TENSÕES E DESAFIOS DA COOPERAÇÃO REGIONAL

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TENSÕES E DESAFIOS DA COOPERAÇÃO REGIONAL NA ÁSIA ORIENTAL*
Paulo G. Fagundes VIZENTINI**
A Ásia Oriental tem constituído a região de maior dinamismo econômico no mundo
há aproximadamente duas décadas. Contudo, a importância deste fenômeno não tem sido
apreendida em toda sua dimensão e complexidade. Denominada por alguns de “bloco
asiático” e por outros de “bloco japonês”, esta região e seu processo de integração são
comumente analisadas a partir de premissas inadequadas. A Ásia não constitui um “bloco”,
nem o Japão é atualmente seu único pólo dinamizador, pois os fenômenos econômicos e
políticos atualmente em curso na Ásia, embora encontrem-se articulados ao conjunto das
transformações globais, apresentam formas peculiares. A opinião pública mundial, e a
brasileira em particular, costuma avaliar a ascensão da Ásia a partir de um prisma
jornalístico, geralmente simplificador e distorcido.
A hipótese deste estudo é a de que a Ásia Oriental vive um processo de integração
informal, diferentemente da União Européia, do Mercosul e do NAFTA (baseados em
acordos institucionais entre os Estados), na medida em que funda-se na cooperação
comercial, produtiva e financeira gerida prioritariamente por empresas privadas. A
participação dos governos, que obviamente orientam este processo, se dá de forma discreta
e indireta. A integração asiática constitui, ainda, parte integrante do atual processo de
globalização fundamentado na Revolução Científico-Tecnológica (RCT), num quadro de
acirrada concorrência econômica mundial. A emergência e alastramento da crise financeira
pela região, que vem ocorrendo há pouco mais de um ano, não alteraram qualitativamente
os dados do problema, como será visto na parte final..
Finalmente, a integração asiática encontra-se em posição privilegiada para
influenciar a construção de uma Nova Ordem Mundial, devido ao fato da região constituir o
maior centro de crescimento econômico do planeta e de possuir perfis diferentes do padrão
neoliberal atualmente dominante nos outros processos de integração regional. Além disso, a
presença da República Popular da China na integração da Ásia representa um fenômeno
estratégico devido às dimensões do país e ao fato dele possuir uma importante margem de
*
Paper apresentado ao Grupo de Trabalho em Relações Internacionais na ANPOCS, outubro de 1998.
Professor Titular de História Contemporânea e Relações Internacionais na UFRGS, Mestre em C. Política
por esta Universidade, Doutor em História Econômica pela USP e Pós-Doutorado em Relações Internacionais
pela London School of Economics. Diretor do Instituto Latino-Americano de Estudos Avançados da UFRGS.
Autor de "Da Guerra Fria à crise" (EDUFRGS), A Política Externa do Regime Militar Brasileiro (EDUFRGS)
e coordenador de "A grande crise: a nova (des)ordem internacional" (Vozes).
Este texto tem por base a experiência docente em História da Ásia Contemporânea na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, de pesquisa sobre o Sistema Internacional, a política externa do Brasil para a
Ásia Oriental e as relações internacionais dos países asiáticos de 1945 aos nossos dias, estas duas últimas
através de projeto integrado da Universidade de Brasília com Bolsa do CNPq, bem como dos contatos diretos
mantidos com os Institutos de Estudos Estratégicos Internacionais da República Popular da China, Hong
Kong, Macau, Cingapura, Tailândia, Malásia, Indonésia e Filipinas, enquanto integrante da Missão
Acadêmica do Ministério de Relações Exteriores do Brasil à Ásia-Pacífico em setembro de 1994. Além disso,
participo como Pesquisador Associado do Grupo de Pesquisa sobre O contexto da Ásia Oriental no século
XX, da Universidade de Leiden, Holanda, que congrega acadêmicos europeus e asiáticos, e fui Senior Visiting
Fellow. no International Institute for Asian Studies - IIAS em Leiden/ Holanda em jan.-fev. 1998.
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autonomia dentro do sistema mundial, devido a permanência de um regime socialista (ainda
que “de mercado”...) e de recursos de poder diplomático-militar.
A formação do espaço geopolítico e econômico da Ásia-Pacífico
Para uma compreensão de mais largo alcance sobre a dinâmica das sociedades
asiáticas, é indispensável dedicar algum espaço à história da região, pois é a partir dela que
estas nações construíram sua percepção estratégica. Durante o ciclo colonial, estruturado ao
longo de quase cinco séculos de expansão e hegemonia européia, a Ásia conheceu uma
situação de dominação direta e indireta, estagnação e mesmo retrocesso nas diversas esferas
da vida social. A China imperial, que até o século XV fora, em vários campos, a nação mais
avançada do mundo, entrou numa fase de isolamento, estagnação e declínio.
Apenas o Japão escapou a esta sorte, devido ao limitado interesse das potências
ocidentais pelo país (fraqueza do mercado interno e pobreza de recursos naturais) e à rápida
reação de suas elites dirigentes. Forçado a abrir-se, enquanto observava outros países
asiáticos muito mais poderosos serem dominados, o Japão desencadeou uma revolução
modernizante e industrializadora em 1868, a Restauração Meiji. Esta "revolução burguesa
pelo alto" foi liderada pela própria aristocracia nipônica, e dinamizada a partir do aparelho
de Estado. Em menos de trinta anos o país tornava-se uma nação imperialista, atuando
apenas em sua própria região, mas apoiando-se num militarismo extremamente agressivo.
A Primeira Guerra Mundial e a Revolução Soviética deixaram como conseqüências
na Ásia, a ascensão das lutas sociais e dos movimentos de libertação nacional (dos quais a
China constituía a principal protagonista) em sua convulsionada massa continental, e o
recuo do colonialismo europeu na franja oceânica do continente. Os Estados Unidos e o
Japão emergiam como os principais protagonistas e competidores na Bacia do Pacífico e
Ásia Oriental. A rivalidade entre ambos foi potenciada pela Grande Depressão dos anos 30
e conduziu-os à Segunda Guerra Mundial, uma luta em que o Japão foi completamente
derrotado, uma vez que se encontrava ainda na fase da Primeira Revolução Industrial,
enquanto os EUA já estava na Segunda.
A nova geopolítica da Ásia-Pacífico baseava-se no rebaixamento do Japão de sua
condição de potência industrial, e na hegemonia de Washington sobre a região, apoiada
numa aliança com a China do Kuomitang e na contenção da URSS e dos movimentos
revolucionários e nacionalistas na região. O bombardeio nuclear de Hiroshima e Nagasaki
estão claramente vinculados à esta segunda política, com o Japão sendo usado para uma
demonstração de força da Teoria do Bombardeio Estratégico do Pentágono norteamericano, destinada a advertir Moscou e as guerrilhas asiáticas.
Este equilíbrio geopolítico idealizado por Washington, entretanto, se revelaria
efêmero e pouco realista. O Partido "Nacionalista" (Kuomitang) de Chiang Kai-chek,
aliado dos EUA, perdia terreno frente aos comunistas, devido a seu imobilismo social,
corrupção, ineficiência e por sua dependência face ao Ocidente, que para a maioria dos
chineses equivalia a continuidade da submissão às potências estrangeiras. O Partido
Comunista Chinês (PCC), pelo contrário, além de defender a transformação social
(particularmente o problema camponês), encampou habilmente a questão nacional. Em 1º
de outubro de 1949 Mao Zedong, vitorioso, proclamou a República Popular da China
(RPC), enquanto Chiang Kai-chek e a elite chinesa refugiavam-se na ilha de Formosa
(Taiwan), levando consigo a maior parte dos capitais do país, e sobrevivendo graças à
proteção da VII Frota americana.
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Em junho de 1950 a Coréia do Norte, entusiasmada pelo triunfo dos comunistas
chineses, invade a Coréia do Sul, dando início a uma guerra extremamente violenta, que
durou quase três anos, envolvendo também os Estados Unidos e contingentes de outros
países ocidentais (sob bandeira da ONU), de um lado, e da China de outro. Paralelamente,
no Vietnã e noutros países do sudeste asiático, as guerrilhas esquerdistas e nacionalistas
ameaçavam ainda mais a já alquebrada geopolítica desenhada pela Casa Branca e polo
Pentágono. Com o Armistício de Paemunjon em 1953, encerrando o conflito coreano com
um empate, e os Acordos de Genebra em 1954 sobre o conflito indochinês, desenha-se um
novo cenário estratégico, com a massa continental asiática passando ao controle socialista,
enquanto o oceano, sua periferia insular (Japão, Taiwan e Filipinas) e apêndices terrestres
(Hong Kong, Coréia do Sul e Vietnã do Sul) eram controlados pelo capitalismo. O Pacífico
tornou-se um "lago americano", enquanto o continente afigurava-se como um bastião
socialista.
A "perda" da China, que então se tornaria aliada da URSS por mais de uma década,
teve profundos desdobramentos em relação à política norte-americana, que articulou, desde
a Guerra da Coréia, uma aliança com um novo pólo a ser desenvolvido, o Japão.
Constituindo inicialmente um ponto de apoio às operações na Coréia, o Japão passará à
condição de aliado privilegiado dos EUA. Washington interrompe o desmantelamento das
indústrias e das elites políticas japonesas envolvidas na Segunda Guerra, permite a
reconstrução dos Zaibatsu (conglomerados empresariais oligopólicos), passa a investir
recursos financeiros e transferir tecnologia ao país, envia administradores para auxiliar na
modernização da gestão das empresas e, mais decisivo ainda, abre faixas de seu mercado
interno exclusivamente aos produtos japoneses, originalmente pouco competitivos e de
baixa qualidade.
Esta política permite à elite nipônica reconstruir e controlar o aparelho estatal,
vencer e marginalizar a oposição de esquerda e reconstruir a economia nos anos 50. Na
década seguinte, o "milagre japonês" consolida a economia anterior do país e, ainda,
conclui a Segunda Revolução Industrial. O Japão produz então têxteis, confecções,
alimentação, siderurgia, construção naval, radioeletrônicos, máquinas e produtos químicos,
que são exportados para os Estados Unidos e para alguns países da região. É importante
ressaltar, entretanto, que o retorno do Japão ao concerto das nações e à economia mundial
produzia-se em estreita associação com Washington e sob a proteção do guarda-chuva
nuclear americano, e que isto implicava num ordenamento radicalmente novo na região: a
separação do Japão da China e do continente asiático, seu hinterland econômico e
geopolítico até então.
A classe dirigente japonesa, sem dúvida, tirou grande proveito do status de nação
subordinada-protegida dos EUA. Enquanto mantinha um baixo perfil no campo políticomilitar e apoiava Washington de forma irrestrita na Guerra Fria, Tóquio buscava prosseguir
na busca dos objetivos nacionais de seu capitalismo no plano econômico. Por contraditório
que possa parecer, tal situação favorecia o Japão, que evitava os gastos de defesa inevitáveis
à uma economia de seu porte, e simultaneamente usufruía de segurança interna e externa.
Entretanto, é forçoso reconhecer que os Estados Unidos, com isto, afirmavam sua presença
estratégica na região, ao mesmo tempo em que mantinham os dois grandes pólos asiáticos,
Japão e China, separados um do outro. Isto obstaculizava a formação de um núcleo asiático
autônomo de desenvolvimento, além de captar para a economia mundial sob sua liderança,
parte do esforço econômico japonês. De qualquer maneira, em sua relação com o Japão, os
EUA consideravam que seus ganhos político-estratégicos cobriam largamente seus
prejuízos econômicos decorrentes da relação bilateral, além de obstaculizarem a afirmação
de um pólo autônomo de desenvolvimento na região.
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Na década de 60, a situação começa a alterar-se significativamente. No plano global
se estabelece a Coexistência Pacífica entre as duas superpotências, o que significa uma certa
distensão no hemisfério Norte e o deslocamento do eixo dos enfrentamentos para o Terceiro
Mundo, que emergia como novo elemento das Relações Internacionais, através do processo
de descolonização e da articulação diplomática desde a Conferência Afro-asiática de
Bandung. Este é o contexto da intensificação do conflito do Vietnã, com o envolvimento
direto dos Estados Unidos, mas também do aprofundamento da ruptura entre os dois
gigantes do mundo socialista, iniciada na segunda metade dos anos 50. A China,
desvinculada do bloco soviético e do modelo soviético de desenvolvimento, evoluiu da
radicalização ao isolamento diplomático, e buscou de novos paradigmas econômicos, do
Grande Salto à Frente ao caos da Revolução Cultural.
A nova conjuntura, particularmente o desastroso envolvimento de Washington no
conflito vietnamita, evidenciava o desgaste da Pax Americana, enquanto seus aliados
europeus e japoneses (particularmente os perdedores da Segunda Guerra Mundial)
apresentavam um significativo dinamismo econômico, o que os tornava "aliados-rivais" dos
EUA. Tentando reverter este quadro, a potência americana vai exigir progressivamente um
maior engajamento de seus aliados nos custos de defesa do "mundo livre". Tóquio, na
medida do possível, procura evitar este engajamento e as conseqüentes pressões sobre sua
economia. Como decorrência desta estratégia, o Japão passa a incrementar a cooperação
com os Estados anti-comunistas da Ásia Oriental, os quais sobreviviam até então, em larga
medida, graças à ajuda econômica norte-americana. No auge da confrontação na Indochina,
é criada em 1967 a ANSEA (Associação de Nações do Sudeste Asiático, ASEAN),
congregando a Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e Cingapura), como uma aliança
anti-comunista, embora voltada à cooperação econômica.
A "revoada dos gansos", a Revolução Científico-Tecnológica e a cooperação
econômica na Ásia Oriental
O desgaste americano na Indochina refletiu-se nos preocupantes déficits
orçamentários surgidos a partir do auge do conflito, os quais somavam-se aos déficits
comerciais. Para enfrentar o problema, Nixon decretou em 1971 a inconvertibilidade do
dólar em relação ao ouro. Simultaneamente, o cartel dos exportadores de petróleo (OPEP),
dominado pelas petromonarquias árabes conservadoras (aliadas de Washington) e
fortemente articulado às empresas petrolíferas transnacionais, adotou uma política de
aumentos reais escalonados de preço desde 1971. Em 1973, na esteira da Guerra do Yom
Kippur, os preços atingiram quatro vezes seu valor inicial, combinado a um embargo aos
países que apoiaram Israel (nesta época apenas 6% do consumo americano era suprido pelo
Oriente Médio). Essa valorização do preço do petróleo representava, em larga medida, uma
manobra contra as ascendentes economias japonesa e européia, não produtoras deste
combustível. Além disso, os EUA adotaram uma série de medidas protecionistas, visando
reverter a tendência deficitária em seu comércio com seus aliados-rivais.
A crise americana tinha por base não somente estes aspectos pontuais, pois era o
próprio modelo de acumulação fordista-keynesiano, que fundamentava o paradigma
americano, que havia atingido seus limites. O conjunto de políticas elaboradas pelos EUA
desde 1971 constituíram o ponto de partida de uma ampla rearticulação da economia
mundial, num quadro de crise recessiva internacional. Esta situação geral foi potenciada
pelas medidas reativas norte-americanas, conduzindo os pólos avançados da economia
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capitalista a articularem como resposta, uma Nova Divisão Internacional da Produção e
uma Revolução Tecno-Científica, ou RTC (Terceira Revolução Industrial), as quais
desencadearam um processo de globalização econômico-financeira, num quadro de intensa
competição.
A Nova Divisão Internacional da Produção baseia-se na transferência, de países
centrais para periféricos, de setores industriais criados na Primeira e na Segunda Revolução
Industriais (têxteis e siderurgia, principalmente), bem como determinados ramos de
eletrodomésticos, eletrônica, audiovisuais, artigos de consumo popular, automóveis, além
de outros que utilizam intensivamente força de trabalho e empregam tecnologia pouco
avançada. Ao lado desta nova distribuição mundial da produção, os centros capitalistas
impulsionaram a revolução tecnológica, principalmente nas áreas da informática,
comunicação, biotecnologia, robótica, supercondutores, química fina, materiais sintéticos,
energia alternativa, etc. Este salto tecnológico objetiva recuperar e redimensionar a
acumulação de capital, esvaziar as conquistas trabalhistas, manter a vanguarda e a
dominação sobre os países periféricos (alguns dos quais, como o Brasil, haviam logrado
significativo desenvolvimento econômico e tecnológico) e neutralizar os avanços
produtivos obtidos pelo campo socialista. A RTC baseava-se na pesquisa científica
intensiva, cujos resultados eram imediatamente transformados em avanços tecnológicos e
aplicados à produção, incrementando seu desempenho.
A reação americana ao desgaste de sua hegemonia também se processou no plano
estratégico. O Presidente Richard Nixon e o Secretário de Estado Henry Kissinger,
preocupados em desengajar seu país do atoleiro vietnamita, bem como reduzir os elevados
custos da presença internacional dos EUA, num quadro mundial caracterizado pela détente,
formulam a Doutrina Nixon: vietnamização do conflito, atribuição aos aliados regionais de
um maior papel nas tarefas de segurança e, o mais importante, o estabelecimento de uma
aliança estratégica com a República Popular da China. Esta nova orientação materializou-se
com a Diplomacia do Ping-Pong, desde 1971, a qual configurou a estruturação do Eixo
Washington-Beijing e o ingresso da China popular na ONU, no lugar que Taiwan ocupava
no Conselho de Segurança.
Enquanto ocorria a normalização das relações e o acercamento sino-americano, sob
o efeito da rearticulação global da economia nos quadros da RTC e dos esforços japoneses
para adequar-se ao novo contexto, estruturava-se uma nova geografia econômica na região
da Ásia Oriental. Nos anos 70 as economias de Taiwan, Coréia do Sul, Hong Kong e
Cingapura são articuladas ao Japão através de uma divisão do trabalho. Os quatro "Tigres"
(ou "pequenos dragões") recebem o repasse, através das empresas transnacionais, das
indústrias da "fase japonesa" anterior. O Japão passa, então, a dinamizar a região e associarse a economias de apoio, as quais lhe propiciavam articular um espaço de recuo, ou seja,
um hinterland que lhe permita manobrar frente às pressões norte-americanas.
Para compensar seus antigos aliados asiáticos anti-comunistas pela reviravolta
causada por sua aliança política e comercial com a RP da China (e também para manter seu
controle estratégico sobre eles), os EUA igualmente acompanham o Japão nos
investimentos e transferência tecnológica aos Tigres, de forma a manter o controle sobre
estes. Implicitamente, os Estados Unidos também buscavam utilizá-los como plataformas
de exportação, visando penetrar no mercado japonês, bem como enfrentar a concorrência
deste. A tendência dominante, entretanto, será a dos Tigres articularem-se intimamente com
a economia japonesa, fornecendo-lhes componentes a preços baixos, para salvar a
competitividade nipônica, ameaçada pela política do dólar, pela crise do petróleo e pelo
surgimento de tendências protecionistas nos EUA.
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O desenvolvimento industrial dos Tigres, por sua vez, fez com que o antigo papel
destes países como fornecedores de produtos primários e insumos fosse transferido à nações
do sudeste asiático, articulando uma íntima divisão de trabalho na Ásia Oriental. O
economista japonês Saburo Okita cunhou uma expressão consagrada na definição deste
processo: a revoada dos gansos. O "ganso líder" seria o Japão, o qual ocuparia o vértice de
um "V" invertido, secundado pelos outros gansos a decolar e integrar a formação: Taiwan,
Coréia do Sul, Hong Kong e Cingapura. Estes, por sua vez, serão seguidos pelos novos
gansos: os países da ANSEA. Com a Decisão do Hotel Plaza (Nova Iorque, setembro de
1985) de valorizar o Ien, como forma de ampliar a competitividade das exportações norteamericanas, o comércio nipônico perdeu parte de suas vantagens, mas o aumento do valor
de sua moeda propiciou uma ampliação dos investimentos na Ásia Oriental e uma maior
associação com os Tigres.
O Japão criou, em meados dos anos 60, o Banco de Desenvolvimento Asiático e
passou a realizar conferências informais em nível ministerial sobre o desenvolvimento do
sudeste asiático, e propôs a criação de uma Área de Livre Comércio do Pacífico e Ásia,
reunindo Canadá, Estados Unidos, Japão, Austrália e Nova Zelândia. Segundo Amaury
Porto de Oliveira, “o projeto, de autoria do Professor Kiyoshi Kojima, mas sabidamente
encorajado pelo então Ministro do Exterior e mais tarde Primeiro Ministro Takeo Miki,
levou à realização da primeira das Conferências sobre Comércio e Desenvolvimento do
Pacífico (PACTAD)”. A primeira fase destas conferências foi uma preocupação
essencialmente japonesa, mas “a segunda fase (1968-77) caracterizou-se pela entrada em
cena dos australianos, preocupados com a adesão da Grã-Bretanha à CEE e as evidências de
que setores governamentais japoneses estavam procurando organizar à sua maneira o que já
se começava a chamar Comunidade do Pacífico” (OLIVEIRA, 1993, 8). A partir de então,
os Primeiros Ministros Masayoshi Ohira e Malcolm Fraser, do Japão e Austrália,
respectivamente, lançaram as Conferências sobre Cooperação Econômica do Pacífico
(PECC), que se tornaram um importante forum informal de cooperação regional.
Apesar do Japão liderar as economias da Ásia-Pacífico, as elites dirigentes dos
Tigres não se satisfizeram com as condições de economias tributárias desta nação. A
situação inicial fora difícil e instável nestes países. Nos primeiros 15 anos após o fim da
Guerra da Coréia, a parte socialista norte da península possuía um desenvolvimento muito
maior que o sul capitalista, essencialmente agrário, onde a miséria e o atraso eram
preocupantes. Os outros três viviam os problemas decorrentes do grande afluxo de
refugiados, num espaço geográfico exíguo. O primeiro esforço de industrialização estava
voltado para a substituição de importações primária ou horizontal. Posteriormente, com sua
inserção na economia regional e mundial, estes países tornaram-se plataformas de
exportação, nas condições anteriormente descritas.
Estes países, entretanto, continuaram seu esforço industrializante, copiando muitos
elementos do modelo japonês triunfante. Os Tigres não teriam superado a condição de
Novos Países Industriais (NPIs), se não fosse a determinação de seus grupos dirigentes em
superar o Estado mercantilista, estimulado a partir de fatores externos. Eles dotaram sua
industrialização de novas características desenvolvimentistas, levando-os, mais tarde, a
concorrer com o próprio Japão.
A propósito do notável desenvolvimento industrial dos Tigres (e em muitos aspectos
do próprio Japão), é necessário ressaltar alguns aspectos do mesmo, que são desconhecidos
por grande parte do público e mesmo por certos analistas, simpáticos ao projeto neoliberal.
O Estado de Desenvolvimento Capitalista nestes países esteve sempre embasado em
regimes políticos ditatoriais, onde o aparato estatal planejava os aspectos essenciais da
economia, intervinha ativamente nela, estatizando ou controlando indiretamente vários
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setores, especialmente o financeiro. A receita obtida com as exportações foi acumulada para
fomentar a industrialização, o mercado interno era fortemente protegido (para evitar a perda
de divisas ), o Estado, associado às empresas privadas, investiu maciçamente em tecnologia
e formação de mão de obra especializada, e as empresas dos ramos estratégicos da
economia foram agrupadas em conglomerados empresariais de caráter fortemente
oligopólico, denominados na Coréia de Chaebol. Cúmulo da ironia, os governos direitistas
de Taipé e Seul realizaram reformas agrárias radicais, a fim de modernizar a agricultura e
acumular capital, tomando como referência algumas políticas de seus rivais comunistas.
Como se pode observar, o desenvolvimento capitalista da Ásia Oriental teve muito
pouco a ver com o ideário liberal de Adam Smith. Alguns autores chegaram a referir-se,
com certa dose de ironia, à experiência japonesa e dos Tigres como uma espécie de
"socialismo de direita", ou "capitalismo socialista". Obviamente este modelo, em última
instância, apoiava-se numa acumulação privada, e atuava em benefício da constituição de
poderosas empresas privadas nacionais, em associação com o capital cosmopolita e com as
empresas transnacionais. Da mesma forma, a conjuntura de Guerra Fria trouxe a estes
países uma série de benefícios que, historicamente, foram negados à América Latina e
África, por exemplo. Neste sentido, todos eles tiraram o máximo proveito econômico de seu
alinhamento diplomático-militar, o que não constitui, certamente, uma virtude do mercado.
O que é essencial fixar, é que tratava-se de um modelo misto de desenvolvimento, inserido
numa economia mundial relativamente aberta, e gozando de privilégios políticos
específicos dentro desta, os quais pouco tinham a ver com as leis de mercado.
O impacto das reformas e da inserção da China na economia internacional
Durante os anos 70, o Partido Comunista Chinês (PCC) introduziu uma série de
reformas econômicas, as quais culminaram com uma abertura externa seletiva e a adoção de
novos padrões de desenvolvimento. Com o término da Revolução Cultural e a aliança com
os EUA, o maoísmo com ênfase na luta de classes começa a entrar em declínio. Mao
Zedong morre em 1976 e o grupo reformista amplia seu poder, nele emergindo a liderança
de Deng Xiaoping. Em 1978 o país adota a política da Quatro Modernizações, que consagra
reformas internas como a descoletivização gradual da agricultura, a introdução de uma
economia mercantil dentro de uma estrutura socialista, e a criação de áreas específicas para
a captação de capital e tecnologia estrangeiras e a instalação de empresas transnacionais,
destinadas principalmente à exportação. Serão conhecidas, posteriormente, como Zonas
Econômicas Especiais (ZEEs), geralmente províncias costeiras, onde se introduz legislações
próprias para permitir o estabelecimento de determinados mecanismos capitalistas e o
assentamento de capitais e empresas estrangeiras. Era o ponto de partida do que Deng
Xiaoping denominaria de Economia Socialista de Mercado.
A nova linha representava uma mudança profunda na estratégia chinesa. Até o início
dos anos 60, a RP da China enfatizara os problemas ligados à sua segurança, pois tratava-se
de uma revolução ainda não consolidada, com uma economia débil e vivendo uma
conjuntura internacional adversa. Foi a época em que a permanência no bloco soviético
afigurava-se como necessária para atingir este objetivo. Do início dos anos 60 aos 70, a
preocupação do PCC voltou-se para a autonomia e independência, pois, apesar dos
inúmeros problemas, o país lograra estabilizar-se, e a aliança com Moscou mais entravava
que auxiliava os planos chineses de tornar-se novamente uma potência de âmbito mundial,
politicamente respeitada e economicamente desenvolvida.
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A partir dos anos 70, a ênfase chinesa voltou-se para a modernização do país em
quatro áreas: indústria, agricultura, tecnologia e forças armadas. O melhor caminho para
atingir estes objetivos seria implementar uma política de reformas econômicas internas,
abrir o país ao dinamismo da revolução tecnológica que se iniciava, associar-se à
"decolagem dos gansos asiáticos" e tirar o máximo de benefícios econômicos e estratégicos
de uma aliança com os Estados Unidos, durante uma fase de distensão internacional. Além
disso, a normalização com o Japão, ocorrida em 1978, permitia a Beijing desmantelar
progressivamente a Pax Americana na Ásia, que mantivera afastados os dois maiores países
da região. Washington percebeu a nova conjuntura unicamente a partir de seus objetivos,
sem levar em consideração todos os futuros desdobramentos desta política. Afinal, a
imagem de chineses bebendo Coca Cola parecia o sinal de uma vitória do Ocidente sobre o
Oriente e do capitalismo sobre o socialismo. O mercado de um bilhão de pessoas parecia
obcecar os EUA, tal como ocorrera com os ingleses no século XIX.
Nesta época, o Japão ingressava decisivamente na III Revolução Industrial,
concentrando-se nas áreas da informática, automóvel, robótica e outros setores de ponta. Os
Tigres, tanto por esforço próprio como em decorrência da nova conjuntura, desenvolviam a
segunda fase japonesa, com o aço, produção naval, automóveis, motores, produtos elétricos
e outros de tecnologia mais avançada. A China, por sua vez, associa-se a este movimento,
recebendo investimentos e plantas industriais japonesas e ocidentais, desempenhando um
papel econômico semelhante ao que fora o dos Tigres, explorando suas vantagens
comparativas e competindo em alguns campos com os países da ANSEA na divisão
regional do trabalho. Contudo, é preciso destacar um elemento que escapa à muitos
analistas respeitáveis. Embora a China possua uma renda per capita baixa e sua população,
segundo os critérios ocidentais, fosse pobre (um povo de ciclistas), o país possuía uma série
de elementos positivos para uma arrancada econômica.
Ainda que marcada por inúmeras dificuldades bastante conhecidas, a RP da China,
não teria de partir do zero, como a Coréia do Sul dos anos 50. O país possuía uma base
industrial considerável (siderurgia, máquinas e bens de consumo), ainda que
insuficientemente modernizada, produção de energia, uma rede de transporte razoável e
alguns núcleos tecnológicos satisfatórios para iniciar o desenvolvimento. Por outro lado, a
manutenção de uma estrutura socialista paralela, bem como de um considerável volume de
população vivendo no campo, permitiram ao setor capitalista da economia dispor de uma
mão de obra abundante a um custo extremamente baixo. Educação, saúde, habitação,
alimentação e transporte público têm um custo baixo na China, permitindo-lhe uma elevada
competitividade (assim, o baixo salário nominal não reflete a situação real dos
trabalhadores chineses). Este é o significado profundo da ambígua expressão Economia
Socialista de Mercado. Além da base material e da estabilidade sócio-política construídas
pelo regime socialista, a China possuía ainda a possibilidade de utilizar outros trunfos, que
haviam favorecido o desenvolvimento de Taiwan, Hong Kong e Cingapura: a diáspora
chinesa e seus imensos recursos financeiros.
Ao alterar a ênfase de sua política da luta de classes para as reformas rumo ao
mercado, a abertura externa e a aliança com Washington, os comunistas de Beijing não
apenas reinseriam o país no concerto das nações, como multiplicavam os sinais de
confiança, destinados a atrair os investimentos de seus compatriotas de além mar,
associando-os ao projeto e modernização e oferecendo-lhes bons negócios. Eles eram 21
milhões em Taiwan, 6 em Hong Kong, 3 em Cingapura, 400 mil em Macau e mais 30
milhões da diáspora chinesa em todo mundo. Esta estratégia será coroada de sucesso,
mesmo em relação aos arquiinimigos do outro lado do estreito de Formosa. O Embaixador
Amaury Porto de Oliveira chega a esboçar o conceito de um capitalismo internacional
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chinês. Com a introdução do princípio de "uma nação, dois sistemas", Beijing conseguiu
negociar exitosamente a reincorporação dos dois últimos enclaves coloniais, Hong Kong e
Macau, previstos respectivamente para 1997 e 1999.
Os resultados das reformas e abertura chinesas logo se fizeram sentir: nos anos 80 o
país passou a exportar alimentos e vem conhecendo um notável crescimento econômico,
que desde os anos 80 tem sido de mais de 10% ao ano (atingiu 13%, enquanto o conjunto
da economia mundial tem sido extremamente baixo, às vezes tendendo à estagnação ou ao
retrocesso). O impacto da inserção mundial da China é imenso, não apenas pela
elevadíssima taxa de crescimento, mas pelo peso econômico e populacional do país (mais
de 1/5 da humanidade), bem como por sua dimensão continental. À revoada dos gansos
integrou-se um condor... , e que possui superávit comercial sobre o Japão e os EUA. O
problema, entretanto, não diz respeito apenas ao peso da China, mas principalmente às
características do projeto chinês. Trata-se de uma potência nuclear, com imensa capacidade
militar, além do fato de tratar-se de um modelo de desenvolvimento de pretensões
autônomas. A República Popular da China, graças à sua capacidade militar de dissuasão,
armamento nuclear, industria armamentista própria, tecnologia aeroespacial e missilística,
bem como por ser Membro Permanente do Conselho de Segurança da ONU (com poder de
veto) é o único país em desenvolvimento que se encontra no núcleo do poder mundial.
Esta espetacular performance, entretanto, tem também sua contrapartida. O
desmantelamento das comunas populares e a descoletivização do campo, se por uma lado
conduziram ao aumento da produção, por outro criaram enormes desigualdades sociais e
uma parcela de camponeses sem terra, que tornaram-se assalariados ou migrantes que
acabam marginalizados nas grandes cidades. Num país com mais de oitocentos milhões de
camponeses, isto constitui um problema grave. Embora em menor intensidade, este
fenômeno também atingiu as cidades, num clima político bem mais complexo. Este
fenômeno se agravará significativamente na segunda metade dos anos 80, com os impactos
da Perestroika soviética.
As reformas soviéticas criaram expectativas imensas de uma rápida inserção
internacional da URSS, mas concretamente levaram o país à beira do caos sócio-econômico
e da desintegração política. Era um caminho bem diverso do chinês. Beijing desencadeara
suas reformas internas e abertura externa essencialmente no plano econômico, sem estendêlas ao político, ao contrário de Moscou, que as iniciou pelo sistema político, uma década
depois. Ora, os reformistas de Deng Xiaoping desencadearam seu processo de mudanças
quando a RTC encontrava-se ainda em sua fase inicial, além de aproveitarem uma
conjuntura internacional mais favorável, conservando seu sistema político unipartidário, o
que possibilitou estabilidade e controle sobre as reformas. As reformas de Gorbachov, por
outro lado, deram-se sem um plano estratégico claramente definido, sem controle político e,
pior ainda, num momento em que a RTC já dera ao capitalismo uma dianteira inalcansável.
Os efeitos internacionais da Perestroika e a facilidade com que a URSS estava sendo
integrada ao sistema mundial em uma posição politicamente subordinada, levaram
determinadas forças políticas (dos EUA, de Taiwan e do próprio país) a tentar levar a China
pelo mesmo caminho. Não se tratava de mera "conspiração", pois as tensões sociais e as
complexidades políticas (ampliação do número de atores políticos, com interesses
específicos) que acompanhavam as economicamente bem sucedidas reformas chinesas eram
consideráveis, além dos dirigentes chineses encontrarem-se divididos quanto aos limites e
ao ritmo destas mesmas reformas. Um mobilização popular multifacética e contraditória
emergia no país, especialmente como movimento contra a corrupção, e o jovem
empresariado e os ultrareformistas do PCC, nucleados em torno do Primeiro-Ministro Zhao
Ziyang, procurou capitalizá-lo em sua luta contra os reformistas moderados
10
("neoautoritários") como "movimento pela democracia". A concentração popular na Praça
da Paz Celestial (Tiananmen), ponto de inflexão deste confronto, ocorria durante as
comemorações do Movimento de 4 de maio de 1919 e a visita de Gorbachov, que deveria
encerrar três décadas de divergência, e motivava os reformistas radicais. A cobertura da
CNN e de outros órgãos da mídia, num momento de divisão e paralisia da cúpula chinesa,
apresentaram o movimento à opinião mundial, e alimentaram-no, exclusivamente como
fenômeno de luta pela democracia.
A repressão militar ao movimento em junho de 1989 e a conseqüente derrota dos
ultrareformistas, impediu que a China tivesse o mesmo destino da União Soviética: a
desagregação do país e o colapso do regime socialista. É, pois, interessante que naquele ano
a estratégia ocidental de luta contra o socialismo teve duas consequências opostas: a derrota
dos comunistas soviéticos, simbolizada pela derrubada do muro de Berlim, e a vitória dos
comunistas chineses, sinalizada pela repressão da Praça da Paz Celestial. Os analistas da
política internacional enfocaram esta contradição argumentando que tratava-se de uma
vitória definitiva sobre a URSS, enquanto no caso chinês, o próprio desenvolvimento
capitalista necessariamente conduziria a médio prazo à adoção de um regime político
calcado no modelo ocidental de democracia liberal (a tese da contradição disfuncional entre
abertura econômica e fechamento político).
O fim da Guerra Fria e os novos desafios ao desenvolvimento e à segurança
O declínio e, finalmente, a desintegração da URSS puseram fim à Guerra Fria e ao
sistema bipolar, abrindo uma nova era de incertezas na construção de uma nova ordem
mundial, numa conjuntura marcada pelo acirramento da competição econômico-tecnológica
mundial. O fenômeno da globalização passa, cada vez mais, pela regionalização, isto é, pela
formação de pólos econômicos apoiados na integração supranacional em escala regional
(União Européia, NAFTA e Mercosul). E a intensidade do processo de globalização
provoca profundos efeitos desestabilizadores, gerando a fragmentação social e nacional,
esta última particularmente presente nos países periféricos. É neste quadro de
reordenamento mundial que a Ásia-Pacífico, particularmente a Ásia Oriental, emerge como
"nova fronteira" do capitalismo, configurando sentido ao conceito braudeliano de Economia
Mundo, agora centrada no Pacífico, em substituição à do Mediterrâneo e à do Atlântico.
Muitos países latino-americanos começam a voltar-se para esta região, e a própria Austrália
passa à "asiatizar-se", percebendo a inviabilidade de manter-se como enclave europeu no
Pacífico. O país já aceita imigrantes asiáticos, que afluem em ritmo crescente, e no início do
século XXI deverá adotar novos símbolos nacionais voltados para a região, e não mais para
a Commonwealth britânica. Alternativa semelhante começa a esboçar-se para a Nova
Zelândia. A economia japonesa, por seu turno, expande-se cada vez mais para os novos
Estados insulares do Pacífico.
O sucesso asiático, e do que alguns chamam de seu "modelo", entretanto, tem suas
contrapartidas. É necessário desmistificar um pouco a propalada supremacia tecnológica
japonesa, que não representa uma superioridade da ciência e da tecnologia nipônicas
enquanto tal, mas sobretudo a eficácia dos mecanismos de utilização da força de trabalho e
do gerenciamento dos fluxos de produção, representados pelo método kanban e pelos
círculos de qualidade, pois uma eficaz gestão just-in-time não requer necessariamente uma
tecnologia extremamente complexa. Além disso, muitos países da região, especialmente a
China, conhecem tendências desestabilizadoras, fruto do acelerado crescimento, bem como
11
pela introdução de mecanismos de mercado numa sociedade ainda marcada pelas formas
socialistas na esfera sócio-política. O fenômeno do rápido incremento demográfico e da
vertiginosa e caótica urbanização, atingem toda a região (exceto o Japão), mas são
particularmente preocupantes na China, pois as reformas afetaram a política de controle da
natalidade, o que é perigoso num país com tal volume da população.
Além disso, a Ásia-Pacífico ainda depende estruturalmente do mercado mundial,
tornando-se vulnerável à pressão de outros países ou a uma eventual crise desarticuladora
do sistema comercial e financeiro internacional. Finalmente, deve-se assinalar que o "bloco"
asiático não existe enquanto tal, pois não constitui um processo de integração
institucionalizado como a União Européia e o NAFTA, mas um conjunto de economias
articuladas através de uma divisão de trabalho apoiada em vínculos internacionais de
mercado, que acaba funcionando como uma espécie de regionalismo aberto, apoiado por
sua vez numa série de arranjos que poderiam ser denominados de minilateralismo seletivo.
A APEC (Conselho Econômico da Ásia-Pacífico), fundado em 1989 representa a principal
forma de articulação regional até o momento.
Os problemas e perspectivas da Ásia-Pacífico não podem, contudo, ser avaliados
unicamente a partir da perspectiva econômica. A segurança regional levanta uma série de
interrogações que, provavelmente, condicionarão as possibilidades econômicas posteriores.
A ascensão econômica da China, potenciando o incremento e modernização de seu
potencial militar e, consequentemente, ampliando sua autonomia político-diplomática,
passaram a preocupar particularmente os EUA, que buscam reafirmar sua predominância a
um custo mais baixo que durante a Guerra Fria, dentro de um cenário internacional de
contornos pós-hegemônicos.
Com o final da Guerra Fria os Estados Unidos tem se desengajado parcialmente da
região, criando novos problemas para a segurança regional. Este problema afeta em
particular os Estados da ANSEA, que congregam uma população de 300 milhões de
habitantes e são responsáveis por um PIB de US$ 320 bilhões. A região é particularmente
sensível ao ingresso da China na economia mundial, por seu peso e por anular certas
vantagens comparativas da região. A ANSEA tem agido com rapidez, estreitando a
cooperação política e econômica entre seus membros, para acelerar o desenvolvimento
econômico e garantir a segurança militar da região. Em 1995 o Vietnã, antigo rival, passou
a integrar a organização, que futuramente poderá abarcar todo o sudeste asiático e Myanmar
(Birmânia).
Dinamizados pelo desenvolvimento de Cingapura e, mais recentemente pelos
avanços da Malásia, Tailândia e Indonésia, a ANSEA também tem conhecido pressões
externas de cunho político, mas que visam essencialmente seu sistema econômico.
Enquanto os EUA e outros países levantam contra a China acusações de violação dos
direitos humanos, os Estados do sudeste asiático tem sido acusados de não respeitar os
direitos trabalhistas, o que diminuiria as vantagens comparativas dos demais países. A este
propósito o Primeiro Ministro da Malásia, Datuk Mahatir Mohamad, ironizou: "quando
éramos meros exploradores de seringais e minas de estanho, ninguém se preocupava com
nossos salários". Devido à obstáculos deste tipo, e face a determinados perfis que se
esboçam na ordem internacional emergente, a Malásia e outros países da região tem
procurado rearticular o Movimento dos Países Não Alinhados e a cooperação Sul-Sul,
dotando-os de novos conteúdos.
No fundo, o alvo ocidental são os elementos constitutivos do chamado "modelo
asiático", que indiferentemente da auto-definição dos Estados como capitalistas ou
socialistas, possuem determinados traços em comum. A noção de mercado capitalista
encontra-se invariavelmente associada a de Estado forte, regulador, planejador e
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intervencionista, baseado em regimes personalistas, autoritários e fundados em partidosúnicos. Segundo acadêmicos cingapureanos, o modelo asiático tem as seguintes
características: a legitimidade dos dirigentes políticos funda-se na eficácia governamental,
há um contrato social entre a população e o Estado, em que a lei e a ordem é oferecida em
troca do respeito à autoridade, desenvolve-se a auto-confiança nos trabalhadores, sem um
excesso de benefícios propiciados pelo Estado, a imprensa deve ser livre mas responsável, e
o individualismo excessivo do ocidente deve ser rejeitado em favor dos direitos da
comunidade. Mais ainda, os direitos humanos são considerados universais e abrangentes,
abarcando os aspectos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos, de forma indivisível,
ao contrário do Ocidente, que os encara primordialmente pela ótica individual.
No plano internacional, estes regimes insistem cada vez mais nas noções de
soberania e na de não ingerência nos assuntos internos, embora continuem achando positiva
a presença americana na segurança regional, como forma de manter a paz e a estabilidade,
indispensáveis à continuidade de seus processos de desenvolvimento econômico. As
questões da democracia e do mercado, que aparentemente introduzem uma clivagem entre
Ocidente e Oriente constituem na verdade, predominantemente uma oposição Norte-Sul.
Novos países periféricos, não ocidentais, ascendem ao desenvolvimento, num momento em
que o antigo Primeiro Mundo parece envelhecer. Com o fim da Guerra Fria isto parece
tornar-se injustificável e insuportável. Daí as manifestações racistas contidas na teoria do
"conflito de civilizações e culturas", de Samuel Huntington.
As reformas internas rumo ao mercado e a abertura externa do Vietnã, com a
permanência de um sistema político fundado no marxismo-leninismo, aproximam o modelo
do país do exemplo chinês. Dramaticamente afetado pelo desaparecimento do campo
soviético, o país restabeleceu relações com a China em 1992 e com os EUA em 1995,
integrando-se rapidamente à economia mundial graças a uma legislação de investimentos
ainda mais liberal que a chinesa. De forma indisfarçável, Washington aproximou-se do
mais jovem candidato à Tigre asiático com a finalidade de fortalecer um grupo de países
que pudessem contrabalançar o peso da China, explorando ainda o contencioso BeijingHanói das Ilhas Spratli, localizadas no Mar da China Meridional e ricas em petróleo. Sem
dúvida, a história tem suas ironias... Este também parece ser o caso da Índia, outro antigo
aliado da URSS, que hoje se integra à economia mundial, e tem sido aventada como uma
alternativa à China. Se efetivamente a Índia vier a buscar um papel econômico como o da
China e do Vietnã, cabe perguntar onde se encontrarão novos mercados e fontes
abastecedoras de matérias primas?
A multilateralidade, que já existia desde a época da Guerra Fria na Ásia, tem se
aprofundado na região. Mais do que meros apêndices da economia japonesa, a China e os
Tigres (da primeira e segunda geração) tem se tornado competidores ambiciosos, embora
suas economias continuem fortemente interdependentes, o que, aliás, também ocorre em
relação à economia americana. Por outro lado, o Japão tem conhecido uma prolongada
crise econômica e política, o que reforça o papel dos demais protagonistas regionais. Na
conferência da APEC em 1994 na Indonésia, decidiu-se estabelecer uma Área de Livre
Comércio na Ásia-Pacífico, com um período de adaptação até 2010 para os países
desenvolvidos e 2020 para os em desenvolvimento. Mas os EUA parecem querer dar ao
processo um conteúdo que implique no afastamento do Japão do multilateralismo,
aproximando-o do regionalismo (a "Comunidade do Pacífico"), em que a interdependência
bilateral destes países ensejaria a criação da economia Nichibei (expressão cunhada a partir
dos caracteres japoneses Nihon, Japão, e Beikoku, Estados Unidos).
Segundo o asianista Henrique Altemani de Oliveira, “a nova política dos Estados
Unidos para a região, expressa na proposta da Comunidade do Pacífico, pressupõe uma
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liderança americana sob uma nova balança de poder entre as principais potências da região,
a China, o Japão, o sudeste asiático, a Rússia e os Estados Unidos, mas ao mesmo tempo
objetiva reduzir barreiras às exportações americanas e aprofundar a interdependência
econômica. Os líderes chineses igualmente aparentam estar operando sob a premissa de que
um sistema de balança de poder está emergindo na Ásia-Pacífico. Os tomadores de decisão
de Beijing estão cultivando relações melhoradas com Moscou e Tóquio e modernizando sua
capacidade militar para conter o que eles vêem como desenho estratégico de Washington
para dominar a estrutura estratégica do pós-Guerra Fria na Ásia-Pacífico. Ao mesmo tempo,
entretanto, perseguem os benefícios econômicos de sua política de ‘portas abertas’, para
sustentar seus esforços no desenvolvimento da economia socialista de mercado”
(OLIVEIRA, Henrique Altemani de,1995, 12).
O Japão, por outro lado, tem procurado minimizar as consequências de seu passado
militarista, que ainda estão presentes no seu relacionamento com os vizinhos asiáticos.
Além disso, Tóquio parece preferir a APEC como uma organização mais informal, como
forma de contornar a estratégia americana. Contudo, o traço mais significativo em relação
ao Japão no pós-Guerra Fria foi o advento de uma recessão prolongada. Ao mesmo tempo
que o país estava fomentando sua reinserção comercial e financeira no espaço regional,
retomando sua tendência pré-1945, e buscava igualmente ocupar um maior espaço políticodiplomático na Ásia, sua economia entrou em crise e mergulhou numa recessão que já dura
quase uma década. As causas desse fenômeno são múltiplas: esgotamento do modelo
político-econômico, renegociação dos vínculos com os EUA e perda de dinamismo devido
ao maior avanço relativo da China.
A “asianização” e a crescente interação entre as sub-regiões asiáticas
A evolução da Ásia a partir do encerramento da Guerra Fria e do desaparecimento
da União Soviética foi rápida e profunda, gerando uma nova realidade ainda não
devidamente avaliada. Hoje, é preciso pensá-la num contexto mais amplo, pois nos últimos
anos suas diversas regiões constitutivas, que encontravam-se compartimentadas, têm se
encaminhado para a fusão em um único cenário estratégico. De fato, o continente asiático
esteve, neste século, submetido a uma série de divisões, cujas formas e abrangência se
alteraram, sem que o problema desaparecesse. A Guerra Fria não fez senão tornar ainda
mais herméticas as fronteiras entre as regiões, tais como o anel insular sob controle norteamericano, a massa continental socialista (dividida desde os anos 60 entre a RP da China e
a Sibéria e Ásia central soviéticas), o sub-continente indiano influenciado pelo neutralismo,
o sudeste asiático em conflito e em disputa, o que também era o caso de outra região
asiática, o Oriente Médio.
Com o fim da Guerra Fria, vários “muros” asiáticos ruíram. A normalização sinosoviética, realizada durante o Novo Curso diplomático da Perestroika de Gorbachov,
aprofundou-se ainda mais com a desintegração da URSS em fins de 1991. Desde então, a
cooperação entre a Rússia e a RP da China tem sido intensa nos campos econômicocomercial, tecnológico-militar, diplomático e de segurança. Especialmente importante têm
sido as vendas de armamento sofisticado e a transferência de tecnologia avançada no campo
aero-espacial e nuclear. Independente das possíveis mudanças que venham a ocorrer na
política interna russa, esta cooperação tende a se manter. A queda do “muro sino-soviético”,
por outro lado, também permitiu a integração progressiva da Sibéria ao dinamismo
econômico da Ásia-Pacífico, seja diretamente ao capitalismo oceânico transnacionalizado,
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seja via cooperação bilateral com o socialismo de mercado chinês. A implantação de um
grande número de joint-ventures , envolvendo as mais curiosas parcerias (por exemplo,
sino-sul-coreanas), estão transformando estruturalmente a geografia econômica da região
siberiana e, consequentemente, a geopolítica da Ásia.
A normalização política que se seguiu aos acordos de paz do Camboja em 1992, por
sua vez, terminou com o isolamento da Indochina em relação ao restante do sudeste asiático
(o Vietnã já aderiu à ANSEA, seguido depois pelo Laos, enquanto a adesão do Camboja
encontra-se temporariamente suspensa). Esta nova dimensão diplomático-estratégica,
associada ao dinamismo econômico da região, propiciaram o acercamento sino-vietnamita e
uma crescente cooperação de Beijing com a ANSEA. Embora ressalte-se muito na mídia
uma tendência ao “expansionismo chinês” na região e exagere-se o litígio das ilhas Spratli,
tanto os interesses econômicos como a criação de um diálogo permanente no campo da
segurança, têm criado uma situação de crescente cooperação entre a China e o sudeste
asiático. Desta forma, não apenas desapareceu o fosso que separava a Indochina da
ANSEA, como também iniciou-se um crescente relacionamento econômico e político do
gigante chinês com toda a área, na qual, anteriormente, o conflito indochinês contribuía
para isolar os atores regionais.
Outra região que possuía uma dinâmica própria e uma inserção internacional
específica, e que hoje começa a vincular-se ao dinamismo da Ásia Oriental, é o subcontinente indiano. A Índia caracterizava-se por uma industrialização substitutiva e autocentrada, e era aliada de Moscou no plano estratégico (vale dizer, anti-chinesa), apesar de
sua diplomacia neutralista voltada ao não-alinhamento e ao Terceiro Mundo. Tudo isto
projetava a Índia mais para o cenário do Oceano Índico do que para a Ásia-Pacífico. O
colapso da União Soviética, a ascensão econômica da Ásia Oriental e sudeste, os efeitos da
globalização econômica e da Revolução Científico-Tecnológica, a normalização das
relações da China com seus vizinhos e as novas ameaças à segurança indiana, levaram
Nova Delhi tanto a abrir sua economia, como a concertar algo mais que um simples modus
vivendi com a China e a integrar-se ao ciclo de desenvolvimento asiático.
Evolução idêntica, mas mais radical, ocorreu com Mianmar, onde a junta militar
fomenta a captação de investimentos internacionais e a inserção na economia mundial,
enquanto procura consolidar um regime autoritário e busca o apoio da China. O país, apesar
da oposição norte-americana e européia, foi recentemente admitido como membro da
ANSEA. É digno de nota o fato que o regime militar logrou controlar os diversos
movimentos armados das minorias étnicas e derrotar os barões da droga e seus exércitos
privados, desferindo um duro golpe no narcotráfico. Contudo, o regime encontra-se sob
forte pressão internacional no campo dos direitos humanos e da democracia.
Quase simultaneamente, o espaço geopolítico asiático ampliava-se ainda mais com o
surgimento de novos Estados, resultantes do desmembramento da URSS. A antiga Ásia
Central Soviética, detentora de uma posição estratégica privilegiada e de imensos recursos
naturais, entre os quais o petróleo, inicialmente manteve sua dependência em relação à
Rússia, nos quadros da Comunidade de Estados Independentes. Mas o rápido declínio
econômico, militar e diplomático de Moscou levaram o Cazaquistão (que recentemente
solicitou sua adesão à ANSEA!), Usbequistão, Tadjiquistão, Quirguistão e o Turcomenistão
a buscar novas alternativas, inclusive porque as potências médias da região, Irã, Turquia,
Arábia Saudita, Paquistão, Índia e China, por razões econômicas, políticas e por
determinadas vinculações históricas, étnicas e religiosas, não permaneciam passivas frente
ao vácuo de poder criado na região, projetando sua diplomacia em direção a esta área.
Assim, além de ampliado, o conjunto asiático tornou-se mais diversificado, com a abertura
de uma “nova fronteira” econômica e política.
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A independência dos países muçulmanos da antiga Ásia Central Soviética, por outro
lado, afetou diretamente o Oriente Médio, ampliando seu hinterland e colocando-o em
contato direto com a Ásia. Como foi mencionado anteriormente, potências médias da
região, como Turquia, Irã, Arábia Saudita e Paquistão, lutam por estender sua influência à
Ásia Central, sendo o interminável conflito afegão um dos pivôs do novo jogo geopolítico.
Além disso, a fronteira impermeável que antigamente separava a URSS do Oriente Médio,
desapareceu com a formação dos novos Estados. Assim, se por um lado o fator islâmico
hoje consegue projetar-se para o interior do território da CEI, por outro, este constitui um
caminho de mão dupla, pois também significa a abertura de um corredor de dificílimo
controle entre a Rússia industrial e os países árabes e leste-africanos. Hoje, por esta região
sensível, definida em fins dos anos 70 por Zbigniew Brzezinski como o Arco das crises,
circulam armas convencionais e não-convencionais russas, muitas vezes à margem dos
governos.
Esta é uma das lógicas da presença americana na região desde a Guerra do Golfo, as
quais conferem sentido à intervenção (fracassada) na Somália e o apoio dos Estados Unidos
(via Paquistão) aos Talibans no Afeganistão. Washington busca não apenas ter um acesso
direto aos recursos econômicos da Ásia central, como procura evitar que a região torne-se
uma espécie de zona de contato entre a Ásia e a Europa. A reabertura da Rota da Seda,
antiga ligação terrestre entre a Europa e a Ásia anterior à Era das navegações, é bem mais
do que um episódio vinculado ao turismo... Contudo, de momento, o mais importante é que
o potencial conflitivo da região e a dimensão de cerco, real ou potencial, que a estratégia
norte-americana provoca (sobretudo em relação à China), fazem com que a noção de
segurança asiática seja ampliada para a Ásia Central e, através dessa, ao próprio Oriente
Médio. Assim, embora esta última região possua vínculos econômicos relativamente
modestos com a Ásia, novos problemas têm permitido o estabelecimento de um contato
mais sistemático entre os dois cenários, anteriormente distantes. Lentamente, a Ásia política
começa a se identificar com a Ásia geográfica e, ainda mais importante, progressivamente
esboça-se a noção de Eurásia, analisada adiante.
A expansão do cenário estratégico asiático para o interior da Eurásia significa a
ampliação de recursos naturais e industriais deste, mas, num quadro de maior diversidade,
igualmente o surgimento de novos problemas e conflitos. Isto afeta tanto aos países da Ásia
quanto aos EUA. Se os primeiros conseguem com isto aumentar seu espaço de manobra
econômica e diplomática, por outro a complexidade contida na nova realidade em formação
acrescenta dificuldades à uma região que atravessa uma evolução acelerada (com todas suas
implicações) e não conta com mecanismos próprios de segurança coletiva. Para os Estados
Unidos, uma Ásia maior, comportando maior número de atores políticos e com uma
economia que progressivamente volta-se para o próprio continente, significa maiores
dificuldades de controle sobre a evolução político-econômica da região.
Existe também outra realidade nova que tem que ser levada em conta quando se
analisa o fenômeno asiático. No estudo dos cenários estratégicos dos anos 90, alguns
analistas referem-se à formação de um Novo Segundo Mundo, nucleado pela RP da China.
De fato, como lembra o politólogo britânico Fred Halliday, até 1989 viviam em países
classificados como socialistas, 1,7 bilhões de pessoas. Após o colapso do bloco soviético,
existem ainda 1,3 bilhões nesta posição. Não se trata, contudo, de considerar-se este como
um simples elemento residual. Sem dúvida, a globalização ligada à Revolução CientíficoTecnológica potencializou um fenômeno que pode ser chamado de crise do socialismo.
Contudo, a derrocada do bloco soviético, um dos resultados deste fenômeno, foi
apresentada pelo discurso oficial das potências Ocidentais como o desaparecimento em
escala planetária do socialismo como modelo social, político e econômico. E a China
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Popular? Este seria apenas um fenômeno residual de caráter político, pois o sucesso
econômico deste país contribuiria justamente para o fim de um regime percebido como cada
vez mais disfuncional, como foi dito anteriormente. Sem dúvida, isto é possível, mas o
“modelo chinês” tem demonstrado ser um projeto bem mais sólido do que pressupõe a
argumentação liberal. As reformas chinesas foram estruturalmente diferentes do imobilismo
soviético, que foi seguido por sua mal calculada tentativa de reforma, e tiveram resultados
igualmente distintos.
Atualmente acadêmicos norte-americanos, como Samuel Huntington, exprimindo-se
oficiosamente, destacam o fim do conflito Leste-Oeste e o desaparecimento de ideologias
globalizantes como o socialismo, tendo sido seu lugar ocupado pelo conflito de civilizações
e culturas. Contudo, para os que conhecem a Ásia mais de perto ou mantêm contato com
acadêmicos asiáticos, fica evidente a permanência do conflito ideológico, isto é, subjacente
aos fenômenos econômicos, permanece a clivagem capitalismo x socialismo, e é como
países socialistas que os policy makers e estudiosos japoneses, indianos e da ANSEA
avaliam a realidade da China e da Indochina. Assim, o Novo Segundo Mundo atravessa uma
NEP (a política econômica socialista apoiada no mercado, que vigorou na URSS entre 1921
e 1927) que, diferentemente da soviética, não se encontra limitada a “um só país”, mas
inserida na economia mundial, sobre a qual influi de maneira considerável. Além disso, ele
está gestando um paradigma alternativo para a construção de uma Nova Ordem Mundial
não-hegemônica, com um modelo de desenvolvimento nacional, de segurança e de
governabilidade (o “modelo asiático”, visto anteriormente), o que atrai a atenção mundial,
numa época marcada pela instabilidade do pós-Guerra Fria.
Este Novo Segundo Mundo mantém uma discreta e sutil cooperação estratégica com
o “Velho Segundo Mundo”, como foi visto antes, e também tem uma relação menos
antagônica do que se poderia pensar com os países capitalistas da Ásia. Por um lado, os
modelos de desenvolvimento e os regimes políticos dos países asiáticos possuem fortes
semelhanças e importantes interesses comuns, sejam eles formalmente capitalistas ou
socialistas. Estes modelos político-econômicos, “autoritários” e “estatistas” na perspectiva
norte-americana, encontram-se hoje sob pressão ocidental, desde o campo dos direitos
humanos ao dos mecanismos comerciais. A tendência dos países da região, então, é a de
afirmar um certo discurso e política comuns. Ocorre, entretanto, que alguns são
extremamente vulneráveis a este tipo de pressão, por sua dependência diplomática, militar e
comercial em relação aos EUA. Desta forma a China, embora esquivando-se formalmente
de desempenhar tal papel, acaba constituindo-se no principal elemento fiador e na garantia,
em última instância, do “modelo asiático”, um dos responsáveis pelo acelerado crescimento
econômico da região.
Existe também um outro fator de longo prazo que encontra-se associado a este
fenômeno. Com a reincorporação de Hong Kong (arrancada à China pelos ingleses durante
as Guerras do Ópio) em 1997, e a de Macau prevista para 1999, para os asiáticos encerra-se
o ciclo colonial, o que coincide com a ascensão econômica da região. E os dirigentes
asiáticos tem perfeita consciência de que sem a China, isto não seria possível, o que não
significa ignorar as profundas divergências intra-asiáticas. Mas agora está se formando um
patrimônio comum, que precisa ser preservado. Observado desde a perspectiva da
geopolítica clássica da virada do século, não seria absurdo visualizar a afirmação da massa
continental, ou Heartland, que passa a desafiar a Ilha Mundial. Estaria esta economia, cada
vez mais da Ásia continental e menos do Oceano Pacífico, em condições de ameaçar a
hegemonia da economia anglo-saxônica centrada nos grandes espaços marítimos
planetários?
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Um elemento chave para responder a esta questão, será a posição que o Japão vier a
adotar. Este país, tido até recentemente como paradigma do desenvolvimento asiático,
encontra-se em crise e na encruzilhada de grandes e inadiáveis decisões. Sua economia
enfrenta uma prolongada recessão, a população está envelhecida, o consenso social começa
dar sinais de esgotamento e o sistema político organizado em 1955, durante a Guerra Fria,
entrou em colapso, e passa por redefinições que, todavia, ainda não estão suficientemente
claras. Contudo, o nó da questão encontra-se justamente na política internacional, em
relação à qual Tóquio precisa definir-se: como parte da economia Nichibei, ou seja, como a
fronteira oriental do império americano (os “asiáticos ocidentalizados”, segundo a tipologia
de Huntington), ou como parte da Ásia e sua fronteira ocidental.
A economia nipônica tem se voltado naturalmente para o continente, as questões de
segurança regional têm obrigado o país a um maior envolvimento local (como no caso da
península coreana) e as pressões norte-americanas para que o Japão enquadre-se ao novo
padrão que a potência “protetora” procura implementar para a economia mundial, levam
muitos estadistas e empresários a defender uma maior autonomia para a nação, apoiando-se
no continente. Mas, por outro lado, o Japão ainda depende significativamente do mercado
dos EUA, são tremendamente vulneráveis às pressões diplomático-militares por sua
dependência em matéria de segurança, além de encontrarem fortes reservas entre os países
do continente, pois as grandes questões herdadas da Segunda Guerra Mundial ainda não
estão solucionadas como o foram na Europa. A prolongada recessão japonesa, por sua vez,
acentua a vulnerabilidade do país e a dependência face aos Estados Unidos.
A península coreana constitui outra região sensível e importante na Ásia, sobretudo
com as possibilidades de reunificação e da associação econômica mais íntima com as
regiões vizinhas, em particular a cooperação com a China. O primeiro aspecto é que a crise
econômica do regime socialista norte-coreano introduziu novas dimensões no jogo regional
e coincidiu com as pressões norte-americanas para a abertura da economia sul-coreana.
Neste sentido, Pyongyang tem usado a questão nuclear, a tensão calculada com o sul e os
riscos que o colapso do regime poderia produzir (sobretudo após a morte do líder Kim Il
Sung) como moeda de troca na negociação de um acordo geral que permita terminar com o
isolamento do país, apesar do ingresso das duas Coréias na ONU em 1991. Sem que a
estrutura sócio-econômica do país tenha sido alterada, o governo norte-coreano tem atraído
investimentos estrangeiros para o país, através do estabelecimento de joint-ventures e da
abertura de uma Zona Econômica Especial para este fim junto ao Rio Tiumen, no extremo
norte do país. Ainda em estágio de implantação, esta tem recebido até investimentos sulcoreanos.
A unificação das Coréias, por mais contraditório que possa parecer, é percebida pelo
Japão e pelos EUA como uma possível fonte de novos problemas, dependendo do perfil de
que possa vir a se revestir. O desenvolvimento sul-coreano atingiu na primeira metade da
década de 90 um nível tal, que o país passou a ser visto como um concorrente pelo Japão,
assumindo também formas próprias que não são do agrado de Washington, como a
crescente vinculação com a economia chinesa, desde o restabelecimento de relações entre
os dois países em 1992. Além disso, a unificação da península criaria uma nova potência
regional de porte demográfico, econômico e militar (possivelmente também nuclear!). Daí
as crescentes tensões entre Seul e Tóquio, expressas em questões como o litígio sobre as
ilhas Tok Do, ou Take Shima (estratégicas e dotadas de jazidas petrolíferas) e de problemas
específicos remanescentes da Segunda Guerra Mundial.
Os recentes distúrbios políticos na Coréia do Sul tem demonstrado a determinação
de boa parte da sociedade em rechaçar uma inserção econômica internacional nos moldes
propostos pelos EUA, bem como de negociar uma reunificação da península dentro da
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perspectiva dos interesses locais. Neste aspecto, parecem convergir desde o movimento
estudantil até setores importantes do empresariado. Assim, a tensão entre as duas Coréias
envolve aspectos sutis não considerados pela versão apresentada pela mídia, como também
os interesses dos atores externos de grande porte (Japão, EUA e China) são muito mais
complexos do que poderiam parecer. Como se conhece pouco a situação das Coréias,
continua-se a percebê-la equivocadamente pela ótica da Guerra Fria. Mas o fato é que, no
momento, a reunificação não interessa a nenhuma das duas Coréias, muito menos às
potências envolvidas. Inclusive tem se esboçado certa cooperação estratégica entre
Pyongyang e Washington, com esta última exagerando o perigo de uma invasão nortecoreana, com o objetivo de manter sua presença militar na Coréia do Sul, controlando-a.
Num plano mais geral, a situação da Ásia encontra-se marcada por uma série de
contradições. Os países asiáticos, mesmo a China, continuam favoráveis à manutenção da
presença militar americana na região, pois ela garante a segurança regional a um custo
reduzido e, ainda, no caso de Beijing, justifica um acercamento entre os asiáticos para
conter o “hegemonismo” de Washington na área. Trata-se de uma postura defensiva que
acaba, em certa medida, por legitimar a China aos olhos de seus vizinhos. Contudo, as
nações asiáticas rechaçam as pressões econômicas e as ingerências políticas norteamericanas, tanto em assuntos internos como externos, que constituiriam justamente os
temas mais importantes para a Casa Branca, já que seu poder bélico não é utilizado
explicitamente.
As ações que os Estados Unidos desenvolvem na região, devido à necessidade de
evitar o surgimento de pólos de poder e de desenvolvimento autônomos na Ásia, conduzem
este país a uma série de “erros”, os quais acabam favorecendo uma razoável acomodação
das divergências de Beijing com seus vizinhos, como no caso dos contenciosos fronteiriços
e das ilhas Spratli. Os EUA tem procurado estabelecer um cerco geopolítico à China, como
bem o demonstram os acordos de Washington com a Mongólia, além de fomentar o
separatismo no Tibet e em Taiwan, com apoio ao discurso independentista, como se
observou nas eleições taiwanesas de 1996.
Os Estados Unidos também parecem dispostos a instrumentalizar política e
economicamente a Índia e o Vietnam como parte de sua estratégia de isolamento da China e
de contenção de seu desenvolvimento, tirando proveito da rivalidade destes dois países em
relação a Beijing. Contudo, Washington parece ignorar que tanto Nova Delhi como Hanói
definem-se estrategicamente pelos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica e pelo ideário
de Bandung, tal como a China. Assim, apesar de divergências concretas, estes três
importantes países asiáticos possuem muitas perspectivas e interesses comuns a longo
prazo. A evolução de seu inter-relacionamento recente parece apontar nesta direção.
As pressões que os Estados Unidos têm também exercido sobre o regime do General
Suharto, acusando-o de violar os direitos humanos e de não respeitar as regras da
democracia, além de apoiar a oposição e de ressuscitar a questão do Timor Oriental, tem
preocupado os demais governos asiáticos e criado um clima propício a um maior
acercamento entre Djacarta e Beijing. Isto adquire maior relevância pelo fato das nações
asiáticas perceberem que os alvos da investida norte-americana são a construção de uma
indústria aeronáutica (impulsionada pelo Ministro Habib) e automobilística nacionais e, em
última instância, o próprio projeto de desenvolvimento indonésio. Qualquer política
deliberada de intromissão externa que questione os regimes autoritários e os padrões locais
de desenvolvimento, acaba por ser percebido como uma ameaça a todos os asiáticos.
O apoio de Washington a movimentos islâmicos fundamentalistas no “Arco das
Crises” (como o dos Talibans no Afeganistão), por sua vez, preocupa sumamente os países
asiáticos, que enfrentam atualmente problemas com relação a minorias étnicas e religiosas.
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No segundo semestre de 1996 os Talibans conquistaram Cabul, implantando o mais radical
dos regimes fundamentalistas, garantindo simultaneamente um corredor para a construção
de um oleoduto para as companhias americanas, ligando a Ásia Central ao Oceano Índico.
Além disso, o fato dos EUA também apoiarem o Paquistão no plano regional, acaba
empurrando a Índia para uma maior aproximação com a China, a Rússia e o Irã.
Outro fenômeno que ainda não recebeu a devida atenção, é o recente
estabelecimento de vínculos externos do pólo asiático com outras regiões. As relações com
os EUA e o NAFTA são tão intensas quanto estruturalmente contraditórias, como foi visto
anteriormente. Trata-se, então, de analisar justamente as novas relações que a Ásia tem
buscado enquanto pólo que almeja uma maior autonomia. Desde as Conversações Marco
Polo, que a União Européia iniciou em Bangkok em março de 1996 com a ANSEA e outros
países asiáticos, tem crescido a cooperação diplomática e econômica entre estes dois pólos.
Alguns autores falam da emergência da Eurásia como uma nova região geopolítica e
geoeconômica. Dentre os três grandes centros de desenvolvimento do hemisfério Norte,
sempre houve vínculos estreitos através dos Oceanos Pacífico e Atlântico, associando a
economia da América do Norte com a da Ásia Oriental e da Europa Ocidental,
respectivamente. Mas desde a derrocada do sistema colonial, Ásia e Europa têm caminhado
separadas, o que agora começa a mudar. A possibilidade de que um triângulo venha
realmente a se formar, poderia alterar o equilíbrio internacional.
A Rússia, por sua vez, ainda que tenha se tornado um parceiro qualitativamente
inferior à antiga URSS, tem mantido com a países-chave da Ásia uma crescente cooperação
em campos particularmente sensíveis, como também foi visto anteriormente. O declínio da
parte européia da Rússia torna ainda mais premente o desenvolvimento da Sibéria, que tem
se articulado ao espaço econômico asiático. As dificuldades de Moscou com a expansão da
OTAN no ocidente tem reforçado ainda mais a postura de buscar alianças compensatórias
no oriente, sobretudo com a China, Casaquistão, Tadjiquistão, Quirguistão e Coréia do Sul.
Além disso, a Rússia constitui precisamente o elo terrestre que serviria de base para a
constituição de um grande espaço econômico eurasiano.
Por fim, importantes países asiáticos individualmente e organizações regionais como
APEC, PECC, ANSEA, entre outras, têm buscado um maior acercamento com países-chave
do Terceiro Mundo, particularmente com os chamados Mercados Emergentes, como o
conjunto da África Austral nucleado pela África do Sul pós-Apartheid e com o Mercosul,
particularmente com o Brasil. Assim, o Oceano Índico estaria se constituindo numa espécie
de rota de ligação com o Sul. A cooperação mais estreita com estas regiões, apesar de
atualmente apresentar um impacto limitado no plano puramente econômico, possui um
potencial promissor a médio e longo prazos, além de representar um elemento estratégico
nas disputas entre os pólos desenvolvidos do hemisfério Norte. Não se pode deixar de
considerar que, pelo fato do pólo asiático constituir em linhas gerais uma área em
desenvolvimento, existe um amplo espaço para o estabelecimento, entre este e os Mercados
Emergentes antes referidos, de uma parceria estratégica capaz de influenciar o futuro perfil
da ordem internacional emergente.
Crise da Ásia, da economia mundial ou conflito estratégico?
O desenvolvimento da Ásia-Pacífico tem tendido para uma interiorização rumo ao
continente e a seu centro. Isto é particularmente visível não apenas na intensificação das
relações econômicas entre os próprios países asiáticos (e menos com as demais regiões do
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planeta), como também pela redução das prerrogativas das Zonas Econômicas Especiais
litorâneas da China (que segundo o governo já não necessitariam mais de incentivos
especiais) e a abertura de novas ZEEs no interior do país. Este fenômeno resultaria, entre
outras coisas, numa redução da capacidade de controle da região pelos Estados Unidos, pois
o sistema internacional anglo-saxão esteve historicamente assentado numa hegemonia
exercida a partir dos mares.
Este fenômeno estrutural torna-se ainda mais intenso pela constituição na área de
uma espécie de simbiose entre formações estatais neocomunistas, ex-comunistas e anticomunistas onde, apesar das complexidades regionais e especificidades nacionais, existe
implicitamente um projeto estratégico que poderia vir a ser vitorioso no próximo século.
Este projeto, como foi visto, é portador de respostas próprias para os desafios do
desenvolvimento material, da governabilidade, da estabilidade social e de novas formas de
regulação para a Terceira Revolução Industrial ou Científico-Tecnológica. Isto não significa
ignorar o potencial de instabilidade inerente ao “modelo asiático”, nem desconsiderar que
alguns de seus aspectos seriam inviáveis a longo prazo, como a universalização da
sociedade de consumo de massa. Mas a inserção do conjunto da população em uma
economia moderna ajudaria a resolver o problema de demanda que se agudiza com o
incremento da produtividade pela RCT, e que não pode ser solucionado a longo prazo pelos
mecanismos de regulação neoliberais, devido ao elevado índice de exclusão social que
produz.
Também é preciso refletir sobre a região sem “olhos norte-americanos”, que
caracterizam a maioria das obras que circulam entre nós, e sim a partir das percepções que a
região possui de si mesma e de suas relações com o resto do mundo. Assim, enquanto o exassessor e atual diretor da CIA, Anthony Lake, apregoa a necessidade dos EUA passarem
do Containment da época da Guerra Fria ao Enlargement, os asiáticos estruturam conceitos
como o de Comprehensive Security, defendendo o respeito aos projetos nacionais e a
necessidade de estabilidade como forma de garantir o bem estar de toda a sociedade.
Já a atual corrida armamentista (particularmente naval) na Ásia Oriental tem sido
percebida de formas diferentes. Enquanto para o Ocidente esta evidencia a ascensão da
rivalidade e da desconfiança entre os Estados asiáticos, para muitos desses representa
implicitamente a capacitação e modernização militar, como forma de dissuadir
coletivamente possíveis ingerências extra-regionais contra sua soberania (conceito hoje
pouco prestigiado no Ocidente, mas profundamente arraigado na Ásia).
Finalmente, pode-se observar que a República Popular da China constitui o pivô de
todas estas tendências. Desde a repressão de Praça da Paz Celestial, o Novo Segundo
Mundo tem se consolidado de forma relativamente autônoma, e Beijing tem ampliado sua
projeção sobre a antiga área de influência sínica. Neste processo, vem sendo importante a
retomada dos princípios confucianos como instrumento de gestão política e social, tanto na
China como nos países integrantes de seu universo cultural.
Fenômenos como o rearmamento do Japão ou a concretização da anunciada Zona de
Livre Comércio da Ásia-Pacífico (que incluiria os EUA), anunciada para o início do
próximo século, dependem do tratamento dado à projeção internacional da China. O
problema é que Washington hoje considera o desenvolvimento econômico de países de
dimensões continentais como uma ameaça ao exercício de sua liderança. Isto é ainda mais
grave em relação à China, país que exibe uma postura diplomático-militar autônoma,
afirmando com novos meios sua postura como Estado Westfaliano.
A crise que atinge a Ásia desde meados de 1997, parece haver enterrado certezas e
suscitado novos enigmas e dúvidas. Depois da crise financeira atingir o sudeste asiático
(especialmente Tailândia, Indonésia e Malásia) e a Coréia do Sul, processou-se a queda de
21
Suharto na Indonésia e as tensões diplomáticas geradas pelas provas nucleares da Índia e
Paquistão. O senso comum passou então, em menos de um ano, do discurso ufanista ao
catastrófico. Aliás, os relatórios do Banco Mundial sobre a situação asiática, de março e
outubro do ano passado, foram reveladores: o primeiro destacou a solidez e o dinamismo
das economias, enquanto o segundo ressaltou defeitos estruturais, má gestão e esgotamento
do modelo. Qual dos dois estaria equivocado?
É preciso analisar a realidade da região em suas múltiplas dimensões e, sobretudo,
levar em conta a percepção que os próprios asiáticos possuem de seus problemas e das
relações internacionais. A primeira constatação é a de que a crise é ainda parcial, no sentido
político, econômico e geográfico. Apenas alguns países e governos foram afetados,
enquanto no campo econômico, ela está circunscrita principalmente ao âmbito financeiro,
pois a base produtiva não foi totalmente afetada, estando inclusive em vias de passar a
novos proprietários, com o desmantelamento dos monopólios coreanos e indonésios,
implícito nos pacotes de ajuda do FMI. Assim, os asiáticos percebem este conjunto de
turbulências como um processo de reordenamento econômico-diplomático, induzido a
partir de fora. Nesse contexto, se perguntam: “quem será a próxima vítima”?
Desta forma, a atitude de Nova Delhi e Islamabad adquirem sentido. A
demonstração de força nuclear em maio de 1998 constitui, provavelmente, uma reação a
fatores de curto e médio prazo. O fim da Guerra Fria reduziu significativamente a
importância estratégica de ambos países e, consequentemente, o apoio das grandes
potências. A Índia teve que abrir sua economia e adaptar-se à globalização, o que vinha
fazendo com sucesso, embora a conjugação destes dois fatores produzissem o desgaste de
seu sistema político (como também o do Paquistão). Em meio aos escândalos de corrupção
dentro das elites dirigentes, e a ascensão de partidos (e/ou do discurso) hinduísta e islâmico
como nova fonte de legitimidade para o poder, a situação interna se deteriorava.
Este quadro abriu caminho para as forças centrífugas: guerrilhas separatistas,
atentados terroristas e ameaças de guerra. A isto se somou certa percepção pânica quanto ao
possível alastramento dos efeitos da crise financeira asiática e da instabilidade política,
contida na derrubada do General Suharto e na continuação das pressões externas e internas
contra seu sucessor Habibie, e seu projeto de capacitação tecnológico-industrial do país.
Não esqueçamos que a não-ingerência em assuntos internos é o princípio mais caro à
tradição diplomática da Ásia. Neste sentido, os esforços das organizações internacionais e
de grandes potências visando o desarmamento nuclear das potências médias, aumentaram
os temores de ambos países, pois isto se dá num contexto de reordenamento mundial, que
estabelece uma nova hierarquia de poder, a vigorar no início do novo século.
A saída encontrada por essas elites ameaçadas e envolvidas em problemas graves,
foi reviver o nacionalismo, através de uma demonstração de força, tanto com fins
domésticos como diplomáticos. As populações e os partidos saudaram, quase
unanimemente, a bomba hindú e a bomba islâmica, legitimando seus governos. No plano
externo, tratou-se de criar um fato capaz de propriciar uma barganha com as grandes
potências. Afinal, a Coréia do Norte, à beira do colapso, não soube jogar tão habilmente a
carta nuclear, tendo obtido ajuda internacional e um modus vivendi extremamente
conveniente com os Estados Unidos?
No cenário de uma crise iniciada na Ásia, mas que com o colapso financeiro da
Rússia ameaça tornar-se mundial, o papel da China mais uma vez configura-se crucial. A
recente visita de Clinton a este país reforçou tal percepção ainda mais. A possível
desvalorização do Yuan, a moeda nacional, não apenas é encarada como evidência das
possíveis dificuldades chinesas, como principalmente afetará todo o planeta, potenciando a
crise financeira mundial. Assim, além de potencial vítima da turbulência financeira
22
internacional, a China detém a posição de protagonista privilegiada para o desenrolar dos
acontecimentos.
(Draft paper 27/8/98, em fase de revisão contínua até a data da ANPOCS, visando
acompanhar os desdobramentos da “crise asiática”)
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