ANDRÉ VALVERDE COSTA ORIGEM, EMPREGO E MAU USO DO GERÚNDIO FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUÍS NÚCLEO DE APOIO DE MOEMA JABOTICABAL – SP 2008 1 ANDRÉ VALVERDE COSTA ORIGEM, EMPREGO E MAU USO DO GERÚNDIO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Educação São Luís Núcleo de Apoio de Moema, como exigência parcial para a conclusão do Curso de PósGraduação Lato Sensu em Língua Portuguesa, Compreensão e Produção de Textos. Orientadora: Profª Janaína Lopes FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÃO LUÍS NÚCLEO DE APOIO DE MOEMA JABOTICABAL – SP 2008 2 Dedicamos À Célia Morgana, esposa companheira, À Lorena, combustível da minha vida, Aos meus pais Alcides e Julia, sem eles nada disso seria possível. 3 AGRADECIMENTOS À Deus, pelo sentido da vida. À Faculdade de Educação São Luis, pelo aprendizado. Aos professores e tutores, pela atenção, paciência, dedicação e disponibilidade nas orientações e dúvidas. Aos colegas de pós-graduação, Jimmy Ferreira de Andrade Junior, José Paulo Cury, José Toshio Ozawa, e Liliana Prado Pontes, pelos obstáculos superados. 4 RESUMO Neste trabalho abordamos o mais recente vicio de linguagem – gerundismo – o qual tem trazido transtornos à língua portuguesa do Brasil. O gerundismo, que é o emprego abusivo do gerúndio, tem sido utilizado sem critério por pessoas de quase todos os níveis sócio-culturais, principalmente pelos operadores de telemarketing. Considerado estrangeirismo, esse fenômeno lingüístico advém de traduções literais de frases em inglês, nas quais o gerúndio é utilizado. Os “perfect tenses” gerundiais e o futuro cuja formação possui “going to”, por exemplo, são adequados para a língua inglesa, todavia se forem traduzidas literalmente para o português gerarão a ocorrência do gerundismo. Assim sendo, apresentamos sugestões para evitar e solucionar esse problema, tais como: maior preocupação com o ensino de prática e técnica de tradução nos cursos de inglês, que dão maior importância à conversação; ênfase no ensino das formas nominais e suas funções morfossintáticas e seu emprego em textos, desde o início do aprendizado de verbos; orientação aos atendentes de telemarketing sobre o emprego adequado dos modos, tempos e formais verbais no atendimento aos clientes. A composição deste trabalho foi baseada em leitura e pesquisa de obras de conceituados lingüistas e professores de português e inglês, bem como em consultas a sites especializados na Internet. Mais do que enfatizar o gerundismo, apontamos o emprego correto e próprio do gerúndio, evitando, assim, que a utilização deste, que é correto, confunda-se com aquele, uma construção viciosa. 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................6 1. CONCEITO E EMPREGO DO GERÚNDIO E SUAS FUNÇÕES............................7 2. CONCEITO LINGÜÍSTICO DO GERÚNDIO, PRINCIPAIS VÍCIOS DE LINGUAGEM LIGADOS A ELE, CAUSAS DO GERUNDISMO E EQUÍVOCOS ENTRE GERÚNDIO E GERUNDISMO......................................................................16 3. UTILIZAÇÃO DO GERÚNDIO EM INGLÊS, CONSEQÜÊNCIAS DE SUA TRADUÇÃO LITERAL E SUGESTÕES PARA SOLUCIONAR OS PROBLEMAS MAIS COMUNS..........................................................................................................25 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................34 REFERÊNCIAS..........................................................................................................35 6 INTRODUÇÃO A língua é um instrumento de comunicação vivo e dinâmico que se apresenta sempre em constante evolução. Assim sendo, sofre influências de toda espécie: social, regional, política, virtual, da mídia em geral e, principalmente, interferências de outros idiomas. Com o advento da globalização, dificilmente existirá, daqui para frente, um idioma puro, original, sem estrangeirismos. A composição deste trabalho estará concentrada na língua portuguesa, objeto de estudo do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Educação São Luís de Jaboticabal. Mostrará tanto uma das formas nominais do verbo – gerúndio-, quanto a influência negativa que o mais recente vício de linguagem vem trazendo ao português – o mau uso do gerúndio, ou gerundismo, principalmente nos meios de comunicação. Trata-se, na verdade, de um estrangeirismo – mais um – a interferir no idioma oficial do Brasil, o que será melhor detalhado no decorrer do desenvolvimento deste trabalho. 7 1. CONCEITO E EMPREGO DO GERÚNDIO E SUAS FUNÇÕES Antes de iniciar a exposição do tema proposto, mister se faz uma breve conceituação sobre verbo, seus modos, tempos e formas. Isso pode melhorar a compreensão do gerúndio e, principalmente, do gerúndismo. Primeiramente, um conceito simples do que significa verbo. Verbo é uma palavra ou uma locução, que indica ação, estado, mudança de estado, fenômenos meteorológicos e naturais. Exemplos: Estudei três horas seguidas. └ação Zeca é persistente. └estado permanente Devido à forte chuva, aquela rua transformou-se num mar de lama. └mudança de estado Realmente, choveu demais ontem. └fenômeno meteorológico Anoitecerá mais tarde durante o horário de verão. └fenômeno natural 8 A locução verbal ocorre quando dois ou mais verbos se juntam com valor de um só. Exemplo: Essa matéria o professor já havia explicado. └locução verbal A oração acima equivale a: Essa matéria o professor já explicara. O verbo passa por um conjunto de flexões, cujo nome é conjugação. As quatro flexões do verbo são: - Flexão de número: indica quantos seres fazem parte do processo verbal. Esses números são o singular (eu, tu, ele) e plural (nós, vós, eles). - Flexão de pessoa: mostra as primeiras, segundas e terceiras pessoas do discurso. As primeiras (eu e nós) são os emissores ou falantes; as segundas (tu e vós) são os receptores ou ouvintes; as terceiras (ele, ela, eles, elas) são as pessoas de quem se fala. - Flexão de tempo: aponta o momento, período ou época de um determinado acontecimento. - Flexão de modo: revela como e de que modo acontece determinado fato. Esses modos são: • Indicativo: como o próprio nome diz, indica algo verdadeiro, certo, real. • Subjuntivo: expressa algo provável, incerto, com possibilidade de vir a acontecer. • Imperativo: tem a finalidade de dar ordem, pedir, aconselhar, persuadir ou convidar a praticar ação expressa no verbo. Isso ocorre com o imperativo afirmativo (sente-se, entregue, estuda, entrai). O imperativo negativo indica proibição, impedimento (não vás, não espere, não entre). 9 Os exemplos dos modos indicativo e subjuntivo serão dados quando se falar das flexões dos tempos desses respectivos modos. Antes, um pequeno texto para ilustrar esse item. “A Dança dos Tempos Verbais” “Na linguagem oral e coloquial, não há rigor no emprego dos tempos verbais. Com freqüência, um tempo é trocado por outro, sem prejuízo para a comunicação. Um dos casos mais freqüentes é a troca do futuro do pretérito do indicativo pelo pretérito imperfeito do indicativo. Observe: Se eu pudesse, em ficava com vocês até o fim do mês. Se eu pudesse, eu ficaria com vocês até o fim do mês. Tal troca decorre do fato de, no português brasileiro, o futuro do pretérito ter uma conotação culta e formal e, por essa razão, ser evitado em situações informais, mesmo por falantes que dominam a língua culta. Quando, entretanto, o contexto situcional exige o padrão culto e formal, recomenda-se maior rigor no emprego dos tempos verbais.” (William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Gramática Reflexiva: Texto, semântica e interação. p. 152) Inicialmente, as flexões de tempo no modo indicativo. - Presente: indica uma ação repetitiva, rotineira ou perdurável, ou que ocorre no momento da fala: Exemplos: O cachorro entra e sai a toda hora. └------┘ ações repetitivas Saio de casa todos os dias às sete horas. └ação rotineira Você já mora aqui há vinte anos? └ação perdurável - Pretérito (ou passado): exprime ação passada ou estado anterior e, ao contrário do presente, subdivide-se em três tempos: • Pretérito perfeito: mostra uma ação completamente concluída. Exemplo: Terminei ontem meu último ano de faculdade. 10 • Pretérito imperfeito: transmite uma ação habitual ou contínua no passado, ou algo que vinha ocorrendo e se interrompeu em virtude de uma outra ação. Exemplos: Eu sempre ia à igreja aos domingos. └ação habitual João, constantemente, discutia com os filhos. └ação contínua Eles voltavam para casa quando o carro enguiçou. └ação ocorrendo e depois interrompida • Pretérito mais-que-perfeito: indica uma ação ocorrida no passado, mas anterior a outra ação, também passada. Exemplo: Quando ele pensou, ela já adivinhara seu pensamento. └2ª ação └ação anterior a primeira - Futuro: subdivide-se em dois tempos: • Futuro do Presente: trata-se de uma ação que acontecerá num futuro relativo ao tempo presente. Exemplo: Amanhã, resolveremos tudo. • Futuro do Pretérito: é uma ação que ocorreria se houvesse uma determinada condição. Exemplo: Se ela ouvisse mais os pais, não teria tantos problemas. Agora, as flexões de tempo no modo subjuntivo. - Presente: reflete incerteza, dúvida, probabilidade, desejo. É usado normalmente depois das expressões talvez, provavelmente, é possível que, tomara que. Exemplos: 11 Não é certeza que nós cheguemos hoje. └incerteza Talvez tu resolvas estudar no exterior, não é? └dúvida Provavelmente, o diretor retorne ainda hoje. └probabilidade Tomara que chegue logo o verão. └desejo - Pretérito imperfeito: indica um fato incerto ou improvável, ou com possibilidade de ser realizado mediante certa condição. Exemplos: Se ele falasse inglês, não teria voltado da Inglaterra tão logo. └fato incerto ou improvável Se o pai lhe desse uma chance, ele mostraria sua capacidade. └se houvesse condição - Futuro: indica um acontecimento possível no futuro, geralmente simultâneo a outra ação. Exemplo: Quando você der o sinal, cantaremos o “Parabéns a você”. Conforme já mencionado, as formas nominais do verbo são o infinitivo, o particípio e o gerúndio. São derivadas do tema, ou seja, radical mais vogal temática, ao qual acrescentam-se as desinências: R para o infinitivo (calar, saber, desistir); DO para o particípio (calado, sabido, desistido) e NDO para o gerúndio (calando, sabendo, desistindo). Diferentemente dos modos indicativo e subjuntivo e seus respectivos tempos, as formas nominais não apresentam por si nem tempo e nem modo, pois este e aquele dependem do contexto em que elas estão. As formas nominais são assim 12 chamadas porque podem ter a função de um nome que pode ser um substantivo, um adjetivo ou um advérbio. Falando um pouco de cada forma nominal, têm-se: - Infinitivo: subdivide-se em: • Impessoal: numa oração, pode ter a função de um substantivo. Exemplo: Rir faz bem à alma e ao corpo. O verbo rir equivale ao substantivo riso na oração. O riso faz bem à alma e ao corpo. • Pessoal: é o infinitivo que tem flexão número-pessoal. Exemplos: A professora pediu para eu fazer o exercício. Esse problema é para tu resolveres. - Particípio: indica uma ação já concluída. Exemplo: Essa questão foi resolvida ontem. Pode também exercer a função de adjetivo, concordando em gênero e número com o substantivo a que se refere. Exemplos: Marta foi escolhida para dançar. └adjetivo e predicativo do sujeito No exemplo acima, escolhida é também um predicativo do sujeito, pois mostra um estado do sujeito Marta está ligado a este por um verbos de ligação (foi). A garota foi escolhida por Marta. Nesse exemplo, escolhida também é um adjetivo, porém com função de adjunto adnominal, pois é um termo que acompanha o substantivo Marta. 13 - Gerúndio: representa uma ação em andamento, ou seja, que ainda não se concluiu. Nesse caso, o gerúndio pode ter função de adjetivo ou advérbio. Exemplos: As árvores estão repletas de pássaros piando. └adjetivo e adjunto adnominal Esse exemplo mostra o gerúndio piando com função morfológica de adjetivo e função sintática de adjunto adnominal, pois acompanha o substantivo pássaros. Os componentes da escola de samba adentraram à quadra sambando. └adjunto adverbial de modo Aqui, vê-se o gerúndio sambando indicando o modo como os sambistas adentraram à quadra e é um termo ligado ao verbo adentraram. O gerúndio também indica uma ação ocorrendo no exato momento da fala. Exemplo: Eu estou jantando. O gerúndio pode também introduzir orações subordinadas reduzidas que nesse caso não necessitam de conectivos. As orações subordinadas reduzidas de gerúndio podem ser: - Subordinada adjetiva: Exemplo: “Eu vi a mulher preparando outra pessoa” (Força Estranha. Caetano Veloso) Essa oração desenvolvida fica da seguinte maneira: Eu vi a mulher preparava outra pessoa. - Subordinada adverbial: Subdivide-se em: • Causal. Exemplo: Viajando, não pude comparecer à reunião. 14 A mesma oração desenvolvida fica da seguinte maneira: Não pude comparecer à reunião porque viajei. • Condicional. Exemplo: Estudando com afinco, você se sairá bem nas provas. A mesma oração desenvolvida fica da seguinte maneira: Se estudar com afinco, você se sairá bem nas provas. • Temporal. Exemplo: Entrando todos os alunos, as provas começarão. A mesma oração desenvolvida fica da seguinte maneira: Assim que todos os alunos entrarem, as provas começarão. Há também os tempos compostos nos modos indicativo e subjuntivo e nas formas nominais, que são: - Infinitivo impessoal composto: formado pelo infinitivo impessoal dos verbos TER ou HAVER mais o particípio do verbo principal. Exemplos: Sentiu-se ter causado tanto constrangimento. Afirmaram haver impedido o acidente. - Infinitivo pessoal composto: formado pelo infinitivo pessoal dos verbos TER ou HAVER mais o particípio do verbo principal. Exemplos: Tu mentiste ao teres afirmado tal coisa. Foi uma honra havermos participado do seu evento. 15 - Gerúndio composto: formado pelo gerúndio dos verbos auxiliares TER ou HAVER mais o particípio do verbo principal. Exemplos: Tendo perdido a hora mais de duas vezes, você será demitido. Havendo comprado mercadoria em excesso, a loja fará uma grande promoção. 16 2- CONCEITO LINGUÍSTICO DO GERÚNDIO, PRINCIPAIS VÍCIOS DE LINGUAGEM LIGADOS A ELE, CAUSAS DO GERUNDISMO E EQUÍVOCOS ENTRE GERÚNDIO E GERUNDISMO. Antes de começar a discorrer sobre gerundismo, apresentar-se-ão as definições de gerúndio e gerundivo sob a ótica de Joaquim Mattoso Câmara Jr. “GERÚNDIO” – Uma das formas verbo-nominais na língua portuguesa. Em latim era um substantivo verbal, que entrava na conjugação do verbo, ao lado do infinitivo e do supino, com três formas flexionais, pelo modelo da 2ª declinação dos substantivos correspondendo aos casos no singular-genitivo (amandi), acusativo (amandum), dativo-ablativo (amando). A forma portuguesa, com sufixo ndo / (n) du / precedida de vogal temática (-ando para amando; -endo para temendo; -indo para partindo), provém do ablativo latino, que figurava em orações reduzidas circunstanciais com sujeito próprio, distinto do da oração principal na construção a que a gramática latina chamava “ablativo absoluto” (cf. em português – ROMPENDO O SOL, LAVANTAMO-NOS). Desde o latim imperial, porém invadiu a área do particípio presente numa oração reduzida referente ao sujeito da oração principal (cf. “ASSURGENS ET POPULANDO”, brandgent, 1928, 89; donde em português – ACORRIAM CRIANÇAS SACUDINDO OS BRAÇOS NO AR). Daí, como os particípios (v.), ser empregado como adjunto de um substantivo antecedente, para expressar, em contraste com o nome adjetivo, uma qualificação dinâmica do substantivo, isto é, ligada a uma atividade e pois, de caráter verbal (exs.: VI CRIANÇAS BRINCANDO – TRAGA UMA CHALEIRA DE ÁGUA FERVENDO). Como é lábil a distinção entre qualificação dinâmica (verbal) e estética (nominal) e depende não raro de um impressionismo (v.) ocorrente, há a tendência a estender esse uso do gerúndio como adjunto (exs: DICIONÁRIO COMPREENDENDO MUITOS TERMOS NOVOS – UMA CAIXA CONTENDO VÁRIOS OBJETOS).” 17 “GERUNDIVO” – Modalidade do gerúndio em latim (v.), quando em função de adjetivo, concordando com o substantivo a que se refere: é um particípio de valor futuro e passivo para indicar o que vai ou deve ser feito. Do gerundivo provieram em português: a) adjetivos (ex: VENERANDO); b) substantivos, em regra sob a forma do neutro (v.) plural feito singular (ex.: LENDA, DE LEGENDA, cf. LEGERE “ler”). Modernamente, pelo modelo dos adjetivos antigos, mas eruditos (v.), apareceram na língua culta derivador de verbos portugueses como: a) adjetivos, aplicados àquele que vai capacitar-se para determinada profissão (exs.: BACHARELANDO, DOUTORANDO, ENGENHEIRANDO); b) substantivos, de caráter coletivo para um conjunto do que deve ser feito (exs.: AGENDA, de “agir”, lat. AGERE; CORRIGENDA, de “corrigir”, lat. CORRIGERE).” (Joaquim Mattoso Câmara Jr. DICIONÁRIO DE LINGUÍSTICA e GRAMÁTICA: p. 156-7) Posto isso, pode-se conceituar, ou tentar conceituar gerundismo, já que é um fenômeno lingüístico recente na língua portuguesa. Fenômeno esse que já passou a ser um vício. Segundo o professor Pasquale Cipro Neto, “O uso do verbo “estar” seguidos de outro verbo no gerúndio, conhecido também como “gerundismo”, tem se tornado cada vez mais comum, principalmente entre atendentes de telemarketing e jogadores de futebol. Afinal, quem nunca ouviu as frases “eu vou estar enviando” ou “eu vou estar fazendo”? Entretanto, esse tipo de frase se trata de um vício de linguagem.”1 Um outro conceito de gerundismo diz: “Gerundismo é uma locução verbal com uso sistemático de verbos no gerúndio, cujo emprego é relativamente recente no português, particularmente o brasileiro. A concordância da construção com a sintaxe do português não é ponto pacífico, sendo, por vezes, considerada um vício de linguagem. O gerundismo foi 1 Extraído de http://www1.folha.uol.com.br/folha/publifolha/ult10037u362760.shtml, consultado em 11/09/2008 18 estigmatizado graças ao seu emprego constantemente impreciso semanticamente e ao preconceito lingüístico.”2 Como se pode observar, o primeiro autor afirma ser o gerundismo um vício de linguagem. Já, a segunda fonte de consulta não afirma e sim, diz que gerundismo é considerado um vício de linguagem e ainda ressalta o estigma a ele imposto e o preconceito lingüístico por ele sofrido. Toda novidade, em qualquer campo, gera controvérsia, seja essa novidade positiva ou negativa. Os estudiosos da língua portuguesa, principalmente os puristas, ferrenhos amantes do idioma pátrio, demoram a assimilar e admitir mudanças e adaptações lingüísticas. O que dizer, então, da posição dos mesmos frente aos vícios de linguagem, tão freqüentes no português, principalmente na forma coloquial? Evidentemente, com o gerundismo, esse comportamento não é diferente. Quando se abordaram anteriormente as formas nominais, observou-se que o gerúndio expressa tanto uma ação em andamento ou sincrônica, quanto um seguimento indefinido, bem como uma ação ocorrendo no exato momento em que se fala. Exemplos: “O dia vem chegando, vou rezar minha oração.” └ação em andamento (O sol nasceu para todos – samba de Sinhô) “São Paulo que amanhece trabalhando.” └ações sincrônicas (Sinfonia Paulistana – autor: Billi Blanco) Os policiais vieram e permaneceram atirando, atirando, atirando... └ação mostra seguimento indefinido 2 Extraído de http://pt.wikipedia.org/wiki/Gerundismo, consultado em 11/09/2008 19 Estamos estudando. └ação ocorrendo no exato momento da fala Além da ação durativa ocorrendo no exato momento da fala, o gerúndio forma também uma ação durativa, porém que ocorre progressivamente. Exemplo: A chuva foi diminuindo. No intuito de demonstrar que algo futuro deva ocorrer imediatamente, as pessoas acabam construindo essa “nova forma nominal composta” – o gerundismo – formada por uma locução verbal com os auxiliares “ir” e “estar” mais o verbo principal no gerúndio. Isso resulta em enunciados como: Vou estar ligando para a senhora amanhã. Quando bastaria dizer: Vou ligar para a senhora amanhã. Ou ainda: Ligarei para a senhora amanhã. Ora, se essa ação é futura, descaracteriza o gerúndio como ação durativa. O gerundismo mostrado no exemplo não indica futuro, tampouco pode substitui-lo, pois há somente dois futuros: o simples (ligarei) e o composto (vou ligar). Diante disso, pode-se indagar se é incorreto usar o gerúndio para expressar futuro. Não, não é incorreto desde que seja uma ação durativa em andamento ou que ocorrerá simultaneamente a outra ação. Exemplos: O doutor Jorge estará realizando uma palestra amanhã à noite, das vinte às vinte e uma horas. Explicação: A palestra estará em andamento e terá uma duração. 20 Amanhã, enquanto vocês se divertem, eu estarei trabalhando. Explicação: Trata-se de duas ações ocorrendo ao mesmo tempo. O gerúndio tampouco pode substituir o infinitivo numa construção de um gerundismo com três verbos: Exemplo: Eles vão estar providenciando o pagamento. Nessa oração, providenciando substitui providenciar. Assim, o correto é: Eles vão providenciar o pagamento. Pior que o uso incorreto e inadequado do gerúndio, é a mania em que o gerundismo se transformou, primeiramente na área de telemarketing e nos meios de comunicação e agora vem atingindo o português do dia-a-dia. Parece uma reação em cadeia: de tanto ouvir falar assim, acabam todos falando igual, às vezes, sem perceber. Entra-se numa loja de roupas. Logo vem um vendedor perguntar o que o cliente deseja. Este pede um determinado modelo e informa o tamanho. O atendente, educado e verborrágico, diz: “Um momento que eu vou estar verificando se tem seu número. Enquanto isso, o senhor pode estar tomando um café ou uma água.” O abuso do gerúndio tem irritado e até confundido quem o ouve sistematicamente, tanto que tem gerado dúvida entre o certo e o errado. Um bom exemplo é a notícia que abaixo segue: 01/10/2007 - 23h14 Governador do DF demite o "gerúndio" por decreto da Folha Online O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), tomou uma decisão que chamou a atenção de quem leu a edição de hoje do "Diário Oficial" do distrito: demitiu o "gerúndio" de todos os órgãos do governo. O decreto com a nova medida também proíbe o uso do gerúndio por desculpa de "ineficiência". 21 O governador está fora de Brasília e não pôde comentar a nova medida. O gerúndio é uma das formas nominais do verbo, formada pelo sufixo "ndo" que indica continuidade de uma ação. Leia a íntegra do decreto: "Decreto nº 28.314, de 28 de setembro de 2007. Demite o gerúndio do Distrito Federal, e dá outras providências. O governador do Distrito Federal, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 100, incisos VII e XXVI, da Lei Orgânica do Distrito Federal, DECRETA: Art. 1° - Fica demitido o Gerúndio de todos os órgãos do Governo do Distrito Federal. Art. 2° - Fica proibido a partir desta data o uso do gerúndio para desculpa de INEFICIÊNCIA. Art. 3° - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 28 de setembro de 2007. 119º da República e 48º de Brasília JOSÉ ROBERTO ARRUDA"3 Mesmo sendo o chefe do Poder Executivo, o governador do Distrito Federal equivocou-se ao tomar essa medida precipitada e tão drástica. Mostrando sua própria “ineficiência” lingüística, a autoridade proibiu o correto gerúndio ao invés de afastar o gerundismo. Esse mesmo exemplo leva a uma reflexão de como o despreparo leva pessoas de todas as camadas sociais, culturais e econômicas a cometerem enganos por não conhecerem o mínimo a respeito de regras lingüísticas. Para que esse tipo de confusão tenha um fim, ou pelo menos diminua, há que se fazer uma reformulação na maneira de se transmitir conteúdos gramaticais e lingüísticos em sala de aula desde o início do ensino fundamental. É nessa época que se criam os bons hábitos de leitura e escrita e, consequentemente, o bom hábito do falar bem. O ensino de língua portuguesa tem pecado por ficar mais restrito ao excesso de regras. Estas, sem dúvida, são importantes e essenciais, mas devem caminhar junto ao aprendizado de uma correta e adequada aplicação de maneira prática. Embora existam muitos livros didáticos 3 Extraído de http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u333074.shtml, consultado em 11/09/2008 22 com gramática aplicada a textos, não é suficiente, pois a maneira de passar esse conteúdo acaba por esvaziar o propósito desses livros. Antigamente, o ensino de verbos restringia-se à obrigação de fazer com que o aluno decorasse todos os tempos de todos os modos verbais. Como se diz popularmente, tinha que saber “na ponta da língua”. Decorar tabuada e verbos era uma verdadeira tortura, mas há uma modalidade do assunto verbos, que todos adoravam e adoram: as formas nominais. Isso se explica pelo descaso praticado pelos professores e alguns livros didáticos nos quais consta apenas que o infinitivo com –R, o particípio com –DO e gerúndio com –NDO. Muito fácil! São só os três para decorar! Mas, e o emprego, a função de cada uma dessas formas, a aplicação em textos? Simplesmente, passa-se por esse assunto com tal superficialidade que, em geral, nos livros, só se vê meia página (quando muito) sobre formas nominais. Atitudes pedagógicas como essa é que levam o aprendiz de língua portuguesa ao desinteresse. Parecem esquecer-se de que um aprendizado deficiente do português não prejudica apenas a própria língua, mas também as outras matérias. Nas provas dissertativas, são bem poucos os alunos que conseguem escrever respostas objetivas e coesas empregando um português correto. Por isso, há os que preferem provas em formato de testes de múltipla escolha. Quando o ensino de uma língua se desorganiza, torna-se fácil a influência de outros idiomas. Desde o surgimento do latim, via-se que algumas línguas surgiam e outras desapareciam. Algumas tinham mais influência e outras menos, umas sobre as outras. Do galego-português veio a língua portuguesa, idioma oficial de Portugal e também do Brasil. Mas ao longo da história, observa-se a infiltração de diversos 23 vícios de linguagem na língua portuguesa do Brasil, principalmente estrangeirismos. Segundo Joaquim Mattoso Câmara Jr., estrangeirismos são: “empréstimos vocabulares (v.) não integrados na língua nacional, revelando-se estrangeiros nos fonemas, na flexão e até na grafia, ou os vocábulos nacionais empregados com a significação dos vocábulos estrangeiros de forma semelhante. Na língua portuguesa, os estrangeirismos mais freqüentes são hoje galicismos (v.) e anglicismos (v.). O vocábulo estrangeiro, quando é sentido como necessário, ou pelo menos útil, tende a adaptar-se à fonologia e à morfologia da língua nacional, o que para nossa língua vem a ser o aportuguesamento (v.). Em referência às construções sintáticas, a diferença entre estrangeirismos e empréstimos é imprecisa e está, apenas, em maior ou menor sensação de naturalidade.” Ainda, conforme o mesmo autor: “Aportuguesamento – fenômeno que consiste em adaptar, fonológica e morfologicamente, os estrangeirismos lexicais (v.) ao português. Ex.: bife (ingl. beef, com /iy/ e /f/ implosivo), confete (it! confetti, com /t/ geminado e morfologicamente plural de confetto). O aportuguesamento integral atinge também a grafia, como em bife etc., mas mesmo com a grafia estrangeira, pode dar-se o aportuguesamento fonológico pela mudança de leitura – a) francamente; b) sub-repticiamente. Assim: a) esquimau / iskimaw /, ao lado de – esquimó; b) toilette, em que o grupo – oi – não é o ditongo crescente francês /wá/, mas um grupo vocálico à portuguesa /ua/.” E também define anglicismo. “Anglicismos – qualquer fato da língua inglesa que aparece no português falado ou escrito. Os anglicismos são principalmente de ordem – a) sintática, b) lexical. Como anglicismos sintáticos temos: 1) a antecipação de um adjunto adjetivo ao seu substantivo, sem o intuito que essa colocação (v.) tem em português, mas com valor descritivo (quando em português é normal a posposição do adjetivo) como nos nomes de hotel (ex.: Majestoso Hotel); 2) o emprego de um substantivo com função de adjetivo porque anteposto assim (ex.: Rio Hotel); 3) o emprego de uma preposição, como com, isolada do nome a que rege (ex: capas com e sem forro) ou até como contra, em fim de frase (ex.: eu sou pelo povo e tu és contra). Os anglicismos lexicais, ou anglicismos strictu sensu, são – a) formais (ex.: sport, tank, week-end), b) semânticos (ex.: realizar os 24 “compreender”, assumir “supor”). V. estrangeirismos; aportuguesamento. (Joaquim Mattoso Câmara Jr. DICIONÁRIO DE LINGUÍSTICA e GRAMÁTICA. p. 60-67-136) 25 3- UTILIZAÇÃO DO GERÚNDIO EM INGLÊS, CONSEQUENCIAS DE SUA TRADUÇÃO LITERAL E SUGESTÕES PARA SOLUCIONAR OS PROBLEMAS MAIS COMUNS Devido à presença de pessoas de diversas nacionalidades no Brasil, a língua portuguesa acrescenta periodicamente novos vocábulos às suas normas, principalmente à popular. Além disso, o português recebe muitas influências lingüísticas através dos meios de comunicação: internet, televisão, rádio, jornal, revista, etc. Muitas dessas influências não passam de modismos, porém, algumas se perpetuam como vícios de linguagem, como é o caso do gerundismo, que está ganhando espaço na língua portuguesa. Como primeiro aprende-se a falar, tudo começa auditivamente, passando em seguida à oralidade, até chegar à escrita. Segundo Joaquim Mattoso Câmara Jr., algumas palavras incorporadas ao português são aportuguesadas. Isso aconteceu, e acontece, na área gastronômica, principalmente quando proliferaram-se as redes de alimentação, que trouxeram para o Brasil o modelo norte-americano das refeições rápidas (fast-food), cujos cardápios traziam os nomes dos lanches em inglês. Diante dessa avalanche de nomes norteamericanos, o brasileiro não demorou a adaptá-los à sua língua. Daí, cheese-salad tornou-se x-salada; cheese-egg virou x-egue; cheese-hamburger passou a ser xburger; hamburger, em português, já se escreve hambúrguer. Há também 26 adaptações do tipo: guaraná light ou diet, cream-cheese (queijo cremoso), hot-dog (cachorro-quente), etc. Tanto os aportuguesamentos quando os empréstimos lingüísticos aqui apresentados serviram, ou servem, apenas para descaracterizar a língua portuguesa, sem contribuir para o seu enriquencimento. Muito pelo contrário, empobrecem-na, visto que há uma submissão lingüística da língua oficial dentro da própria pátria quando se aportuguesam termos estrangeiros pelo modo como são ouvidos e como os mesmos são pronunciados. Trata-se de uma atitude onde não é feito o mínimo esforço em procurar vocábulos equivalentes na própria língua, o que manteria sua identidade. O inglês, notadamente o norte-americano, influencia quase todos os idiomas e o português não fica livre disso. Os exemplos acima são somente alguns dentre tantos em muitas áreas. O gerundismo, por sua vez, advém de traduções literais de tempos verbais da língua inglesa, principalmente os “perfect tenses” e futuro formado por “going to”. Exemplificando essa afirmação, segue um resumo dos tempos verbais citados com exemplos e traduções. O gerúndio em inglês tem a terminação –ING. Os verbos terminados com a letra “E”, perdem essa letra e são acrescidos da terminação –ING. Exemplos: study - studying eat – eating drive - driving Os verbos citados que usam o gerúndio são: - Present perfect contínuos / progressive (presente perfeito contínuo ou progressivo). É formado pelo verbo have/has + verbo to be no particípio + verbo principal no gerúndio. 27 É usado para: • indicar uma ação iniciada no passado, mas que continua no presente, destacando a duração ou intensidade da mesma. Exemplo: Peter and Bob have been studying since six o’clock. A tradução literal dessa oração é: Peter e Bob têm estado estudando desde seis horas. Essa oração traduzida tem uma locução verbal com três verbos e apresenta um gerundismo. Traduzindo adequadamente para o português, essa oração ficará assim: Peter e Bob estão estudando desde às seis horas. Percebe-se, assim, que a mesma oração traz um enunciado claro e objetivo, com o emprego correto do gerúndio. • indicar uma ação passada e já concluída, com efeitos e conseqüências no presente. Exemplo: I have a strong headache. I have been reading for hours. Essa oração traduzida literalmente traz também um gerundismo: Eu estou com dor de cabeça. Eu tenho estado estudando por horas. A tradução adequada é a seguinte: Estou com dor de cabeça. Eu fiquei estudando por horas. Ou ainda: Estou com dor de cabeça. Estou estudando há horas. Nota-se que, em alguns casos, existe a possibilidade de traduzir o mesmo enunciado de várias maneiras, desde que de forma adequada. 28 - Past perfect contínuos / progressive (passado perfeito contínuo ou progressivo) É formado pelo passado simples do verbo have (had) + verbo to be no particípio + verbo principal no gerúndio. Usado para enfatizar a repetição ou duração de uma ação anterior a outra ação. Equivale ao pretérito-mais-que-perfeito no português. Exemplo: She had been arriving two hours ago when her father saw her at the station. └1a ação └2a ação A tradução literal dessa oração, que também apresenta gerundismo: Ela tinha estado chegando duas horas atrás quando seu pai a viu na estação. Veja a tradução adequada: Ela tinha chegado há duas horas, quando seu pai a viu na estação. Percebe-se por esses exemplos, que os tempos verbais apresentados levam sempre ao passado, embora algumas orações tragam conseqüências no presente. Portanto, não se viram referências ao futuro. - Futuro expresso por “going to” É formado pelo verbo to be + going + verbo no infinitivo e expressa: • Intenção. Exemplo: He is going to learn English to work in United States. Veja a tradução literal da frase: Ele está indo aprender inglês para trabalhar nos Estados Unidos. A oração traduzida desse modo apresenta um gerundismo desnecessário para a formação do futuro. Este é o adequado: Ele vai aprender inglês para trabalhar nos Estados Unidos. 29 • Planos futuros. Exemplo: I am going to buy a new car next year. A tradução literal é a seguinte: Eu estou indo comprar um carro novo no próximo ano. A tradução adequada: Eu vou comprar um carro novo no próximo ano. • Prevê fatos futuros a partir de evidências no presente ou com grande certeza. Exemplo: The sky is dark. It is going to rain a lot. A tradução literal é a seguinte: O céu está escuro. Está indo chover muito. A tradução adequada: O céu está escuro. Vai chover muito. Além do futuro formado com “going to”, há o futuro continuous / progressive (futuro contínuo ou progressivo), formado pelo futuro simples do verbo to be (will be) + verbo principal no gerúndio. • Fala de ações que estarão em andamento no futuro, num momento determinado. Exemplo: At this time next year you will be majoring in law. Traduzindo, A essa hora, no próximo ano, você estará se formando em Direito. 30 • Fala de atividades programadas para o futuro. Exemplo: She will be going in for examination at the university in 2009. Traduzindo, Ela estará prestando exame na universidade em 2009. Adaptado de: (Longman, Gramática escolar da língua inglesa: com exercícios e respostas / consultor pedagógico José Olavo de Amorim; revisora pedagógica Anna Szabo. São Paulo: Longman, 2004. p. 120-134-142-152-154-164). Observando os exemplos dos tempos verbais acima citados, conclui-se que nem sempre é possível e nem mesmo correto fazer uma tradução literal. O tradutor não tem o mero papel de traduzir palavra por palavra. Ele tem de ter um bom conhecimento de ambas as línguas com as quais está trabalhando para fazer uma tradução adequada ao idioma para o qual o texto será traduzido. Para isso, o tradutor tem de aprender a “pensar” na língua para a qual sua tradução será feita: se a tradução for do inglês para o português, o tradutor terá de “pensar em português”, se o texto for traduzido do português para o inglês, o tradutor terá de “pensar em inglês”. Repetindo, o tradutor não apenas traduz palavra por palavra e, sim, recria o texto traduzido por meio de uma versão adequada. Para que esses requisitos sejam cumpridos, foram criados os cursos de tradução e interpretação, por volta dos anos 70. Nesses cursos, são ensinadas técnicas de tradução e interpretação onde o futuro tradutor aprende a traduzir com objetividade, coesão, correção e coerência, encontrando expressões e termos equivalentes na língua para a qual o texto será vertido. Assim procedendo, no caso 31 da língua portuguesa, evita-se que mais ocorrências viciosas atinjam-na, conforme vem ocorrendo com o gerundismo. Como mencionado anteriormente, o gerundismo tem sua origem de traduções literais, principalmente das construções verbais exemplificadas acima. Isso tornou-se o mais recente vício de linguagem a prejudicar a identidade da língua portuguesa. O gerundismo, além de ser uma má adaptação de construções gerundiais da língua inglesa, disseminou-se principalmente pelo emprego abusivo que os operadores de telemarketing praticam no atendimento ao cliente. Alguns desses atendentes afirmam que, na fase de treinamento, receberam orientação para que usem essas construções gerundiais por elas demonstrarem mais polidez e delicadeza no trato com os clientes. Esses orientadores se esqueceram de que há outras maneiras de tratar polida e delicadamente um cliente, sem ter de recorrer ao gerundismo. O tom de voz, a entonação ao proferir um discurso, a colocação das palavras adequadas ao contexto da mensagem ser transmitida, o emprego de modos e tempos verbais próprios, a utilização de concordância nominal e verbal corretas, bem como de regência nominal e verbal, tudo isso é capaz de fazer com que um cliente sinta-se bem atendido e, com certeza, não o deixará tão irritado como quando ouve uma enxurrada de gerundismos. Para isso, seria de grande propriedade que o treinamento dado a esses atendentes não servisse apenas para orientá-los a alcançarem metas de atendimento ao cliente. Ao lado disso, seria conveniente a contratação de professores de língua portuguesa capazes de elaborar um curso básico com noções de como empregar adequadamente os recursos lingüísticos disponíveis para uma boa veiculação das orientações a serem recebidas pelo cliente. Isso geraria funcionários mais eficientes no atendimento que é um dos cartões de visita de uma empresa. E essa empresa, por conseguinte, não seria tão 32 prejudicada com funcionários que, por falta de orientação adequada, acabam cansando os ouvidos dos clientes. Não é demais repetir que, além dessa solução apontada, a principal orientação deve acontecer nos bancos escolares, para que não haja necessidade de remediar mais tarde um mal instalado. Professores com visão mais ampla do ensino de língua portuguesa, ou seja, muito mais voltados à aplicação prática das regras do bom emprego dos verbos do que simplesmente com a “decoreba” das conjugações, contribuirão grandemente para que novos vícios de linguagem, como o gerundismo, não tomem proporções tão absurdas. Outra solução residiria na forma de correção adotada pelos professores de português. Seria válido que, ao invés de somente apontarem os erros de uma redação ou de respostas dissertativas de uma prova, os professores se preocupassem mais em chamar atenção do aluno para o correto – por isso essa atitude chama-se correção. Às vezes, o aluno depara-se com sua prova cheia de anotações em vermelho, com comentários em tom de crítica, nem sempre construtiva. Seria mais construtivo que o professor trocasse o tom crítico pelo tom de orientação: ao lado do erro apontado, a diretriz de como proceder com correção na próxima vez. Celso Pedro Luft, em seu livro “Língua e Liberdade”, expressa-se com propriedade sobre o papel do professor de português no seguinte trecho: “O aluno precisa ser estimulado a apoiar-se na sua intuição da língua para opinar sobre a qualidade de frases propostas – bem formadas / mal formadas, claras / obscuras, concisas / palavrosas, etc. Afinal, saber a língua não é só saber construir e interpretar frases, mas também julgá-las, ver se observam regras implícitas 33 (gramaticalmente), se são boas para a comunicação ou “performance” (aceitabilidade). Exercícios de variabilidade expressional, paráfrases, transformações: Varie a frase. Diga a mesma coisa de outra forma. Transforme essas frases numa só, ou vice-versa. Identificação e resolução de ambigüidade, variações de registro da linguagem (formal / informal, mais ou menos formal) e outras práticas similares incutirão no aluno a confiança no seu saber lingüístico, na sua criatividade. Em vez de inibir, esse tipo de tratamento em sala de aula há de liberar os poderes de linguagem. (Celso Pedro Luft. Língua e Liberdade. p. 65-66) O mesmo ocorre na oralidade. Quando alguém fala errado, quem o corrige não deve repetir o erro do emissor e sim falar enfatizando a forma correta. Exemplo de um caso de gerundismo: se um individuo atendido por um operador de telemarketing ouvir deste “vamos estar enviando um comunicado”, deve sutilmente, corrigi-lo “ah, vocês vão me enviar um comunicado? Obrigado.” Assim mesmo, dando ênfase à construção gerundial correta. Com certeza, surtirá mais efeito do que uma correção contundente em tom de crítica. Por fim, a responsabilidade das escolas de inglês; que elas não se preocupem apenas com a conversação, já que a maioria delas tem como filosofia não traduzir nada para o português. A orientação é para que se procurem equivalências na própria língua inglesa, bastando saber o significado em português apenas mentalmente. Porém, diante da necessidade de fazer uma tradução para a língua portuguesa, a falta de prática e técnica pode levar a traduções literais desastrosas, gerando, assim, fenômenos lingüísticos como o gerundismo. 34 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo dessa pesquisa é mostrar que não é necessário ditar normas, nem criar novas regras para o emprego do gerúndio, mesmo porque elas já existem. Muito mais do que estigmatizar o gerundismo como um fenômeno lingüístico nocivo à língua portuguesa, este trabalho propõe-se a auxiliar a viabilização de um ensino mais enfático e abrangente do emprego de gerúndio, forma nominal perfeitamente adequada da língua portuguesa. No ultimo capítulo, foi muito utilizado o tempo verbal futuro do pretérito do modo indicativo, e não por acaso. Acontece que esse tempo indica condição. Por isso, preferiu-se “residiria” a “reside” / “seria” a “é” / “geraria” a “gera” etc. Isso se explica porque nesse capítulo foram sugeridos meios de solução para o emprego ou não do gerundismo, bem como para outros problemas lingüísticos gerados por outros vícios de linguagem, Assim sendo, as orações desse capítulo foram construídas no futuro do pretérito do indicativo porque as sugestões nelas contidas só serão viáveis SE houver boa vontade por parte de todas as pessoas e entidades envolvidas no ensino de língua portuguesa. Essa é a principal condição, pois a língua é construída por quem a utiliza. Seja essa utilização para falar, escrever, ouvir, ensinar ou aprender. Não que seja obrigatória apenas a utilização do padrão culto, mas que haja interesse de quem não o emprega em aprendê-lo para utilizá-lo quando assim lhe convier. Falar bem, escrever bem, ouvir bem, ensinar bem e aprender bem. Assim se dá a construção e manutenção de uma língua que é o símbolo nacional mais significativo de um país. É ela o instrumento vivo da comunicação. Assim, pode-se concluir que o gerundismo afeta a língua portuguesa do Brasil, e quanto a isso, uma reflexão: a identidade preservada de uma língua oficial é que personaliza quem dela se utiliza. 35 REFERÊNCIAS CEREJA, William Roberto / MAGALHÃES, Thereza Cochar., Gramática Reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo: Atual Editora, 1999. SACCONI, Luiz Antônio., Gramática essencial da língua portuguesa. 3ª ed., revista. São Paulo: Atual Editora, 1988. CAMARA Jr., Joaquim Mattoso., Dicionário de Lingüística e Gramática: referente à língua portuguesa. 26ª ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. LUFT, Celso Pedro., Língua e Liberdade. 8ª ed., São Paulo: Ática, 2006. PELLEGRINI, Tânia / FERREIRA, Marina., Português palavra e arte: literatura, gramática e redação, vol. 3, São Paulo: Atual Editora, 1996. NETO, Pasquale Cipro. Inculta e Bela, vol. 3. São Paulo: Publifolha, 2001. MEIO ELETRÔNICO http://www1.folha.uol.com.br/folha/publifolha/ult10037u362760.shtml, consultado em 11/09/2008. http://pt.wikipedia.org/wiki/Gerundismo, consultado em 11/09/2008. http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u333074.shtml, 11/09/2008. consultado em