Artigo em questão é plenamente coerente com quanto previsto pela
Constituição Federal, Art. 210, § 1º e pela Lei de Diretrizes e Bases da
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
41
42
Educação, Art. 33. Todas as Constituições que se sucederam no Brasil nas
últimas seis décadas, desde a Constituição de 1937, incluem o ensino religioso
no currículo escolar do ensino fundamental. O atual Art. 210 da Constituição
Federal de 1988 determina: «O ensino religioso, de matrícula facultativa,
constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental». É inegável que o ensino religioso não deve ser entendido como
alusivo a uma “religião genérica”, a-confessional, indefinida, já que uma tal
‘religião’ não existe. Seria pura abstração mental, sem correspondência na
realidade da vida e da sociedade humana. Ninguém, portanto, teria condições
de ministrá-la, a não ser quem quisesse ensinar suas próprias e subjetivas
opiniões. Tampouco poderia criá-la e impô-la o Estado, que é democrático e
leigo e, enquanto tal, respeitoso das múltiplas confissões religiosas, com
suas diferenças e identidades, sua fé, seu credo, sua doutrina, seus fiéis.
E cada fiel tem, no Brasil, o direito constitucional de receber, se quiser,
a educação religiosa conforme a sua fé, nos termos fixados pela Lei e no
respeito da liberdade religiosa e de consciência. Esta é a verdadeira e autêntica
laicidade. Um ensino genérico, apenas indefinidamente “religioso”, não atingiria
esta meta e, principalmente, não cumpriria os ditames da Constituição.
O Estado brasileiro não admite, de forma alguma, concessão de privilégios
para nenhuma religião específica, nem discriminações religiosas. Da mesma
forma, o Acordo, também no que diz respeito ao ensino religioso, não
privilegia a Igreja Católica, nem discrimina outras confissões. Neste
preciso intuito, foi expressamente mencionado, além do “ensino
religioso católico”, também o “de outras confissões religiosas”. Podemos
chamar este modelo de “ensino religioso pluri-confessional”. Ele encontra um
válido exemplo legislativo na Lei sobre ensino religioso adotada no Estado do
Rio de Janeiro (Lei n. 3459/2000, de 14 de setembro de 2000). Conforme este
modelo, o legislador reconhece, aplicando os princípios constitucionais de
liberdade religiosa e de crença (Art. 5º, inciso VI, da Constituição), o direito
das famílias (e dos alunos que já completaram os 16 anos de idade) a que
lhes seja oferecido, pelo Estado, o ensino religioso correspondente ao credo
e à identidade religiosa confessional do estudante e de sua família.
É importante destacar que essa Lei estadual, menos de um ano depois
de editada, passou por rigoroso controle de constitucionalidade pelo Tribunal
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
de Justiça do Estado e foi mantida (cf. Representação n. 141/2000, Acórdão
de abril de 2001).
Deve-se sublinhar que esse ensino religioso é sim ‘confessional’, mas
é, ao mesmo tempo, pluralista, enquanto o Estado oferece aos alunos os
ensinos religiosos próprios, em conformidade com sua identidade de fé, e é
perfeitamente democrático e leigo, porque só será ministrado aos que, livre e
facultativamente, o requeiram. Em nada, portanto, afeta negativamente o espírito
de mútua tolerância e respeito entre as diferentes confissões, nem tampouco
contraria a irrenunciável laicidade do Estado brasileiro.
A esse propósito, enfim, no que diz respeito ao conceito da verdadeira
laicidade, merecem reflexão as palavras recentemente pronunciadas por Nicolas
Sarkozy, Presidente da República da França, nação que sempre foi, e continua
sendo a ‘porta-bandeira’ do princípio da laicidade do Estado. «A laicidade não
poderia ser a negação do passado. A laicidade não tem o poder de cortar uma
nação das suas raízes cristãs. Ela tentou fazê-lo. E não deveria tê-lo feito
[...], eu acho que uma nação que ignore a herança ética, espiritual e religiosa
da sua história comete um crime contra sua cultura [...] que impregna tão
profundamente nossa maneira de viver e pensar. Arrancar a raiz é perder o
significado, é enfraquecer o cimento da identidade nacional, é tornar ainda
mais ásperas as relações sociais, que tanta necessidade têm de símbolos de
memória. [...] É por isso que desejo o advento de uma laicidade positiva, ou
seja, uma laicidade que, preservando a liberdade de pensamento, a de crer
ou não crer, não veja as religiões como um perigo, mas, pelo contrário, como
um trunfo. [...] Trata-se de procurar o diálogo com as grandes religiões e ter
por princípio facilitar a vida quotidiana das grandes correntes espirituais, ao
invés de procurar complicá-las» (Discurso pronunciado em Roma, em 4 de
Janeiro de 2008).
7. O reconhecimento dos efeitos civis do casamento religioso foi
confirmado pelo artigo 12 do Acordo, nos mesmos termos do atual
Código Civil, já bem conhecidos e atuados. Nota-se, porém, no mesmo
artigo, parágrafo 2º, uma novidade: fala-se de “homologação de
sentenças eclesiásticas em matéria matrimonial”. De que se trata?
A Constituição Federal (art. 226, § 2º: «O casamento religioso tem
efeito civil») e o Código Civil (arts. 1515-1516) reconhecem “efeitos civis” aos
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
43
44
casamentos religiosos. É perfeitamente coerente com esta normativa que o
Estado, a pedido dos legítimos interessados, reconheça também efeitos civis
às decisões dos tribunais eclesiásticos em matéria matrimonial, desde que
confirmados pelo Órgão de controle superior da Santa Sé e que cumpram os
requisitos exigidos pela lei brasileira para a homologação das sentenças
estrangeiras.
O processo de homologação (ou ‘delibação’) de sentenças estrangeiras
é um instituto típico do direito internacional, pacificamente reconhecido no
Brasil e na grande maioria dos Estados democráticos. Ademais, este tipo de
regulamentação está previsto em inúmeros Acordos entre a Santa Sé e Países
do mundo inteiro, especialmente os de tradição jurídica de impostação
“romanística”, isto é, cujo direito privado descende do direito romano, como
é o caso do direito privado vigente no Brasil, consagrado em seu Código Civil.
Não há, portanto, obstáculo algum, do ponto de vista jurídico e constitucional,
que também no Brasil seja dada atuação, até por razões de simetria com o
reconhecimento dos efeitos civis do casamento canônico, à homologação das
sentenças eclesiásticas que se pronunciam sobre a validade do mesmo
casamento canônico, nos casos concretos submetidos à sua decisão,
livremente, pelos esposos, e sob a condição – repita-se – de que tais sentenças
apresentem os mesmos requisitos fixados no ordenamento jurídico brasileiro
para a homologação das sentenças estrangeiras em matéria matrimonial.
8. Não se reconhece vínculo trabalhista entre os padres e as
Dioceses, assim como entre os religiosos e religiosas e seus respectivos
Institutos (artigo 16 do Acordo). Esta previsão não fere a legislação
trabalhista do País, abrindo espaço para abusos?
O não reconhecimento de vínculo empregatício entre os ministros
ordenados e as suas Dioceses e entre os fiéis consagrados e os Institutos
Religiosos a que eles pertencem está clara e unanimemente definido pelo
magistério da doutrina jurídica e pela suprema jurisprudência juslaborista,
solidamente amparada nos preceitos da Constituição Federal e do ordenamento
infraconstitucional do nosso País.
Não é supérfluo citar aqui, à guisa de exemplo dessa consolidada
orientação do direito do trabalho brasileiro, algumas passagens fundamentais
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
de um recente Acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que define que o
trabalho realizado por religiosos, segundo a sua vocação, não gera vínculo
empregatício (TST-AIRR 3652/2002-900-05-00, em DJ de 09/05/03). Lê-se da
sua ementa: «O vínculo que une o pastor à sua Igreja é de natureza religiosa
e vocacional. Relacionado à resposta a uma chamada interior e não ao intuito
de percepção de remuneração terrena. A subordinação existente é de índole
eclesiástica, e não empregatícia, e a retribuição percebida diz respeito
exclusivamente ao necessário para a manutenção do religioso. Apenas no
caso de desvirtuamento da própria instituição religiosa, buscando lucrar com
a palavra de Deus, é que se poderia enquadrar a igreja [...] como empresa
e o pastor como empregado». E ainda, lemos no corpus da sua cuidadosa
motivação: «Os juslaboristas pátrios, não se distanciando da doutrina
estrangeira, são praticamente unânimes em não reconhecer a possibilidade
de vínculo empregatício entre os ministros das diversas confissões religiosas
(padres, pastores, rabinos, etc) e suas respectivas igrejas ou congregações.
[...] Também a jurisprudência tem sido firme na mesma esteira da doutrina,
apenas admitindo o vínculo no caso do desvirtuamento da instituição». Tal
“desvirtuamento” – previsto também no dispositivo do nosso Acordo como
única exceção possível à exclusão do vínculo empregatício – dá-se,
conforme a mesma sentença aqui citada, apenas nas hipóteses em que seja
provado, em juízo, que se trata de «instituições que aparentam finalidades
religiosas e, na verdade, dedicam-se a explorar o sentimento religioso do
povo, com fins lucrativos».
O referido Artigo trata também, no inciso II, dos fiéis que realizam na
Igreja tarefas da mais variada natureza (“apostólica, pastoral, litúrgica,
catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes...”) «a título
voluntário», isto é, em força de um regular contrato (“termo de adesão”) de
voluntariado, conforme quanto estabelecido pela Lei nº 9.608, de 18 de fevereiro
de 1998, que disciplina o fascinante e benemérito mundo do voluntariado. A
citada previsão do nosso Acordo observa esta valiosa Lei Federal, em perfeita
sintonia com seus preceitos e princípios inspiradores.
9. O Acordo garante à Igreja a imunidade tributária e atribui os
mesmos tratamentos das entidades filantrópicas (art. 15). Em que
termos? Isto não fere o princípio de igualdade de todos perante a lei?
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
45
46
A imunidade tributária em questão refere-se a todos os tipos de impostos,
conforme o dispositivo do Art. 150, Inciso VI, letras “b” e “c” e § 4º da
Constituição. Os termos desta imunidade tributária, portanto, são os mesmos
reconhecidos pela Carta Magna do Brasil.
Também neste assunto, o dispositivo do Acordo está bem amparado
em decisão do Plenário da máxima Magistratura Constitucional do País. De
fato, o STF, com o Acórdão n. 325.822-2, de 18 de dezembro de 2002, Relator
Ministro Gilmar Mendes, sancionou que «A imunidade tributária prevista no
art. 150, VI, da Constituição deve abranger não somente os prédios destinados
ao culto, mas, também o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com
as suas finalidades essenciais» (cf. DJ de 03/02/03). Isto significa, sem
ambigüidade, que os bens pertencentes às pessoas jurídicas eclesiásticas,
quando destinados às suas finalidades essenciais, que, no nosso caso, são
tanto as finalidades estreitamente religiosas quanto as de caráter caritativo e
social, não sofrem a cobrança de impostos, assim como disposto pelo Art.
150 da Constituição Federal para “qualquer culto religioso”, e reafirmado, pelo
nosso Acordo, no que diz respeito a todas as pessoas jurídicas da Igreja
Católica.
Quanto ao tema da filantropia, muito importante para o sereno e
adequado desenvolvimento das inúmeras atividades sociais, educacionais e
assistenciais da Igreja Católica, o mesmo Art. 15 do Acordo, § 1º, dispõe que
“as pessoas jurídicas da Igreja Católica que exerçam atividade social e
educacional sem finalidade lucrativa receberão o mesmo tratamento e benefícios
outorgados às entidades filantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico
brasileiro”. Esta previsão baseia-se, com toda evidência, justamente no princípio
de igualdade de todos os cidadãos perante a lei, chamado, em termos jurídicos,
“princípio de isonomia”, solenemente fixado no caput do Art. 5º da Constituição
Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Tratava-se, na verdade – frente às crescentes dificuldades encontradas nos
últimos tempos pelas entidades beneficentes da Igreja – de reafirmar, neste
âmbito, este fundamental princípio da Constituição e do Estado democrático,
que comporta a obrigação jurídica de ‘não discriminação’ e de paridade de
tratamento para com as pessoas jurídicas eclesiásticas que exercem atividade
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
social e educacional sem finalidade lucrativa, as quais têm direito de receber
o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas, desde
que possuam os requisitos e cumpram as obrigações exigidos pela lei.
10. Houve também uma previsão relativa ao planejamento
urbanístico (art. 14), que agora deve incluir a destinação de espaços a
fins religiosos. Esta não seria uma invasão de campo, por parte da
União, sendo que a Constituição Federal estabelece a autonomia dos
Municípios em matéria de planejamento urbano?
O referido Artigo não comporta nenhuma “imposição” automática nos
instrumentos de planejamento urbano, mas “declara o empenho” da República
em favor “da destinação de espaços a fins religiosos”, a serem futuramente
incluídos nos instrumentos de planejamento urbano.
Esta previsão está em conformidade com quanto é estabelecido pela
Constituição Federal, art. 182, que determina a competência do Legislador
Federal de fixar em lei diretrizes gerais para “ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar dos seus habitantes”.
Neste mesmo sentido, o art. 21, inciso XX, da Constituição dispõe que “compete
à União [...] instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano”. Enfim, vale
destacar que a Lei N. 10.257/2001, conhecida como “Estatuto das Cidades”,
confirmou que “compete à União [...] legislar sobre normas gerais de direito
urbanístico [...] tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar”
dos cidadãos brasileiros. Ademais esta mesma lei indica, entre os objetivos
fundamentais do planejamento urbano, o desenvolvimento da qualidade da vida
da pessoa humana (cf., em particular, os artigos 2º, 3º, 21 e 39). Ora, é
evidente que a dimensão religiosa não pode ser excluída do conceito de
“qualidade de vida” e de “bem-estar” dos cidadãos brasileiros, tanto mais se
pensarmos que a mesma lei menciona expressamente (art. 2º, I) o direito dos
cidadãos a espaços destinados ao “lazer”. Conseqüentemente, a destinação
de espaços a fins religiosos pode bem figurar, conforme os ditames da nossa
Constituição e da legislação infraconstitucional, dentro das diretrizes gerais
dadas pela União para os instrumentos de planejamento urbano das nossas
cidades.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
47
48
11. Os Artigos 7º e 8º garantem, respectivamente, a proteção dos
lugares de culto e liturgias da Igreja Católica e o direito de dar
assistência religiosa nos estabelecimentos de saúde, prisionais e
similares. Quais são os fundamentos jurídicos dessas atribuições no
ordenamento brasileiro?
As garantias acima citadas são ambas contempladas e legitimadas
pela Constituição Federal, art. 5º, incisos VI e VII:
«É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e suas liturgias» (inciso VI);
«É assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva» (inciso VII).
Trata-se, evidentemente, de normas válidas para todas as confissões
religiosas, sem discriminação alguma.
É útil destacar, em particular, quanto ao art. 8º, relativo à assistência
espiritual nos “estabelecimentos” acima mencionados, que seria inconstitucional
limitar o livre exercício da prática religiosa para os fiéis neles internados, no
caso que eles não pudessem encontrar, com a devida facilidade, seus ministros
de culto religioso, uma vez que o requeiram. Ao mesmo tempo, o dispositivo
do Acordo destaca expressamente a necessidade de que sejam corretamente
observadas “as exigências da lei” e “as normas de cada estabelecimento”.
12. Quando entrará em vigor o Acordo?
O último artigo do Acordo determina que o mesmo entrará em vigor no
momento da troca dos instrumentos documentais de ratificação. Come se
sabe, a competência para “ratificar” um tratado internacional cabe, no sistema
constitucional brasileiro, ao Congresso Nacional. De fato, o Art. 49, inciso I,
da Constituição Federal dispõe: «É de competência exclusiva do Congresso
Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais
que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional»;
complementar a esta norma é o que dispõe o art. 84, inciso VIII, da mesma
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Carta Magna: «Compete privativamente ao Presidente da República celebrar
tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso
Nacional».
Isto significa que o nosso Acordo, para ter força de Lei, com as garantias
suplementares de um Tratado internacional, precisará ser aprovado,
distintamente, pelos dois remos do Parlamento Nacional: Senado Federal e
Câmara dos Deputados.
É preciso contar com o apoio dos parlamentares brasileiros, Senadores
e Deputados Federais, que possuem uma visão aberta, pluralista e madura da
verdadeira laicidade do Estado, nos termos enunciados pelo Presidente da
República Francesa, Nicolas Sarkozy, no discurso acima citado, para que
dêem sua prestigiada e determinante sanção ao nobre ato internacional que
o Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva,
solenemente pactuou, em nome da Nação brasileira, com a Santa Sé.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
49
50
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
51
IGREJA E MISSÃO
PROMOÇÃO HUMANA E ARTIGO 17 DO ACORDO
ENTRE A SÉ APOSTÓLICA E O ESTADO BRASILEIRO
Dom José Benedito Simão1
1. IGREJA E SUA NATUREZA DIVINA E HUMANA
O Artigo 17 do Acordo entre a República Brasileira e a Igreja Cristã
Católica propõe o reconhecimento de direito, responsabilidade e liberdade a
ambas instituições em questão, vem garantir e facilitar a prática evangelizadora
da referida Igreja presente no Estado brasileiro, que na verdade é o que dá
consistência à sua própria vocação. A fé do povo de Deus já oferece aquela
certeza absoluta, a qual se alicerça e é alimentada pelas fontes da própria
fé, que a Igreja foi pensada e instituida por Nosso Senhor Jesus Cristo como
organismo vivo, santo e santificador, cuja permanente assistência do Espírito
de Deus lhe garante toda a segurança, autoridade e poder de salvação. (Cf.
Catecismo da Igreja Católica 766).
O proprium da natureza eclesial podemos encontrar já no conceito
Igreja, que oferece-nos um conteúdo muito profundo, rico de sabedoria, que
sempre é enriquecido significantemente por intermédio da contribuição teológica
produzida sob os fundamentos da Palavra, da Tradição e da interpretação do
autêntico Magistério no decorrer do processo da História da Salvação. Sempre
1
Dom José Benedito Simão, Bispo de Assis, Estado de São Paulo. Foi Bispo auxiliar da
Arquidiocese de São Paulo. Foi Reitor do Centro Universitário Assunção – UNIFAI. E-mail:
[email protected]
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
52
sentimo-nos interpelados em recorrer a esse conteúdo, principalmente nos
momentos e situações de incertezas e certos desvios e abusos na caminhada
de fé de nossas comunidades, pastorais, movimentos, etc. O termo Igreja
apresenta um conteúdo ligado a dois vocábulos gregos que ora os
transcrevemos: kyriakä e ekklésia.
A Igreja enquanto “ ‘kyriakä’, do qual deriva ‘Church’, ‘kirche’, significa
a que pertence ao Senhor” (Catecismo da Igreja Católica 751) trata-se do
Reino amado de Jesus Cristo, o Reino que está presente no seio da Igreja
e através dela cresce no meio do povo, isto porque, ao ser fundada e assistida
pelo Ressuscitado a Igreja é incontestavelmente Santa, propriedade querida
por Deus que a criou e a alimenta sempre para ser instrumento eficaz de
salvação. Nesse sentido, a Igreja, apesar de não ser o Reino definitivo, nela
subsiste a totalidade da Graça Salvadora, porta a totalidade de elementos de
salvação e por carregar os elementos do Reino de Deus é o instrumento mais
eficiente desse Reino, “... ainda que fora do seu corpo se encontrem realmente
vários elementos de santificação e de verdade, que, na sua qualidade de dons
próprios da Igreja de Cristo, conduzem para a unidade católica” (LG 8). A
Igreja que Jesus confiou a Pedro e aos seus sucessores, auxiliados pelos
primeiros apóstolos e aos seus sucessores (Cf. Mt 16, 18-20; Mc 6,7-13), é
uma realidade que não se identifica com nenhuma organização ideologicamente
partidária, a nenhum sistema ou regime já adotados na ordem política ou
governamental. A Igreja é uma realidade de Mistério. A Igreja mantém-se na
unidade e na comunhão de fé e de serviço entre os ministros ordinários e
extraordinários.
A Igreja enquanto “ekklésia, do grego ‘ekkaléin, chamar fora, significa
‘convocação’” (Catecismo da Igreja Católica 751) trata-se da Assembléia dos
fiéis, do povo Deus, povo sacerdotal, povo chamado a desempenhar pela força
da unção do Espírito de Deus recebida pelo Batismo uma missão santificadora.
“ Na linguagem cristã, a palavra ‘Igreja’ designa a assembléia litúrgica, mas
também a comunidade local ou toda a comunidade universal dos crentes.
Esses três significados são inseparáveis. A ‘Igreja’ é o Povo que Deus reúne
no mundo inteiro. Existe nas comunidades locais e se realiza como assembléia
litúrgica, sobretudo eucarística. Ela vive da Palavra e do Corpo de Cristo e
se torna, assim, Corpo de Cristo.” (Catecismo da Igreja Católica 752). Através
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
dos diferentes jeitos de ser Igreja, através da pertença às comunidades
paroquiais, às comunidades eclesiais de base, às ordens, congregações e
institutos religiosos, às novas comunidades de fiéis e às diversas formas de
vida consagrada, aos movimentos, etc., por meio das diversas espiritualidades
em consonância com a verdade propagada pelas fontes da fé, formamos o
corpo eclesial. O povo de Deus é Igreja, o povo de Deus é o corpo ministerial,
um organismo que testemunha e caminha ao encontro do Reino. Como o
corpo humano depende dos diversos e diferentes órgãos para integralmente
bem funcionar. A unidade na diversidade. Pessoas e grupos diferentes
objetivando um único desejo, pessoas e grupos partindo de lugares diversos
para chegarem a um ponto de encontro. O povo de Deus trilha uma caminhada
convergente. O alvo é o Reino de Deus. Nesse sentido podemos afirmar que
o povo de Deus é santo porque na condição também de pecador
constantemente se revigora na força da Palavra e dos Sacramentos de sua
Igreja. (Cf. LG 7). A Igreja como kyriakä é absolutamente santa, como
ekklésia experimenta a condição de pecado através do povo que a forma e
traz o pecado para dentro de si, condição esta superada pela Graça da
Trindade Santa que dinamicamente age em favor da conversão do seu próprio
povo. A Igreja, é o sinal da presença viva do Verbo encarnado entre nós, que
continua revelando a ação de Deus na História humana, absorvendo o pecado
do mundo, e através da Penitência e da Eucaristia [Cf. (DA) Documento de
Aparecida 176; 251] nos redime, nos santifica e nos envia à missão. As duas
dimensões Kyriakä e Ekklésia, o Divino e o Humano, Igreja já na posse dos
bens celestes e Igreja terrestre em missão, formam uma só realidade de
mistério, espiritual e visível, única e complexa, na unidade do Pai, do Filho
e do Espírito Santo. (Cf. LG 8).
2. IGREJA E SUA VOCAÇÃO MISSIONÁRIA
Chegamos à conclusão que é impossível pensar na Igreja Cristã Católica
sem reconhecermos sua vocação missionária. O Divino Mestre ao instituí-la
como continuadora de sua Missão também lhe confere identidade que vem
dar consistência em sua própria natureza. (Cf. DA 373). Jesus a cria para
anunciar a Boa Noticia do Reino, oferecendo-a humanidade como mediadora
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
53
54
competente de Salvação, formada pelos homens e mulheres e assistida pelo
Espírito Santo. Por ordem do Mestre e Senhor Jesus Cristo o proprium da sua
Igreja é evangelizar, caracterizando-a como missionária do Evangelho. (Cf. AG
2; 5-6; Catecismo da Igreja Católica 767). “Ide, portanto, e fazei que todas
as nações se tornem discipulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e
do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis
que eu estarei convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mt
28, 19-20). Esta passagem do Evangelho nos mostra o imperativo do Mestre
Jesus Cristo que atribui autoridade à sua Igreja e determina a sua natureza,
uma Igreja que não esteja condicionada a um determinado poder, território ou
cultura, não uma Igreja fechada num círculo vicioso, engessada por qualquer
instituição que seja, mesmo que esta instituição seja dela mesma, mas uma
Igreja que avance os limites geográficos e atinja os corações das nações com
a força do amor, que faça de todos os povos discípulos do Reino, uma Igreja
sem fronteiras, que corajosa na força da fé mostre no seu atuar a mesma
prática de Jesus entre nós. Que a Igreja seja o veículo de encontro com o
Ressuscitado. (Cf. DA 412).
A missão evangelizadora ao revelar o amor concreto de Deus atuando
na História humana, dá sentido à Igreja, mostra-se os horizontes que deve
perseguir, portanto em nenhum momento ou lugar a Igreja pode viver sem
este propósito, caso contrário perde a sua identidade e se desvirtua. A Igreja
sempre esteve voltada para com a obra da Evangelização. Contemporaneamente
podemos situar um novo vigor a partir do Vaticano II, sobretudo um pouco
depois em 1975 com o lançamento da Exortação Apostólica de SS. Paulo
VI Evangelii Nuntiandi. Inaugura-se um novo tempo em que a Igreja se vê
impelida iniciar uma nova jornada evangelizadora, no sentido de ir ao encontro
do homem moderno e estabelecer com ele um diálogo novo. O mundo mudou
e a Igreja como instituição divina e humana constata que também precisa
mudar, precisa ir em busca de maneiras novas e recursos diferentes para
levar ao conhecimento de todos que Jesus Cristo existe e está vivo entre nós.
Na esteira da referida Exortação Apostólica, que já percebia o despontar de
um novo mundo surgindo com a modernidade, com uma nova antropologia de
fundo, novos valores e questionamentos, fez a Igreja se despertar sempre
mais no decorrer dos últimos tempos, que não pararam de sofrer mudanças
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
de toda ordem até os dias atuais. (Cf. DA 44) O clamor da Igreja por uma
evangelização mais arrojada, criativa e desafiadora faz-se presente atualmente.
Na América Latina e Caribe, a última palavra da Igreja neste campo trata-se
da V Conferência de Aparecida que traz como centro de reflexão a temática
sobre os discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele os povos
tenham vida. O documento deve nortear toda a vida de nossa Igreja neste
contexto próprio, relendo e iluminando todos os trabalhos eclesiais nas mais
variadas instâncias de evangelização. A Conferência de Aparecida é
revolucionária, apela para uma profunda conversão pastoral, propõe uma Igreja
em processo de renovação estrutural. (Cf. DA 172-175; 365-370; 547-552).
3. IGREJA E A PROMOÇÃO HUMANA
A Obra evangelizadora da Igreja, cujo objetivo fundamental é anunciar
Jesus Cristo, verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, que trouxenos um Reino de Amor e respeito pela pessoa do homem e da mulher, é
certamente um trabalho de cunho confessional o que também não deixa de
ser de cunho profundamente humano. A missão da Igreja Cristã Católica deve
ser totalmente fiel à sua Doutrina, que origina-se na vertente da Fé e na
vertente do Social. A Doutrina sistemática e social da Igreja fundamenta-se na
própria natureza divina e humana da Igreja acima já exposto. Em muitas
passagens do Evangelho Jesus deixa muito claro a sua vontade de como deve
ser a doutrina de sua Igreja missionária, por exemplo, na passagem relatada
pelo evangelista São Mateus quando Jesus é interpelado pelos fariseus:
“Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma
e de todo o teu entendimento. Esse é o maior e o primeiro mandamento.
O segundo é semelhante a esse: amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Desses dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas.” (Mt 22, 3740). Outro exemplo, na cena da 1ª multiplicação, também relatada por Mateus:
“Chegada a tarde, aproximaram-se dele os seus discípulos, dizendo: O lugar
é deserto e a hora já está avançada. Despede as multidões para que vão aos
povoados comprar alimento para si. Mas Jesus lhes disse: Não é preciso
que vão embora. Dai-lhes vós mesmos de comer.” (Mt 14, 15-16). Assim
as fontes da fé que sempre acompanharam a Missão evangelizadora e
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
55
56
catequética da Igreja, concebem como legítima e segura Doutrina eclesial
aquela que esteja alicerçada pela Fé na Trindade Santa e pelo compromisso
em favor da vida, em favor dos inocentes indefesos, dos necessitados, pobres,
marginalizados e excluídos do convívio social. (Cf. DA 358).
Toda a Doutrina eclesial católica norteia-se pelas virtudes que chamamos
de teologais: Fé, Esperança e Caridade (Amor). Todo o trabalho missionário
da Igreja Cristã Católica orienta-se no exercício da contemplação e da prática
dessas virtudes. Na perspectiva da Fé, da Esperança e da Caridade é que a
Igreja milenarmente lança-se com incansável fervor na missão da promoção
da vida, ou seja, da promoção humana. (Cf. DA 98)
Creio ser oportuno, salientarmos, que antes de tudo, a promoção humana
é um dever de Estado. O poder público que representa o Estado Democrático
de Direito em constante evolução tem como finalidade social promover o bem
comum, zelar pelos cidadãos em geral, proteger os trabalhadores que pagam
por esta garantia e segurança através dos impostos que lhes são recolhidos.
Nesse sentido o poder público é chamado a atuar de acordo com as exigências
éticas. O Estado democrático, por sua natureza respeitoso à pluralidade de
pensamentos e segmentos que dão consistência ao tecido social, é antes de
tudo a instituição pública fundamentada no testemunho moral, gerenciador de
justiça, solidário e protetor dos pobres preferencialmente. (Cf. DA 70; 385; 403).
No que diz respeito à promoção da vida humana, a Igreja , na medida
de suas possibilidades, lança-se neste serviço como exigência de fé e
compromisso com o amor. A missão evangelizadora tem como grande objetivo,
ao oferecer a devida assistência à vida nos diversos aspectos de carência
humana existentes, propor a formação na fé e conscientizar as pessoas
quanto ao valor da vida humana. Tomemos como exemplo, as tantas obras
da Igreja voltadas para o social: além da prática de tantas pastorais sociais
e grupos e comunidades específicas de vida consagrada, as tantas
organizações não governamentais da Igreja ou ligadas à Igreja, mencionamos
as instituições de ensino nos diversos níveis, as creches, os hospitais, as
casas de amparo de portadores do HIV, as casas de amparo maternal, casas
de deficientes físicos e visuais, centros de recuperação de dependentes
alcoólicos e químicos, centros de recuperação de infratores, albergues ou
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
centros de recolhimento de indigentes, centros de atendimento aos
trabalhadores, etc. Muitos dos assistidos pelas tantas obras filantrópicas
promovidas pela Igreja não professam a confissão católica, grande números
de cristãos evangélicos, porcentagem expressiva pertencente às tantas
denominações não cristãs e aqueles que assumem uma postura neutra em
relação à religião. Contudo, o que os reúne em torno da assistência em favor
de alguma necessidade é a carência de recursos. Todos procuram a assistência
oferecida pela Igreja pela razão comum que é a pobreza, muitos no nível abaixo
da pobreza, que podemos considerar nível da miséria. (Cf. DA 360-361).
A vida é um presente de Deus, é o dom primeiro que para nossa fé
nunca terá fim. A vida tem valor em si mesma, para Deus vale tanto que a
destina à plenitude, à Ressurreição pela Graça e amor santificante do mesmo
Criador. Deus Criador ama muito a vida de cada um de nós, tanto que Ele a
cria e não quer que pereça. Amar a vida, protegê-la integralmente em todas
as circunstâncias e investir em seu desenvolvimento faz parte da missão
evangelizadora. (Cf. DA 356). O resgate e a conquista por qualidade de vida,
a reivindicação por políticas e segurança públicas, a cobrança por justiça e
reconhecimento dos direitos humanos tem consistido na perseverante
caminhada das pastorais sociais da Igreja. (Cf. DA 106).
Todo o serviço missionário em qualquer nível que seja sempre está
voltado para a promoção do humano no social. Podemos também considerar
todo labor apostólico promovido pela Igreja como uma grande contribuição
junto ao poder público. Sem reclamar direitos e vantagens, a Igreja extraoficialmente tem sido uma grande parceira do poder público que não consegue
por diversos motivos atender suficientemente a demanda das necessidades
das populações mais empobrecidas. Certamente que a Igreja poderia oferecer
um serviço mais qualificado junto à população carente se as parcerias com
o poder público fossem mais estreitadas, respeitando logicamente a autonomia
institucional de cada parte.
A vocação da Igreja é continuar com sua missão, que no bojo de sua
utilidade não deixa também de prestar relevante serviço de integração social,
sendo força na recuperação de auto-estima aos seus assistidos, auxiliando
no alívio de tanto sofrimento presente nas vidas dos mais pobres,
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
57
58
marginalizados e excluídos. Podemos afirmar que a intenção da Igreja é
ajudar, é somar força de forma despretensiosa. Retomando o Artigo 17 do
Acordo entre o Estado Brasileiro e a Igreja no Brasil, o que a Igreja espera
é que o Estado seja facilitador de sua missão. O teor do referido artigo reza
o seguinte na íntegra: Os bispos, no exercício de seu ministério pastoral,
poderão convidar sacerdotes, membros de institutos religiosos e leigos, que
não tenham nacionalidade brasileira, para servir no território de suas dioceses,
e pedir às autoridades brasileiras, em nome deles, a concessão do visto para
exercer atividade pastoral no Brasil. Parágrafo 1: Em conseqüência do pedido
formal do bispo, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, poderá ser
concedido o visto permanente ou temporário, conforme o caso, pelos motivos
acima expostos.
O Artigo 17 acima transcrito, vem ao encontro de uma permanente
necessidade da ação evangelizadora da Igreja presente no mundo. O conteúdo
de tal artigo faz-se obrigatório para que a Igreja desempenhe com melhor
resultado sua missão em qualquer lugar que seja, especialmente nos contextos
mais desafiadores que constatam ausência de missionários. (Cf. DA 100 “e”;
378). O Brasil é uma realidade missionária que depende muito de missionários
bispos, padres, religiosos e fiéis em geral provenientes das diversas partes do
mundo. A Igreja insiste no direito de liberdade em “ir e vir”. Insiste no direito
de sempre enviar e receber missionários dentro e fora do território nacional.
O direito mencionado no Artigo 17 do acordo, atende fielmente a vontade de
Deus na pessoa de Jesus Cristo que foi o primeiro e grande missionário, (Cf.
DA 103) que cruzava as confrontações geográficas de todo o território que
hoje chamamos de Palestina. “Eis que estou contigo, e te guardarei por onde
quer que fores, e te farei voltar a esta terra, porque não te desampararei.” (Gn
28,15). O acordo respalda-se no magistério legítimo da Igreja que menciona
o seguinte: “Deve-se deixar a cada um o pleno direito de estabelecer ou
mudar domicilio, dentro da comunidade política de que é cidadão.” (SS. João
XXIII, Enciclica Pacem in Terris, 1963). Também o mencionado Artigo do
Acordo se respalda na Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo
13 e na Constituição do Brasil, Título II, Cap. I, Inciso XV, que garantem o
direito de locomoção das pessoas que livremente chegam e partem sem
serem molestadas, respeitando devidamente a legislação vigente de cada
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
país. Abaixo transcrevemos integralmente o conteúdo presente na Declaração
e na Constituição: “Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e
residência dentro das fronteiras de cada Estado. Todo homem tem direito a
sair de qualquer país, inclusive do próprio, e a ele regressar.” “É livre a
locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa,
nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.”
No novo tempo temos mais motivos para nos unir do que para nos
separar. O novo tempo exige que unamos nossas forças, nossos credos,
organizações governamentais e não governamentais, o poder público e civil,
e abracemos uma empreitada comum, corajosa e solidária em favor dos
direitos da vida humana que ainda são muito violados. Concluímos com a
Oração da Campanha da Fraternidade de 2008, que assume como tema
Fraternidade e defesa da vida, e como lema “Escolhe, pois, a vida” (Dt 30, 19).
Ó Deus Pai e Criador, em vós vivemos, nos movemos e somos! Sois
Presença viva em nossas vidas, pois nos fizestes à vossa imagem e
Semelhança. Proclamamos as maravilhas de vosso amor presentes
Na criação e na história. Por vosso Espírito, tudo se renova e ganha
Vida.
Nosso egoísmo muitas vezes desfigura a obra de vossas mãos,
Causando morte e destruição. Junto aos avanços, presenciamos
Tantas ameaças à vida. Que nesta quaresma abraçamos a graça
Da conversão tornando-nos mais atentos e fiéis ao Evangelho.
Que o compromisso de nossa fé, nos leve a defender e promover
A vida no seu início, no seu crescimento e também no seu declínio.
Vosso Filho Jesus Cristo, crucificado-ressuscitado, nos confirma que
O amor é mais forte que a morte. Como seus discípulos queremos
“Escolher a vida”.
Maria, mãe da Vida, que protegeu e acompanhou seu Filho,
Da gestação à ressurreição,
interceda por nós, Amém!
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
59
60
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
61
TRATADO BRASIL-VATICANO
Ives Gandra da Silva Martins1
RESUMO:
O artigo traz uma reflexão sobre o Tratado Brasil-Vaticano firmado entre a
Santa Sé e o Brasil no dia 13 de novembro de 2008. Toma como referencial
o Artigo 3º do Tratado para afirmar que o mesmo trouxe uma regularização
definitiva para a organização da Igreja Católica no Brasil. Os regimentos das
dioceses, instância organizativa da Igreja no Brasil, da época do império é
que regiam durante todo o período da República, podendo haver confusão
com uma associação civil, notadamente após a promulgação do Código Civil
de 2002, propiciando uma interpretação de que devesse seus mandatários
ser eleitos pelos fiéis. Outro ponto que o artigo reflete é a relação sacerdotes
e pessoas de vida religiosa com votos à luz do direito do trabalho, deixando
o Tratado claro “que as pessoas vocacionadas que decidirem, por vontade
própria, ingressar numa ordem religiosa ou secular da Igreja Católica, não
manterão vínculos trabalhistas com a Igreja, no exercício das atividades
concernentes à sua vocação e votos.” Conclui com uma relação do Tratado
com o preâmbulo da Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave:
Tratado Brasil-Vaticano, Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, Religião,
Diocese, Institutos Religiosos, Sacerdote
1 advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, da Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME e da Escola Superior de Guerra - ESG, é presidente
do Conselho Superior de Direito da Fecomercio, Presidente de Honra da Academia Internacional de Direito
e Economia e membro das Academias Brasileira de Letras Jurídicas, Internacional de Cultura Portuguesa
(Lisboa), Brasileira de Direito Tributário, Paulista de Letras, entre outras. E-mail: [email protected].
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
62
ABSTRACT:
The article presents a reflection about the treaty signed between Brazil and
the Vatican Holy See and Brazil on November 13, 2008. Takes as reference
the Article 3 of the Treaty to say that it brought a final settlement for the
organization of the Catholic Church in Brazil. The regiments of the dioceses,
organizational body of the Church in Brazil, in the time of the empire that
governed during all the period of the Republic, may be confused with a civil
association, especially after the enactment of the Civil Code of 2002, providing
an interpretation that should their representatives be elected by the faithful.
Another point that the article reflects is the relationship priests and people of
religious life with hope in light of labor law, leaving the Treaty clear “that
people who choose targeted by their choice, join a religious or secular order
of the Catholic Church, not maintain labor relations with the Church, in the
performance of activities relating to their vocation and vows”. Concludes with
a Treaty with the preamble of the Constitution of 1988.
Keywords:
Brazil-Vatican treaty, Roman Catholic Church in Brazil, Religion, Diocese,
Religious institutes, Priest.
* * *
O acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé veio
regularizar, definitivamente, a organização da Igreja Católica Apostólica Romana
no Brasil.
Declara o artigo 3º que:
“A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica
da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal
personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não
contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como Conferência
Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias
Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações
Apostólicas, Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui luris,
Ordinariado Militar e Ordinariados para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias,
Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.
§ 1°. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir
todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
§ 2°. A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será
reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no
respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira,
vedado ao poder público negar- lhes reconhecimento ou registro do ato de
criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar
o ato”.
Durante toda a República, as dioceses, que constituem solução
organizativa canônica com base territorial para o exercício das atividades
pastorais e de culto religioso, tinham regimento próprio da época do Império,
tendo sido considerada recepcionada tal estrutura jurídica, no curso dos anos,
sem, todavia, um exame mais aprofundado.
A promulgação do Código Civil, em 2002, trouxe problemas de regulação,
pois alguns açodados intérpretes pretenderam ver na organização eclesial
uma forma de associação civil, razão pela qual deveria a instituição, nos seus
diversos segmentos, seguir as regras civis de eleição, assembléia geral, ou
seja, o ritual próprio das associações civis. Chegaram a defender, inclusive,
que os sacerdotes e bispos deveriam ser eleitos pelos fiéis da circunscrição
territorial.
Quando vice-presidia o País, o Senador Marco Maciel propiciou diversas
reuniões com juristas, membros da CNBB e do Ministério das Relações
Exteriores objetivando o equacionamento da questão, tendo eu, em uma das
reuniões, manifestado o entendimento de que a questão só poderia ser
solucionada através de uma concordata, tratado ou acordo internacional entre
os dois Estados (Brasil e Santa Sé), visto que, pelo ordenamento jurídico
brasileiro, o tratado internacional ingressa na ordem jurídica em nível e com
força de lei ordinária.
Nada obstante algumas objeções, o encaminhamento foi o de um acordo
internacional, regularizando, de vez, a questão das dioceses, conforme permitia
o artigo 3º.
Outra questão de relevância foi estabelecer a característica da relação
entre sacerdotes e pessoas de vida religiosa com votos e a Igreja, à luz do
direito do trabalho.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
63
64
O artigo 16 do Acordo estabeleceu diretriz, estando assim redigido:
“Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica e de suas
instituições:
1 - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados
mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de
caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista
brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja
provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.
II - As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética,
assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas a
título voluntário, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira”.
Fica, pois, definitivamente esclarecido que as pessoas vocacionadas
que decidirem, por vontade própria, ingressar numa ordem religiosa ou secular
da Igreja Católica, não manterão vínculos trabalhistas com a Igreja, no exercício
das atividades concernentes à sua vocação e votos.
Finalmente, asseguraram-se definitivamente os mesmos direitos às
entidades religiosas que atuam na área social e às associações desta natureza,
com o que se afastam visões preconceituosas, que pretendem negar a tais
entidades a natureza de assistência social e educacional, estando o artigo 15
assim redigido:
“Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio,
renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é
reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em
conformidade com a Constituição brasileira.
§ 1°. Para fins tributários, as pessoas jurídicas da Igreja Católica
que exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa receberão
o mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades filantrópicas
reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de
requisitos e obrigações exigidos para fins de imunidade e isenção”.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
De certa forma, com respeito às demais religiões, o que é realçado no
acordo, o documento vem seguir a tradição de um país, cujo primeiro nome
foi “Terra de Santa Cruz” e que deve seu crescimento, em grande parte, à
força e ao trabalho da Igreja Católica, principalmente no plano educacional, na
proteção às populações indígenas e indigentes e na formação dos primeiros
hospitais, sempre assistidos por sacerdotes e religiosos.
Segue, pois, o País, ao assinar o tratado, o exposto no preâmbulo da
Constituição, que reconhece a primazia do Senhor na proteção de todo o
ordenamento jurídico brasileiro, estando assim redigido: “Nós, representantes
do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir
um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida,
na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias,
promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL” (grifos meus).
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
65
66
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
67
O TRATADO BRASIL-VATICANO E A EDUCAÇÃO:
RECONHECIMENTO DE TÍTULOS E QUALIFICAÇÕES
DE NÍVEL UNIVERSITÁRIO
Maria Garcia1
“A religião como força de integração social.”
(D. José Benedito Simão)
RESUMO:
O artigo comenta o Tratado firmado entre o Brasil e o Vaticano que no Art.
9º dispôs sobre “O reconhecimento recíproco de títulos e qualificações em
nível de Graduação e Pós-Graduação estará sujeito, respectivamente, às
exigências dos ordenamentos jurídicos brasileiro e da Santa Sé”. Analisa a
partir do texto Constitucional Brasileiro que a integração social é alcançada
por meio da educação, sendo os grupos religiosos importantes na
concretização da mesma. É nesse sentido que o reconhecimento de títulos
acadêmicos consignado no Tratado está em acordo com o princípio da
autonomia universitária, disposto no Art. 207 da Constituição Federal. Finaliza
afirmando que o Tratado encontra-se sob apreciação do Congresso Nacional.
Palavras-chaves:
Tratado Brasil Vaticano, Reconhecimento de títulos acadêmicos, Direito
Educacional, Autonomia universitário, Igreja.
1 Livre-Docente em Direito do Estado pela PUC/SP. Professora de Direito Constitucional e Direito
Educacional da PUC/SP. Procuradora do Estado aposentada. Ex-Assessora Jurídica da Reitoria da
USP. Membro da CoBi – Comissão de Bioética do HCFMUSP, do IASP, do IBDC e da Academia
Paulista de Letras Jurídicas.E-mail: [email protected]
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
68
ABSTRACT:
The article talks about the Treaty signed between Brazil and the Vatican that
the Article 9 sets forth on “Mutual recognition of diplomas and undergraduate
qualifications at undergraduate level and graduate shall be subject, respectively,
to the requirements of the Australian jurisdictions and the Holy See”. Scans
from the Brazilian constitutional text that social integration is achieved through
education, and religious groups are important in achieving the same. That is
why the recognition of academic degrees in the Treaty is in accordance with
the principle of university autonomy, the provisions of Article 207 of the
Constitution. Concludes by stating that the Treaty is under review by Congress.
Keywords:
Brazil-Vatican treaty, Recognition of academic titles, Educational Law, University
Autonomy, Church.
* * *
Certamente que a religião cristã, representada pelas Igrejas dessa
denominação no País, constitui-se numa força social capacitada a colaborar
profundamente na concretização da Constituição quando estabelece como um
dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “construir uma
sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, I).
Essa tarefa de integração social tem-se socorrido de um dos mais
significativos instrumentos ou fatores de possibilidade: a Educação e, nesse
desiderato, os grupos religiosos têm-se mostrado extremamente preparados,
uma vez que servir é sua vocação.
A Educação é instrumento de transformação pessoal e social, daí a
importância do Tratado Brasil-Vaticano nesse particular, ensejando a mútua
cooperação, também na área educacional, e os artigos 9º e 10 do Tratado
incidem nessa questão.
Mais especificamente, o artigo 9º dispõe que “O reconhecimento
recíproco de títulos e qualificações em nível de Graduação e Pós-Graduação
estará sujeito, respectivamente, às exigências dos ordenamentos jurídicos
brasileiro e da Santa Sé”.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Nesse campo, o art. 207 da Constituição Federal determina: “As
universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão”.
As Universidades, conforme se sabe, pré-existem à própria noção de
Estado, concebido “como fonte centralizadora e soberana do poder e da
ordenação jurídica”, o que ocorreu no século XVI. Na França, o termo “Estado
somente se fixa à época de Louis XIII e Richelieu — e a Universidade de Paris
já contava quatro séculos; a de Bolonha vinha de 1.158; a da Alemanha, de
1348 e a de Lisboa, de 1290” (Laffayette Pondé).
Conforme se verifica, a autonomia universitária, ora expressa na
Constituição, traz então, a possibilidade de as Universidades estabelecerem
suas próprias normas para reconhecimento de títulos acadêmicos de Mestre
e Doutor, expedidos por instituições de ensino superior estrangeiras.
Em geral, a Universidade somente “poderá reconhecer diplomas de
Mestre e Doutor, expedidos por instituições estrangeiras, nas mesmas áreas
em que tiver programa de pós-graduação credenciado e avaliado pelo sistema
nacional de pós-graduação, em nível equivalente ou superior, respeitados os
acordos internacionais”, tal como dispõe, no caso da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, o art. 2º da Deliberação nº 17, de 2007.
São estas as considerações primeiras a respeito do que estabelece,
relativamente ao assunto, o Tratado Brasil-Vaticano, ora sob apreciação do
Congresso Nacional.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
69
70
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
71
O ACORDO BRASIL - SANTA SÉ E A LAICIDADE
DO ESTADO: BREVES NOTAS
Angelo Patrício Stacchini1
RESUMO:
Em 13 de novembro de 2008 o Brasil e a Santa Sé celebraram Acordo que
tem por finalidade regulamentar alguns aspectos jurídicos da Igreja Católica
no Brasil. Diante de tal fato, o presente estudo aborda a laicidade do Estado,
tema diretamente relacionado com a celebração desse Acordo. Para tanto,
traça inicialmente uma delimitação conceitual, buscando a exata configuração
do sentido da laicidade do Estado, para distingui-la do laicismo e da assim
denominada “ideologia laicista”, que na atualidade busca fortemente fincar
suas raízes, principalmente na Europa, mas também no Brasil. Por fim,
considerando as precisões conceituais apresentadas, em cotejo com o texto
do Acordo, o estudo conclui que ele em nada contraria a laicidade do Estado
brasileiro.
Palavras-chave:
laicidade do Estado; laicismo; ideologia laicista; liberdade religiosa; direito
internacional; acordo Brasil – Santa Sé.
ABSTRACT:
On November 13, 2008 Brazil and the Vatican concluded that agreement is
to regulate some aspects of the Catholic Church in Brazil. Faced with this
fact, this study addresses the secularity of the state, subject directly related
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre e doutorando em Filosofia
do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]
1
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
72
to the conclusion of that Agreement. Thus, initially outlines a conceptual
division, seeking the exact configuration of the meaning of secularism of the
state, to distinguish it from the secularism and the so called “laicista ideology,”
which in actuality seeking highly plant roots, mainly in Europe but also in
Brazil. Finally, considering the conceptual clarifications presented in comparison
with the text of the agreement, the study concludes that it in no way
contradicts the secularity of the state.
Keywords:
secularism of the state; secularism; laicista ideology; religious freedom;
international law; agreement Brazil – Vatican.
* * *
1. INTRODUÇÃO
A recente celebração de Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, assinado
durante a visita realizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Papa Bento
XVI, no Vaticano, e datado de 13 de novembro de 2008, estimula-nos à abordagem
de importante tema a ele diretamente relacionado: a laicidade do Estado.
O Acordo, composto de vinte artigos, tem por finalidade regulamentar
alguns aspectos jurídicos da Igreja Católica em nosso país. Consumada sua
celebração, e considerando ser o Brasil um “Estado laico”, é relevante indagarmos
se os termos desse Acordo porventura contrariam a laicidade do Estado brasileiro.
Assim, o presente estudo tem por finalidade precípua analisar tal questão,
ainda que brevemente.
Para o desenvolvimento do tema é necessária, de início, uma delimitação
conceitual, buscando a exata configuração do sentido da laicidade do Estado,
mormente para distingui-la do laicismo, que tem outro significado. De fato,
como se verá, o laicismo nada mais é do que uma deturpação da laicidade;
uma deturpação preconizada principalmente pelos defensores da assim
denominada “ideologia laicista”, que na atualidade busca fortemente fincar
suas raízes, principalmente na Europa, mas também no Brasil.
Assim, será buscada uma definição de laicidade do Estado, em
contraposição ao laicismo e à assim denominada “ideologia laicista”.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Por fim, considerando as precisões conceituais apresentadas, em cotejo
com o texto do Acordo, ver-se-á que este em nada contraria a laicidade do
Estado brasileiro.
2. A LAICIDADE DO ESTADO BRASILEIRO
O Brasil, desde a proclamação da República, é um Estado laico – ou
seja, um Estado que não tem nenhuma religião como “religião oficial”.
Historicamente, com a proclamação da República e a expedição do
Decreto n.º 119-A, de 7 de janeiro de 1890, elaborado por Rui Barbosa e
subscrito pelo próprio Marechal Deodoro da Fonseca2, ficou proibido o
estabelecimento de qualquer religião oficial, por parte dos entes públicos;
vedou-se também o tratamento diferenciado, por motivos de crença religiosa,
entre os habitantes do país; paralelamente, foi reconhecida a liberdade de
culto, tanto individual quanto coletivo; foi também registrado o reconhecimento
da personalidade jurídica de todas as igrejas e confissões religiosas. Tal
posicionamento foi alçado ao patamar constitucional, na Carta Magna
republicana de 1891, e desde então as Constituições do Brasil têm mantido,
em linhas gerais, dispositivos semelhantes.
Na vigente Constituição da República, de 1988, no capítulo referente à
organização do Estado, a matéria é tratada no artigo 19, que veda à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “estabelecer cultos religiosos
ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com
eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada,
na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
É deste dispositivo constitucional que deflui, segundo os doutrinadores,
a laicidade do Estado brasileiro.
Seu teor integral pode ser consultado em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/
D119-A.htm. Segundo sua ementa, aqui transcrita com a grafia da é poca, o decreto
2
“Prohibe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em materia religiosa, consagra
a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providencias“.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
73
74
Essa laicidade, bem compreendida, tem um caráter positivo, pois propicia
que a Igreja e o Estado atuem cada um deles em seu campo próprio, sem
mútuas interferências indevidas, o que acaba por favorecer o bem comum.
3. LAICIDADE E LAICISMO: TRATAMENTO CONCEITUAL
3.1 Definição de laicidade
Todavia, para que essa laicidade do Estado seja levada à prática, sem
prejudicar a vida social, é necessário precisar o significado concreto de
laicidade; e, para tanto, o primeiro registro é o seguinte: dizer que um Estado
é laico significa dizer que será um Estado no qual não haverá uma “religião
oficial”, em que as confissões religiosas são tratadas sem discriminação ou
favorecimento pelos órgãos do Estado, todas alçadas ao mesmo patamar de
igualdade e de respeito; será um Estado administrado e regido conforme o
ordenamento jurídico nele vigente, e não por dispositivos constantes de textos
religiosos, como a Bíblia ou o Alcorão. Ademais, em um Estado laico, os
agentes públicos alcançam seus postos de comando em conformidade com
a Constituição e as Leis, e não por serem membros de uma determinada
hierarquia religiosa3.
Esse modelo de laicidade do Estado é defendido pela própria Igreja
Católica, que até mesmo por sua experiência histórica, pôde perceber que
num Estado assim configurado, no qual a hierarquia eclesiástica está
desincumbida da ordinária administração dos assuntos de Estado, e no qual as
questões político-administrativas não se confundem com as espirituais, é facilitado
o exercício da tarefa de caráter precipuamente espiritual que lhe é própria.
3
A propósito, por contraste, o Irã serve como exemplo para mostrar o que não é o Estado laico.
Este país, que ganhou destaque nos meios de comunicação em decorrência das eleições ali
recentemente realizadas, em junho de 2009, tem um “regime teocrático” no qual, apesar das eleições
diretas, é resguardado o poder dos clérigos, mediante a figura do aiatolá, autoridade máxima que
nomeia os chefes do Judiciário, dos meios de comunicação e das Forças Armadas; é também o
aiatolá quem nomeia seis teólogos para comporem o denominado “Conselho de Guardiães”, que tem
até mesmo poder de veto sobre as leis elaboradas pelo Parlamento. Por fim, é prevista uma
“Assembléia de Especialistas”, também composta por clérigos, com poder para destituir o aiatolá.
Como se vê, uma configuração estatal desse teor privilegia uma religião oficial, e é praticamente
regida por clérigos. É um verdadeiro “Estado teocrático”, em contraste com o “Estado laico”.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Nesse sentido, encontramos afirmações feitas em documentos do
Magistério da Igreja Católica, que demonstram cristalinamente tal posicionamento.
É o que se vê, por exemplo, já em documentos do Concilio Ecumênico
Vaticano II. Assim, a Constituição pastoral Gaudium et spes, em seu ponto
número 76, com o título “a comunidade política e a Igreja”, registra que a
Igreja não é chamada à administração do âmbito temporal, porque “em razão
da sua missão e da sua competência, de modo algum se confunde com a
comunidade política e não está vinculada a qualquer sistema político
determinado”.
No recente Compêndio da Doutrina Social da Igreja (cf. especialmente
os pontos 571 e 572) encontramos a mesma idéia, exposta em termos
diferentes, com a afirmação expressa no sentido de que a laicidade do Estado
“é um valor adquirido e reconhecido pela Igreja, e pertence ao patrimônio de
civilização que se logrou atingir”.
Em última instância, tudo isso é eco do próprio convite feito por Jesus
aos seus discípulos: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de
Deus” (Lc 20, 25).
Em sua outra face, o princípio da laicidade exige que o Estado respeite
todas as confissões religiosas, assegurando também “o livre exercício das
atividades cultuais espirituais e caritativas das comunidades dos crentes.
Numa sociedade pluralista, a laicidade é um lugar de comunicação entre as
diferentes tradições espirituais e a nação” 4.
Assim, essa bem compreendida laicidade do Estado (que é, na expressão
cunhada por Pio XII, uma “legítima e sã laicidade” 5, uma “laicidade positiva”)
não coloca Estado e Igreja em confronto; muito pelo contrário: propicia uma
saudável união de forças, que em última análise beneficia as próprias pessoas
que habitam aquele determinado Estado.
É o que bem expressa a referida Gaudium et spes, no mesmo ponto n.º 76:
4
Cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n.º 572.
5
Cf. Alocução de 23 de março de 1958. In La Documentation Catholique 55 (1958), col. 456.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
75
76
“No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são
independentes e autônomas. Mas, embora por títulos diversos, ambas
servem a vocação pessoal e social dos mesmos homens. E tanto mais
eficazmente exercitarão este serviço para bem de todos, quanto melhor
cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo igualmente em conta as
circunstâncias de lugar e tempo”.
Ocorre que, muitas vezes, principalmente em nosso país, essa
concepção de laicidade e de Estado laico tem sido mal compreendida (e, em
conseqüência, mal explicada), principalmente nos meios de comunicação,
que acabam por ecoar uma visão deturpada de laicidade, que é o laicismo.
É o que analisaremos a seguir.
3.2 O laicismo e a ideologia laicista: uma deturpação da laicidade
O laicismo não é a verdadeira laicidade.
Os defensores do laicismo, movidos por uma “ideologia laicista”, no
fundo pretendem banir da vida social qualquer manifestação de cunho religioso;
grosso modo, afirmam o seguinte: como o Estado é laico, a Igreja Católica
– ou qualquer outra confissão religiosa – não tem o direito de se manifestar
sobre determinadas questões que afetam o bem comum. Em última instância,
o que pretendem é desterrar a Religião para o âmbito estritamente privado.
É o que ocorre, por exemplo, quando são discutidas modificações
legislativas sobre o aborto ou sobre o matrimônio; nessa situação, os defensores
dessa “ideologia laicista” afirmam que a Igreja Católica – ou qualquer outra
confissão religiosa – não deve se manifestar a respeito de tais questões, pois
o Brasil é um Estado laico.
Tal posicionamento encerra um viés equivocado e totalitário, e se baseia
numa deturpação da laicidade do Estado.
Realmente, o fato de ser o Brasil um Estado laico não significa que a
Igreja Católica – ou qualquer outra confissão religiosa – esteja proibida de se
manifestar publicamente quando estão em jogo situações atinentes ao bem
comum.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Assim, por exemplo, em caso de um projeto de lei que vise à
descriminalização do aborto, a Igreja Católica tem o direito – e mesmo o dever
– de expor qual entende ser a solução mais adequada para a correta regulação
da vida social 6. E fará isso sem nenhum privilégio; terá a mesma oportunidade
de manifestação que tem qualquer associação legalmente constituída – incluídas
as que defendem o aborto. E assim, com a exposição e o debate públicos
sobre o tema, os responsáveis pela elaboração das leis poderão obter os
subsídios necessários para a correta realização de sua tarefa; nesse contexto,
as posições da Igreja Católica serão apreciadas em conformidade com seu
poder de convencimento e sua adequação à verdade, sem nenhum privilégio,
em pé de igualdade com outras entidades que também se manifestarão a
respeito.
Essa foi a conclusão a que chegaram dois grandes intelectuais de
nosso século: Jürgen Habermas e o então Cardeal Joseph Ratzinger, que em
memorável diálogo transmitido pela televisão, realizado em 19 de janeiro de
2004 na Academia Católica da Baviera, registraram que “uma autêntica
democracia laica permite às instituições religiosas dar publicidade a suas
mensagens, para poder oferecer aos cidadãos matéria de reflexão de forma
equânime” 7.
Do mesmo modo, uma bem compreendida laicidade do Estado não
impede sejam por este fomentadas – sempre em conformidade com a lei, e
sem privilégios indevidos – atividades de caráter religioso, que se amoldem às
tradições de ordem histórica e cultural do país.
Aliás, é falaciosa a afirmação de que a rejeição do aborto – e a conseqüente defesa da vida
humana desde a concepção – decorrem de posições de caráter religioso. Isso não é correto. A
defesa da vida (e a conseqüente condenação do aborto e do homicídio) decorre da própria lei moral
natural (ou seja, o aborto – assim como o homicídio – é uma conduta que prejudica a vida em
sociedade, independentemente de qualquer apreciação de natureza religiosa). Afinal, mutatis mutandis,
pelo que se sabe não é necessário ser católico, espírita ou budista para que se tenha uma posição
contrária ao homicídio, ao roubo ou ao estupro...
6
O conteúdo de tal diálogo foi reproduzido em livro (Dialética da secularização: sobre razão e
religião. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2007). Nele, contrariando alguns defensores da ideologia
laicista, que asseveram ser indevida a aceitação de valores absolutos, pois sua existência acabaria
por acarretar uma ausência de laicidade, o próprio Habermas afirma que, para se evitar o risco
de um relativismo radical e de um totalitarismo ideológico, são necessários alguns princípios
absolutos, por ele denominados “o mínimo ético comum”.
7
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
77
78
E este é outro aspecto relacionado à “ideologia laicista”: ela pretende
excluir da vida pública determinadas manifestações que, mais do que um fato
religioso, são uma herança cultural que não pode ser esquecida, sob pena de
se perder a própria identidade cultural do país.
É o que ocorre, por exemplo, nas campanhas que visam promover a
retirada de crucifixos instalados em Tribunais ou outros prédios públicos, sob
o argumento de que isso feriria a laicidade do Estado 8.
E é nesse aspecto (a pretensão de relegar a Religião ao âmbito
estritamente privado) que a “ideologia laicista” mostra sua face mais intolerante.
Realmente, a pretensão de apagar da vida pública qualquer traço do
Cristianismo, relegando ao olvido a cultura cristã e todo seu significado histórico,
é no fundo uma demonstração de intolerância; sob o pretexto de defesa da
laicidade do Estado, pretende-se transformar o cristão num cidadão de segunda
classe, que nem mesmo pode expor em público suas idéias e opiniões, como
o faz livremente qualquer cidadão.
Essa “ideologia laicista” tem se alastrado na Europa, mas também
mostra sua face aqui no Brasil; é perniciosa e deve ser desmascarada e
combatida, pois prejudica o bem comum 9.
Quanto à referida preservação da identidade cultural cristã de um
determinado país (o que não se contrapõe à laicidade do Estado), é importante
registrar o histórico discurso do presidente da República Francesa, Nicolas
A propósito, no julgamento de vários pedidos de providências (números 1.344,1.345, 1.346 e
1.362), feito em maio de 2007, o Conselho Nacional de Justiça afastou pedido nesse sentido, por
entender que a instalação de crucifixo em sala pública de Tribunal em nada afeta a laicidade do
Estado brasileiro.
8
Tais características são muito bem expostas pelo Cardeal Antonio María ROUCO VARELA,
Arcebispo de Madrid, no ensaio intitulado El laicismo: el retorno intelectual y cultural de uma vieja
categoria política, inserido na obra España y la Iglesia Católica. Barcelona: Planeta, 2006; e também
acessível no seguinte endereço: http://www.racmyp.es/noticias/2006/2006-03-142020Antonio20Maria20Rouco20Varela.pdf Ressaltamos o seguinte trecho, que bem expõe o tema:“No
âmbito social vai se difundindo também uma mentalidade inspirada no laicismo, ideologia que leva
gradualmente, de forma mais ou menos consciente, à restrição da liberdade religiosa até promover
um desprezo ou ignorância do religioso, relegando a fé à esfera do privado, e se opondo a sua
expressão pública. Isso não faz parte da tradição espanhola mais nobre, pois a marca que a fé
católica deixou na vida e na cultura dos espanhóis é muito profunda para que se ceda à tentação
de silenciá-la. Um reto conceito de liberdade religiosa não é compatível com essa ideologia, que às
vezes se apresenta como a única voz da racionalidade. Não se pode cercear a liberdade religiosa
sem privar o homem de algo fundamental”.
9
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Sarkozy, proferido na Basílica de São João de Latrão, em 20 de dezembro de
200710. Nesse discurso, de singular importância pelo simbolismo de que se
reveste – afinal, quem o profere é nada menos do que o presidente da França,
país que desde a Revolução de 1789 tem como pedra de toque de sua
configuração social a laicidade do Estado11, por mais de uma vez é reafirmada
a idéia anteriormente exposta, de uma “sã laicidade”, de uma “laicidade positiva”,
na qual Estado e Igreja não são adversários, mas sim colaboradores mútuos
em prol do bem comum; uma laicidade na qual, como no caso da França, a
herança cultural cristã é encarada como um patrimônio da nação, e não como
algo prejudicial, que deve ser apagado como se nunca tivesse existido 12.
Essa afirmação da laicidade do Estado, com o paralelo afastamento de
sua deturpação causada pela “ideologia laicista”, tem sido também objeto do
magistério do Papa Bento XVI, que na esteira dos ensinamentos de João
Paulo II, em mais de uma oportunidade tem abordado a questão. À guisa de
exemplo ilustrativo, registramos algumas palavras por ele proferidas em discurso
para os participantes do 56º Encontro Nacional da União dos Juristas Católicos
Italianos, que teve por tema “A laicidade e as laicidades” 13. Nesse discurso,
o Papa Bento XVI aborda largamente o tema aqui tratado, buscando diferenciar
a “laicidade sadia” e a perniciosa “ideologia laicista”, que acaba desembocando
numa postura anti-religiosa, com a pretensão de afastar do espaço público
qualquer consideração acerca de Deus e do caráter transcendente da vida
humana.
10
O acesso ao teor do discurso, tanto na forma escrita quanto em vídeo, pode ser obtido no seguinte
endereço: http://www.elysee.fr/documents/index.php?mode=cview&cat_id=7&press_id=819&lang=fr
11
O seguinte trecho do discurso bem evidencia as características de um verdadeiro Estado
laico:“ninguém pode negar que o regime francês da laicidade é hoje uma garantia de liberdade:
liberdade de crer ou de não crer, liberdade de praticar uma religião e liberdade de mudar de religião,
liberdade de não ser ofendido em sua consciência por práticas ostensivas, liberdade para os pais
darem aos filhos uma educação conforme suas crenças, liberdade de não ser discriminado pela
administração em função de sua crença”.
12
Veja-se, a propósito, o seguinte trecho do discurso: “Como Bento XVI, considero que uma nação
que ignora a herança ética, espiritual e religiosa de sua história comete um crime contra sua cultura,
contra o conjunto de sua história, de patrimônio, de arte e de tradições populares que impregna tão
profunda maneira de viver e de pensar...... Arrancar a raiz é perder o sentido, é debilitar as bases
da identidade nacional, e secar ainda mais as relações sociais, que têm tanta necessidade de
símbolos de memória”.
13
O teor integral do discurso pode ser obtido no seguinte endereço: http://www.vatican.va/holy_father/
benedict_xvi/speeches/2006/december/documents/hf_ben_xvi_spe_20061209_giuristi-cattolici_po.html
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
79
80
É por isso que no discurso o Papa afirma que “compete a todos os
fiéis, de forma especial aos crentes em Cristo, contribuir para elaborar um
conceito de laicidade que, por um lado, reconheça a Deus e à sua lei moral,
a Cristo e à sua Igreja o lugar que lhes cabe na vida humana individual e
social; e, por outro, afirme e respeite a ‘legítima autonomia das realidades
terrestres’, significando com esta expressão, como confirma o Concílio Vaticano
II, que ‘as coisas criadas e as próprias sociedades têm as suas próprias leis
e valores, que o homem gradualmente deve descobrir, utilizar e organizar’
(Gaudium et spes, 36)”.
Conforme expõe Bento XVI no mesmo discurso, a laicidade corretamente
compreendida e vivida “comporta que a cada uma das Confissões religiosas
(contanto que não estejam em oposição com a ordem moral e não representem
um perigo para a ordem pública) seja garantido o livre exercício das atividades
de culto espirituais, culturais, educativas e caritativas da comunidade dos
fiéis. À luz destas considerações, certamente não é uma expressão de
laicidade, mas sim a sua degeneração em laicismo, a hostilidade a todas as
formas de relevância política e cultural da religião, em particular a cada
símbolo religioso presente nas instituições públicas”.
Com estes registros, pensamos que a questão conceitual está bem
delimitada, propiciando, assim, uma breve análise do Acordo Brasil–Santa Sé
à luz da laicidade do Estado.
4. O ACORDO BRASIL–SANTA SÉ E A LAICIDADE DO ESTADO
Cotejando-se a idéia de laicidade, delimitada nos termos anteriormente
expostos, com o texto do Acordo, chega-se à conclusão de que este se amolda
perfeitamente à laicidade do Estado, e nada tem que represente um favorecimento
indevido da Igreja Católica, em detrimento de outras confissões religiosas.
Realmente, o texto do Acordo é perpassado, do início ao fim, de registros
no sentido de que qualquer atividade a ser exercida pela Igreja deve observar
o que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro. O próprio reconhecimento da
personalidade jurídica da Igreja Católica e das respectivas instituições
eclesiásticas está subordinado à não-contrariedade ao sistema constitucional
e às leis brasileiras (cf. o artigo 3º, caput). Este mesmo reconhecimento da
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
personalidade jurídica das instituições eclesiásticas está condicionado à
inscrição do ato de sua criação no respectivo sistema registral pátrio, nos
termos da legislação brasileira (artigo 3º, § 2º).
No mesmo diapasão, as pessoas jurídicas eclesiásticas que, além dos
aspectos religiosos, tenham também finalidade assistencial, gozarão dos
mesmos benefícios recebidos por instituições de natureza semelhante previstos
no ordenamento jurídico brasileiro, sempre mediante a observância dos
requisitos e obrigações exigidos pela legislação do país (artigo 5º).
A própria utilização de edifícios para culto está condicionada à função
social da propriedade, prevista na Constituição da República (artigo 5º, inciso
XXIII); e, como qualquer outra propriedade, também está sujeita a restrições,
por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da
Constituição brasileira (cf. o artigo 7º, § 1º, do Acordo).
A previsão do ensino religioso católico não afasta a possibilidade de se
ministrar o ensino de outras confissões religiosas (artigo 11, §1º).
A previsão dos efeitos civis do casamento religioso, desde que registrado
no órgão competente (artigo 12), não afasta a previsão similar para casamentos
celebrados em outras religiões.
O empenho estatal para a destinação de espaços para fins religiosos
é previsto num sentido amplo, que se aplica não apenas à Igreja Católica,
mas também a outras confissões religiosas (cf. o artigo 14).
O tratamento tributário das pessoas jurídicas da Igreja Católica que
exerçam atividade social e educacional sem finalidade lucrativa é exatamente
o mesmo de outras entidades não vinculadas à Igreja (artigo 15, §1º).
O ingresso no território nacional de sacerdotes, membros de institutos
religiosos e leigos, que não tenham nacionalidade brasileira, está sujeito à
prévia obtenção do respectivo visto, em plena consonância com a noção de
soberania nacional (artigo 17, § 1º).
Por tudo isso, é de se concluir que o Acordo Brasil–Santa Sé não
afeta, nem mesmo de passagem, a laicidade do Estado prevista na Constituição
da República Federativa do Brasil. Não confere nenhum privilégio especial à
Igreja Católica, mas sim propicia uma efetivação mais concreta da liberdade
religiosa constitucionalmente prevista.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
81
82
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo o que foi visto, é de se concluir que o correto entendimento
da questão da laicidade do Estado mostra-se de vital importância na atualidade,
a fim de evitar a difusão de uma visão deturpada dessa laicidade, promovida
pelos adeptos da assim denominada “ideologia laicista”; esta, em vez de
defender a sadia laicidade do Estado, numa atitude de nítido caráter autoritário,
na verdade pretende relegar a natural religiosidade do ser humano à esfera
meramente privada.
Por outro lado, o recente Acordo entre o Brasil e a Santa Sé em nada
afeta a laicidade do Estado brasileiro, pois nenhum de seus dispositivos
confere regalias ou privilégios para a Igreja Católica.
6. REFERÊNCIAS
BENTO XVI (Papa). Discurso dirigido aos participantes do 56º Encontro Nacional
da União dos Juristas Católicos Italianos, em 9 de dezembro de 2006.
Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2006/
december/documents/hf_ben_xvi_spe_20061209_giuristi-cattolici_po.html
em: 25-6-2009
Acesso
HABERMAS, Jürgen. RATZINGER, Joseph. Dialética da secularização: sobre razão
e religião. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2007.
IGREJA CATÓLICA. Concilio Ecumênico Vaticano II. Constituição pastoral Gaudium
et spes.
IGREJA CATÓLICA. Compendio della dottrina sociale della Chiesa. Vaticano: Libreria
Editrice Vaticana, 2004.
ROUCO VARELA, Antonio Maria. La España y la Iglesia Católica. Barcelona: Planeta,
2006.
SARKOZY, Nicolas. Discurso proferido em 20 de dezembro de 2007, na Basílica
de São João de Latrão. Disponível em: http://www.elysee.fr/documents/
index.php?mode=cview&cat_id=7&press_id=819&lang=fr Acesso em: 26-6-2009
SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no Direito Constitucional e
Internacional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
83
O ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL
Carlos Aurélio Mota de Souza1
RESUMO:
O Tratado observa o "direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e
da plura-lidade confessional do País", em vista da formação integral da
pessoa. Este art. 11 do Acordo funda-se no Preâmbulo da Constituição
brasileira, ao proclamar os "valores su-premos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social". A igualdade e
liberdade de "consciência e de crença", "exercício dos cultos reli-giosos" e
"prestação de assistência religiosa" também são garantidas pela Constituição
(art. 5º, incs. VI a VIII). Não há exclusividade do ensino católico nas escolas,
sobretudo públicas, pois o Acordo menciona "outras confissões religiosas",
em um "ensino religi-oso pluri-confessional" (art. 11), portanto ensino
confessional pluralista, democrático, leigo e facultativo, aberto a todas as
religiões. O Estado é laico enquanto guarda inde-pendência em relação às
religiões, mas é incentivador das práticas religiosas, pois todas pugnam por
um bem comum, com manifestações de fraternidade, solidariedade, auxílio
mútuo, inclusão social, sob a "proteção de Deus" (cf. Preâmbulo da
Constituição). A compreensão e a tolerância religiosa contribuirão para construir
Carlos Aurélio Mota de Souza é Advogado. Professor e Orientador de Cursos de Pós-graduação
em Direito na UNESP (Franca/SP), Mackenzie, Unib - Universidade Ibirapuera. Livre-docente em
Teoria Geral e Filosofia do Direito pela UNESP, Mestre e Doutor pela USP. Membro do Instituto Jacques
Maritain do Brasil (IJMB). Membro do Tribunal de Ética da OAB-SP (1994-2007). Magistrado aposentado.
Administrador do Portal Jurídico www.academus.pro.br. E-mail: [email protected]
1
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
84
uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna, a serviço da sociedade e o
bem integral das pessoas.
Palavras chaves:
1. Liberdade religiosa, Sociedade pluralista, Ensino religioso pluriconfessional,
Laicidade do Estado, Bem comum religioso.
ABSTRACT:
The treaty says about "the right of religious freedom, cultural diversity and
religious plurality of the country" in view of the integral formation of person
it. This art. 11 of the Agreement is based in the preamble to the Brazilian
Constitution, when it proclaims the "supreme values of a fraternal society,
pluralist and without prejudice, based on social harmony". The equality and
the freedom of "conscience and belief", "exercise of religious worship" and
"providing assistance religion" are also guaranteed by the Con-stitution (art.
5, incs. VI to VIII). There is no exclusivity of teaching Catholic in schools,
especially public, because the Agreement refers to "other religions" in an "inmulti-confessional religious education" (art. 11), therefore teaching religious
pluralist, demo-cratic, laic and voluntary, open to all religions. The State is
secular while guard inde-pendence for religions, but is encouragement of
religious practices, as all seek a com-mon good, with expressions of
brotherhood, solidarity, mutual assistance, social inclu-sion, under the "protection
of God"(cf. Preamble of the Constitution). The understand-ing and religious
tolerance will help build a fairer society, peaceful, fraternal for the service
of society and the integral good of persons.
Keywords:
Religious freedom, Pluralistic society, Religious education pluricon-fessional,
Secularity of the state, Common good religious.
* * *
O Acordo sobre o Estatuto Jurídico da Igreja Católica, assinado entre
os Estados soberanos do Brasil e do Vaticano, a 13 de novembro de 2008,
tramita no Congresso Nacional sob a Mensagem 134/2009, para sua ratificação constitucional.
Por versar sobre situações jurídicas e religiosas, tem suscitado acerbas
críticas de setores externos à Igreja, sobretudo no tocante ao ensino religioso
nas escolas, porque estaria ferindo preceitos constitucionais relativos à
separação entre a Igreja e o Estado.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Na verdade, a liberdade religiosa no ensino de uma determinada crença
não discrimina o ensino por outras, à vista do art. 11 do Acordo, quando
observa o "direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade
confessional do País", em vista da formação integral da pessoa.
E quando, no § 1º, declara que "o ensino religioso, católico e de outras
confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito
à diver-sidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição
e a outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação".
Esta regra funda-se "na Constituição brasileira e nas leis vigentes", que
em seu Preâmbulo proclamou os "valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social".
Dentre os direitos e deveres individuais e coletivos, o art. 5º prescreve
a igualdade de todos perante a lei, garantindo a inviolabilidade do direito à
liberdade, e expressamente, em seu inciso VI, a "liberdade de consciência e
de crença", assegurando "o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo
a proteção aos locais de culto e a suas liturgias, a "prestação de assistência
religiosa" (inc. VII), e a não privação de direitos "por motivo de crença religiosa"
(inc. VIII).
O Acordo consolida, em nível administrativo e diplomático, a legislação
sobre o ensino religioso, constante dos artigos 210, § 1º, da Cons-tituição,
e art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases, que será dado no horário normal das
aulas e em caráter facultativo.
É de se lembrar que a inclusão do ensino religioso no currículo escolar
do ensino fundamental ocorreu em todas as Constituições do Brasil, desde
a de 1937.
Além do ensino católico, o art. 11 do Acordo, afastando qual-quer
discriminação, menciona "outras confissões religiosas", instituindo um "ensino
religioso pluri-confessional", como ocorre no Estado do Rio de Janeiro, com
a Lei 3.459, de 14/09/2000, julgada constitucional pelo Tribu-nal de Justiça do
Estado (na Representação n. 141/2000, acórdão de abril de 2001).
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
85
86
Trata-se de ensino "confessional", mas de caráter pluralista, perfeitamente
democrático, leigo e facultativo, sem exclusão ou discrimi-nação a qualquer
outra confissão religiosa.
A questionada "laicidade", com a separação do Estado em rela-ção a
qualquer Igreja, beira a utopia ou mesmo ideologia. O Estado é a pro-jeção
administrativo-política da sociedade e esta se compõe de amplos segmentos
de expressão social, aí incluídos os grupos ou entidades religio-sas.
As manifestações eclesiais, em sua diversidade, expressam a religiosidade de um povo, caráter psíquico-espiritual inato à pessoa humana. O
Estado republicano é laico por convenção histórica e revolucionária, mas uma
laicidade institucionalizada pode inibir a prática das religiões, sobre-tudo a
católica, com sua precedência histórica no Brasil.
Reduzir o Estado a "laicismo puro" é apartá-lo da realidade so-cial,
porque levaria a excluir e desamparar toda atividade religiosa, a partir do
ensino nas escolas, contrariando as tradições das várias correntes
confessionais existentes no Brasil.
Não é o que preconizavam os constituintes de 1988, ao proteger as
atividades missionárias, assistenciais e de ensino, que todas as igrejas sempre
praticaram com inestimável vocação espiritual.
Não há de se esquecer que as religiões, mesmo separadas, pugnam
por um bem comum (art. 8º do Acordo), por suas manifestações de fraternidade,
solidariedade, auxílio mútuo, assistência aos necessitados, inclusão social,
harmonia e paz social, sob a "proteção de Deus" (cf. Pre-âmbulo da
Constituição).
Nos moldes em que foi constituída a República, como Es-tado
democrático de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, de
harmonia social, com liberdade de consciência e de crença, esta laicida-de
que se lhe atribui não autoriza a discriminação de quaisquer práticas religiosas,
antes as deve proteger e estimular para que atuem em prol do bem social.
O Acordo Brasil-Vaticano apenas reuniu e ratificou as normas
constitucionais e legais existentes, e os indigitados "direitos" à I-greja Católica,
foram expressamente estendidos às demais confissões (pelos artigos 6º, §
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
2º, no acesso a todos do seu patrimônio cultural; art. 10, em cooperação com
o Estado, ao oferecer suas instituições de ensino a serviço da sociedade; art.
14, ao reivindicar a destinação de espaços para fins reli-giosos, no Plano
Diretor das cidades; art. 15, sobre imunidades e isenções tributárias para
entidades filantrópicas; art. 17, no visto a religiosos e lei-gos para atividade
pastoral no Brasil), em tudo observando "o ordenamen-to jurídico brasileiro"
(nos artigos 2º, 3º e § 2º, 5º, 6º, § 1º. 7º, § 1º, 9º, 10 e § 2º, 11 § 1º, 12
§ 1º, 15 e § 1º, 16, inc. II, 17 § 1º).
Fundadas nestes mandamentos constitucionais, as matérias e-lencadas
pelo Acordo nada acrescentaram em direitos à Igreja Católica, apenas
consolidaram disposições esparsas no ordenamento jurídico brasi-leiro.
Longe de atribuir-lhe privilégios e discriminar outras religiões, o Acordo
reafirma princípios supranacionais fundados em valores univer-salmente
reconhecidos, com plena validade às demais Igrejas.
Não obstante as críticas e aversões ao tratado, os acordos inter-nacionais
contribuem para o progresso de um país, porque introduzem uma visão jurídica
superior à nacional, às vezes parcial e instrumental.
A compreensão e a tolerância religiosa em muito contribuirão para a
"construção de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna", a ser-viço da
sociedade e do bem integral das pessoas humanas.
Por tais motivos, o Acordo não deve ser rejeitado, antes merece ser
ratificado pelos dignos representantes congressuais da sociedade brasi-leira.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
87
88
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
89
PRESSUPOSTOS POLÍTICO-CULTURAIS PARA
A COMPREENSÃO DO ACORDO ENTRE O BRASIL
E A SANTA SÉ
Francisco Borba Ribeiro Neto1
RESUMO:
O Estado laico não pode se colocar em oposição à expressão pública da
religiosidade, mas deve se apresentar como aquele que acolhe, em seu
interior, todas as expressões - inclusive religiosas - que não se opõem ao
bem comum e ao debate democrático. Mas na prática a expressão pública
dos grupos religiosos freqüentemente é censurada em nome da neutralidade
confessional. Democraticamente, cabe à sociedade circunscrever e valorizar,
mas nunca anular, a expressão das várias confissões religiosas. A criação
de normas claras, objetivas e transparentes para nortear as relações entre
as confissões religiosas e o ordenamento político-social, como permitidas pelo
"Acordo entre o Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da Igreja
Católica", é a condição para que a prática dessas religiões respeite as
demais. Seus termos devem constituir-se em prerrogativas dadas a qualquer
grupo religioso organizado e que atenda aos princípios constitucionais
brasileiros - e não em privilégios dados à Igreja Católica. Apenas essa
universalização interessa tanto à Igreja Católica quanto às outras organizações
religiosas e à sociedade brasileira.
Palavras chave:
Separação entre Igreja e Estado; laicismo; pluralismo religioso; multiculturalismo;
Estado brasileiro; autonomia do indivíduo.
1
Professor e Coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP. E-mail: [email protected]
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
90
ABSTRACT:
The secular State cannot stand against public religious expression; rather, it
should embrace all expressions, religious including, which are not opposed
to the common good and the democratic debate. However, in practice, the
public expression of religious groups is frequently censured in the name of
confessional neutrality. Democratically speaking,/ in democratic terms, it is
society´s responsibility to circumscribe and value, but never to annul, the
expression of the several religious confessions. The creation of clear, objective
and transparent norms
to orient the relationship between different religious
confessions and the social and political order, as allowed by the agreement
between Brazil and the Holy See on the legal status of the Catholic Church,
is a pre-requisite for religious manifestations to respect each other. The terms
of the Agreement
should be constituted as
prerogatives to attend to all
organized religious groups which respect the Brazilian constitutional order,
not as privileges given to the Catholic Church. Just this universalization
interests the Catholic Church, the other religious organizations and the Brazilian
society as well.
Keywords:
Separation of church and state; secularism; Religious pluralism; multiculturalism;
Brazilian State; individual autonomy.
* * *
INTRODUÇÃO
A compreensão adequada do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé
relativo ao estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil envolve uma compreensão
mais ampla do papel das religiões na sociedade contemporânea e da diversidade
confessional em um Estado laico e plural. O que está em jogo, na homologação
desse Acordo e nos debates que se sucederam, não é o caráter privilegiado
que a Igreja Católica tem (ou terá) na sociedade brasileira - como se diz
geralmente. A verdadeira questão é o tipo de laicismo que se propõe para o
Brasil: um laicismo que anula a expressão pública das identidades religiosas
ou um laicismo construído através do intercâmbio de idéias e posições entre
as diferentes identidades religiosas.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
IDENTIDADE E PLURALIDADE NA DEMOCRACIA CONTEMPORÂNEA
Ao longo do século XX, as sociedades democráticas passaram por um
processo dual no que diz respeito ao trato com suas diferenças internas,
viessem de grupos étnicos, denominações religiosas ou qualquer outro tipo de
minorias. De um lado, esses grupos foram sendo cada vez mais reconhecidos,
se auto-organizando, ganhando possibilidade de expressão e tendo direitos
reconhecidos. Por outro lado, a sociedade também se homogeneíza, fazendo
com que esses grupos percam suas especificidades culturais e se amoldem
a um modo de ser pretensamente universal, justo e livre da cultura moderna.
Assim como no período das guerras de religião européias, que marcaram
o início da época Moderna, também no século XX a erupção da diferença
resultou - e continua resultando - em processos sociais conflituosos, como
os choques raciais norte-americanos ou a questão islâmica na Europa. O
modelo de solução que seguidamente se tem tentado implantar nesses
contextos é o do chamado multiculturalismo. Nesse modelo se procura, através
de estratégias diversas, em função de cada situação, uma solução que se
baseia no reconhecimento das especificidades de cada grupo, desde que
essas especificidades fiquem circunscritas ao grupo e não se choquem com
as normas gerais da sociedade.
A solução, por mais adequada que pareça, frequentemente tem se
mostrado insuficiente. As "normas gerais" que deveriam reger a todos são,
quando muito, as normas da maioria (quando não apenas as normas do grupo
politicamente mais forte). Sempre acabam surgindo situações específicas nas
um determinado grupo vê alguma dessas normas como uma imposição externa
e um desrespeito a suas próprias crenças. Além disto, as desigualdades
sociais, tanto no plano econômico quanto no político, geram ressentimentos
e injustiças que acabam se manifestando como renúncia às "normas gerais"
e até à ordem estabelecida.
Na verdade, o mundo "multicultural" da democracia moderna é o mundo
do mercado total, onde tudo se torna mercadoria a ser escolhida, consumida
e descartada. As próprias identidades, para poderem ter direito de expressão
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
91
92
nesse contexto, devem se subordinar à homogeneidade e à inércia que
caracteriza as mercadorias numa estante de supermercado. Podem ser
diferentes, desde que sua diferença não influa decisivamente na identidade ao
lado, nem comprometa a ordem estabelecida. O problema é que esse "respeito
ao outro" não se restringe a evitar a violência, mas a qualquer dissidência
capaz de colocar em risco a hegemonia cultural do mercado.
O que inicialmente se colocava como pressuposto para a existência da
liberdade, se torna dominação e negação da liberdade de expressão de todos.
Cria-se o pressuposto de uma "diferenciação não incidente" entre os atores
sociais, onde todos podem ser diferentes, desde que suas diferenças não
afetem decisivamente o grande mercado da vida social e política.
A DOMINAÇÃO OCULTA
Nesse processo, as pessoas vão sendo levadas a crer que têm total
autonomia e liberdade na vida privada, desde que sigam as normas e as leis
que se referem à esfera pública da vida. Cada um pode fazer o que bem
entender entre as quatro paredes de sua casa, desde que se comporte como
um cidadão responsável. Contudo, essa suposta divisão não existe na prática.
A escola, a mídia, a organização cotidiana do trabalho e do lazer influenciam
nosso modo de ver a realidade e vão definindo nossas opções e nossa vida
privada. Assim, uma suposta liberdade individual se revela, na verdade, uma
assimilação não-crítica dos valores e da mentalidade dominante.
No centro da articulação desse modo de ser e pensar contemporâneo
encontra-se a ideologia autonomista. Trata-se de uma ideologia, no sentido
clássico do termo: a constatação de um dado da realidade que oculta outros.
Realmente a sociedade ocidental garantiu ao indivíduo médio um grau de
autonomia inédito na história. Porém, ao mesmo tempo é uma sociedade que
promove essa homogeneização das consciências que faz com que a dissidência
e a possibilidade de fazer opções não-convencionais sejam cada vez menos
factíveis.
Aceitar o diferente tornou-se justamente uma obrigação, mas esse
diferente não deve propor valores que ponham em cheque o dinamismo do
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
mercado. A sociedade é pluralista, todos parecem exercer sua autonomia,
mas a pluralidade não incide sobre os mecanismos de mercado. Até mesmo
os movimentos sociais transformadores são "politicamente corretos" quando
não ameaçam o sistema e reproduzem a mentalidade dominante.
A QUESTÃO RELIGIOSA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
As tradições religiosas são, objetivamente, a forma de contestação
mais evidente a essa ideologia autonomista. Elas propõem sempre a
dependência da pessoa à divindade, a impossibilidade de se alcançar a
felicidade dentro da lógica da autonomia pura. Põem em cheque a ideologia
autonomista e abrem espaço para o debate e a reflexão sobre os limites e
o significado da autonomia individual e dos modelos de satisfação pessoal
oferecidos pela sociedade. Por isso, na lógica do poder reinante, sua atuação
deve ser restrita à esfera individual, onde sua crítica pode ser minimizada,
tornar-se uma "questão de foro íntimo", que não permite a comparação racional
com outros discursos - considerados "públicos".
Numa posição religiosa fundamentalista, a pessoa, percebendo a
inadequação do modo de ser da cultura moderna à sua estrutura humana, e
não tendo mecanismos racionais para se posicionar, tende a adotar posturas
cada vez mais intransigentes e agressivas. Esse fundamentalismo pode ser
uma real ameaça ao conjunto da sociedade e - em alguns casos - até mesmo
para a plena realização da pessoa. Contudo, ele também reflete esse sentimento
de inadequação do modo de ser dominante no mundo globalizado e a dificuldade
que a sociedade encontra para atender aos anseios desses grupos.
A solução eficiente, ainda que sem dúvida não seja imediata, para o
problema do fundamentalismo passa pelo desenvolvimento integral da pessoa
humana dentro do contexto social. Na medida em que ela se desenvolve em
todas as suas dimensões - material, cultural e espiritual - são superados os
conflitos oriundos das desigualdades e da exclusão social, são criadas
condições para o debate e a reflexão racional entre os diferentes. Supera-se
também o limite constitutivo do multiculturalismo, que é idealizar as identidades
culturais como unidades isoladas, que se expressam apenas internamente,
mas que no fundo não interagem nem dialogam.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
93
94
ESTADO LAICO E PLURICONFESSIONALIDADE
A cultura contemporânea tem cada vez mais dificuldade em compreender
"o ser humano" como uma referência objetiva para a organização da vida
social, política e econômica. Isso vale tanto para o adjetivo que identifica
situações adequadas a nossa pessoa (os direitos humanos, uma conduta
humana, etc.), quanto para o substantivo que designa a pessoa - isto é,
aquela criatura dotada de plenos direitos e deveres na ordem social. Nesse
contexto, a reflexão religiosa de qualquer confissão, na medida que sempre
traz uma tentativa de resposta a essas questões, não pode ser considerada
como um empecilho à plena emancipação da pessoa, mas como um dos
elementos que devem ser considerados para que a sociedade encontre os
caminhos mais adequados para a realização do bem comum.
Por isso, o Estado laico não pode se colocar em oposição à expressão
pública da religiosidade, mas deve se apresentar como aquele que acolhe, em
seu interior, todas as expressões - inclusive religiosas - que não se opõem
ao bem comum e aceitam o debate democrático. Diante da realidade pluralista
da sociedade atual, a coexistência não pode se dar através da supressão do
direito de expressão de cada confissão religiosa, mas pela plena expressão
- num clima de diálogo - de todas elas.
A suposta neutralidade confessional, defendida em muitos âmbitos,
significa na verdade a censura à expressão pública dos grupos religiosos.
Significa a negação de um discurso público que negue a ilusão de autonomia
vivida na sociedade atual. É importante sublinhar que se trata da negação de
uma "ilusão de autonomia" e não da própria autonomia. Os mecanismos de
controle social, os próprios laços afetivos, as limitações nascidas de nossa
humanidade contraditória - que sempre anseia por um infinito ao qual não
pode alcançar com as próprias forças - limitam objetivamente a autonomia
pessoal. A questão é a existência ou não de um discurso público que trabalhe
com esse limite, que considere suas implicações para a vida social.
A laicidade não pode se erigir em justificativa para que o indivíduo
religioso não expresse suas convicções publicamente. Essas convicções
poderão ou não influenciar aos demais, tornando-se posições majoritárias ou
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
minoritárias. Caso tornem-se majoritárias, cabe ao ordenamento jurídico e às
instituições políticas garantirem que sua influência não gere qualquer forma de
dominação de um grupo religioso sobre os demais. Caso tornem-se minoritárias,
deve-se garantir o seu direito a continuarem se expressando, desde que não
atentem contra o bem comum. Aliás, as próprias características do bem
comum são elementos a serem estabelecidos dentro desse debate que incluí,
obrigatoriamente, as convicções religiosas.
A expressão pluriconfessional é um pressuposto da liberdade. Não apenas
da liberdade religiosa, como se pensa em algumas situações, mas da liberdade
do ser humano em geral. A pluriconfessionalidade garante um elemento único
de crítica aos mecanismos de dominação presentes no Estado laico. Cabe à
sociedade em seu conjunto, através da participação política democrática,
circunscrever e valorizar, na medida do necessário, essa expressão
pluriconfessional.
A criação de normas claras, objetivas e transparentes para nortear as
relações entre as confissões religiosas e o ordenamento político-social é uma
condição necessária para que essas manifestações aconteçam sempre no
respeito à liberdade dos demais. A outra condição é que as próprias confissões
religiosas se capacitem de modo a se expressar de maneira racional e adequada
na vida social. Por exemplo, nada pode impedir que seguidores de uma
confissão religiosa criacionista criem uma faculdade de biologia. Porém, os
professores de biologia formados nessa faculdade têm que ter plenas condições
de apresentar a teoria da evolução na forma pela qual é aceita pela comunidade
científica internacional.
O ACORDO ENTRE O BRASIL E A SANTA SÉ
Um dado óbvio e de conseqüências reconhecidas por todos, quando se
pensa no diálogo entre Estado laico e confissões religiosas, é a condição
particular do catolicismo romano, decorrente do fato de ter se constituído ao
longo da história enquanto grupo religioso (Igreja Católica) e Estado nacional
(Vaticano). Isso torna ainda mais necessária a existência de normas que
ordenem a relação entre a Igreja Católica e os Estados nacionais. Essas
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
95
96
normas são uma garantia, em determinado país, tanto para os católicos
quanto para os não-católicos.
O Acordo entre o Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da
Igreja Católica no Brasil deveria ser compreendido, portanto, como uma
necessidade que mais cedo ou mais tarde deveria ser atendida no País.
Compreendida a necessidade da existência do Acordo em si, resta discutir as
implicações de cada um de seus parágrafos. Esse não é o objetivo deste artigo,
por isso essas implicações erão vistas apenas em seus aspectos mais gerais.
As maiores críticas ao Acordo têm vindo de parlamentares ligados a
outras confissões religiosas e defensores das chamadas "liberdades individuais".
Este segundo campo, o das "liberdades individuais" é justamente o campo
onde se joga, hoje em dia, o debate sobre os limites e as implicações da
ideologia autonomista. O aborto e os direitos reprodutivos são espaços de
uma política autonomista que não considera a possibilidade de um limite
último à autonomia do indivíduo. A questão confessional está ligada, para
esses grupos, à expressão pública de forças sociais que se opõem à ideologia
autonomista.
O maior reflexo dessa questão está no ensino religioso. Ele é um dever
do Estado, se a formação integral da pessoa humana implica em seus aspectos
espirituais (que não significam "credo religioso", mas abertura ao transcendente
e reflexão sobre o sentido da vida). Mas não pode ser transformado no ensino
de uma "religião do Estado", criada numa mesa de discussão por políticos,
burocratas e técnicos, nem na imposição de uma ou de algumas confissões
religiosas a todos os demais. Isso exige um processo de normatização difícil,
sem dúvida, mas necessário.
Isso leva à discussão da oposição de outros grupos religiosos ao
Acordo entre o Brasil e a Santa Sé. Essa oposição, na verdade, representa
uma submissão de todas as expressões religiosas às imposição de um
laicismo que se aproxima muito mais da militância anti-religiosa que da suposta
neutralidade. O fortalecimento da postura religiosa da pessoa humana, seja
qual for seu credo, passa não pela negação do Acordo e de seus termos, mas
pela universalização de seus termos. Isto é, qualquer prerrogativa dada, nos
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
termos do Acordo, à Igreja Católica deve ser estendida a todos os grupos
religiosos existentes.
Na prática, a questão é a de garantir que os termos do Acordo se
constituam em prerrogativas dadas a qualquer grupo religioso organizado,
reconhecido e que atenda aos princípios constitucionais brasileiros - e não em
privilégios dados à Igreja Católica. Esperar que a existência do Acordo possa
garantir algum privilégio para a Igreja é, inclusive, desconhecer a prática da
vida pública brasileira, onde normas e Elis são freqüentemente descumpridas.
Apenas a universalização dos seus termos é garantia de alguma coisa, tanto
para a Igreja católica quanto para as outras organizações religiosas e para a
própria sociedade brasileira.
A MISSÃO DA IGREJA
Diante do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, se evidenciam aspectos
da missão da Igreja, enquanto instituição, e de todos os católicos no Brasil.
O primeiro é o reconhecimento de que a Igreja deve ser um serviço a todos,
inclusive àqueles que não fazem parte dela ou até mesmo a combatem. O
Acordo, nesse sentido, deve ser encarado não apenas como a busca de uma
normatização da situação jurídica da Igreja Católica no Brasil, mas como um
serviço a toda a sociedade brasileira, que a partir daí terá mais subsídios para
normatizar a expressão de todas as confissões religiosas. Os próprios católicos
brasileiros devem defender a extensão das suas prerrogativas às demais
confissões religiosas. Além disso, a doutrina católica deve ser cada vez mais
aprofundada e utilizada para um debate racional e democrático com as demais
posições no interior da sociedade brasileira. A liberdade e o bem comum não
nascem do cerceamento da expressão pública de ninguém, mas sim da
abertura ao outro, na busca pelas respostas mais adequadas às perguntas e
ás aspirações de todos.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
97
98
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
99
TRATADO BRASIL VATICANO:
SEMINÁRIO - REFLEXÕES INICIAIS
Lúcia Helena Polleti Bettini1
RESUMO:
O presente artigo tem por finalidade apresentar as discussões iniciais acerca
do Acordo firmado em Roma entre a Santa Sé e a República Federativa do
Brasil que reconhece a Igreja Católica como Instituição no Brasil, em reunião
que ocorreu no dia 16/12/2009, às 19:00h, no Centro Universitário Assunção
- UNIFAI. A orientação inicial na condução dos trabalhos foi realizada conforme
parâmetros ditados por Dom José Benedito Simão, Magnífico Reitor do UNIFAI,
com o entendimento da religião como força de integração social e regra a ser
aplicada nas discussões e interpretação de cada artigo ou temas do tratado.
A conclusão da reunião foi pela ausência de elementos que determinassem
inconstitucionalidades, formais e materiais, no Acordo, além da possibilidade
de ampliação de seu conteúdo para outras religiões.
Palavras-chave:
Tratado Brasil-Vaticano; Constitucionalidade; interpretação extensiva.
ABSTRACT:
This article aims to present the initial discussions about the agreement signed
in Rome between the Vatican and the Federative Republic of Brazil recognizes
that the Catholic Church as an institution in Brazil, in a meeting that will occur
Mestre e Doutoranda em Direito do Estado - sub-área Direito Constitucional - pela PUC-SP,
Coordenadora e Professora do Curso de Direito do UNIFAI - Centro Universitário Assunção;
Professora dos Cursos de Direito e Comunicação Social na Universidade de São Caetano do Sul
- USCS; Sócio-membro do IBDC; Advogada em São Paulo. E-mail: [email protected].
1
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
100
on 16/12/2009 at 19: 00h, at Assumption University Center - UNIFAI. The initial
guidance in conducting the work was performed according to parameters
dictated by his excellence, Bishop José Benedito Simão, Rector of UNIFAI,
with the understanding of religion as a force for social integration and rule
to be applied in the discussion and interpretation of each article of the treaty
or themes. The conclusion of the meeting was the absence of elements that
determine constitutions, formal and material in the Agreement, and the opportunity
to expand its content to other religions.
Keywords:
Brazil-Vatican treaty; Constitutionality; extensive interpretation.
* * *
Em novembro de 2008, logo após ser firmado Acordo em Roma entre
a Santa Sé e a República Federativa do Brasil acerca do reconhecimento da
Igreja Católica como Instituição no Brasil, fui chamada em reunião por Dom
José Benedito Simão, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo e Magnífico
Reitor do Centro Universitário Assunção - UNIFAI, com a finalidade de
deflagrarmos discussões e primeiras interpretações sobre o conteúdo do Acordo.
Da solicitação de Dom José Benedito Simão o que mais chamou minha
atenção e compartilhei com grupo como grande referencial de nossas reflexões,
foi o entendimento de que ao nos manifestarmos não poderíamos nos afastar
da "FORÇA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL QUE A RELIGIÃO PROPORCIONA".
Tive a honra de coordenar os trabalhos de nossa primeira reunião que
ocorreu no dia 16/12/2009, às 19:00h, no Centro Universitário Assunção UNIFAI, e a orientação inicial na condução de nossos trabalhos foi realizada
para que o entendimento da religião como força de integração social fosse
adotado como uma grande regra a ser aplicada nas discussões e interpretação
de cada artigo ou temas prescritos pelo Acordo, e todo nosso trabalho
organizou-se de tal maneira.
O UNIFAI - Centro Universitário Assunção, mantido pelo Instituto Educacional Seminário Paulopolitano,
é Instituição de Ensino Superior, Católica, com ênfase na formação humanística e sua missão é
permitir o desenvolvimento integral de seus alunos, contribuir para o exercício pleno da cidadania
e preparo para efetiva vida profissional e melhoria das condições de vida em sociedade.
2
Vale realizar consulta ao voto do Relator que traça parâmetros pontuais acerca da constitucionalidade
do Acordo.
3
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Houve contribuição de vários professores do UNIFAI2, de outras
Instituições confessionais, católicas, e estudiosos da questão, os quais têm
ciência da importância da função social da Igreja Católica no Brasil, como
também, identificam no reconhecimento jurídico de sua Institucionalização,
um elemento catalisador na continuidade de suas grandes missões.
A análise inicial se deu por artigos do Acordo, o que ainda não restou
finalizado por completo, mas da contribuição de nossa primeira reunião, ficou
uma conclusão inicial, qual seja, a coerência das normas ali discutidas com
a atual Constituição da República Federativa do Brasil.
A contribuição que gostaria de deixar vem no sentido de identificar o
respeito à Constituição, ou seja, no que concerne à afirmação da
constitucionalidade do Acordo3. Nesse sentido, não nos defrontamos com
inconstitucionalidades, sejam elas formais e materiais que permitem o suporte
à validade do Acordo . A afirmação deve receber seu sustento por meio do
conceito de Constituição que respeite a somatória de todos os seus enfoques4,
ou seja, jurídico, político e sociológico, sendo que, do último enfoque, destacase a possibilidade da verificação da adequação com os fatores reais de poder5
, pois apesar de Estado laico, toda a história brasileira guarda identidade com
a importância do reconhecimento da religiosidade e, em especial com o
catolicismo, e ao se tratar juridicamente de sua institucionalização, torna-se
possível, também no plano jurídico com vários reflexos na vida prática, seu
agir de forma organizada6.
Tal orientação vem ao encontro da manutenção dos postulados da
hermenêutica constitucional7, dentre eles, a Supremacia Constitucional e a
Unidade da Constituição, pois alcançar tal reconhecimento jurídico dá à Instituição
Igreja Católica a segurança, também jurídica, necessária para o desenvolvimento
de seus fins religiosos, fins assistenciais e de solidariedade social e, como
resultado, caminhar ao lado do Estado para que alcance o bem comum.
4
5
6
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros Editor, 2000. págs 37-38.
Cf. Ferdinand Lassale em "O que é uma Constituição?"
Destaque-se que há a possibilidade de estender-se a outras religiões o que dispõe o Tratado.
Cf. BASTOS, Celso Ribeiro Seixas. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. Celso Bastos
Editor, 2002. págs. 170 e SS.
7
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
101
102
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
103
ACORDO ASSINADO ENTRE O VATICANO E O BRASIL
NOVEMBRO DE 2008
COMENTÁRIOS SOBRE O ARTIGO 16
Luiz A A Pierre1
RESUMO:
O artigo 16 do Acordo trata do vinculo entre ordenados e consagrados com
as instituições eclesiásticas e sobre o serviço voluntário de índole religiosa.
No preâmbulo do acordo as partes declaram o compromisso na “construção
de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna”. O artigo 16 trata de dois
aspectos diferentes com diverso reflexo prático. No inciso I sobre o vinculo
entre pessoas com votos e instituições religiosas e no inciso II quanto ao
serviço voluntário. Porém com o acordo, este impasse se resolve uma vez
que ficam explicitadas as tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica e
catequética, assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser
realizadas a título voluntário, sempre observado o disposto na legislação
trabalhista brasileira, logicamente para evitar fraudes. É importante entender
que quando se diz a título voluntário exclui o serviço daqueles que dependem
deste trabalho para sua subsistência. Um trabalho voluntário que recebe em
contrapartida alguma ajuda econômica necessária para a manutenção da
pessoa, descaracteriza o voluntariado, pois pode estar encobrindo uma
relação de emprego. O serviço voluntário deve ser feito por quem tem
autonomia econômica para poder prestar esta ajuda, podendo apenas ser
ressarcido de eventuais despesas. O Termo de adesão previsto no art. 2º
da lei 9.608, é uma exigência que deve ser cumprida para não dar margem
à formação do vínculo empregatício e este necessita da forma escrita.
1
Advogado. Professor em São Paulo. E-mail: [email protected].
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
104
Palavras-Chave:
Fraternidade, Vínculo, Consagrados, Serviço voluntário, Termo de adesão.
ABSTRACT:
The article 16 of the Agreement deals with the bond between ordered and
devoted with the ecclesiastical institutions and the voluntary service of a
religious. nature. In the preamble to the agreement the parties state the
commitment to “build a society more just, peaceful and fraternal.” Article 16
deals with two different aspects with different reflective practices. In section
I on the link between votes and those with religious institutions and in item
II on the voluntary service. But with the agreement, the impasse is resolved
because the tasks are explained in nature apostolic, pastoral, liturgical and
catechetical, care of human promotion and the similars may be performed on
a voluntary basis, always observing the provisions of the Brazilian labor
legislation, of course to prevent fraud. It is important to understand that when
it comes to “voluntarily” it excludes the service of those who depend on this
work for their livelihood. A volunteer work that receive some economic aid
necessary for the maintenance of the person, weakened the voluntary, since
it may be covering an employment relationship. The service must be made by
those who have economic autonomy to provide this aid, and may only be
reimbursed for any costs. The term of membership under Art. 2 of Act 9608,
is a requirement that must be fulfilled as not to give scope for the employment
and training, this requires the written form.
Keywords:
Fraternity. bond. Devoted. Voluntary service. Term of membership.
* * *
INTRODUÇÃO
No preâmbulo do acordo as partes declaram o compromisso na
"construção de uma sociedade mais justa, pacífica e fraterna."
É relevante salientar este empenho em resgatar a questão da fraternidade
que, embora contida na Declaração dos Direitos Humanos e no próprio
preâmbulo da nossa Constituição Federal brasileira, não consta no corpo da
Carta Magna, - que usa o termo solidariedade, mas omite a fraternidade,
possuem conteúdo diverso, embora numa mesma ótica.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Quanto ao acordo, temos que embora o Brasil tenha dado um passo
importante em direção ao reconhecimento de normas internacionais de Direitos
Humanos, o Supremo Tribunal Federal foi cauteloso quanto à elevação
automática desses tratados à categoria de emenda constitucional, como
queriam alguns ministros. Todavia, não há entraves aparentes para a
implantação deste acordo em nosso país.
Diz o artigo 16 do referido acordo entre o Vaticano e o Brasil:
"Dado o caráter peculiar religioso e beneficente da Igreja Católica
e de suas instituições:
I - O vínculo entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados
mediante votos e as Dioceses ou Institutos Religiosos e equiparados é de
caráter religioso e portanto, observado o disposto na legislação trabalhista
brasileira, não gera, por si mesmo, vínculo empregatício, a não ser que seja
provado o desvirtuamento da instituição eclesiástica.
II - As tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética,
assistencial, de promoção humana e semelhantes poderão ser realizadas
a título voluntário, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira.
COMENTÁRIOS
O artigo 16 trata de dois aspectos diferentes com diverso reflexo prático.
No inciso I sobre o vinculo entre pessoas com votos e instituições religiosas
e no inciso II quanto ao serviço voluntário.
O inciso I trata vínculo entre ministros ordenados e fiéis consagrados
com votos que não gera vínculo empregatício salvo se provado o desvirtuamento
da instituição eclesiástica.
Logicamente o vinculo religioso, por si só, não pode gerar vinculo
empregatício, pois é uma relação de outro caráter que não o da prestação de
serviços a um empregador, muito embora esta mesma instituição possa ser
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
105
106
empregadora de outras pessoas que não tenham com ela os votos de
compromisso religioso.
Para observar a lei brasileira, em especial o artigo 3º e 2º da CLT, esta
prestação de serviços precisa ter as seguintes características: pessoalidade,
habitualidade, onerosidade e subordinação e estes serviços sejam prestador
a um empregador que assume os riscos da atividade econômica.
Porém, a relação de ministros ordenados e fiéis consagrados com a
instituição não é de subordinação a um empregador, mas a uma instituição a
qual este ministro ordenado ou fiel consagrado dedica a sua vida integralmente,
com outra disponibilidade e movido por fortes intenções de crença.
Não é incomum a tentativa de fraudar a legislação e o acordo prevê que
o desvirtuamento da instituição eclesiástica é um motivo. A possibilidade de
gerar o vínculo empregatício está no desvirtuamento da instituição, qual seja
de instrumentalizar pessoas ingênuas para trabalhar em regime de servidão
como, infelizmente, ocorre.
Nestes casos, a análise do artigo 2º e 3º da CLT farão caracterizar ou
não o vínculo empregatício.
O inciso II estabelece as condições quanto ao serviço voluntário. São
tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica, catequética, assistencial, de
promoção humana e semelhantes.
Serve para esclarecer qualquer dúvida quanto à interpretação da lei
brasileira 9.608 de fevereiro de 1998 que diz no seu artigo 1º:
Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade não
remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer
natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos
cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência
social, inclusive mutualidade.
Alguns autores consideram que a lei é apenas exemplificativa e o fato
de não contemplar o objetivo religioso não impede que ela seja aplicada.
Porém com o acordo, este impasse se resolve uma vez que ficam explicitadas
as tarefas de índole apostólica, pastoral, litúrgica e catequética.
Estas, além da assistencial, de promoção humana e semelhantes
poderão ser realizadas a título voluntário, sempre observado o disposto na
legislação trabalhista brasileira, logicamente para evitar fraudes.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
É importante entender que quando se diz a título voluntário exclui o
serviço daqueles que dependem deste trabalho para sua subsistência. Um
trabalho voluntário que recebe em contrapartida alguma ajuda econômica
necessária para a manutenção da pessoa, descaracteriza o voluntariado, pois
pode estar encobrindo uma relação de emprego.
O serviço voluntário deve ser feito por quem tem autonomia econômica
para poder prestar esta ajuda, podendo o prestador apenas ser ressarcido de
eventuais despesas que comprovadamente realizar no desempenho das
atividades voluntárias.
O Termo de adesão é previsto no art. 2º da lei 9.608:
O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo
de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço
voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício.
Esta exigência deve ser cumprida para que não se dê margem à
formação do vínculo empregatício, pois a legislação trabalhista e, somente
ela, permite o contrato realidade, o contrato verbal ou tácito. No serviço
voluntário é previsto o termo de adesão que, no meu entendimento, necessita
da forma escrita.
TEXTOS LEGAIS
Consolidação das Leis do Trabalho
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva,
que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige
a prestação pessoal de serviço.
§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da
relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência,
as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que
admitirem trabalhadores como empregados.
§ 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma
delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou
administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de
qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
107
108
emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das
subordinadas.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar
serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste
e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de
emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual,
técnico e manual.
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o
objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos
na presente Consolidação.
Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou
expresso, correspondente à relação de emprego.
Lei nº 9.608, de 18 de Fevereiro de 1998
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º Considera-se serviço voluntário, para fins desta Lei, a atividade
não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer
natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos
cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência
social, inclusive mutualidade.
Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício,
nem obrigação de natureza trabalhista previdenciária ou afim.
Art. 2º O serviço voluntário será exercido mediante a celebração de
termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do
serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu
exercício.
Art. 3º O prestador do serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas
despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades
voluntárias.
Parágrafo único. As despesas a serem ressarcidas deverão estar
expressamente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço
voluntário.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
109
RECEPÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA
Ana Carla Pinho1
RESUMO:
O objetivo do presente artigo é propiciar uma análise concisa a respeito de
como a Constituição Federal Brasileira de 1988 posiciona-se a respeito da
recepção dos tratados internacionais na ordem jurídica do Brasil. Para tanto,
serão expostas as fases que compõem o procedimento de internalização
analisados à luz da jurisprudência do STF.
Palavras-chave:
tratados, recepção, ordem jurídica brasileira, Keywords: treaties, reception,
Brazilian legal system
ABSTRACT:
This issue aims a brief analysis concerning the demands of our Federal
Constitution from 1.988 in order to receive an international treaty inside the
Brazilian legal system. It will be exposed the steps regarding the procedures,
also according to case law from the STF.
* * *
1. INTRODUÇÃO
Para uma análise inicial do presente tema, antes de propormos a
discussão acerca da internalização dos tratados, mister, primeiramente,
Professora de Direito Internacional Público e Direito da Integração do UNIFAI. E-mail:
[email protected].
1
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
110
conceituarmos tratados. A definição mais utilizada pela doutrina encontra-se
no artigo 2º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados:
"Art. 2º - Expressões Empregadas
§ 1º - Para os fins da presente Convenção:
a) "tratado" significa um acordo internacional concluído por escrito
entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um
instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer
que seja sua denominação específica;
(...)"
Resek (1994) define tratado como "todo acordo formal concluído entre
pessoas jurídicas de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos
jurídicos."
Nascimento e Silva e Accioly (2002) ensinam que, para que um tratado
tenha validade, é necessário: capacidade das partes contratantes, habilitação
dos agentes signatários, consentimento mútuo e objeto lícito e possível. Ainda,
requer que sejam respeitados os princípios gerais de direito, reconhecidos e
acatados pela sociedade internacional.
Tratados geram comportamentos internacionais e a determinação do
conteúdo de um tratado é uma escolha essencialmente política à qual se
confere moldura jurídica. Este exercício político é considerado o cenário no
qual se desenvolvem as negociações e o processo escolhido para a aprovação
do texto final, normalmente pautado pela fórmula do consenso.
2. O PROCEDIMENTO DE INTERNALIZAÇÃO DOS
TRATADOS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA
Segundo nos ensina Celso de Albuquerque Mello (2000), historicamente
os internacionalistas têm mostrado que, mesmo na antiguidade, os tratados
necessitavam de uma aprovação. Por exemplo, na Grécia essa aprovação
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
dava-se pela Assembléia do Povo e, em Roma, pelo Senado, para que passasse
a ser obrigatório. Na Idade Média e na Idade Moderna, começou a se desenvolver
a teoria dos plenos poderes, isto é, o negociador concluía e assinava o
tratado, mas esse necessitava ter o seu ato confirmado pelo Príncipe ou Rei.
Atualmente, de acordo com Teixeira (2004), "a forma como o tratado se
integra ao ordenamento jurídico interno dos Estados e passa a ser fonte de
direito é regulada por trâmites e procedimentos especiais definidos nas
respectivas Constituições."
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal2 apresentou o seguinte
entendimento quanto às regras a serem observadas para incorporação dos
tratados internacionais ao direito interno:
"(...) É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos
normativos de caráter internacional, que se reside a definição do inter
procedimental pertinente à incorporação, para o plano do direito positivo
interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos (...) concluídos pelo
Estado brasileiro."
No Brasil, conforme a Constituição Federal de 1988, a celebração de
acordos internacionais é de competência privativa do Presidente da República,
segundo o artigo 84, inciso VIII3.
Entretanto, o mesmo dispositivo legal demonstra que, apesar da
competência para celebração de tratados, convenções e atos internacionais
ser privativa do chefe do Executivo, os mesmos devem sujeitar-se ao referendo
do Congresso Nacional, conforme preceitua o art. 49,I4. O objetivo deste
referendo limita-se a autorizar ou rejeitar a ratificação do tratado, não podendo,
em nenhuma hipótese, interferir no conteúdo ou alterar seu texto original.
STF. Carta Rogatória nº 8.279, Plenário, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 29.06.1996. (http://
www.stj.gov.br). Acesso em: 20 jan. 2009
2
3
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) VIII - celebrar tratados,
convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivamente sobre
tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional.
4
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
111
112
Caso o Legislativo apresente emendas ao tratado, tal ato obriga o Executivo
a iniciar novas negociações.
No que tange especificamente ao procedimento previsto na CF/88 para
a celebração dos tratados internacionais, identificam-se seis fases:
a) Negociação;
b) Assinatura;
c) Mensagem ao Congresso;
d) Aprovação parlamentar mediante decreto legislativo;
e) Ratificação;
f) Promulgação do texto do tratado mediante decreto presidencial.
As duas primeiras fases, negociação e assinatura, por força do artigo
84, inciso VIII da CF, são de competência exclusiva do Presidente da República.
Entretanto, o artigo 7º da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados
indica que também estão autorizados a praticar atos referentes à conclusão
de tratados, os Ministros das Relações Exteriores e pessoas a quem tenha
sido conferida carta de plenos poderes, outorgada pelo Presidente da República.
A própria Convenção orienta quanto à definição de plenos poderes,
em seu artigo 1º:
"(...) um documento expedido pela autoridade competente de um
Estado e pelo qual são designadas uma ou várias pessoas para representar
um Estado para a negociação, a adição ou a autenticação do texto de um
tratado, para exprimir o consentimento do Estado em obrigar-se por um
tratado ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado."
A primeira fase traduz-se na negociação e discussão do conteúdo do
tratado entre os signatários. Ariosi (2004) esclarece que é ainda nesta fase
que os tratados internacionais "sofrem o primeiro controle prévio de sua
constitucionalidade.Na elaboração do texto final, são apreciados os
pressupostos de constitucionalidade atinentes à matéria objeto do tratado
para que, então, o texto final possa ser assinado." Destarte, os tratados
internacionais são submetidos a um controle prévio saneador a fim de preparálo para posterior assinatura.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
A assinatura consiste na autenticação, que representa a conclusão do
processo de formulação do acordo, e que tem por objetivo a fixação do texto
que será submetido à ratificação. A autenticação traduz-se na assinatura ou
rubrica dos representantes do Poder Executivo. Todavia, a assinatura referese a uma expressão de consentimento apenas do texto produzido nas
negociações, e se presta apenas para autenticar esse texto, demonstrando
uma intenção das partes contratantes em assumir o vínculo posteriormente.
Ou seja, a assinatura do tratado, por si só, não gera nenhum vínculo ou
compromisso entre os Estados. Entretanto, como preconiza Mello (2000)
após a assinatura, o princípio da boa-fé impede que o Estado pratique atos
contrários ao tratado que assinou.
A fase de aprovação e execução do tratado, na ordem jurídica brasileira,
tem início após a assinatura, através do envio de uma mensagem do Presidente
da República ao Congresso Nacional. Esta mensagem consiste em um ato
político no qual é remetida a justificativa e o inteiro teor do tratado.
Recebida a mensagem do Presidente da República, formaliza-se o
procedimento legislativo de aprovação propriamente dito. Para seja possível a
posterior ratificação de um tratado, é necessário que, tanto a Câmara dos
Deputados quanto o Senado, aprovem seu inteiro teor, de modo que basta a
eventual desaprovação por parte de uma das casas para que tenha fim o processo.
Desaprovada a matéria desde a Câmara, não há razão para remetê-la ao Senado.
Como já mencionado anteriormente, o aludido referendo está limitado
à escolha de permitir ou rejeitar a ratificação do tratado por parte do Presidente
da República, não possuindo a prerrogativa de alterar o texto do acordo. A
votação em plenário requer, para aprovação, conforme o art. 47 da Constituição
Federal5, maioria absoluta do número total de deputados, ou senadores, devendo
manifestar-se em favor do tratado a maioria absoluta dos presentes. Essa
autorização de ratificação, quando concedida pelo referendo do Congresso
Nacional, reveste-se na forma de decreto legislativo6.
Art. 47 - Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas
Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.
5
Decreto legislativo é uma norma jurídica emanada exclusivamente do poder legislativo, cf. art.
49 da CF/88
6
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
113
114
Este decreto legislativo contém aprovação do Congresso Nacional ao
tratado e, simultaneamente, a autorização para que o Presidente da República
ratifique-o, em nome da República Federativa do Brasil, por meio de edição
de um decreto presidencial7. Ressalte-se que a edição do decreto legislativo,
aprovando o tratado, não contém, todavia, uma ordem de execução do tratado
no território nacional, uma vez que, somente ao Presidente da República,
cabe decidir sobre sua ratificação, ou seja, exprimir sua vontade, de maneira
formal, em obrigar-se no plano internacional. A ratificação é o ato privativo e
discricionário do Presidente da República, pelo qual este confirma às outras
partes contratantes, em caráter definitivo, a disposição do Estado de cumprir
o tratado. Em outras palavras, é a manifestação do Poder Executivo, no
sentido de que o propósito de pactuar o tratado continua firme, atendendo aos
interesses superiores e soberanos do Estado. Mello apud Sette Camara
(2000:279) ensina que:
"Ratificação é o ato pelo qual a autoridade nacional competente
informa às autoridades correspondentes dos Estados cujos plenipotenciários
concluíram, com os seus, um projeto de tratado, a aprovação que dá a estes
projetos e que o faz doravante um tratado obrigatório para o Estado que esta
autoridade encarna nas relações internacionais."
A ratificação se materializa através de um instrumento de ratificação,
o qual é assinado pelo chefe do Executivo, e a troca dos instrumentos de
ratificação por parte dos Estados contratantes fixa o momento de entrada em
vigor na ordem jurídica internacional do tratado celebrado.
Como preconiza Mello (2000), a aprovação do tratado pelo Congresso
Nacional em nada impede que o Executivo se recuse a ratificá-lo. Assim, a
ratificação é um ato discricionário do Estado e, no interior deste, do Poder
Executivo. Nas palavras de Mello, "o Executivo pode, inclusive, desistir de um
tratado concluído por seu negociador e não enviar ao Legislativo, isto é,
arquivá-lo".
A necessidade da promulgação de decreto presidencial dá-se pela razão do sistema constitucional
brasileiro não consagrar o princípio do efeito direto nem o postulado da aplicabilidade imediata dos
tratados e convenções internacionais em nosso ordenamento jurídico.
7
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
As últimas fases do procedimento de celebração de um tratado
internacional no Brasil compreendem a promulgação e a publicação.
Mello (2000) ensina que "é através da promulgação que a lei passa a
existir no mundo jurídico e está apta a produzir seus efeitos. A promulgação
importa na presunção de que o mundo jurídico foi inovado por uma lei válida
executória e obrigatória."
A promulgação ocorre através do referido decreto do Presidente da
República, e representa ato pelo qual o Estado torna público o ato celebrado.
Além disso, o referido decreto deve ser publicado no Diário Oficial da
União, para que produza efeitos ex tunc, ou seja, efeitos retroativos, abrangendo
assim, as datas previstas no tratado para sua entrada em vigor.
Bastos (2001:378) define publicação como sendo "o ato pelo qual se
leva ao conhecimento público a existência da lei." Deste modo, após a
publicação, o tratado torna-se exigível, obrigatório e a ninguém é lícito alegar
o seu desconhecimento.
3. INTEGRAÇÃO E EFICÁCIA DOS TRATADOS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO DIREITO
BRASILEIRO:
Para que a questão acerca dos tratados internacionais no ordenamento
brasileiro seja abordada em todos os seus aspectos, importante uma breve
explanação acerca da posição ocupada pelos tratados internacionais de
proteção dos direitos humanos na legislação pátria.
O tema em epígrafe requer, primeiramente, uma análise do § 2º do
artigo 5º da CF/88 que dispõe, in verbis:
" §2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte."
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
115
116
O entendimento doutrinário majoritário sempre defendeu, com base no
referido §2º do artigo 5º da CF, que os tratados internacionais de proteção
de direitos humanos, após a ratificação, deveriam ser admitidos no mesmo
grau hierárquico das normas constitucionais, e não em outro âmbito de
hierarquia normativa.
Neste sentido, Mazzuoli (2008) esposa a tese de que:
" ... se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nelas
elencados "não excluem" outros provenientes dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte, é porque ela própria
está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes
dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil "se
incluem" no nosso ordenamento jurídico interno, passando a ser considerados
como se escritos na Constituição tivessem. É dizer, se os direitos e
garantias expressos no texto constitucional "não excluem" outros provenientes
dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica,
na medida em que tais instrumentos passam a assegurar outros direitos e
garantias, a Constituição "os inclui" no seu catálogo de direitos protegidos,
ampliando o seu "bloco de constitucionalidade".
Entretanto, o entendimento majoritário do STF, até recentemente, sempre
foi no sentido de que os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, incluindo
os de direitos humanos, possuem nível de lei ordinária.
No intuito de pôr fim às controvérsias da questão relativa à hierarquia
dos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio, a Emenda
Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou o § 3º a artigo
5º da Constituição Federal:
" § 3º - Os tratados e convenções sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três
quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais."
Grande parte da doutrina entendeu que essa alteração introduzida nada
mais fez do que exigir dos tratados internacionais de proteção aos direitos
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
humanos os mesmos requisitos formais do processo legislativo de Emendas
Constitucionais, determinando, então, que os tratados internacionais de direitos
humanos que não fossem aprovados por tal procedimento, teriam nível hierárquico
de lei ordinária. Destarte, ressaltam os doutrinadores, entres eles Flávia Piovesan
e Valério Mazzuoli, que essa disposição constituiu inegável retrocesso em sede
de proteção e efetivação dos direitos humanos em nosso país.
Contudo, em decisão histórica proclamada em 03 de dezembro de
2008, a Corte Suprema do STF8 reconheceu que os tratados de direitos
humanos possuem valor supralegal, ou seja, acham-se formal e
hierarquicamente acima do direito ordinário, independentemente de aprovação
com quorum qualificado. Essa decisão conduz à conclusão de que a produção
da norma ordinária deve observar, assim, o conteúdo de outros dois ordenamentos
jurídicos superiores: da Constituição Federal e dos Tratados de Direitos Humanos.
A lei que for incompatível com qualquer um deles, não será válida.
Cumpre ressaltar, por fim, que a maioria da doutrina, embora reconheça
que a tese da supralegalidade aceita pelo STF represente um inegável avanço
para o Estado Democrático de Direito no Brasil, continua a defender que os
tratados de direitos humanos têm incorporação automática em nosso
ordenamento jurídico e status constitucional por força do preconizado pelo §
2º do artigo 5º da CF, com substrato nos argumentos anteriormente expostos.
4. CONCLUSÃO
Por fim, mister ressaltar que os tratados ratificados pelo Brasil,
promulgados e publicados, desde que devidamente em vigor no plano
internacional, passam a integrar e produzir efeitos no ordenamento jurídico
interno. O efeito imediato será o de revogar todas as disposições em contrário
ou as que sejam com este incompatíveis. Um outro efeito é o de autorizar que
pessoas físicas e jurídicas o invoquem em instâncias judiciais nacionais para
a satisfação de direitos lá estabelecidos, bem como de obrigações de dele
recorram. (Mazzuoli:2008)
8
HC 87.585 - TO e RE 466.343-SP
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
117
118
Assim, após cumpridos os indispensáveis procedimentos para a
incorporação e vigência dos tratados internacionais no direito interno brasileiro,
os tribunais deverão garantir a sua vigência, assim como fazem com as leis
internas (Resek:1984).
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ACCIOLY, Hildebrando & SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Manual de Direito
Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2002.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional - 22 ed. Atual., São Paulo:
Saraiva, 2001.
DEL´OMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Público. Rio de
Janeiro: Forense, 2008.
HUSEK, Carlos Roberto. Elementos de Direito Internacional Público. São Paulo:
Malheiros, 1995.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. ed. rev.,
atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001.
____________________. Direito Constitucional Internacional. 2 ed. rev. - Rio de
Janeiro: Renovar, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23 ed. - São Paulo: Atlas, 2008.
PINHEIRO, Carla. Direito Internacional e Direitos Fundamentais. São Paulo:Atlas,
2001.
PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998.
________ . "A proteção dos direitos humanos no sistema constitucional brasileiro".
In: Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, vol. 51/52, jan./dez.
1999.
________ . Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 4.ª ed. São
Paulo: Max Limonad, 2000.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. Curso elementar. São Paulo:
Saraiva, 1994
TEIXEIRA, Carla Noura. Direito Internacional: público privado e dos direitos
humanos. 2 ed. - São Paulo: Saraiva, 2008.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti. Tratados internacionais e a integração tributária
no mercosul. In: Jus Síntese Millenium. Síntese, jan-fev 2004.
ARIOSO, Mariângela F. O inter procedimental da recepção dos tratados
internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 9,
n. 498, 17 de nov. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/
texto.asp?id=5943. Acesso em 28 jan 2009.
BRASIL. Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Disponível em http:/
/www.dhnet.org.br/direitos/sip/textos/conv_viena.html). Acesso em:20 jan 2009
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
119
120
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
121
PLANO DIRETOR
ACORDO ENTRE A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
E A SANTA SÉ RELATIVO AO ESTATUTO JURÍDICO
DA IGREJA CATÓLICA NO BRASIL
Lafayette Pozzoli1
Artigo 14
A República Federativa do Brasil declara o seu empenho
na destinação de espaços a fins religiosos, que deverão ser
previstos nos instrumentos de planejamento urbano a serem
estabelecidos no respectivo Plano Diretor.
RESUMO:
O artigo toma como referência para análise o Artigo 14 do Acordo firmado
entre o Brasil e o Vaticano Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Faz
a evolução histórica desde o Brasil colônia, enfatizando o processo de
industrialização ocorrido no Brasil após os anos 30 que provocou um êxodo
rural e um fenômeno de urbanização desenvolvido de maneira desregrada,
aumentando conseqüências negativas como a presença de favelas, violência,
Advogado. Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão e Coordenador do Mestrado em Direito no
UNIVEM - Centro Universitário Eurípides de Marília, Mestrado e Doutorado em Filosofia do Direito pela PUC/
SP. Pós-Doutorado pela Universidade "La Sapienza", Roma. Professor no UNIVEM e na PUC/SP. Consultor
Internacional em Legislação para pessoa com deficiência pela OIT. Secretário Geral do Instituto Jacques
Maritain do Brasil. Avaliador de curso de direito - INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais. Foi Secretário Executivo da Comissão de Justiça e Paz de Marília. Publicou diversas obras,
dentre elas: "Pessoa Portadora de deficiência - direitos e garantias"; "Justiça dos Tribunais ou da Cidadania";
"Maritain e o Direito". E-mail: [email protected].
1
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
122
dentre outros pontos, que resultou na exclusão social de muitos. É no
contexto que surge em 1988 a Constituição Federal com o princípio da função
social da propriedade e a Lei conhecida como Estatuto da Cidade (Lei 10.257/
2001) regulamentou o espaço urbano, impondo um Plano Diretor para cada
município com mais de 20 mil habitantes. Um importante instrumento que o
Acordo em questão tomou para que possa ser desenvolvida uma gestão
democrática do espaço urbano em relação à religiosidade da população.
Palavras-chave:
Tratado Brasil Vatica, Igreja, Estatuto da Cidade, Plano Diretor, Exclusão
Social, Gestão Democrática
ABSTRACT:
The article takes as a reference for the review of Article 14 Agreement signed
between Brazil and the Vatican legal status of the Catholic Church in Brazil.
Does the historical development since the colonial Brazil, emphasizing the
process of industrialization occurred in Brazil after the 30 years that caused
a rural exodus and urbanization developed a phenomenon of so lawless,
increasing negative consequences such as the presence of favelas, violence,
among other points , which resulted in the exclusion of many. It arises in the
context that in 1988 the Federal Constitution with the principle of social
function of property and the law known as the City Statute (Law 10257/2001)
regulates the urban space, requiring a Master Plan for each municipality with
more than 20 thousand inhabitants. One important instrument that the Agreement
in question has to be a developed democratic management of urban space
in relation to the religiosity of the population.
Keywords:
Brazil Vatican Treaty, Church, City Staff, Master Plan, Social Exclusion,
Democratic Management.
* * *
1. INTRODUÇÃO
O fenômeno da urbanização descomedida, resultante do processo de
industrialização ocorrido no Brasil após os anos 30 que provocou um êxodo
rural, trouxe muitas conseqüências negativas: favelas, violência, desemprego,
precariedade do saneamento básico etc., Junte-se a isto o aumento da procura
por espaços para habitação e trabalho; mercado imobiliário desordenado,
sendo, de forma gradativa, a população de baixa renda arrastada para as
periferias das cidades.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
A exclusão social e territorial, como fator resultante da urbanização, gerou
um desequilíbrio e conseqüente degradação ambiental. Com isto, surge uma
legislação específica em busca do equilíbrio ambiental, ou seja, aqui ressaltamos
a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto das Cidade, que proporcionaram
a existência de Plano Diretor, objeto de análise do presente artigo.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A história da produção das nossas cidades envolve elementos políticos,
culturais, sociais e econômicos. Neste sentido a relação direito x cidade
tornou-se clara ao tempo do Brasil Colônia: regime de concessão de terras
por sesmarias - Coroa.
A delimitação geográfica era bastante imprecisa, existindo uma dualidade
- quanto à ocupação da terra - nas relações jurídicas do Brasil Colônia, o que
foi fundante do nosso Direito.
Lei de Terras (1850) deslegitimou a posse/ocupação como meio de
acesso legal à terra no país, passando a compra, única forma admitida de
aquisição.
Combinada mais tarde com o Código Civil de 1916, condenou grande
parte da população das cidades a uma condição de subcidadania, derivando
uma profunda desigualdade.
Até a promulgação da Constituição de 1988, o município não era
expressamente mencionada como parte integrante da Federação.
O primeiro ponto de garantia da autonomia municipal está no art. 29 do
Plano Diretor.
Aumentar a auto determinação municipal, garantir a independência
administrativa, legislativa e financeira, não sendo mais subordinado.
O processo de autonomia municipal foi ampliado com a promulgação
da Lei Federal 10.257/01 - Estatuto da Cidade; que cria ferramentas que
possibilitam uma intervenção mais abrangente do Poder Público no planejamento
e desenvolvimento Urbano.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
123
124
3. O ESTATUDO DAS CIDADES
Lei Federal de Desenvolvimento Urbano que regulamenta o capítulo da
Política Urbana da Constituição Federal (art. 182 e 183), Lei 10.257, de 10 de
julho de 2001. Coloca a gestão democrática, a sustentabilidade urbanoambiental, cooperação entre os vários setores sociais e a justa distribuição
dos benefícios e ônus decorrentes do Processo de urbanização dentre os
objetivos do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. Procura
atender o bem comum sobrepondo sobre o privado.
Baseia-se no pleno desenvolvimento das funções sociais e o Direito à
cidades sustentáveis.
Objetiva regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo,
segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
4. PLANO DIRETOR
O Plano Diretor é uma lei municipal que estabelece diretrizes para a
ocupação da cidade.
Sua principal finalidade é orientar a atuação do poder público e da
iniciativa privada na construção dos espaços urbano e rural na oferta dos
serviços públicos essenciais, visando assegurar melhores condições de vida
para a população.
Segmentos do governo, segmentos populares, segmentos empresariais
e segmentos técnicos devem participar.
O Plano Diretor é uma exigência constitucional para os municípios com
mais de 20.000 habitantes.
O Plano Diretor deve ser discutido e aprovado pela Câmara de Vereadores
e sancionado pelo prefeito.
Após a entrada em vigor do Plano Diretor, ele deve ser revisto, no
máximo, a cada dez anos, a contar da data de entrada em vigor do Estatuto
da cidade, em outubro de 2001.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
O Plano diretor também tem sua atenção voltada para a zona rural.
A propriedade urbana cumpre sua função social ao atender as exigências
fundamentais de ordenação da cidade.
Usucapião é o modo de adquirir a propriedade (ou outro direito real)
pela posse continuada, durante certo lapso de tempo, com os requisitos
estabelecidos na lei.
Requisitos:
a) posse pacífica com "animus domini";
b) lapso temporal de cinco anos;
c) o usucapiente não seja proprietário de imóvel rural ou urbano;
d) a área usucapienda não ultrapasse 25Om2;
e) que tenha o possuidor, ou sua família, no imóvel, fixado, residência;
f) só pode ser objeto de ação de usucapião imóvel situado em área urbana.
Principal inovação: usucapião especial urbano coletivo.
Inovações processuais: adoção do procedimento sumário, em abandono
do procedimento dos artigos 941-945 do Código de Processo Civil; criação de
uma causa de suspensão do processo; estabelecimento da gratuidade da
justiça com a extensão desta para o registro da sentença declaratória de
usucapião no Registro Imobiliário; validade da sentença que reconhecer o
usucapião alegado como exceção como título para registro no Registro de
Imóveis; ampliação da legitimidade da ação.
4.1. Instrumentos do Plano Diretor
Edificação, parcelamento e utilização compulsórios, é um instrumento
que obriga um proprietário a edificar em seu lote e utilizá-lo, segundo as
regras postas no plano diretor e nas leis municipais.
O Direito de preempção, contido no Estatuto da Cidade, permite que
a Prefeitura adquira áreas urbanas com preferência, que são definidas no
Plano Diretor. O proprietário interessado em vender sua propriedade deve
primeiramente oferecê-la ao Município, caso contrário, haverá sanções.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
125
126
Transferência do direito de construir - Por esse instrumento os
proprietários que tiverem seus imóveis tombados, doados à Prefeitura ou que
sirvam para equipamentos públicos, poderão transferir o potencial construtivo
previsto para zona em que se situam, para outro imóvel.
Outorga onerosa do direito de construir - Em determinadas áreas,
definidas no Plano Diretor, a possibilidade de construir mais do que o básico,
será previsto pela Prefeitura. Aqui a ampliação será concedida mediante
contrapartida do proprietário, em dinheiro, bens, obras ou serviços.
Operações Urbanas - São atividades coordenadas pela Prefeitura, que
visam implementar uma série de ações em determinada área do Município.
4.2. Presença de uma Gestão Democrática
Controle da Administração Pública, da gestão das políticas públicas, da
destinação e utilização dos recursos públicos, de medidas que priorizem
investimentos na área social para reverter o quadro da desigualdade social
deve ser efetuado com base no sistema da democracia representativa.
Com base no princípio de participação popular a Constituição estabeleceu
alguns mecanismos como a iniciativa popular, referendo, o plebiscito, consultas
e audiências públicas e conselhos de gestão e políticas públicas; que têm
importância para garantir o respeito aos valores da democracia, da justiça.
Os mecanismos de gestão democrática devem estar presentes em
todas as etapas do Plano Diretor.
Destaca-se a atuação do Ministério Público - artigo 126, caput, da
Constituição Federal.
5. Conclusão
As normas vigentes asseguram no plano ideal a tutela ao meio ambiente
natural, no plano dos fatos isto nem sempre ocorre. Falta de comando;
fiscalização; exercício do poder de polícia pelas autoridades municipais sobre
o processo de urbanização predatória e irracional que marca nossas grandes
cidades. Deficiente funcionamento do serviço público. Desordenada ocupação
dos solos.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Uma boa lei precisa de um bom processo de governança urbana para
atingir os seus propósitos e realizar o seu potencial.
A desordenada ocupação do solo, gerou a proliferação de habitações
edificadas sem critérios técnicos de estabilidade (insegurança) e em condições
subumanas (insalubridade). O surgimento de focos de degradação do meio
ambiente e da saúde, (loteamentos em área de proteção ambiental); o
adensamento populacional incompatível com o meio físico (má localização) e
desprovido de equipamentos urbanos e comunitários, gerando o crescimento
caótico das cidades; a marginalização dos seus habitantes com o incremento
das desigualdades sociais e reflexos na segurança da população local e
circunvizinha (violência e comércio de drogas). Nesse contexto, a população
sofre os efeitos da "cidade ilegal", arcando com os custos das inevitáveis
intervenções do Poder Público para sua regularização.
6. REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. MEDAUAR, Odete. Estatuto da Cidade - Lei
10.257 de 10.07.2001 - Comentários. São Paulo, RT, 2004.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991.
ASSIS, Olney Queiroz. O estoicismo e o direito: justiça, liberdade e poder. São
Paulo: Lúmen, 2002.
BECK, Ulrich. O que é Globalização? Equívocos do Globalismo Respostas a
Globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
____. O Positivismo Jurídico Lições de filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995.
BUENO, Roberto. Dilemas da globalização. São Paulo: Cultural Paulista, 2000.
CASO, Giovanni (org). Direito e Fraternidade. São Paulo, LTr / Cidade Nova, 2008.
CHARDIN, Pierre Teilhard. Hino do universo. Coleção Educadores da Humanidade.
São Paulo: Paulus, 1994.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. São Paulo:
Saraiva, 1994.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
127
128
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1977.
IHERING, Rudolf Von. A finalidade do direito. Tradução de José Antonio Faria
Correa. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979.
LAFER. Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988.
LÁZARO, Alicia Chiacharro. El Principio de Subsidiariedad em la Unión Europea.
Navarra, Espanha: Aranzadi Editorial, 2001.
LIMA FILHO, Alceu Amoroso; POZZOLI, Lafayette. (Coord.) Ética no novo milênio:
busca do sentido da vida. Coleção Instituto Jacques Maritain. São Paulo: LTr, 2005.
LUCAS, Javier de. El Concepto de Solidaridad. México: Distribuciones Fontamara
(Biblioteca de Ética, Filosofia del Derecho y Política, 1998.
MARITAIN, Jacques. Os direitos do homem. Tradução de Afranio Coutinho. Prefácio
de Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1967.
_________. O homem e o Estado. Tradução de Alceu Amoroso Lima. Rio de
Janeiro: Agir, 1952.
MONTORO, André Franco. Estudos de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 1999.
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Comentário ao Estatuto das Cidade. São Paulo:
RT, 2005.
POZZOLI, Lafayette. Justiça dos tribunais ou da cidadania? São Paulo: Cidade
Nova, 1996.
________. Maritain e o direito. São Paulo: Loyola, 2001.
________. Direito comunitário europeu: uma perspectiva para a América Latina.
São Paulo: Método, 2003.
________. Constituição, Minorias e Inclusão Social. São Paulo: Rideel, 2009.
RESTA, Eligio. O Direito Fraterno. Porto Alegre, EDUNISC, 2004.
SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa
humana. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999.
SANTOS, Francisco de Araújo. Humanismo de Maritain no Brasil de hoje: ciência,
arte e sociedade. São Paulo: Loyola, 2000.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. São Paulo: RT, 2000.
7. ANEXO
FRAGMENTO DA ATA DO SEMINÁRIO - REFLEXÕES INICIAIS - SOBRE O TRATADO
BRASIL X VATICANO / 16/12/08 - 19:00h - UNIFAI CAMPUS VILA MARIANA,
ELABORADA POR TEREZA ANGÉLICA OLIVEIRA SANTOS
Art. 14 - Destinação de espaços - Plano Diretor - Professor Lafayette Pozzoli instrumento a mais para o cidadão ter espaços para fins religiosos. Lembra o
Direito de Propriedade, que antes era apresentado pela lei de forma absoluta;
agora a constituição de 1988 acolheu o princípio da função social da propriedade;
começou-se a ter uma preocupação com a propriedade rural e urbana de forma
integrada, e isso foi objeto de muita discussão. O Estatuto das Cidades passa
a dar um respaldo à cidadania. É um instrumento que regulariza o direito de
propriedade. O Plano Diretor vem dar uma estabilidade à realização de projetos
urbanos e rurais. O Plano Diretor é muito importante para o município.
Carlos Aurélio pergunta: As instituições podem influenciar no Plano Diretor? É
uma democracia participativa?
Lafayette: a elaboração deve ser feita com a participação da comunidade.
Lúcia Helena: a gestão democrata pode ser viabilizada, a religião não vê estas
diferenças. A questão por crença é uma forma de acontecer a democracia.
Dom Simão; existe um bom relacionamento harmonioso com outras confissões
religiosas aqui no Brasil. Fazemos muitas celebrações religiosas juntos e podemos
conversar sobre o que nos une.
Francisco Borba: o artigo 14 resgata o espaço da Igreja no projeto urbano.
Garante o espaço para a confissão religiosa.
Maria Garcia diz que São Paulo talvez seja a única cidade que nasceu de uma escola.
Carlos Aurélio ressalta que espaços foram reservados em Plano Diretor, necessário,
assim, que o leigo se faça presente para uma boa ocupação desses espaços.
Jair Militão fala da questão do Ipiranga, que muito terreno foi doado à Igreja e hoje
o bairro tem um rosto cristão, da política habitacional e afirma que é necessário
ajudar na cultura e levar a população a conhecer seus direitos.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
129
130
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
131
SANTA SÉ - BRASIL
UM TRATADO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
Dr. Antônio Márcio da Cunha Guimarães1
Dra. Arianna Stagni Guimarães2
RESUMO:
Os Sujeitos de Direito Internacional relacionam-se entre si na conhecida
sociedade internacional, algo semelhante aos componentes de uma mesma
sociedade. Dessa forma, negociam seus interesses, firmando tratativas que
irão representar futuros direitos e obrigações uns com os outros e com todos
os demais, em geral. Isto se dá através do ato internacional comumente
chamado de Tratado Internacional, e que no caso, quando celebrado pela
Santa Sé, leva o nome de Concordata. Outrossim, a República Federativa do
Brasil, enquanto Estado autônomo e independente, visando seus interesses,
estão em fase de celebração de um acordo internacional com a entidade
conhecida como Santa Sé, que representa a Igreja Católica. Analisaremos no
presente estudo, algumas peculiaridades relativas ao tratado internacional em
si, e mormente, levando-se em conta o seu conteúdo, verificaremos o porquê
podemos considera-lo um tratado internacional de Direitos Humanos, que
interessa sobremaneira ao Povo Brasileiro.
Palavras-chave:
Direito Internacional, Relações Internacionais, Relações Diplomáticas entre o
Brasil e a Santa Sé, Direitos Humanos
Doutor e Mestre em Direito Internacional pela PUC/SP. Professor Assistente-Doutor da PUC/SP,
autor de livros jurídicos. E-mail: [email protected].
1
Doutora e Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professora das Faculdades Integradas
Rio Branco - Fundação de Rotarianos de SP, autora de livros jurídicos. E-mail: [email protected].
2
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
132
ABSTRACT:
The subjects of international law relate to each other in international society,
like the components of the same society. Thus, negotiate their interests,
forming dealings will represent future rights and obligations to each other and
with all others in general. This is done through international act commonly
called the International Treaty, and in that case concluded when the Holy See
takes the name of Concordata. Therefore, the Federative Republic of Brazil,
as an autonomous and independent country, to their interests, are in the
process of concluding an international agreement with the entity known as
the Holy See, representing the Catholic Church. We will analyze in this study,
some peculiarities concerning the international treaty itself, and especially
taking into account its content, we can see why it considers an international
treaty on Human Rights, which means so much to the Brazilian people.
Keywords:
International Law, International Relations, Diplomatic relations between Brazil
and the Vatican, Human Rights.
1. INTRODUÇÃO
Os entes internacionais, tais como os Países, as Organizações
Internacionais e outras Coletividades, se relacionam na chamada sociedade
internacional de forma parecida com os relacionamentos existentes entre as
pessoas dentro de uma dada sociedade. Assim é, que exercem prerrogativas,
tem direitos e obrigações uns com os outros e com todos os demais, em
geral. Para disciplinar estas relações jurídicas entre os Entes internacionais,
sejam elas amistosas ou litigiosas, temos o instrumento principal que é o
Tratado Internacional.
Em uma análise bem simplista e sem maiores detalhes, poderíamos
dizer que os tratados internacionais celebrados pelos Estados se assemelham
aos contratos celebrados pelas pessoas, instrumentos estes que explicitam
os direitos e as obrigações de cada parte ou de cada contratante. Esta é a
maneira pacífica de se resolver ou combinar as coisas entre os players do
Direito Internacional.
Nesse sentido, a República Federativa do Brasil, enquanto Estado
autônomo e independente, visando seus interesses, celebrou acordo
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
internacional com a entidade conhecida como Santa Sé, que representa a
Igreja Católica e tendo mútuos interesses a serem resolvidos, contrataram um
acordo internacional, cuja dimensão e efeitos veremos a seguir.
5. TRATADOS INTERNACIONAIS - GENERALIDADES.
Os Estados tem seus interesses, que devem perseguir e alcançar para
trazer o bem-estar e o desenvolvimento social para a comunidade que
representa, ou seja, para o seu povo. É através do processo de negociação,
que eles estarão sempre buscando atingir seus objetivos comuns, que
interessam a ambas as partes, ou estarão trocando interesses, assim como
em um contrato entre particulares, no qual através de uma negociação chegam
a um termo comum, benéfico e interessante para ambos os lados, ambas as
partes, ainda que resulte em direitos e obrigações diferentes. De igual forma,
os interesses e objetivos dos Estados podem ser semelhantes e confluírem
para um mesmo destino, ou serem até mesmo díspares e confrontantes, mas
através da negociação, poderão ceder em algo para conseguir atingir o fim
que almejam de lado a lado.
Os tratados internacionais (em sentido amplo), portanto, sob uma análise
menos complexa, servem para essa finalidade, qual seja o atingimento de
consenso ou acordo entre os Estados, ou mais amplamente, entre os sujeitos
de direito internacional que estão aptos para negocia-los e contratarem,
conseguindo destarte, obter aquilo que desejam para suas respectivas
comunidades.
A busca do convencimento através da negociação por meio de tratados
internacionais é, de fato, a forma mais civilizada de conseguir atingir os
objetivos de um ou vários grupos sociais, de maneira equilibrada, justa e
principalmente, não agressiva, pacífica, o que possibilita sempre, uma revisão,
uma re-negociação, uma nova discussão para constante aprimoramento dos
interesses, direitos e obrigações, já que com a constante evolução do homem,
e por conseguinte da sociedade em que vive, mudanças e aprimoramento
sempre serão necessários e fundamentais para adequação dos novos interesses
e valores.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
133
134
Os tratados internacionais, também conhecidos pelo Governo Brasileiro
como "atos internacionais", podem ser conceituados de diferentes maneiras,
conforme nos atenhamos a um ou outro aspecto.
Assim, em primeiro lugar, de se verificar qual a definição oficial de
Tratados dada pela Convenção de Viena do Direito dos Tratados de 1.969, em
seu artigo 2, (1) (a):
"é um acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e
regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer
de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação
específica."
Hildebrando Accioly3 apresenta seu entendimento de tratado:
"Por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta
o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais."
Segundo Belfort de Mattos4, tratados internacionais:
"são acordos firmados por Pessoas Jurídicas de Direito internacional,
que se obrigam, mediante documento escrito, a calcar o seu modo de agir
por determinadas normas internacionais".
O conceito de tratado internacional, como já tivemos oportunidade de
manifestar em Direito Internacional - Coleção OAB Doutrina5, é o acordo
formal concluído entre os sujeitos de Direito Internacional Público destinado
a produzir efeitos no âmbito internacional. É a manifestação de vontade destes
entes através de um ato jurídico formal. Em igual sentido são os ensinamentos
de REZEK6, e também os de HUSEK7.
3
HILDEBRANDO ACCIOLY. Manual de Direito Internacional Público, p.23.
4
BELFORT DE MATTOS, José Dalmo Fairbanks. Manual de Direito Internacional Público, p. 43.
GUIMARÃES, Antonio Marcio da Cunha. Direito Internacional - Coleção OAB Doutrina. Editora Campus
Elsevier, São Paulo, 2009, pág. 47.
5
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar. 10ª. edição, Editora Saraiva, São
Paulo, 2005, pág.14.
6
HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 9ª. edição, Editora LTr, São Paulo, 2009,
pág. 75.
7
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
As definições apresentadas referem-se aos tratados internacionais em
sentido amplo, visto que outros vocábulos também são empregados, como
por exemplo, convenção, acordo internacional protocolo e etc., conforme o
conteúdo, o objeto ou a finalidade. De qualquer forma, o que importa é que
as partes contratantes tenham a capacidade necessária, que o objeto do
tratado seja lícito e possível, bem como que exista um consentimento mútuo
para que o tratado seja considerado válido.
Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros8 destaca que o universo dos
tratados internacionais foi alargado substancialmente com o ingresso das
Organizações na sociedade mundial, resultando numa imensa multiplicação
de tratados elaborados por iniciativa destas Organizações Internacionais, bem
como de tratados entre Estados e Organizações Internacionais.
6. SANTA SÉ - CONDIÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL
A Santa Sé, em latim - Sancta Sedes que também pode ser entendida
como sigla de Sedes Episcopalis (Sé Apostólica), é na verdade, distinta do
Vaticano, que é considerado como sendo uma Cidade-Estado, instrumento
para a independência e autonomia da Santa Sé, que com natureza e identidade
própria representa o governo central da Igreja Católica.
Em termos de direito internacional, o sujeito habilitado a praticar os
atos internacionais e se relacionar com outros entes na sociedade internacional,
é a Santa Sé, que o faz através das chamadas Concordatas, que são
justamente os acordos diplomáticos celebrados com outros Países e Estados
Soberanos. O Vaticano (a cidade) é o território deste ente político internacional
- Santa Sé, que se manifesta internacionalmente e mantém relações
diplomáticas através das Nunciaturas Apostólicas com a quase totalidade dos
países do mundo, com algumas exceções, tais como China, Coréia do Norte.
HUSEK, em obra já citada, à pág. 66 e ss., explica com detalhes a
formação do Sujeito de Direito Internacional conhecido como Santa Sé, a saber:
8
CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. O poder de celebrar tratados, pp.190-191.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
135
136
"c.1) Em 313 o futuro Imperador Constantino concedeu o livre
exercício à religião cristã, em pé de igualdade com o paganismo Grecoromano, pelo Edito de Milão.
c.2) Em 381, Teodósio, proclamado Imperador, aceitou fazer a
penitência pública que lhe foi imposta por Santo Ambrósio, Bispo de Milão,
em virtude de ter esmagado de maneira cruel a revolta dos Tessalonicenses,
o que implica um reconhecimento oficial do papado.
c.3) Morto Teodósio, criou-se na Itália Central um vácuo de Poder,
porque a Capital Imperial, para fugir dos hunos, transferiu-se para Ravena,
e, a pedido do Senado Romano, o Papa Leão I encarregou-se de negociar
como o rei dos hunos para que este poupasse Roma, desiderato que obteve
com total êxito.
c.4) A conquista de Roma pelos Ostrogodos, mais ou menos em
476, enfraqueceu a autoridade civil que foi nomeada, sendo a autoridade
eclesiástica invocada pelos interessados, e os serviços por esta prestados,
muitas vezes, eram pagos com terras e herdades. A propriedade privada era
transformada em direito público, e a Santa Sé aparecia como autoridade no
solo italiano.
c.5) A atuação diplomática da Igreja tornava-se cada vez mais
freqüente e requisitada.
c.6) O Papa administrava os bens patrimoniais, zelava pela moral
pública, pela aplicação das leis em diversas propriedades adquiridas de
doações inter vivos e causa mortis, chamadas "Estados Pontifícios" ou
"Patrimônio de São Pedro".
c.7) Napoleão despojou Pio VII dos "Estados Pontifícios"após a
reconquista, houve a proclamação da República Romana no Vaticano,
enquanto não se resolvia a chamada "questão romana".
c.8) Em 1871, a Itália baixou a chamada "Lei das Garantias",
reconhecendo ao Papa a propriedade sobre o palácio, o museu e os jardins
do Vaticano, a inviolabilidade pessoal, o direito de honras prestadas a um
soberano, a imunidade de residência e de legaçãoativa e passiva. Embora
local, esse reconhecimento estendia-se à àrea internacional.
c.9) O reconhecimento coletivo veio em 1916, durante a I Guerra
Mundial, porque, a pedido do Papa Bento XV, as potências em guerra
concederam salvo-conduto a um navio com a bandeira pontificia que levava
prelados a Barcelona.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
c.10) Em 1929, foi firmado o Tratado de Latrão, reconhecendo no
centro de Roma um minúsculo Estado independente."
Vê-se que a criação e o reconhecimento da Santa Sé enquanto Estado,
ou Sujeito de Direito Internacional Público foi derivada de um processo histórico
lento e gradual, que resultou na importância mundial que hoje representa, não
somente para os indivíduos que professam sua fé, mas também pela mensagem
de PAZ, FRATERNIDADE e SOLIDARIEDADE que difunde a todos,
indistintamente. Sua expressão na comunidade internacional é importantíssima,
e embora não se intrometa nos assuntos internos dos demais países, como
é de praxe nas relações internacionais, busca sempre levar sua mensagem
de AMOR e UNIÃO entre os Homens.
Do ponto de vista administrativo - burocrático, tem interesses a resguardar
e compor com os diversos países, mormente em face de sua atuação
internacional, razão também de suas CONCORDATAS INTERNACIONAIS.
7. RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS ENTRE O BRASIL E A
SANTA SÉ
As relações diplomáticas entre o Governo Brasileiro e a Santa Sé,
conforme informações obtidas no sitio do Ministério das Relações Exteriores
do Brasil9, datam de outubro de 1935, com a assinatura do Acordo
Administrativo para a Troca de Correspondência Diplomática em Malas
Especiais. Além disso, temos também um outro acordo - Acordo sobre
Assistência Religiosa às Forças Armadas, de outubro de 1989. Agora em
2009, temos em tramitação no Congresso Nacional, o Acordo entre a República
Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja
Católica no Brasil.
Vemos, portanto, que há um reconhecimento formal por parte do Estado
Brasileiro, alinhado a muitos outros Países do Mundo, no sentido de reconhecer
9
Sitio http://www2.mre.gov.br/dai/bisantase.htm acessado em 08 de julho de 2009 às 18h21.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
137
138
a importância, autonomia e independência da Santa Sé como relevante
SUJEITO de Direito Internacional Público, que tem ampla e legal autoridade
para contratar e firmar tratados internacionais.
As partes contratantes mantém representações diplomáticas recíprocas,
tendo a Santa Sé, um embaixador creditado junto ao Governo Brasileiro, em
Brasília, conhecido como Núncio Apostólico, ao passo que o Estado Brasileiro
tem na sua representação na Cidade do Vaticano um embaixador cuja função,
em resumo, é representar o Governo Brasileiro junto à Sé Apostólica,
acompanhar a atuação do Papa e informar sobre o posicionamento da Santa
Sé com relação a assuntos relevantes da atualidade.
A questão do Brasil ser um país laico é irrelevante para a análise que
se faz relativa à celebração do acordo internacional em si. Podemos verificar
apenas os aspectos formais e jurídicos da contratação do referido acordo
internacional com a Santa Sé, e no tocante à isto, a contratação é válida,
plena e eficaz, devendo produzir todos os efeitos que pretende, quando de sua
final efetivação.
8. CONTEÚDO DO TI BRASIL - SANTA SÉ - UM
TRATADO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS
E quanto ao seu conteúdo ? A Concordata ora em estudo trata de
assuntos relativos às relações jurídicas entre o Governo Brasileiro e os diversos
representantes do Estado Santa Sé que atuam em nosso território. Nesse
sentido, os termos do acordo internacional visa esclarecer e definir algumas
situações jurídicas, de forma que a Igreja Católica possa no Brasil, continuar
com sua missão e responsabilidade a serviço da sociedade brasileira e do
bem integral da pessoa humana.
O Brasil, reafirmando uma vez mais, o direito de liberdade religiosa de
nossa Nação, reconhece o direito da Igreja Católica em desempenhar sua
missão apostólica em nosso território, de maneira pública e de acordo com
o ordenamento jurídico brasileiro. (art. 2º e art.7º)
O Brasil reconhece e respeita a autonomia da estrutura administrativa
da Igreja, subdividida em diversas Instituições Eclesiásticas, bem como sua
personalidade jurídica. (art. 3º.)
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
A Santa Sé, por sua vez, se compromete a não possuir nenhuma
Instituição Eclesiástica no Brasil subordinada à outra no exterior. (art. 4º.)
No art. 6º temos a importância do acervo histórico, artístico e cultural
da Igreja no Brasil, que deverá ser preservado e também disponibilizado para
uso em benefício da população.
Através do teor do art. 8º temos uma das missões principais da Igreja
que é a de prover assistência religiosa e espiritual aos mais necessitados, em
diversas situações e ocasiões, tais como, aqueles internados em instituições
de saúde, de assistência social, de educação, prisionais e similares.
Outra missão importantíssima da Igreja em benefício da população
brasileira é a educação, a qual se compromete, segundo o art. 10, atendendo
ao princípio de colaboração com o Estado Brasileiro, e segundo suas normas.
Nesse sentido, continuará a colocar a serviço da sociedade, todas as suas
instituições de ensino, em todos os níveis.
Há ainda, na Concordata ora sub examine, respeito por parte do
Estado Brasileiro, dos diversos sacramentos religiosos, tais como casamento,
ofício sacerdotal confissão sacramental, conforme se verifica nos artigos 12 e 13.
As questões relativas à imunidade e/ou isenções de tributos em face
das pessoas jurídicas da Igreja Católica, no exercício de suas atividades
assistenciais, sociais e educacionais sem fins lucrativos, questões trabalhistas,
ou mesmo de sacerdotes estrangeiros admitidos a prestarem serviços no
Brasil, não se constituem, de maneira alguma, em privilégios diferenciados ou
favorecimento, porquanto os artigos relativos à tais assuntos - 15, 16 e 17,
remetem, sem exceção ao cumprimento da leis brasileiras vigentes. Em
outras palavras, todas estas matérias já estão devidamente reguladas em lei
própria e serão observadas pela Igreja, em igualdade de condições a outros
entes assemelhados, sem qualquer distinção, para melhor ou para pior.
9. CONCLUSÕES
A exemplo do supra citado Acordo entre a República Federativa do
Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil,
vemos que uma vez mais, a Igreja Católica vem auxiliar o Estado Brasileiro
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
139
140
no sentido de atender à sua população quanto as necessidades religiosas e
espirituais da nossa Nação. Não se trata de imposição, mas pelo contrário,
de atendimento a todos, sem qualquer discriminação, e em razão das
necessidades e exigências do próprio povo brasileiro.
Apenas como referência, importante notar que existe toda uma estrutura
eclesiástica da Igreja, em consonância e de acordo com os ditames das
Forças Armadas Brasileiras, no sentido de promover de maneira estável e
conveniente, assistência religiosa aos fiéis católicos, membros das Forças
Armadas. De se ressaltar ainda, que nosso Capitão Capelão Frei ORLANDO
deu sua vida nos campos da Itália, quando faleceu em pleno campo de batalha
da 2ª. Guerra Mundial, presente que estava ao lado da Tropa Brasileira- FEB.
Verifica-se, agora analisando o conteúdo da Concordata, que os objetivos
que perseguem tanto a Igreja Católica, através da Santa Sé, quanto da República
Federativa do Brasil através do Governo Federal, são os de proteção e promoção
dos DIREITOS HUMANOS.
É inegável, sem qualquer dúvida, que o trabalho da Igreja Católica,
através de sua estrutura eclesiástica e seus representantes, sacerdotes, bispos
e demais colaboradores, é de vital importância para a defesa dos Direitos
Humanos em nossa sociedade. Ao passo que cuida das questões espirituais
de seus fiéis, nossos cidadãos brasileiros, incute nestes um sentimento de
fraternidade, igualdade entre os semelhantes, amor e respeito para com o
próximo, valores morais da doutrina cristã, que são também estimuladores de
uma convivência Justa, Pacífica e Cordial entre os indivíduos.
A proteção e difusão de valores morais, sociais e individuais agregam
uma força consistente às nossas estruturas sociais, que somente vem em
benefício do grupo social como um todo. Não se trata, absolutamente, de
fanatismo ou exageros, mas de conceitos fundamentais presentes não somente
na religião católica, mas que de uma forma geral verifica-se igualmente em
outras profissões de fé, como também na filosofia e pensamento humanista.
A espiritualidade é importantíssima para o auto-conhecimento que o
indivíduo busca eternamente, querendo saber de onde veio, para onde vai, e
o que está fazendo ou deveria fazer enquanto sua passagem por este mundo
terreno.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Não podemos esquecer também, que o trabalho da Igreja Católica no
Brasil, e no Mundo, não está afeito apenas às questões espirituais do ser
humano, mas atende também, indistintamente, todos aqueles da camada
mais pobre de nosso estrato social em suas necessidades materiais. O
trabalho da Igreja é de atender também tais necessidades, ajudando os mais
carentes, seja em questões de educação, alimentação, moradia, vestimenta/
agasalhos, proteção contra as intempéries, e toda sorte de dificuldades que
os mais necessitados não estão aptos a enfrentar sozinhos pelas vicissitudes
da vida. Nestes momentos difíceis, a Igreja também se faz presente, provendo
auxílio material àqueles que dela se socorrem.
Por tudo isso, o Brasil, ao permitir, apoiar e possibilitar a ação da Igreja
em seu território, em benefício de sua população, e a Igreja Católica ao se
comprometer em prestar referido serviço espiritual, além das suas outras
atividades sociais e educacionais, sem contar os aspectos relativos ao
patrimônio histórico, artístico e cultural que fazem parte de nossa história
comum (Brasil e Igreja), estão AMBOS, imbuídos e comprometidos com
ideais maiores - quais sejam os Direitos do Homem e o BEM COMUM.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BELFORT DE MATTOS, José Dalmo Fairbanks. Manual de Direito Internacional
Público, p. 43;
2. CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. O poder de celebrar tratados, pp.190-191;
3. GUIMARÃES, Antonio Marcio da Cunha. Direito Internacional - Coleção OAB
Doutrina. Editora Campus Elsevier, São Paulo, 2009, pág. 47;
4. HILDEBRANDO ACCIOLY. Manual de Direito Internacional Público, p.23;
5. HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 9ª. edição,
Editora LTr, São Paulo, 2009, pág. 75;
6. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar. 10ª. edição,
Editora Saraiva, São Paulo, 2005, pág.14;
7. Sítio http://www2.mre.gov.br/dai/bisantase.htm acessado em 08 de julho de
2009 às 18h21.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
141
142
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO DE ARTIGOS
1. Artigos
Reserva-se à Revista Lumen a prioridade na publicação do artigo
entregue. Nenhuma modificação de estrutura, conteúdo ou estilo será feita
sem o consentimento do autor. Quando da não aceitação para publicação do
artigo, os pareceres apresentados serão disponibilizados ao autor. Não serão
devolvidos os originais e mídia do artigo não publicado.
2. Formato
Os artigos devem ser apresentados de acordo com a ortografia oficial.
Os artigos devem conter entre 10 e 20 laudas em fonte arial, tamanho 12 e
as resenhas em torno de 8 laudas. Devem acompanhar os artigos: resumo,
palavras-chave, abstract e keywords de aproximadamente 10 linhas. As notas
de rodapé devem ser de natureza substantiva, restringindo-se a comentários
adicionais ao texto. Os trabalhos devem ser apresentados de acordo com as
normas da ABNT.
3. Dados do autor
Devem ser informados em nota de rodapé, contendo, no mínimo, a
titulação, instituição em que obteve o título, instituição de trabalho, cargo
atual e endereço eletrônico para contato.
4. Entrega de artigos
A Revista Lumen estará recebendo artigos pessoalmente, pelos Correios
ou por e-mail, acompanhado do respectivo arquivo eletrônico, no endereço
abaixo.
Revista Lumen – UNIFAI
Av. Nazaré, 993 – Ipiranga
04263-100 – São Paulo – SP
Tel.: (11) 2066.8555 Ramal 8541
e-mail: [email protected]
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
143
144
5. Direitos Autorais
Todos os direitos autorais são reservados. Qualquer reprodução, ainda
que parte da publicação, deverá constar o crédito de referência, de acordo
com as leis de direitos autorais vigentes do Brasil.
O autor do artigo publicado receberá cinco exemplares, a título de
direitos autorais, do número da Revista em que foi publicado seu trabalho.
O conteúdo dos trabalhos é de exclusiva responsabilidade dos autores.
A aceitação do trabalho para publicação implica na transferência de
direitos autorais do autor para a Revista Lumen, sendo assegurado ao UNIFAI
o direito a mais ampla divulgação da informação.
Lumen
Volume 15 - Número 36 - Junho de 2009
Download