Os Efeitos da Depressão na Percepção Visual de Contraste em

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Os Efeitos da Depressão na
Percepção Visual de Contraste em
Humanos: Achados Preliminares
Alessandra Magalhães Cavalcanti*
Natanael Antonio dos Santos#
Resumo
Este estudo teve por objetivo caracterizar alterações na percepção visual da forma em portadores de depressão maior,
utilizando a função de sensibilidade ao contraste (FSC). Participaram dos experimentos seis voluntários, entre 20 e 26 anos,
três sem depressão e três com depressão maior, todos livres de doenças oculares identificáveis. A FSC foi estimada com as
freqüências radiais de 0,2; 1 e 4 cpg e o método psicofísico da escolha forçada. Os resultados mostraram que a sensibilidade
máxima para freqüências radiais ocorreu em 0,2 cpg para ambos os grupos. Entretanto, os participantes com transtorno depressivo
precisaram de aproximadamente 1,7 vezes mais contraste, para detectar as freqüências radiais de 0,2 e 1 cpg e da ordem de 3,4
vezes mais contraste, para detectar a freqüência radial de 4 cpg, quando comparados aos participantes sem transtorno. Os
resultados demonstraram alterações na sensibilidade ao contraste relacionadas à depressão maior.
Palavras-chave: percepção visual da forma; sensibilidade ao contraste; depressão; freqüência radial.
Abstract
The objective of this study was the characterization of alterations in visual perceptions of form in patients with major
depression disorder, using the contrast sensitivity function (CSF). Six volunteers between the ages of 20-26 years participated
in the experiments, three without depression and three with major depression, all of them without visual illness. The CSF was
estimated with a radial frequency of 0.2, 1 and 4 cpd and forced-choice psychophysical method. The results showed maximum
contrast sensibility to radial frequency occurring in 0.25 cpd for both groups. Therefore, participants with depression disorder
needed around 1.7 more contrast to detect the radial frequency of 0.2 and 1 cpd and around 3.4 more contrast to detect the
radial frequency of 4 cpd, when compared with participants without the disorder. The results showed alterations in the sensibility
to contrast associated with major depression.
Keywords: form visual perception; contrast sensitivity; depression; radial frequency.
*
Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba.
Doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo.
Apoio Financeiro: CNPq
#
DOI: 10.5935/1808-5687.20050003
22
Alessandra Magalhães Cavalcanti e Natanael Antonio dos Santos
Introdução
O mundo começa a tomar forma e fazer sentido ao
homem a partir do processamento sensorial. A percepção
é responsável pelo processamento analítico realizado pelos
sistemas sensoriais que, em associação com a memória,
experiências pessoais e a cognição, impõe um significado
às sensações produzidas pelos órgãos perceptivos (Lent,
2004). O grande desafio é relacionar este processo sensorial
aos transtornos neuropsiquiátricos, procurando entender a
percepção visual humana em um contexto multi-fatorial.
Portanto, é necessário investigar os aspectos sensoriais da
percepção em alguns transtornos mentais, para entender
os processos cognitivos e as alterações comportamentais
presentes neste tipo de patologia.
Neste contexto, a função de sensibilidade ao
contraste (FSC) surge como uma lupa, pois a mesma é
um bom indicador dos aspectos ópticos e neurais da
visão (Akustsu & Legge, 1995; Artal, Ferro, Miranda
& Navaro, 1993; Elliott & Situ, 1998; Kiper,
Gegenfurtner & Kiorpes, 1995; Kiper & Kiorpes, 1994;
Polat, Sagi & Norcia, 1997; Ross, Bron, & Clarke, 1984;
Suter et al, 1994; Vleugels, Van Nunen, Lafosse,
Ketelaer & Vandenbussche, 1998). A FSC tem sido utilizada na avaliação do desenvolvimento da percepção
visual (Santos & Simas, 2003; Van Sluyters, Atkinson,
Held, Peter Hoffman & Serats,1990) e na avaliação de
alterações neuropatológicas (Regan & Murray, 1997;
Elliott & Situ, 1998; Kiper et al, 1995; Polat et al, 1997;
Vleugels et al,1998). Inclusive, ultimamente, alterações
na FSC têm sido fortemente relacionadas aos sintomas
positivos e negativos do transtorno esquizofrênico
(Slaghuis, 1998). Isto porque, a forma da FSC muda
em função das condições visualizadas e de alterações
no sistema nervoso central.
Uma outra característica marcante da FSC advém
do fato de que a habilidade do homem em perceber os
detalhes dos objetos é determinada pela capacidade do
sistema visual em distinguir contrastes ou brilhos em
áreas adjacentes. Neste sentido, ela é uma ferramenta
importante porque mensura o desempenho do sistema
visual humano (SVH) em níveis diferentes de contraste.
A sensibilidade ao contraste é definida na
literatura como a recíproca da quantidade mínima de
contraste necessária para detectar um padrão qualquer
(p.ex., uma grade) de uma freqüência espacial específica
(Cornsweet, 1970). A FSC é o inverso da curva de limiar
de contraste (1/FSC).
Um outro aspecto notável é que o procedimento
para mensurar a FSC é relativamente simples. Isto é,
precisa apenas que o participante ajuste o contraste com
um procedimento comportamental ou psicofísico, até o
SVH possa detectar um padrão (ou objeto) de freqüência
espacial de um outro, com um campo homogêneo de
luminância média. Luminância média é a luminância
máxima somada a luminância mínima dividida por dois.
Freqüência espacial é o número de ciclos (listras claras
e escuras) por unidade de espaço que, em percepção
visual da forma, foi convencionalmente denominado
de ciclo por grau de ângulo visual (cpg). Enquanto o
contraste é definido pela relação entre a luminância
máxima (listra clara) e mínima (listra escura), dividida
pela soma das mesmas.
Transtorno Depressivo
A depressão é um distúrbio recorrente e crônico
que representa um problema importante de saúde pública em todo o mundo, com elevada prevalência e
com consideráveis morbidade e mortalidade
(Versiani, 2004). Embora existam várias teorias tentando explicar este transtorno (Cordás et al., 1997),
sabe-se que não existem marcadores biológicos precisos para um diagnóstico explicativo. A sua etiologia
é multifatorial e envolve fatores causais que podem
ser subdivididos em biológicos, genéticos,
comportamentais, cognitivos e psicossociais
(Rodrigues, 2000; Calil & Guerra, 2004; Carlson,
2003). Alguns pesquisadores buscam evidências para
o desenvolvimento do transtorno depressivo
respaldados na hipótese do desequilíbrio bioquímico
neuronal ocorrido no sistema nervoso central, SNC
(Rodrigues, 2000; Calil & Guerra, 2004). Esta idéia,
conhecida como teoria monaoaminérgica, emerge
com o nascimento da psicofarmacologia e dos estudos
de possíveis mecanismos de ação dos medicamentos
antidepressivos (Rodrigues, 2000).
Técnicas mais modernas (p.ex., PET scan e
ressonância magnética funcional) procuram abranger
outros atributos, por exemplo, os aspectos mentais
(psicologia cognitiva) e seus substratos neuroanatômicos e neurofuncionais (Rosenthal, Laks &
Engelhardt, 2004; Carlson, 2002). Por exemplo, Calil e
Guerra (2004) apontaram anormalidades no córtex préfrontal, núcleos de base, hipocampo, tálamo e lobo tem-
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Os Efeitos da Depressão na Percepção Visual de Contraste em Humanos: Achados Preliminares
poral em portadores de depressão. Carlson (2002) discutiu a hipótese de redução de tecido no córtex préfrontal de pacientes jovens com depressão unipolar, o
que pode sugerir a presença de anormalidade durante o
seu desenvolvimento ou um processo degenerativo
precoce. Estudos anteriores já encontravam redução no
cérebro de pacientes que morreram com depressão
(Ongur, Drevets & Price, 1998; Drevets et al., 1997).
Por sua vez, existem indícios de que a genética é
importante no desenvolvimento do transtorno de humor,
pois parentes próximos de pessoas que sofriam de distúrbios afetivos apresentavam uma probabilidade dez
vezes maior de desenvolver esta patologia do que
pessoas sem parentes afetados (Rosenthal, 1971).
Inclusive, estudos com gêmeos monozigóticos
mostraram que a probabilidade de um gêmeo ser afetado
era de 69%, caso o outro estivesse doente. Este
percentual caiu para 13% em gêmeos dizigóticos
(Gershon et al.,1976). A hereditariedade neste transtorno implica na presença de uma base fisiológica na sua
gênese.
Critérios Diagnósticos
Apesar da gravidade, a depressão ainda é pouco
ou mal diagnosticada. Os critérios diagnósticos adotados
atualmente são propostos por dois sistemas de
classificação: O CID–10 (Classificação Internacional
de Doenças), que é um manual de Classificação de
Transtornos Mentais e de Comportamento,
desenvolvido pela OMS (Organização Mundial de
Saúde) e o DSM IV-TR (Manual Estatístico e
Diagnóstico de Transtornos Mentais) produzido pela
Associação Psiquiátrica Americana. Ambos
preocupados em proporcionar abrangência e
especificidade nas classificações. Segundo o DSM-IVTR, manual escolhido como referência neste estudo, o
critério diagnóstico para Depressão Maior envolve a
presença de cinco ou mais dos seguintes sintomas, durante o período de duas semanas: 1) humor deprimido
na maior parte do dia, quase todos os dias; 2) interesse
ou prazer acentuadamente diminuído por todas ou quase
todas as atividades na maior parte do dia; 3) perda ou
ganho significativo de peso, quando não está realizando
dieta, ou aumento no apetite; 4) insônia ou hipersonia;
5) agitação ou retardo psicomotor; 6) fadiga ou perda
de energia; 7) sensação de inutilidade ou culpa excessiva
ou inapropriada quase todos os dias; 8) capacidade
diminuída para pensar ou concentrar-se, dificuldade na
resolução de problemas 9) pensamentos recorrentes
sobre morte (não apenas medo de morrer), ideação
suicida recorrente (sem um plano específico) ou
tentativa de suicídio.
A divisão na classificação diagnóstica dos transtornos do humor no DSM-IV-TR engloba: transtorno
depressivo maior, distimia, transtorno depressivo sem
outra especificação, transtorno bipolar I, transtorno
bipolar II, transtorno ciclotímico, transtorno bipolar sem
outra especificação, transtorno do humor devido a uma
condição médica geral, transtorno do humor induzido
por substância, transtorno do humor sem outra
especificação.
A sintomatologia geral do transtorno inclui, de
acordo com Kaplan e Sadock (1995), alterações nos
níveis somáticos (sono, apetite, atividade sexual,
vulnerabilidade a doenças e dificuldade de recuperação),
cognitivos (dificuldade na aquisição de conhecimentos,
devido a déficits de atenção, concentração e memória)
e do humor (tristeza recorrente, desesperança). Observase também, em alguns casos de depressão, a redução da
sensibilidade aos estímulos sensoriais, tornando a
percepção lenta, monótona, abstrata e descolorida
(Paim, 1991).
O presente estudo
Partindo da premissa de que a depressão pode
alterar o funcionamento do SNC e atuar em uma série
de disfunções sensoriais, cognitivas e emocionais,
objetivamos mensurar a curva de limiar de contraste
(1/FSC) para freqüências radiais, em participantes com
transtorno depressivo maior, utilizando o método
psicofísico da escolha forçada.
Pesquisas, envolvendo percepção visual e depressão, são dispersas e raras. Dentre as poucas, encontrase um trabalho utilizando a técnica de mascaramento
para investigar o processamento da informação visual
de 51 participantes esquizofrênicos, 49 com depressão
maior e 47 normais (Bjorn et al., 2004). Os autores
encontraram alteração no processamento visual, apenas,
nos participantes esquizofrênicos.
É possível que estudos, relacionando depressão
e FSC, possam contribuir para a caracterização de
mecanismos neurofisiológicos básicos envolvidos
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Alessandra Magalhães Cavalcanti e Natanael Antonio dos Santos
nesta patologia. Podendo revelar, inclusive, novos
aspectos teóricos, comportamentais e funcionais da
depressão em geral e apontar meios ou alternativas
para o diagnóstico.
Estudar a depressão, com novos enfoques, pode
ser de extrema importância, considerando que dados
da OMS (2002) destacam que 450 milhões de pessoas
sofrem de algum tipo de transtorno mental,
neurobiológico ou problemas psicossociais (p.ex., abuso
de álcool ou drogas). E, dentre as patologias
neuropsiquiátricas, a depressão é considerada, na
atualidade, uma das mais prevalentes a nível mundial
(Baptista, 2004).
monitor de vídeo. A luminância foi ajustada por um
fotômetro do tipo SPOT METER com precisão de um
grau ASAHI PENTAX.
Figura 1. Exemplos de estímulos de freqüência radiais da
esquerda para a direita 1 e 4 cpg. Estímulos originalmente
calibrados para serem vistos a 150 cm de distância antes de
fotografados.
Método
Participantes
Procedimento
Participaram do experimento seis voluntários
com idade entre 20 e 26 anos, três sem depressão (Grupo
Controle, GC) e três com depressão maior (Grupo
Experimental, GE). Todos apresentavam acuidade visual normal ou corrigida, tinham consultado os seus
oftalmologistas há menos de 12 meses e estavam livres
de doenças oculares identificáveis. Os participantes do
GE foram categorizados como portadores de depressão
maior, de acordo com critérios diagnósticos do DSM
IV-TR (Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais), por psiquiatra da cidade de João Pessoa
– PB. A participação na pesquisa ocorreu mediante a
assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido,
conforme a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde, que trata das diretrizes e normas de pesquisas envolvendo seres humanos.
As estimativas foram realizadas com método
psicofísico da escolha forçada (Santos & Simas, 2002;
Santos, Simas & Nogueira, 2003, 2004; Simas & Santos,
2002a, 2002b). Este método se baseia no cálculo da
probabilidade de acertos consecutivos por parte do
voluntário, ou seja, em cerca de 100 apresentações de
escolhas entre os dois estímulos, o estímulo de teste
(freqüência radial) é percebido 79% das vezes pelo
voluntário. O procedimento para medir o limiar de
contraste em cada freqüência consistiu na apresentação
sucessiva simples do par de estímulos, e o voluntário
teria que escolher, dentre eles, qual continha a freqüência
radial. O estímulo neutro foi sempre um padrão
homogêneo com luminância média de 0,5 cd/m2. O
critério adotado para variar o contraste da freqüência
radial (estímulo de teste) foi o de três acertos
consecutivos para decrescer uma unidade e um erro para
acrescer da mesma unidade (0,08%).
Durante cada sessão experimental foi
apresentada uma seqüência de estímulos, iniciada com
um sinal sonoro, seguido, imediatamente, pela
apresentação do primeiro estímulo por 2 s, seguido de
um intervalo entre estímulo de 1 s, seguido pela
apresentação do segundo estímulo por 2 s e da resposta
do voluntário. A ordem de apresentação foi aleatória.
Se a resposta do voluntário fosse correta, era seguida
por outro sinal sonoro e um intervalo de 3 s para a
seqüência se repetir. Os sinais sonoros que indicavam
o início da apresentação do par de estímulos e a escolha
Equipamentose Estímulos
Os estímulos visuais de freqüências radiais de
0,2; 1 e 4 cpg (Figura 1) utilizados para mensurar
sensibilidade ao contraste foram apresentados em um
monitor de vídeo CLINTON MEDICAL DS2100HBEa, monocromático, digital, de alta resolução e de 21
polegadas compatível com sistemas PC e MAC. O
monitor foi controlado por um microcomputador. Um
programa escrito em linguagem C++ foi desenvolvido
pelo próprio laboratório para rodar os experimentos.
Uma cadeira giratória foi fixada a 150 cm da tela do
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Os Efeitos da Depressão na Percepção Visual de Contraste em Humanos: Achados Preliminares
Resultados
Os valores de contrastes máximos e mínimos
obtidos para cada ponto, foram agrupados em
planilhas, por freqüência radial e por grupo (GC e GE),
e a grande média foi utilizada como estimativa do
limiar de contraste em função da freqüência radial. A
sensibilidade ao contraste (FSCr) é o inverso do limiar
de contraste (1/FSCr). Ou seja, quanto menor o limiar
de contraste, maior a sensibilidade do SVH e viceversa. Assim, os menores valores de limiares
correspondem aos maiores valores de sensibilidade ao
contraste.
A Figura 2 mostra a curva de limiar de contraste
(média geral de cada grupo, 1/FSCr) em função das
freqüências radiais em ciclo por grau de ângulo visual
(cpg). As barras verticais indicam os erros padrões das
médias, com intervalos de 99% confiança, corrigido para
o tamanho da amostra (total de máximos e mínimos)
pelo teste estatístico t-Student. A sensibilidade máxima
ocorreu na freqüência radial de 0,2 cpg para ambos os
grupos (Figura 2). Entretanto, os participantes do GE
precisaram da ordem de 1,7 vezes mais contraste, para
detectar as freqüências radiais de 0,2 e 1 cpg e da ordem
de 3,4 vezes mais contraste, para detectar a freqüência
radial de 4 cpg quando comparado ao GC.
Figura 2. Curvas de limiares de contraste de participantes
sem depressão (GC) e com depressão (GE) para freqüências
radiais. As linhas verticais mostram o erro padrão da média
para cada freqüência.
1/FSCr (GC)
Limiar de contraste
correta eram diferentes. A sessão experimental variava
em duração, dependendo dos erros e acertos do
participante, até proporcionar um total de 10 reversões
(cinco máximos e cinco mínimos), conforme requerido
para o final automático da mesma.
Cada uma das freqüências radiais, utilizadas para
mensurar a FSCr , foi estimada pelo menos duas vezes
(duas sessões experimentais), em dias diferentes, por
cada um dos participantes. No total, seis curvas foram
medidas para cada grupo de participantes, gerando uma
amostra de aproximadamente 60 valores de contraste
máximos e mínimos para cada uma das freqüências
radiais. Todas as estimativas foram medidas à distância
de 150 cm, com visão binocular.
Os participantes foram orientados a pressionar o
botão número 1 (um), do lado esquerdo do mouse,
quando o estímulo de teste (freqüência radial) fosse
apresentado primeiro e o botão número 2 (dois), do lado
direito, quando fosse apresentado em segundo lugar,
isto é, após o estímulo neutro.
1/FSCr (GE)
0,16
0,14
0,12
0,1
0,08
0,06
0,04
0,02
0
0,25
1
4
Frequências radiais (cpg)
A análise de variância simples (One-Wey
ANOVA) revelou diferenças significantes entre GC e
GE [F(7; 359)=18,5; p<0,0001]. As análises com o teste
post-hoc Tukey HSD utilizando nível de significância
p=0,05 mostraram valores de limiares de contraste
maiores (ou menor sensibilidade) para o GE do que para
o GC nas freqüências radiais de 1 cpg (p<0,03) e 4 cpg
(p<0,001).
Estes achados indicam um prejuízo na percepção
visual dos participantes depressivos, quando comparados a participantes sem transtorno.
Discussão
Observações clínicas e laboratoriais têm fornecido indícios de que alterações neuropsiquiátricas
afetam o sistema nervoso e a percepção visual da forma
ou de contraste (O‘Donnell et al, 2002; Slaguis, 1998).
Dentro deste contexto, visou-se investigar possíveis
alterações na percepção visual de contraste em
portadores de depressão maior. Os resultados, utilizando freqüências radiais de 0,2; 1 e 4 cpg, apontaram
prejuízo em todas as freqüências radiais estudadas. Os
participantes com depressão precisaram da ordem de
1,7 a 3,4 vezes mais contraste (dependendo da
freqüência), para detectar as freqüências radiais,
comparados aos participantes sem transtorno
depressivo. Entretanto, o prejuízo provocado pela depressão foi menor na freqüência radial mais baixa (p.ex.,
0,2 cpg) e maior na freqüência radial mais alta (p.ex., 4
cpg). Os resultados sugerem que a patologia depressiva
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Alessandra Magalhães Cavalcanti e Natanael Antonio dos Santos
pode alterar os mecanismos envolvidos na percepção
visual da forma ou no processamento visual de contraste,
de maneira diferente.
Convém ressaltar, que é cedo para afirmar que o
prejuízo encontrado na percepção visual de contraste seja
fruto, apenas, de alterações produzidas pela depressão
no SNC. Outros fatores, como por exemplo, o uso dos
antidepressivos, podem interferir no processamento visual
da forma, visto que estas substâncias atuam modulando
o funcionamento do SNC. Inclusive, nos estudos que
tentam relacionar transtornos psicóticos e alterações na
percepção visual, há indícios de que o tipo de
medicamento antipsicótico (típicos ou atípicos) utilizado altera de forma distinta a percepção de contraste (Chen
et al, 2003). Assim, a relação entre antidepressivos e FSC
é uma hipótese que precisa ser testada.
Um melhor entendimento de alguns atributos da
percepção visual em portadores de transtornos
depressivos pode facilitar, tanto o diagnóstico, como a
prevenção desta patologia. Estudos desta natureza podem ainda orientar ações em saúde mental, visando uma
melhor qualidade de vida destes pacientes e de seus
familiares.
Finalmente, convém ressaltar que os nossos
achados, relacionando FSC e depressão, são iniciais e
inéditos. Novas pesquisas precisam ser realizadas com
o objetivo de confirmar ou não estes resultados e
investigar os efeitos de outras variáveis que possam alterar a percepção visual de contraste. É dentro desta
perspectiva que o nosso laboratório pretende aprofundar
os estudos sobre depressão e percepção visual.
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Recebido em: 09/04/2005
Aceito em: 17/06/2005
Endereço do autor principal: Alessandra Magalhães Cavalcanti, Rua Garibaldi Texeira de Carvalho, 180/802 Bessa
CEP 58036-160, João Pessoa - PB. E-mail: [email protected].
REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIAS COGNITIVAS, 2005
Volume 1
Número 1 21-27
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